Um texto sobre as protagonistas femininas de séries animadas adultas..

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Então… mais ou menos um ano atrás eu escrevi aqui o meu texto sobre a Desconstrução do Canalha, que já era mais ou menos um remake do meu primeiro texto de Bojack Horseman. Os dois textos são sobre um tema que me intriga muito que é a maneira como comédias animadas para adultos tem uma tendência enorme em tirar seu humor de protagonistas desagradáveis. E esses protagonistas intencionalmente ou não por parte dos autores, e com alguma dose crítica ou não por parte dos autores acabam na missão de serem desagradáveis e serem destacados por seus defeitos se tornando símbolos muito claros de alguns comportamento masculinos tipicamente enquadrados no termo “masculinidade tóxica”.

Pois a necessidade de serem fortes, seu narcisismo, sua rejeição ao feminino, sua necessidade de se validar hierarquicamente perante as personagens femininas e sua necessidade de ser visto como um homem estão entre os defeitos que tornam esses personagens icônicos. E bem, isso pode ser só para gerar risos (sempre às custas do protagonista), ou pode ser desconstruído pela desconstrução do canalha. Ou as séries ainda podem inovar colocando uma pessoa agradável e bem-intencionada para protagonizar uma animação adulta, alguém que não seja o errado do momento. Tem várias respostas e reações a essa tendência que se originou quando decidiram que o Fred Flinstone seria um grande escroto (que se redime pelo amor a família)

.Mas bem…. Como dizem por aí: THE FUTURE IS FEMALE!

A modernidade chegou e agora temos mulheres protagonizando comédias animadas para adultos. Conseguimos gente, algo que parecia impensável, algo novo. Ok, não é impensável, pois tínhamos a Daria… mas é isso. Nós tínhamos a Daria Por vinte anos nós tivemos a Daria.

E a influência da Daria como algo diferente e marcante segue presente até hoje. A Daria deixou sua marca, mesmo tendo demorado 20 anos pra deixar sucessores.

E nós poderíamos ter tido a Daria e a Helga Pataki…. Mas sabe o que aconteceu? Recusaram a proposta do spin-off para um público mais velho da Helga Pataki, pois esse spin-off era parecido demais com Daria. E era isso. A Daria não podia nem mesmo ter clones.

Alguém falou pro Seth MacFarlane que Family Guy era parecido demais com The Simpsons? Claro que não! Isso era o oposto de um problema! Olha bem pro mercado da animação adulta e se pergunta sobre porque só a Daria não podia ter um clone.

Mas hoje? No momento atual? Temos Bean de Disenchantment, temos Tuca e Bertie de Tuca and Bertie, temos Harley Quinn de Harley Quinn, tivemos Reagan Ridley de Inside Job, mas essa foi cancelada. Eu não sei se ainda temos Chrissy Feinberg de Little Demon, pois eu não sei se isso vai ganhar segunda temporada ou não. Teremos Charlie Morningstar quando Hazbin Hotel estrear oficialmente, por hora temos só o piloto que circula por aí faz três anos. Temos a Trophy de Teenage Euthanasia. Temos a Velma do reboot mais criticado e mal-visto da história de Scooby Doo, Velma. E temos a Judy Ken Sebben, a Birdgirl de Birdgirl…. não é tanto se eu posso listar todas elas em um único parágrafo. Mas são o suficiente, pra uma delas poder ser a série mais odiada da história do imdb, e não parecer que o público trata pior esse tipo de série, somente especificamente Velma.

E o grande lance delas, é que justamente. Por serem mulheres, elas existem completamente fora da tradição de se elas vão ser notáveis pela maneira como sua masculinidade e canalhice se intercalam ou não. Elas não existem na escala Bob Belcher → Eric Cartman. E quando um roteirista cria uma nova série animada com uma protagonista feminina, ele não tem que decidir, se ela vai ser o estereótipo do homem canalha, para fazer chacota de homem canalha, se ela vai ser o estereótipo do homem canalha para pensar em que fatores trazem a masculinidade tóxica do homem a tona, ou se ela vai ser um homem não-canalha e vender um modelo melhor de como ser pai e marido. Essa pergunta não existe pra ela, pois ela não é um homem em primeiro lugar.

Então quais perguntas existem? Elas ainda são desagradáveis que nem o Homem Canalha é? Quais seus pontos de carisma e redenção? Qual a relação delas com seus defeitos? Como essas séries lidam com moralidade? Como se geram os conflitos? E principalmente: o que isso traz de novo para o mundo da comédia animada adulta, que desde Rick and Morty, muita gente tem começado a achar bem estagnado.

Esse texto é para pensar nessas perguntas! Pensar em como está esse nicho agora que essa barreira foi cruzada.

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Porque esse texto é feito em homenagem a todos os que já me apoiam. Agradeço demais a mais um mês de apoio, e saibam que vocês são os verdadeiros heróis aqui. Espero que gostem do texto.

Mas pra começar essa conversa, temos que antes definir algumas coisas. A principal delas.

O que diabos é uma animação adulta?

É animação em que os personagens podem abertamente falar de sexo e falar palavrão.

É só isso.

Seu conteúdo é inapropriado para crianças, pois tem sexo ali! Mas o que isso significa? Significa que a série vai tratar com maturidade e sensibilidade assuntos não-infantis? Não necessariamente.

A verdade mesmo, é que a maioria absoluta das animações “adultas” tem como público-alvo jovens entre 12 e 18 anos, e capitalizam no fato de que na perspectiva deles, ver menções explícitas ao sexo, à violência, ao uso de drogas, às minorias e à cultura pop é uma novidade que rompe com as normas dos desenhos que eles viam até então. E a animação adulta se sustenta inteiramente nesse choque e nesse contraste.

E sim. São esses cinco elementos as grandes marcas. Vamos recapitular eles um a um? Vamos!

O sexo é verbalizado. Animações adultos gostam de sexualizar tudo, falar de órgãos genitais, de posições, de fazer personagens serem explicitamente horny.

Porém mais da metade desses desenhos vem de um lugar desconfortável com sexo. Só tem dois tipos de cena de sexo em uma animação adulta normal. Ou é o clássico offscreen, em que um beijo corta pra dois personagens sem camisa em uma cama. Ou é algo extremamente gráfico e exagerado para gerar risos e constrangi sobre com como o ato é estranho e grotesco. Ninguém quer fazer um desenho ser sexy, pois aí seria pornografia, e pornografia é errado. Ninguém também quer ter uma conversa série sobre sexo, pois isso é desconfortável. Então eles querem só ser horny e ser vulgar.

O fato de Big Mouth conseguir causar a impressão de que é didático e levanta conversas séries sobre sexualidade é só um sinal do quão baixa está a nota de corte.

Apesar disso, uma animação adulta normal não possui mais nudez do que uma animação infantil. Nenhuma mulher ser desenhada com o peito de fora em nenhum contexto é uma regra rígida até hoje. Até em desenhos que são exibidos na HBO. Sabem, a mesma HBO de Game of Thrones… digo Tuca and Bertie fez cenas de topless (sem teor sexual, só nudez), na sua primeira temporada, mas foi cancelada e aí foi pro [Adult Swim] e no [Adult Swim] é proibido cenas de topless, então nunca mais se repetiu da segunda temporada em diante.

Isso daqui é cruzar fortemente os limites do aceitável na animação adulta.

O sexo é só uma coletânea grande de insinuações, de gente com tesão excessivo e de lembretes de que pênis é um conceito hilário. Então fazer piada de pênis é engraçado e garantia que a audiência vai chorar de rir.

A violência. Essa está 100% liberada! A violência chama a atenção desses desenhos mais do que o sexo. Pois reforço, o sexo é só um assunto. Esses desenhos se dão a liberdade de desenhar as personagens como super-gostosas e hiper-sexualizadas (nada que não role em animação infantil, honestamente), mas no geral são muitas linhas que não se cruzam. Mas violência, esse eles adoram cruzar linhas.

Eles zoam isso diretamente no primeiro episódio de Velma. Em que durante o banho, Daphne zomba, de maneira meta, de séries colocarem mais nudez no primeiro episódio que no resto, deixando claro que aquela cena de banho seria só no primeiro episódio. Porém o banho dela é interrompido com ela achando um cadáver que teve a cabeça aberta e o cérebro arrancado, não seria a única vez que veríamos um assassinato grotesco na série.

E não falo só de soco e sangue. Violência psicológica, abuso, body-horror, mutações. Tudo o que puder chocar o espectador visualmente e não possuir um mamilo, é um plus dessas obras.

O objetivo é sempre causar no expectador a sensação de “Ok, eu definitivamente não vejo isso nos desenhos infantis”, e a palavra-chave é ver mesmo. Pois violência pode ser descrita verbalmente em desenhos infantis, só não mostrada. Aqui a gente pode ver coisa pesada.

Como a ideia é mostrar coisas que você não está acostumado a ver, naturalmente tudo funciona melhor com adolescentes, porque quanto mais repertório você tem, menos você se impressiona.

As drogas, aparecem só como fonte de humor. Nenhuma conversa séria sobre usuários de droga serem gente normal, ou sobre como se lida com vício. As drogas estão naquele tom boomer de que o personagem usa e instantaneamente começa uma viagem psicodélica maluca que as vezes não tem nada a ver com a substância que foi usada. Mas reforçam que estar chapado é uma maluquice. Isso para as drogas ilícitas.

Protagonistas de animação adulta costumam amar cerveja ao ponto deles beirarem o alcoolismo pesado. De uns tempos pra cá, a Desconstrução do Canalha resolveu tratar como alcoolismo, aquilo que o Homer Simpson e o Peter Griffin trataram só como amor hiperbólico a cerveja. Muitos exemplos em que cerveja é simplesmente um motivo pra se viver. E reforçando o contraste com como em desenhos infantis, adultos raramente podem ser retratados bebendo álcool.

As minorias são porque apesar das acusações da fascistada de que os desenhos são só lacração hoje em dia, a maioria das animações só sabe trabalhar pauta social como metáfora. Eles podem fazer dez mil episódios em que um grupo fictício de pessoas sofre discriminação por ser diferente, mas nunca tocar no assunto de que tem grupos reais, dos quais a criança conhece gente que faz parte, sofrendo aquela discriminação.

Maior exemplo disso é o episódio de Teen Titans, em que o Cyborg vê a Starfire sofrer racismo e leva pro pessoal, por causa dos sentimentos de marginalização que ele sofre por ser metade robô… o outro motivo pelo qual o Cyborg fica puto com racismo é obviamente algo que jamais será mencionado.

Então as animações adultas mencionam! Eles adoram piadas sobre relações raciais, ou sobre sexismo, ou sobre diversas sexualidades, adoram entrar em todo esses assuntos pelo humor. E assim, a maioria dessas piadas não tenta ser preconceituosa (o que não significa que parte delas não seja preconceituosa mesmo assim), mas o ponto dessas piadas é que elas são sempre contadas da perspectiva do personagem que não é a minoria.

A ideia é menos fazer um ponto sobre racismo, e mais fazer um comentário sobre o protagonista da animação adulta ficar desconfortável por não saber exatamente como lidar e que comentários são aceitáveis quando na presença de alguém que é parte de uma minoria. E isso torna o personagem identificável para uma audiência de jovens homens brancos confusos quanto a como ser politicamente corretos, mas especialmente, serve de contraste com a animação infantil, por mostrar o que os desenhos não mostram. Mostrar que racismo existe.

E por último, cultura pop, que foi um ponto que eu levantei, não porque é adulto ou impróprio ou algo que não devia ser mostrado pra crianças…. Mas porque é algo que de fato tem muito mais na animação adulta do que na infantil.

E aqui eu quero fazer a diferença, eu não me refiro referências a cultura pop como fazer o personagem imitar uma cena de um filme famoso, ou se vestir como um personagem. Não, esse tipo de homenagem rola o tempo todo em desenho infantil. O que rola bem pouco é fazer os personagens citarem de fato nomes de filmes e terem filmes favoritos, ou menções a artistas reais, atores, diretores cantores.

E a animação adulta simplesmente ama fazer isso! De verdade, eles amam toda chance de de repente falar sobre o que o roteirista achou de determinado filme. E isso, também gera uma sensação forte na audiência, de que esses desenhos passam no nosso mundo!

O Rick é gente como a gente, ele não gosta de Inception.

Paródias de celebridades (dubladas por si mesmas ou não) são algo que aparecem em várias animações para adultos.

E eu mencionei esse último item, para ressaltar que a animação adulta não se destaca só pelo que criança não pode consumir ou não entende. Ela se destaca pelo que a programação infantil não faz. Não tem o hábito. Pois a animação adulta até hoje ainda existe em função do contraste com a animação infantil. Eles ainda se sustentam no choque de “Uau! Eu não vejo coisa assim em Kim Possible”. Eles ainda são julgados por como se comparam com a animação infantil e agem como se quisessem marcar o território.

No começo era mais marcante isso, quando a reapropriação de personagens infantis era uma marca desse contraste…. mas mesmo isso não foi embora completamente…. temos a Harley Quinn aí. Nasceu em animação infantil, brilha na própria animação adulta hoje.

Agora…. Tem exceções? Tem, pra literalmente todos os exemplos! Pra tudo! Pois nada disso é regra, isso são tendências e padrões. Tem muito desenho infantil e adulto que já foi fora de padrões. Mas mesmo sabendo que pra tudo tem exceção é importante entender padrões, pois as exceções ao quebrar os padrões ainda estão dialogando com eles.

E eu queria muito estabelecer como a animação adulta busca usar contraste com aquilo que a animação infantil não mostra para gerar um choque de que aquilo era especial e diferente para um público que é jovem e ainda não é adulto de fato, que são o público-alvo desses programas. Pois com isso estabelecido, eu posso falar de protagonistas.

Protagonistas de animação adulta:

Estabelecemos então que a animação adulta até hoje tem dificuldade de existir como uma mídia independente da animação infantil, e ela quer se destacar pelo contraste e por fazer coisas que os desenhos não fazem. Isso se reflete no seu protagonista. Pois se protagonistas de séries infantis são heróis, pessoas que darão ouvidos a sua consciência e pessoas bem intencionadas. Os protagonistas são anti-heróis. Pessoas movidas por impulsos, que priorizam o bem-estar acima da coisa certa a se fazer.

Esses personagens trazer um ar cínico pras animações adultas. Elas não são interessadas em ter uma moral da história, em ter um mundo em que boas ações são recompensadas. Elas vivem em um espaço em que o egoísmo é recompensado, o mundo não é justo, mas caótico e distorcido, e em que idealismo soa como coisa infantil.

Desde sempre isso trouxe debates sobre se esses personagens eram mau exemplo para as crianças ou não (mostrando como de fato nunca se sai da sombra da animação infantil), Mas a animação adulta de fato prioriza o humor, e quase todas as séries grandes para adultos são primariamente comédias. O que isso significa? Que obviamente o protagonista ser escroto é cômico, e a comédia só é possível se o público está ciente da obvia resposta correta.

Quando Flanders salva a vida de Homer, e fala pra Homer “você teria feito o mesmo por mim”, para concluir com Homer imaginando a si mesmo feliz na rede rindo enquanto Flanders morre num incêndio; essa cena só é cômica, porque é óbvio que o pensamento de Homer é absurdo. A piada só funciona se for um pensamento inaceitável.

E esses personagens todos tiram humor do que é reconhecidamente inaceitável.

Por isso muita gente fala que esses personagens estão aí inspirando imitadores, mas a intenção de pôr os protagonistas como gente que precisa ser malvista é óbvio.

Mas fica complicado quando os autores aproveitam e colocam nesse protagonista canalha, os meios deles falarem aquilo que não fica dito nas relações sociais. De usar o jeito rude e canalha dos protagonistas para poder desabafar algo que eles nunca fariam um herói de fato dizer.

E esses personagens acabam servindo de válvula de escape, por poderem viver a vida que nós queremos viver, mas não podemos.

O que significa não meramente serem egoístas, existem mil maneiras de se ser egoísta, no caso deles é viver por impulsos. Viverem no mau-hábito. Viverem no excesso. Abdicarem de fazer a coisa certa não em troca de poder, mas em troca de comida, bebida, drogas, mulheres. Pessoas que nos fazem pensar: “É, eu queria poder uma só vez deixar meus amigos na mão para cuidar dos meus prazeres”, o que é algo que podemos pensar e fantasiar, pois não podemos fazer.

Animação adulta gosta de ter uma moral da história, e seus protagonistas são sempre o contraexemplo da moral. A moral é quase sempre: “não dá para fazer o que o Homer, o Peter Griffin, o Archer, o Bojack, o Rick, o Shake, o Stan Smith, o Cartman e o Rusty fazem Por mais que fiquemos tentados, agir como eles só dá merda.”

Se misturarmos o fatos deles falarem aquilo que o homem médio deixa não-dito, por ser inapropriado, com o fato deles serem o contraexemplo da lição de moral, com o fato dos episódios quererem retratar dinâmicas sociais com tensões como….. as relações de gênero. Acho que já dá pra ver que esses protagonistas não exatamente grandes exemplos de como se tratar uma mulher.

Essa fala incel do Duckman marca ele como um grande arrombado, mas no clipe da cena no youtube é só gente concordando com ele.

Se eles forem casados, eles dificilmente irão trair a esposa. Mas serão maridos ruins e a personificação de muitas frustrações que mulheres casadas têm. Se forem solteiros, aí sua vida sexual vai ser uma bagunça, e eles serão culpados de dormir com mulheres que eles não tem o menor interesse em saber o nome ou em continuar interagindo com depois de gozar.

Todos esses desenhos têm heroínas, personagens femininas que ocupam uma posição central na série. Alguns têm uma só, outros têm mais de uma. E pelo menos uma por série terá interesse em pautas sociais que serão completamente desmerecidos pelo protagonista. Nessas horas os autores, que vai sem dizer, mas são majoritariamente homens, meio que vão meio que jogar nos dois times. O episódio sobre questões de gênero vai na maioria das vezes tomar sem ambiguidade nenhuma o lado das mulheres. O tom do episódio e a moral da história vão tomar o lado de “machismo é errado” e “igualdade entre os gêneros é importante”. Mas o protagonista não vai tomar esse lado, e qualquer homem assistindo que não seja desconstruído vai poder rir das falar dos protagonistas que serão ditas.

O protagonista masculino raramente vai ser um personagem empático as dificuldades e lutas das personagens femininas, mas a série sempre que possível vai por o problema de machismo por parte do protagonista como parte de um ciclo de machismo. Em que ele foi criado por um homem machista, que por sua vez foi criado por um, e tem toda uma linha de toxicidade se perpetuando. A grande maioria dos protagonistas de animação adulta que seja um homem tóxico e machista, tem um flashback de como seu pai era ainda pior. E de como as chances dele crescer diferente e menos cagado foram arruinadas cedo pela influência dos adultos a sua volta.

Então o que eu quero frisar aqui? Que o gênero foi moldado pela tendência a protagonistas escrotos, hedonistas e canalhas, e os defeitos dos protagonistas tendem a incluir sexismo e descaso com mulheres, o que o episódio se lembra de enquadrar como condenável, mas que isso não impede o público de rir-com-empatia dos comentários do protagonista.

Agora porque eu falo isso? Porque infelizmente, o mercado de animação adulta não tem aquela auto-estima toda ainda. O que significa 34 anos desde que os Simpsons estrearam, eles ainda querem surfar o sucesso de outras séries para se validar. Então Simpsons é derivativo de Flinstones. E Family Guy e South Park são derivativos de Simpsons. E Rick and Morty e Venture Bros, e BoJack Horseman, todas essas séries parecem querer muito ser comparadas entre si, e se inspiram uma nas outras. E não é acaso que toda série de animação adulta, aparenta viver em um eterno crossover imaginário mesmo não pertencendo aos mesmos canais.

Por isso que até hoje o gênero que domina a animação adulta é a sitcon familiar, com exemplos tão singulares de animações que sejam de ação, aventura ou saiam do formato sitcon. São ótimos e deixam marca, mas saem com uma frequência bem menor.

E a pergunta é: como as séries de protagonistas femininas entram nesse ambiente derivativo? Elas se destacam de tudo e oferecem algo completamente novo? Ou elas só nos apresentam a versão feminina do Peter Griffin?

Pois bem….

As protagonistas femininas:

Antes de mais nada vamos deixar claro. Em uma série de TV, a palavra “protagonista”, pode se referir a um único indivíduo que é o personagem central do show, mas pode se referir a um grupo de personagens, que são os personagens centrais do show enquanto grupo, o que em termos práticos significa: “Aqueles que a gente espera que apareçam em todo ou quase todo episódio, e tenham com o mínimo de regularidade, o próprio episódio de tempos em tempos.”

Ou seja, sob certa perspectiva, quase toda série de animação adulta tem uma protagonista feminina. A Lisa Simpson é um. A Leela é um. A Lois Griffin é um. A Diane Nguyen é um. A Princess Carolyn é um. A Summer Smith é um…. Essas personagens são personagens protagonistas, elas tem seu próprio desenvolvimento, elas tem episódios de destaque. Elas estão no centro da série, elas só não estão no centro do centro da série.

O que não é demérito nenhum de qualquer um querendo fazer a retrospectiva de mulheres ocupando papéis importantes na animação e querendo falar da Lisa ou da Diane… nem pra rebaixar elas a coadjuvantes, pois isso ainda é ser protagonista. Mas é sobre… O que muda quando a personagem é também o grande rosto da série?

E bem, elas continuam sendo definidas por seus defeitos e por seus maus hábitos. Mas diferente de Homer, Peter, Archer, Rick e BoJack que tem uma tonelada de defeitos em comum, elas não tem exatamente os mesmos defeitos.

Daria é uma jovem sarcástica e rude, que não respeita a mediocridade aos eu redor e que se recusa a se envolver emocionalmente e a baixar a guarda diante dos outros, sendo constantemente hostil.

Bean é uma princesa beberrona, sexualmente ativa, e desobediente aos protocolos, que apesar de tentar fazer a coisa certa, constantemente causa problemas por sua falta de disciplina e por seus privilégios.

Harley Quinn é extremamente impulsiva, e não tem a menor capacidade de antecipar as consequências de suas ações. Ela projeta suas frustrações, transformando rancores que ela tem com uma pessoa, no problema de outra pessoa. E ela é principalmente violenta, buscando soluções hiperbólicas e cruéis para problemas que são inconveniências, tendo pouca consideração ou empatia por quem não é do círculo próximo dela. Mesmo com os amigos se nota que as vezes o egoismo dela ignorou a necessidade das pessoas ao seu redor.

No caso de Tuca e Bertie, a Tuca é definida pelos seus maus hábitos ativos. Ela é inconsequente, irresponsável, autocentrada, adere a sexo e drogas em doses insalubres, e ativamente causa problemas. Os defeitos de Bertie em contraste vão na contramão disso, então eu falo de Bertie mais tarde, vamos por hora tratar como se a Tuca fosse o nome que vem primeiro em Tuca and Bertie, e focar nela que está mais em sintonia com as demais.

A Charlie de Hazbin Hotel não tem um único mau-hábito, não sendo nem sequer ingênua em excesso, essa se safou, é um anjo e um bom exemplo se destacando em um mundo sem nenhum traço de moralidade, que é o literal inferno.

A Judy de Birdgirl também não tem exatamente maus-hábitos, só é uma pessoa bem-intencionada e atrapalhada tentando equilibrar uma vida dupla. Assim como a Charlie, essa é a outra exceção.

Agora a Reagan de Inside Job é obsessiva, auto-centrada, megalomaniaca, hostil com todo mundo e uma pessoa tão focada na carreira, que pode as vezes ver seus colegas de trabalho como utensílios para ajudá-la a avançar. Ela também pode ou não estar no espectro autista, o que não é um mau-hábito, mas não torna mais fácil para ela socializar de maneira que não assuste os outros.

A Trophy de Teenage Eutanasia é uma mulher que abandonou a filha para viver uma vida de riqueza, promiscuidade e drogas, ela teve dois casamentos que deram errado, mas deixaram uma puta herança, teve uma depressão acentuada por excesso e drogas e se suicidou. Só agora seu zumbi vive junto da filha que ela abandonou, demonstrando sentir pouco arrependimento pelo que fez. Ela pagou o preço por seus maus hábitos em vida, mas não aparenta ligar pra isso em seu pós-vida, ainda preferindo ter vivido sem responsabilidades e morrido cedo, a ter sido uma mãe num subúrbio.

A Chrissy de Little Demon é uma boa criança olhando bem. Ela tem alguns problemas de raiva com a própria mãe, e é muito imatura, mas de maneira condizente com sua idade. Ela está de boa também. Olha só, já achei três exceções, só algumas são realmente marcadas por maus-hábitos.

E a Velma de Velma é extremamente arrogante e ressentida. Ela não respeita os outros e tem problemas de auto-estima baseado em como foi tratada por ser deslocada, e assim presume que não será respeitada e que ela pode desrespeitar de volta.

O que elas tem em comum não é o defeito. É a condição. Todas elas não estão ocupando o espaço que as pessoas ao seu redor acham que elas deviam ocupar. Então elas são inadequadas. Pessoas que não vivem seguindo um script imposto e que chamam reação negativa de seus pares. E nesse contexto, as que respondem isso com um mau-hábito, tem esse mau-hábito repensado na forma de uma rebeldia.

O que marca a primeira grande diferença delas com os protagonistas masculinos. Como os defeitos e egoísmos do personagem são recontextualizados perante a hostilidade do mundo a sua posição. De maneira que dilui muito a parte “má” do mau-hábito.

Homer, Peter, Fry, Archer e Duckman são pessoas que tem um emprego extremamente estável apesar deles trabalharem com a bunda. São extremamente sortudos em fazer as coisas somente darem certo apesar de sua incompetência. E no geral eles representam o estadunidense médio, ou seja, representam o espírito de um homem que emburra as responsabilidades com a barriga e vai dando um jeito conforme as coisas acontecem, e isso dá certo. Esses personagens não são inadequados, exceto quando são vulgares em ambiente em que não é pra ser vulgar.

Eles todo seguem o script, seguiram com esforço mínimo, e tiraram o mínimo, mas eles não chacoalham o sistema ao seu redor. Assim como Frank Murphy de F is for Family que é azarado, lida com desemprego constantemente e sofre stress imenso devido ao desrespeito que ele sofre no trabalho, o que ele desconta na família. Ele não está confortável, ele está em dor, mas ele segue o script. Ele se mantém ocupando o espaço que esperam dele.

A Bean não segue o Script, ela nunca faz o que se espera dela, e o centro de boa parte dos episódios é isso. Ela não é uma boa princesa, e ela não tanka viver longe dos confortos da realeza. O reino não tem espaço para a princesa livre que ela quer ser.

E diferente de Frank Murphy, a história não é sobre elas se adequando ao seu devido lugar na má vontade e descontando nos outros, a história é sempre sobre a sua recusa em ocupar o lugar que ela devia ocupar.

E daí florescem seus defeitos. Seja seu foco excessivo na carreira acima das pessoas, seja ser auto-centrada e ignorar os problemas dos amigos por só ligar para os seus, ou seja se rebelar da pressão e julgamento por ser inadequada através de sexo e de drogas Tudo isso é uma consequência delas insistirem em não se adequar ao mundo e seguir sendo elas mesmas. Trophy literalmente morreu por se recusar a exercer seu papel de mãe, e seu zumbi faria tudo de novo, e diz isso na cara da filha.

O que me leva ao caso da Bertie A melhor amiga de Tuca em Tuca and Bertie. Bertie também é marcada por seus defeitos. Mas seu defeito é seguir o Script. Bertie é uma mulher que trabalha, não ocupa posições muito altas em seu trabalho, atura assédio, mora com seu namorado arquiteto, e é extremamente focada em agradar tudo e a todos e a não balançar o barco com seu trabalho ou namorado, e o preço disso são uma série de desejos pessoais que ela deixa em segundo plano.

Mas Bertie não serve com um “bom-exemplo de comportamento” para contrastar o “mau-exemplo” de Tuca. Não. As duas servem como um grande Ying e Yang, em que Bertie empurra Tuca para longe das armadilhas de seu jeito de viver, e Tuca em contraste empurra Bertie para longe das suas armadilhas também. Uma ajuda a outra.

Enquanto os defeitos do protagonista homem costumam ser justificados por como eles foram moldados e adequados por um mundo tóxico e naturalizaram isso. Os defeitos da protagonista mulher vem delas não naturalizarem aquilo que ocorre em volta delas, e responderem de maneira agressiva que complica suas relações sociais. 

E eu não disse isso pelo nome, mas acho que está bem óbvio que o motivo pelo qual essas mulheres estão se recusando a se encaixar em um molde pré-determinado do lugar que elas deviam ocupar, é porque esse molde é machista. Porque não se adequar significa não se adequar ao machismo.

O secundário machista:

Como eu disse lá em cima, nas séries animadas adultas com protagonistas homens, o protagonista muitas vezes é o contraexemplo, e o alvo do episódio com a moral feminista. E o machismo casual que ele pratica será abordado. Quando a protagonista é feminina, e o machismo com o qual ela interagem não é o tema de um episódio especial sobre feminismo, mas a rotina dela, então temos um personagem regular representando visões não-aceitáveis de relações de gênero. Que serve de antagonista recorrente pros conflitos dela.

E no caso de Bean, Reagan, Chrissie e Velma, esse personagem é o pai da protagonista. No caso de Harley Quinn é seu ex-abusivo… mas também é seu pai, no um episódio em que ele aparece.

O pai da Birdgirl não aparece em Birdgrl, pois ele morre no primeiro episódio. Mas Birdgirl é um spin-off, e já vimos como a misoginia dele afetava sua filha em Harvey Birdman, Attorney at Law, então tem essa…. E o pai de Charlie em Hazbin Hotel não apareceu no piloto. Mas considerando que ele administra o lugar que a Charlie quer concertar, qual a chance dele ser uma boa pessoa?

Pra essas personagens, lidar com inadequação, com machismo, com uma figura masculina com visões abomináveis de sexo e mulheres e com a pressão de querer agradar e ser validada por quem não respeita mulheres começa em casa com o pai. E algumas delas têm esse pai como um personagem recorrente na série.

Mas não importa se é o pai, o ex da protagonista ou um colega de trabalho seboso, esses personagens cumprem o papel de representar o quão desencorajador e frustrante é viver ouvindo regularmente comentários maldosos, ditos casualmente, que te colocam pra baixo. Em vez do personagem dizer algo cagado ser o tema de um grande episódio onde essa frase é confrontada. Aqui é dito com alguma frequência, e não é necessariamente confrontado.

E a impressão que me passa é que rola uma inversão grande de perspectiva, e aqui que pesa a diferença entre ser parte do elenco protagonista, e entre ser a figura central de fato da história. Talvez se Futurama fosse contada da perspectiva da Leela, os comentários misóginos de Fry, Bender ou do professor fossem mais recorrentes e mais pesados, pela mudança de perspectiva, por afetarem a figura no centro da história. E talvez se Rick and Morty fosse contada da perspectiva da Beth, alguns episódios tratariam Rick como um vilão.

E vamos lá! As animações adultas das quais eu falo aqui são todas sitcons, não estou falando nem de Samurai Jack nem de Arcane. E sitcons, já expliquei aqui no passado aqui são sobre famílias, sejam elas literais ou de consideração, ou seja são sobre relacionamentos. E pela natureza cínica e querendo se diferenciar das animações infantis, são sobre relacionamentos tóxicos.

Só que a protagonista não é o membro mais tóxico de sua família-seja-ela-literal-ou-de-consideração. O membro mais tóxico de sua família segue sendo uma representação clara da masculinidade tóxica e problemática, e um homem que se diferencia da protagonista por não ter um sentimento de completa inadequação, pois eles estão de fato usufruindo de sua sorte e de viver no script.

Quase como se o processo tivesse sido. Pegar o perfil de defeitos anteriormente designado ao protagonista, intensificado, enfatizado o machismo como um defeito mais notável, e aí trocar ele de lugar com quem anteriormente seria designada a heroína.

O que permite que o mesmo senso de humor seja aplicado, mas sob outra perspectiva.

Mas não é só de toxicidade que sobrevivem essas séries.

Amizade:

Eu falei ali em cima que temos o elenco protagonista, e temos o personagem-rosto da série, o principal protagonista. E é isso mesmo, temos vários protagonistas em um sitcon normal, que pode variar entre 3 a 7 protagonistas em uma sitcon norma, mas hey, não tem regras…. Porém temos hierarquias. Existem personagens que são os segundos mais importantes, os terceiros mais importantes e os esquecidos na festa do elenco protagonsta… sabemos que o centro de Family Guy é o Peter, mas sabemos que o Stewie tem mais foco que o Chris também, ainda nesse núcleo.

E um bom lugar pra verificar qual é a hierarquia é checando a ordem em que os personagens são creditados,

Sabemos que em Futurama, depois do Fry temos a Leela, depois da Leela temos o Bender, depois do Bender temos o Professor e depois do professor temos Zoidberg, Amy e Hermes como um grande resto.

É Archer, Lana, Cyrill, Mallory, depois da Mallory, a Pam, Cheryl e Krieger não ocupam real hierarquia.

O que é uma maneira de separar quais personagens têm mais chances de receber um episódio focado neles primariamente, e quais não tem.

E em muitas das séries que eu estou vendo aqui, a posição de personagem nº2 da série é o do melhor amigo. O braço-direito.

Tem algum personagem mais importante que a Poison Ivy em Harley Quinn, cujo nome não esteja no título? Não! Do que a Jane em Daria? Não! Brett em Inside Job, Shaggy em Velma, Meredith em Birdgirl. Essas séries colocam um foco enorme em amizade.

E na amizade como válvula de escape. E geralmente como a amizade como a chance de buscar um aliado para suportar o secundário machista mencionado anteriormente.

Como o sentimento de inadequação ganha força nesse tipo de série, a amizade se torna uma fonte de apoio. Elfo nunca vai tomar o lado do Rei Zøg, não importa o que aconteça. Brett nunca vai tomar o lado de Rand. E Ivy nunca nunca nunca vai tomar o lado do Joker. Não importa o que.

Charlie tem literalmente ninguém que acredita nela e em seu hotel? Sim, exceto por uma única pessoa, temo Vaggie a literal única pessoa que acredita em Charlie. Bennigan sempre vai ficar do lado de Chrissy e ajudá-la em qualquer coisa que ela queira.

E Tuca e Bertie são isso uma pra outra simultaneamente.

E o grande lance dessa amizade é que em todas essas séries, essa amizade é o que está em jogo. Eu falei que a protagonista é definida pelos seus defeitos, e todos esses defeitos tomam caminhos diferentes pra terminar no egoismo, e o lance é, o arco principal do desenvolvimento da protagonista é sempre a ideia de que se ela não melhorar, e aprender a lidar com seus problemas, seus traumas, sua relação com seu pai, e com a maneira como elas ignoram a necessidade dos outros ao seu redor, elas vão perder essa amizade.

Eles estendem pra “perder essa família simbólica desse belo elenco secundário”, mas não, é a amizade principal que está em jogo. É sobre essa uma amizade.

Pois como depois de Daria, só foram começar a fazer essas animações a partir de 2018, todas elas foram feitas pro Streaming, e todas elas são feitas pensadas em serem maratonadas, possuírem continuidade e um arco de história. E o arco é esse. Que no final da primeira temporada, a melhor amizade vai simplesmente cansar de ser babá dos defeitos da protagonista e de perdoar ela o tempo todo sem nunca ser levada em consideração.

Sitcons são sobre perdão! Essa é a base de toda Sitcon, animada ou não, adulta ou não. É sobre um dos protagonistas pisando na bola, gerando uma série de conflitos, e no final o protagonista se desculpa e é perdoado e vemos que tudo ficou bem, pois eles seguem amigos.

Só que agora, e com agora digo: desde que essas séries começaram a ter foco em arco de personagens mais elaborados e alta continuidade devido a serem planejadas para ser vistas por streaming, o perdão pode ser a longo prazo. O perdão não precisa ser o tema do episódio, e pode ser da temporada. E é o caso aqui. As vezes mais do que da temporada. As vezes o perdão vem na temporada seguinte.

E muitas vezes com um tom forte de perdoar, mas não esquecer.

O que significa que a protagonista está em uma constante jornada que nunca acaba de melhorar a si mesma. De tentar e se esforçar em ser uma pessoa melhor. A pessoa que seu melhor amigo quer tanto puxar e trazer a tona, mas tem tantas travas psicológicas criadas por anos de trauma segurando.

O diabinho no ombro e o anjinho no ombro:

As protagonistas de animações adultas tecnicamente são anti-heroínas, mas indo além de se é fácil ou não ficar do lado delas pessoalmente, é fácil ficar do lado delas em sua jornada. É fácil achar que a Cognito Inc ficaria melhor com a Reagan. De ter nojo da tia de Tuca quando ela insulta a sobrinha. De torcer para os bolos da Bertie darem certo. De querer que Harley se torne uma super-vilã de sucesso e querer que o Hazbin Hotel saia do papel. É fácil, não porque as ideias são morais, dá para fazer toda uma escala de qual dessas ambições é melhor pro mundo e qual é mais maligna, mas a jornada de ir atrás dessas ambições tem como obstáculo principal pessoas que são tão nojentas, que nosso instinto é querer sim que tudo dê certo, independente da moral do protagonista.

Isso porque o centro da maldade nessas séries não está de verdade nelas, está no ambiente onde elas vivem. E não falo somente do machismo e inadequação que põe ela pra baixo, não, esses ambientes em muitas séries são literalmente do mal. É o inferno, é uma corte medieval abusando do povo, é o mundo da super-vilania profissional, é o governo reptiliano controlando o mundo pelas sombras… são ambientes malignos.

O que significa que a relação da protagonista com a moral é a de dúvidas. A de não saber o que fazer. Elas tentam seu melhor e são mais bem-intencionadas que a média, mas a moralidade individual delas passa muito por uma guerra de influências. Em que as pessoas que são boas influências em sua vida e as que são más influências disputam pra ver quem consegue verdadeiramente guiar a personagem.

Bean, tem literalmente um diabo enviado do inferno para dar conselhos para ela, o Luci. Mas além disso, Elfo é uma força do bem, que quer que Bean seja a melhor pessoa possível. Enquanto a mãe de Bean, quer tirar o pior dela. E a jornada de Bean é a jornada de Elfo, Luci, Zog e Dagmar disputando sua lealdade.

Harley Quinn além de Ivy e do Joker, também tem o Dr Psycho tentando transformar ela na pior vilã que ela pode ser, e Batgirl tentando convencê-la de que no fundo ela é uma heroína.

Reagan vai ceder e virar só uma versão feminina de seu pai horrível? Ou ela vai se abrir pros outros e deixar pessoas como Brett influenciá-la?

Chrissie vai ficar do lado do seu pai? Da sua mãe? Ou vai conseguir se afastar dos dois?

E no piloto de Hazbin Hotel, Charlie faz uma aliança Alastor, um psicopata que contraria todas as suas crenças e corrompe o que ela acredita, mas que sem ele, ela não consegue tirar sua utopia do papel.

Essas personagens estão em constante transformação, para entender quais são seus maus hábitos, o impacto que as figuras tóxicas em sua vida exercem, e a maneira como elas podem melhorar a si mesmas. E esse processo é semelhante a elas terem constantemente um anjo e um diabo no sugerindo o que elas devem fazer. Como se elas vivessem no balanço entre o bom e o mal. Em que tentar definir sua identidade e sua independência em um mundo cagado que recompensa a maldade pode ser mais moralmente ambíguo do que soa.

O que levanta a pergunta de como essas mulheres podem possivelmente adquirir poder, independência e felicidade, em um ambiente que recompensa principalmente os piores homens do mundo com essas coisas? Ela se iguala a eles, ou ela consegue dar seu jeito?

Conclusão:

Resumindo tudo o que eu disse: esse texto todo foi um amontoado de generalizações para características cada uma com uma exceção, pois “animação adulta” não é um movimento artístico e não tem regras. Animação adulta é só uma maneira de se vender e fixar uma demografia para um desenho animado que misture a doidera da animação com personagens usando a palavra “fuck”. Eles se imitam todos entre si em algum nível, e isso permite a gente notar padrões, e observar caminhos, tendências e mudanças.

Isso permite também algumas pessoas acharem que se viu um já viu todos. E permite que o gênero fique saturado de maneira que aquilo que soa genérico é particularmente genérico. Que quando eles resolvem ser genéricos seja ofensivamente genérico.

E a maior tendência tem sido, para poder usar e abusar das marcas registrados, de humor negro, cinismo em relação a como o mundo funciona, e comentário social com base em personagens sendo contraexemplos de comportamento, tem sido fazer do protagonista, o canalha, o arrombado, a pessoa mais desagradável possível dentro dos limites do tom da sua história.

Essa tendência sofreu uma grande desconstrução nos últimos tempos, que foi a Desconstrução do Canalha, mais observada em entender como o canalha é moldado por um mundo desencorajador, e por um ciclo de masculinidade tóxica, e é definido por extrema depressão e uso de substâncias para lidar consigo mesmo. O que faz com que ele siga asqueroso, e talvez não vá se redimir no futuro, mas que ele tenha uma humanidade e sua situação seja uma tragédia…. E eu falei no passado da Desconstrução do Canalha, pois eu acho que ela foi o ponto de virada para alguns dos mais interessantes desenhos animados surgirem.

E agora veio o passo seguinte da desconstrução do canalha. De uns dez anos pra cá, as mulheres conseguiram normalizar com muita força a ideia de que elas conseguem fazer os próprios desenhos animados, com alguns dos maiores sucessos dos anos 2010 sendo criados por mulheres, e nos últimos 5 anos começamos a ver surgir séries animadas adultas criadas por mulheres. E essas séries criadas por mulheres trouxeram uma quantidade inédita de mulheres protagonizando as próprias séries animadas, que inevitavelmente trazem novas perspectivas.

Aliás sério, mais da metade das séries que eu comentei aqui foram criadas por mulheres. As que foram criadas por homens, Velma, Birdgirl e Harley Qunn tem a notável característica de serem spin-offs reaproveitando propriedade intelectual antiga…. A única série dessas que é original e criada por um homem é Disenchantment do Matt Groening, todas as outras são criadas por mulheres.

E essas mulheres deram a própria interpretação pro canalha e pra como abordar esse humor negro e extremo cinismo na perspectiva de uma mulher.

Focado em mundos caóticos, em um espaço extremamente amoral e uma realidade antagonista a elas, a canalhice das mulheres é resultado delas terem rebeldia, ambição e não quererem ser uma ovelha. Quererem ocupar espaços de liderança, tradicionalmente ocupados por homens canalhas, para liderar mundos canalhas.

Mas em vez de se acomodar na canalhice, são séries sobre auto-reflexão e sobre influências, sobre achar as forças do bem e do mal na sua vida, e identificar quem são as pessoas que te moldam pra ser uma pessoa boa que segue decente no inferno, e quem tira o pior de você e te endurece.

Apesar de ser uma marca desse segmento de mercado, a canalhice é frequentemente vista como um defeito imenso desses desenhos, com fandoms progressivamente querendo ver os protagonistas exercerem atitudes mais positivas. A canalhice de Homer é frequentemente mencionada como a pior coisa que aconteceu em Simpsons e celebrada quando deixada de lado. O abuso que Peter Griffin faz com Meg é alvo de muitas críticas ao tipo de programa que é Family Guy. E uma parte considerável do fandom de Rick and Morty deseja do fundo do coração que o Rick pare de ser um escroto e vire uma boa pessoa.

Por isso que Bob’s Burgers é tão popular. É o grande exemplo da animação adulta de sitcon protagonizada por um pai de família que não é nem um pouco tóxico, é bom pai, bom marido, bom cidadão e uma pessoa decente. E a galera ama isso….

E eu gosto de Bob’s Burgers, mas eu não sou contra o uso de humor negro em desenhos nem do que quer ver uma versão de Rick and Morty em que o Rick é um bom avô. Eu acho que os Protagonistas Canalha tem seu lugar no mundo. Se a canalhice souber ser trabalhada. E eu estou gostando de como essas séries têm tratados suas protagonistas. E a maneira como elas enfrentam o mundo, e como a dinâmica de poder afetam a canalhice delas.

Lamento o fim prematuro de Inside Job, o que eu não lamentava antes de escrever esse texto, mas aí fui rever uns episódios pra falar sobre a Reagan, e eu acho que a Reagan tinha muita coisa para contribuir para o grande imaginário de animações adultas, mas principalmente por essas séries serem muito derivativas, acho que a Reagan tinha muito para influenciar futuros protagonistas.

Assim como a Bean tem, e a Charlie tem, estou ansiosíssimo para Hazbin Hotel começar de verdade.

Enfim, o que vocês acham? Tem alguma animação adulta protagonizada por uma mulher que eu esqueci? Qual a relação de vocês com a moralidade dos protagonistas? Falem comigo nos comentários, pois eu acho esse um tema interessantíssimo e quero saber a perspectivas das outras pessoas.

Por hoje eu fico aqui, mas volto no texto que vem. Até lá.

Sobre o autor

Izzombie

Sou um cara chato que não consegue ver um filme sossegado sem querer interpretar tudo e ficar encontrando simbolismos e mensagens. Gosto de questionar a suposta linha que separa arte de filmes comerciais, e no meu tempo livre pesquiso sobre a história da animação.

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Alertas

  • – Todos os posts desse blog contém SPOILERS de seus respectivos assuntos, sem exceção. Leia com medo de perder toda a experiência.
  • – Todos os textos desse blog contém palavras de baixo calão, independente da obra analisada ser ou não ao público infantil. Mesmo ao analisar uma obra pra crianças a analise ainda é destinada para adultos e pode tocar e temas como sexo e violência.

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