Freddy vs Jason vs Sadako vs Kayako – O que faz um filme de versus funcionar.

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Atenção, além das quatro franquias explicitar no título do texto: Friday the 13thNightmare on Elm StreetRinguJu-On, o texto ainda conterá spoilers da franquia Alien, do filme Batman v Superman: Dawn of Justice e do filme Godzilla: King of Monsters.

Confessar um pecado aqui. Eu amo filmes de Batalhas Crossovers. Amo muito. Eu já vim aqui nesse blog defender Batman v. Superman, e eu sigo defendendo esse filme. E também não dediquei o texto inteiro a isso, mas defendi, e defenderei sempre que for preciso Alien vs Predator, como bons filmes. E eu acho mesmo. E esse texto mesmo vai ser sobre mim falando que Freddy vs Jason é uma literal obra-prima e o grande campeão do subgênero de Batalhas Crossovers, o referencial de como fazer um filme que tem tudo o que o subgênero tem a oferecer.

Dito isso, se eu gosto tanto desse gênero que defendo filmes que não são muitos que defendem, e que deixam fãs dos dois lados dos crossovers tão insatisfeitos, era de se esperar, eu de fato esperava, que eu fosse conseguir… se não gostar, ao menos achar alguma faísca de fanservice para poder me divertir em Sadako vs Kayako, afinal a franquia Ringu me fascina muito mais que todas essas outras. Tem dois textos aqui sobre essas franquias, afinal. Mas ver esse filme foi uma decepção enorme, pois o filme, na minha opinião falhou em todos, não em um ou outro, mas em todos os pontos do que um filme de crossover deveria realizar.

Seria fácil colocar tudo na conta, de que o filme não me agradou por falta de fidelidade à franquia Ringu, pois eu de fato sou um enorme fã da personagem da Sadako. Mas foi mais do que isso. Eu acho que o filme falha enquanto filme, de uma maneira que Freddy vs Jason não falha, mesmo tendo desagradado alguns fãs de Freddy Krueger e alguns fãs de Jason Voorhees.

É até curioso, pois eu vejo muita gente chamar Sadako vs Kayako de “O Freddy vs Jason japonês”, e é fácil ver que o conceito por trás é exatamente o mesmo, mas eu acho que o resultado final não poderia ter sido mais diferente.

E temos um Godzilla vs Kong que tá ali, virando a esquina, logo logo estreia, e se Deus quiser, dá tempo dos produtores lerem esse texto, pois esse blog certamente é referência em Hollywood e acertar alguns detalhes.

Ok, mas falando sério, segundo a Wikipédia, Nicolas Pesce, o diretor do The Grudge que sal em 2020, aquele que é uma porcaria que é 50% reboot, 50% spin-off e 0% bom. Enfim, ele disse que tem interesse em fazer um crossover entre The Ring e The Grudge, juntando as duas franquias estadunidenses da mesma maneira que juntaram as franquias japonesas. E assim, obviamente não na mão desse cara, mas ver a Samara Morgan enfrentar a Kayako é algo que eu adoraria ver, então eu quero falar sobre o que Sadako vs Kayako poderia ter sido, para manter vivo o imaginário de que dá para fazer um filme bom com essa batalha, ele só tem que saber se adequar ao gênero.

Como Freddy vs Jason soube. Soube tão bem que ele começou essa onda. Alien vs Predator, Batman v. Superman e mesmo o MCU inteiro, todos beberam da água que foi o sucesso de bilheteria absurdo de Freddy vs Jason para existirem. Freddy vs Jason engatinhou para Avengers andar. E na minha opinião fez melhor, mas esse texto não tem nada a ver com Avengers, pois os Avengers não se reuniram para sair na porrada entre si…

Digo…. Civil War existiu…. mas mesmo assim, não estou considerando o MCU como parte do subgênero Batalhas Crossovers. Pois a franquia inteira é vários crossovers, então quando veio a hora deles brigarem, já estávamos acostumados a vê-los juntos. Estranho é filme da Marvel que não está tentando se conectar com o resto.

Então vamos logo começar a explicar onde Sadako vs Kayako falhou, como Freddy vs Jason brilhou no exato mesmo aspecto, e como fazer filmes do gênero funcionar bem.

Introdução aos Combatentes:

No lado esquerdo do ringue, conectando 15 filmes, com 98 minutos de duração. O filme de 2003. A maior bilheteria slasher da história. Freeeeeedy vs Jason!!! No lado direito do ringue, rebotando 12 filmes, também com 98 minutos de duração. Lançado em 2016, última aparição de Kayako na tela grande da história. Saaaaaaadako vs Kayako!!!

É isso. Eu não vejo luta, não sou dos esportes e se fosse, esses não seriam os meus, eu fico mal de ver gente real se machucar em competições por glória. Então eu não sei o quanto o estereótipo do apresentador que vemos em toda luta de filmes é real, se eles falam assim mesmo. Mas esse estereótipo é essencial para fazer a luta de um filme funcionar. Saber quem está no ringue, recapitular bem isso é fundamental.

Freddy vs Jason começou logo de cara nos lembrando exatamente quem eles são e o que eles estão fazendo nesse filme. Cortesia de Freddy Krueger que abre o filme recapitulando quem ele é e qual o seu status. Ele nos lembra de seu amor em matar crianças, de como ele é um filho da puta de marca maior, e como desde que foi morto pelos pais delas, ele aterroriza elas nos sonhos delas, mas é dependente de um medo coletivo que sintam dele pra ter poder. E esse medo não existe mais. É expositivo de coisa que metade dos expectadores já sabem? Sim, mas foda-se, esses recaps são importantes. Pois o crossover tem que funcionar pra quem só viu metade, então o filme tem que ser convidativo para quem nunca viu Nightmare on Elm Street e só está lá pelo Jason. Mais que convidativo, o filme tem que dar os motivos para essa pessoa ir ver os filmes do Freddy.

E durante a recapitulação, o Freddy nos lembrou de seus assassinatos mais icônicos e melhores momentos, bem para atiçar a nostalgia ou a curiosidade, dependendo se o expectador viu os filmes ou não.

Se a introdução de Freddy foi bem direto ao ponto, com Freddy lamentando falando alto para si mesmo para que ou ouçamos, servindo de narrador para sua tragédia, a exposição de Jason é mais elegante, por ser mais limitada. Jason não pode falar conosco, então quem fala é Freddy, que se revela o mestre-das-marionetes do filme, pois é ele quem trás Jason ao filme, se disfarçando de sua mãe, e colocando na boca de Pamela Voorhees, tudo o que precisamos saber sobre Jason. Ele é um justiceiro, ele mata por ira, e por uma insatisfação com a injustiça que sofreu que nunca se extinguiu, diferente de Freddy que mata por prazer. E essa primeira cena deixou isso claro. E esse é um ponto importante.

A maneira como Jason acorda deixam claro que na perspectiva de Jason ele está em uma missão, diferente de Freddy, em que matar é um hobby.

Não só apresentar quem os dois são, mas contrastar quem os dois são. Freddy mata por prazer, Jason por ódio. Freddy é um manipulador, Jason é influenciável. Freddy é esperto, Jason é bruto. Freddy fala e Jason é mudo. Se eles vão ter uma luta épica, o expectador tem que ver que eles representam coisas diferentes. Eles têm algo em comum, são assassinos slashers, e essa semelhança é o que motivou o filme a existir, mas para a luta, queremos ver as diferenças também. E cabe ao filme no caso fazer um recorte que enfatize contrastes neles.

A luta do Muhammad Ali vs George Foreman de 1974, foi histórica, é lembrada e estudada 40 anos depois, e foi o maior evento televisivo de seu tempo. E considerada a luta esportiva mais importante do século. E muito disso se deve ao fato de que conseguiram estabelecer uma narrativa muito forte em torno dessa luta sobre o que cada um dos campeões representava, e de como eles se contrastavam em níveis ideológicos.

Batman v. Superman coloca esses contrastes, inclusive faz o Lex Luthor listar eles de maneira clara no clímax. Mas não estabelece isso tanto no começo, preferindo começar explicando porque era pessoal a birra deles, do que explicando por que os combatentes trariam um combate interessante.

E Sadako vs Kayako? Nossa, por onde começar esse desastre?

O filme abre com Sadako matando uma família aleatória, para estabelecer o clima, ok, ok, até aí normal, e depois disso vemos essa cena de exposição em que um professor de universidade está dando aulas de lendas urbanas, e ele passa por algumas do que ele considerou as grandes lendas urbanas do Japão moderno. O que incluiu as lendas urbanas reais da Mulher da Boca Cortada e da Hanako-San do Banheiro e na lista jogou no meio as lendas que importam pro filme: A Casa da Morte e a Fita de Vídeo Amaldiçoada.

O professor então imediatamente fala que a Fita Amaldiçoada era a única que vale a pena de se discutir, e imediatamente joga a Casa da Morte, pro mesmo território das lendas que não vão aparecer no filme.

Ele faz uma exposição estranha da Sadako, em que logo de cara faz uma mudança muito indiscreta, e fácil de notar na lenda, mudando os sete dias para somente dois dias. O que todo mundo repara rápido, pois a fita matar em sete dias é o elemento mais famoso da maldição. E ao mesmo tempo que ele revela que as coisas não vão funcionar que nem nos outros filmes, pois o elemento mais famoso não vai…. ele não revela como vão funcionar, pois ele não revela nada sobre a Sadako.

Uma cena de pura exposição só da Sadako, que ignora a Kayako, não menciona o poço, os poderes dela, ou nada. Não recebemos sua origem e sua motivação, e não conseguimos também ter certeza se podemos herdar essas informações dos filmes anteriores, pois essa maldição é diferente. E ser diferente não é um problema, eu sou a favor de mudar o lore para encaixar melhor o crossover, como Alien vs Predator fez e muita gente chiou, mas eu só gritei que tinha que acabar o cânon.

Mas aqui foi super estranho. Saímos de uma cena de exposição que só falou de metade dos combatentes, sentindo que não sabemos nada sobre a Sadako, então de que serviu? As combatentes foram mal apresentadas. E essa desigualdade pra Sadako meio que perdura o filme inteiro.

O que me leva à:

Dê o filme aos seus personagens principais.

Vamos lá. O filme se chama Sadako vs Kayako. Então só tem duas coisas que esse filme precisa mostrar A Sadako e a Kayako. E isso devia ser fácil de entender. Esse filme não se chama Ringu no Ju-On (A Maldição do Aro, ou para fazer sentido aqui O Grito do Chamado), ele não prometeu juntar os contextos das suas maldições, Ele escancarou o nome dos personagens no título. É a Sadako e a Kayako. O filme tem que ser delas.

E não é. Não só o filme e bem desequilibrado com a trama do Ringu tendo mais que o dobro de tempo-de-tela que a trama de Ju-On. Como a Kayako não aparece onscreen durante a trama do Ju-On, e a Sadako mal aparece na de Ringu. Ela tem três cenas de aparecer e ficar parada e sumir.

Inclusive, o filme muda mais detalhes da fita da chamada. E enquanto apesar de icônico, mudar os sete dias da maldição pra dois dias faz algum sentido para se adequar ao ritmo da história que deveria ocorrer em menos de sete dias. Essa segunda mudança não faz. A Sadako não mata suas vítimas pessoalmente, ela faz elas se suicidarem. Mas o que? Que tipo de mudança absurda é essa? A Sadako é a porra do espetáculo, ela tá no título, ela TEM que aparecer na cena de morte. Mas que cacete é esse?

Eu vou falar aqui. Eu sou da opinião de que a franquia americana é melhor que a japonesa, e não tenho vergonha dessa opinião, acho mesmo a Samara mais bem trabalhada que a Sadako. E o motivo é um só. Os filmes americanos, todos eles, até Ring Two que é uma merda, eles sabem o que fazer com a Samara. Os japoneses não têm a menor ideia do que eles querem fazer com a Sadako.

Os filmes focam muito em outro personagem, que também é psíquico, e do medo de que esse outro personagem se torne outra Sadako caso não seja bem tratado em vida. E a Sadako existe mais como um exemplo do que deu errado e como adversário a ser derrotado nos quinze minutos final, do que como um real personagem. No Ringu 2 o roteiro era completamente separado dela, e ela tem somente uma única cena em que ela sequer é uma ameaça. No filme propriamente chamado Sadako, ela está super em terceiro plano no filme.

Isso é o que eu gosto em Rings, a Samara aparece presencialmente pouco, mas ela sempre está lá. O filme e indisputavelmente sobre ela, sobre a procura pelo corpo dela, sobre interpretar os sinais dela, e sobre a protagonista querendo entender o que a Samara quer que ela faça. E é isso que os filmes japoneses não sabem fazer, não sabem fazer o filme ser sobre a Sadako, e mesmo assim fazem ela conectar todos os filmes.

O mágico tanto da Samara quanto da Sadako é que elas não deviam precisar aparecer pra se fazerem presentes. Quando em Rings a Samara grava um vídeo novo, isso é um jeito de se fazer presente sem sair da tv.

Mas enfim, Sadako vs Kayako não é exceção. Duas meninas são amaldiçoadas pela fita de vídeo, e isso se torna sobre elas, não sobre a Sadako. Ninguém quer saber por que a Sadako faz isso, porque a fita de vídeo é da maneira que é, ou nada parecido. Ninguém quer entender por que a Sadako mata e o que você pode fazer pra ela não te matar. Elas deviam querer saber disso.

Sadako e Kayako são tratadas como forças sobrenaturais ao longo do filme inteiro. Elas reagem ao que você faz, e elas não podem ser detidas, pois elas não possuem razão para que se converse com elas. E assim, não que você precise ser racional para um filme de Versus funcionar, o Xenomorph de Alien vs Predator é uma fera selvagem. Mas você precisa ter alguma agência. Sadako e Kayako funcionam no automático, elas não tomam decisões, elas não tem poder de continuar ou parar suas maldições, elas mal parecem entender qualquer situação. Isso torna elas menos que personagens, isso objetifica elas a algo que só existe e funciona e funciona de um jeito específico. E isso é um absurdo. Por mais que elas estejam presas as suas maldições, as maldições são uma extensão do ódio delas, e esse ódio é um sentimento humano delas, então alguma humanidade elas têm, para redirecionar seu ódio, para canalizá-lo, para…. essencialmente para tomar decisões. Até porque elas tinham que ter escolhido lutar.

Jason por mais que ele seja só uma força impossível de ser detida, ele escolhe seus alvos, ele planeja seus assassinatos, ele interage com seu ambiente, e sua presença é humana. O Jason não é objetificado como uma coisa que vai reagir de jeito X. Ele faz as coisas do jeito dele. E isso torna ele bom, pois torna ele um personagem. Do Freddy eu nem preciso falar, sua agência é tão grande que a primeira metade do filme foi tudo planejamento dele.

Gente, os hosts de Freddy vs Jason são o Freddy e o Jason, pois são eles que estão dando o entretenimento com a sua performance. Eles estão ambos nos introduzindo a eles mesmos. E o que eles fazem é uma performance. O host de Sadako vs Kayako é o diretor que nos dá duas maldições, mas com as estrelas mal sendo uma presença nessa maldição.

E o maior problema de Sadako e Kayako serem duas otárias agindo no automático, é que isso atrapalha a batalha final.

A batalha tem que ser pessoal.

No filme Sadako e Kayako são manipuladas por uma dupla de exorcistas que mais parece dois protagonistas de mangá que foram rejeitados e estão sendo reutilizados em outro projeto, para lutarem. Sadako e Sayako não tem nada de verdade uma contra a outra, elas só lutaram pois cruzaram o caminho uma da outra. Isso é um problema derivado do problema anterior, delas não serem personagens de verdade, não terem agência ou emoções.

Freddy vs Jason é incrivelmente pessoal. Freddy ataca Jason por vingança, pois Jason se tornou um obstáculo para sua matança, e no processo, ele explora todos os medos e traumas de Jason, e revive todo o bullying que transformou Jason em um assassino em primeiro lugar. Então quando vem o Round 2, Jason está puto. E pela primeira vez desde que ele matou Alice em Friday the 13th Part 2, ele pode canalizar seu ódio em alguém que diretamente fez algo para merecê-lo.

Jason é mais estoico e inexpressivo que Freddy, mas os dois assassinos são movidos por emoção e não por instinto. E isso torna a batalha do caralho.

Quando eles estão no mundo dos sonhos, Freddy explora o medo de água de Jason, uma criança afogada, para enfraquecê-lo psicologicamente. Quando eles vão pro mundo real, Jason luta contra Freddy em um prédio em chamas, explorando o trauma de Freddy ter sido queimado. Um rouba a arma do outro pra lutar. Esses dois realmente queriam transformar o outro em purê.

E o filme fez um bom trabalho nos convencendo disso. Nos mostrando como a coexistência dos dois se tornou insustentável e porque eles estavam putos. Freddy vive de matar, e planejou muito para recuperar acesso aos seus alvos para dá-los a Jason. Jason é um vingador, ele mata os jovens, pois eles são reflexo do bullying que o matou, e Freddy personifica isso. O filme constrói o atrito surgindo até o ponto em que a inimizade estava clara, e uma vez clara, era só massacre.

Como enfatizado, Sadako e Kayako mal pareciam estar uma ciente da existência da outra até os dez minutos finais do filme, onde uma trata a outra mas com uma inconveniência, e a batalha tinha mais o objetivo de tirar a outra do caminho do que de fazer um acerto de contas.

O que colocou todo o acerto de contas nos dois personagens que criaram o contexto pra luta. O que é um pouco o problema que os outros apontam em Batman v. Superman, saber que o Batman e o Superman só morderam a isca do Lex Luthor e brigaram por engano, não tornou o Lex Luthor legal, mas fez o Batman parecer um otário. E em filme de Batalha Crossover, a gente quer os dois lados em seu melhor, não quer nenhum parecendo que só está na luta porque é burro.

Eu discordo disso inclusive, acho que o filme construiu bem motivos pessoais e de ego o suficiente para o Batman enfrentar o Superman. Mas eu acho que por mais que eu tenha minhas interpretações do filme, a percepção coletiva pesa, se todo mundo ignorou os motivos construídos do Batman para ter um rancor a nível pessoal com o Superman, para creditar tudo a uma manipulação de quinta do Luthor, é porque o filme quis vender o Luthor como uma mastermind. E um filme de batalha não devia ter uma mastermind, pois faz a batalha soar menos genuína. E queremos que ela seja o mais genuína possível.

E já que estamos falando de interferência externas…

Os humanos são meras testemunhas.

Aqui vou incluir também críticas a Godzilla, King of Monsters para falar desse aspecto, pois o Godzilla sair na porrada com o King Ghidorah não é bem um crossover, pois o King Ghidorah não tem uma franquia solo nas costas, mas é uma porrada de monstros. E todo filme que é uma batalha entre monstros, tem um problema, e esse problema é: tá cheio de humano no filme, abrindo a boca, tendo problema pessoal, tendo backstory, tendo diálogo. Quem eles pensam que são? Quem essa pirralha é pra achar que os problemas pessoais dela são minimamente interessantes em um filme em que a Sadako vai aparecer?

Enfim, esse é o estereótipo da opinião, que eu brinquei parágrafo acima, mas eu acho que nesse tipo de filme, o humano tem um papel muito importante. Importantíssimo. E esse papel é o de não somente observar a luta e ser testemunha do embate épico que ocorre na frente deles, como o papel de entender que diante da magnitude aquela luta, saber qual é o lugar deles.

Afinal essas criaturas existem pra interagir com humanos, então essa relação tem que existir no filme. A Sadako e a Kayako amaldiçoam vacilão, então tem que ter vacilão no filme. O Godzilla não é o Godzilla se ele não destruiu a casa de ninguém. E o Jason definitivamente tem que matar um jovem otário de maneira criativa. E que bom que ele matou aquele bostinha na cama. E por aí vai…

Godzilla, King of Monsters quase acertou. No sentido de que os que perceberam que eles estão lá só para servir de suporte ao Godzilla, apesar do fato de que o Godzilla vai matá-los, esses agregaram ao filme. Apesar de eu achar de muito mal gosto fazer o personagem japonês literalmente explodir uma bomba atômica, eu acho que essa é uma das cenas boas do filme. Essa e a mulher no chão, no olho do furacão, prestes a morrer, ela olha o Godzilla de cima e fala: “Vida longa ao Rei.”, dessa parte eu gosto. O que é foda são as cenas no barco, e o drama do homem que quer vingar a família, pois a verdade, é que esses personagens não são interessantes, então eles precisam ter um papel na narrativa, e os únicos personagens que exercem uma função para tornar o conflito melhor são os dois citados.

Mas é isso, eu acho que os humanos, se mal planejados, podem um pouco confundir a natureza do filme que eles estão. Muita gente fala que o coração de Godzilla King of Monsters é uma história da relação de uma mãe com sua filha…. mas devia ser? O Godzilla não é o Titanic, um terremoto, uma erupção vulcânica, ou qualquer outra catástrofe de um filme de catástrofe. Ele é um personagem, com nome, personalidade, livre-arbítrio e agência. E o filme tem que ser sobre o Godzilla. Quando tentamos fazer o coração desses filmes ser sobre os humanos, a gente não está rebaixando esses monstros em duelo a um papel de secundários, a gente rebaixa eles a um papel de cenário, eles são o ambiente. Mas eles precisam ser personagens, e o motivo da briga deles tem que ser o ponto.

Em Freddy vs Jason, os adolescentes estão lá do jeito que eles deviam estar. Primeiro, completamente encaixados em arquétipos datados de filme slasher dos anos 1980. A maneira como a gente faz o elenco de um filme slasher foi se atualizando e se repensando com o passar dos anos, especialmente por filmes como Scream que queriam pensar alguns clichês do gênero para te surpreender. E isso é bom, e os slashers deviam sim mirar nisso, por um motivo: para manter esses personagens interessantes, pois as vítimas são o diferencial dos filmes, é o que muda de um filme pro outro, então você tem que querer fazer algo diferente com elas. Mas em uma Batalha Crossover não, o diferencial é o crossover, e a vítima não pode estar no caminho, tentando roubar a atenção do crossover. Ela funciona melhor se ela for não inovativa.

Ele trata a namorada mal e a gente instantaneamente entende pra que ele serve, ele serve pra ter a morte mais violenta e criativa do filme, porque foda-se demais ele. Ninguém vai ter pena desse bosta.

Todo adolescente em Freddy vs Jason pulou qualquer tentativa de repensar clichês dos vinte anos que o separou do primeiro Friday the 13th e era exatamente os arquétipos clássicos. O que permitia que o público soubesse exatamente quem eles são e o que eles querem logo de cara. Tinha o machão abusivo. Tinha o atleta. A virgem com um trauma no passado. A melhor amiga negra descolada. O moleque tímido que só quer ser um cara legal. O maconheiro. O cara que entende tudo o que está acontecendo e por isso foi tachado de louco. E o namorado da virgem, que é com quem ela pode contar de verdade. E lendo esses arquétipos você entende perfeitamente a personalidade deles. E por isso você não tem que trabalhar ou desenvolver eles, só tem que colocar eles no lugar certo para ele fazer aquilo pro que servem.

A garota mais pecaminosa, que fuma e bebe e transa, o símbolo máximo da garota-mais-morta no gênero, é justamente a vítima cuja disputa começou a inimizade. Já a garota descolada, é a que caiu atirando, humilhando Freddy e o quão patético ele é, antes de ser morta (o que ela sabia que seria, é um sacrifício heroico).

Que é morrer, mas também é assistir a luta, e servir de suporte pro personagem que eles estão torcendo, tal como no Godzilla. Aqui, o campeão dos adolescentes é o Jason, pois eles são de Elm Street, e sabem que se o Jason voltar pro Crystal Lake, ele não enche o saco. Então eles precisam lutar para ajudar um Jason que os matará casualmente enquanto ajudado por não se importar com a ajuda. Igual o Godzilla, e esse dilema é interessante de ver. Eles tomando partido e morrendo por alguém que é o mal menor, mas ainda vai seguir sendo responsável direto por mortes pois ainda representa o mal…. Ser humano nesse tipo de film é tipo ter que escolher entre os Democratas e os Republicanos.

Em Sadako vs Kayako, apesar de terem agitado a luta, esperando pela destruição mútua, os humanos fazem muito pouco para interferir na luta. Os dois exorcistas sequer servem de testemunha, pois eles vão pro lado de fora da casa. No final eles todos morrem, mas suas mortes não soam como o sacrifício para ajudar um dos lados, nem como um sacrifício para a destruição mútua, soa como vacilo, o plano deles deu errado. E isso é muito diferente da bomba explodindo em Godzilla: King of Monsters ou do nerdinho morrendo na árvore depois de segurar Jason para que desse tempo de Freddy voltar.

Os humanos são pequenos diante do escopo dessa batalha, e quando eles entendem que essa batalha não é sobre eles, mas o resultado dela pode mudar o futuro, eles decidem fazer o mínimo para garantir que a batalha terá um vencedor, e esse vencedor nunca vai ser grato ao humano.

Digo, o Predador foi, ele reconheceu a menina que lutou contra o Alien ao lado dele. Mas faz parte do predador entender de códigos, honras e procotolos, ele até faz a marca nela. Mas os demais monstros não o fazem. Jason matou todos os humanos que o ajudaram. E dar a vida para ajudar Jason a vencer a luta não é morrer pro Freddy, é morrer pro Jason.

Em Sadako vs Kayako os sacrifícios não soam sacrifícios, soam fracassos, todo humano que morre soa como alguém que fracassou no que queria, e isso não é interessante. Eles não soam cientes de seu papel na história, eles soam só arrogantes e manés. E francamente, se eles não vão ajudar na luta, então eles vão fazer o que no filme? Porque a história deles ocupou 90% do filme se a história deles é “morri feito otário, pois não entendo meu lugar.”

Enfim, os humanos precisarem ajudar um dos dois monstros, me leva ao meu próximo ponto que é importante:

O filme precisa tomar um lado:

Não pode existir neutralidade. Todo filme com um duelo, por mais moralmente cinza que ele seja, e de preferência ele tem que ser com escalas de cinza sim…. um dos dois lados tem que ser explicitamente o lado errado da luta e o outro tem que ser o lado certo.

Quando são dois heróis um deles vai estar errado. Como o Batman estava, muito embora, estar errado vilanizou o Batman de uma maneira que desagradou em muito os expectadores de Batman v. Superman, o que me lembra como as HQs de Civil War foram criticadas por conta de como pra funcionar muito herói teve que virar um pau-no-cu, e talvez por herói contra herói não seja uma boa ideia, mas pra por vilão contra vilão isso super funciona.

Quando são dois vilões. Um dos dois precisa necessariamente ser o menos pior. Mesmo se a moralidade for preto-e-branco, tem um preto e um preto levemente menos escuro.

E quem determina quem é o lado menos pior? Os humanos. O que é outro motivo pelo qual eles tem que existir no filme. Eles são os diretamente afetados pelo resultado da batalha, por isso é pela perspectiva deles que a gente descobre qual é o lado que vai ser mais desastroso pra eles.

No caso os adolescentes tomaram o lado de Jason, por dois motivos, o primeiro é que eles moram em Elm Street, e o Jason não vai ter motivos para atacar Elm Street de novo depois de voltar pro Crystal Lake, e apesar de Jason ter matado dois amigos de Lori naquele ponto, o Freddy tinha matado a sua mãe. Era pessoal pra ela, ela não odiava nada mais que odiava Freddy. Então os adolescentes garantiram que seu papel no filme seria servir de suporte pra Jason vencer, e seu papel de suporte custou a vida de dois deles que morreram nas mãos de Jason.

Mas apesar Jason ter matado quase todos os amigos da Lori, dando pra Freddy só o maconheiro, mesmo assim, a narrativa do filme também pense nossa perspectiva a tomar o lado de Jason. Freddy manipula os sentimentos de Jason, distorce a memória de sua mãe, revive os traumas de Jason e faz bullying com ele. Jason é claramente a vítima no duelo, e tem nossa empatia nesse contexto. E diferente do que eu disse lá com heróis que isso estraga a percepção. Nesse tipo de embate funciona. Afinal, ver o Freddy ser um pau-no-cu irredimível é uma delícia, e a gente viu que é Jason que realizou o massacre ali, então Jason ainda é o terror dos jovens que conhecemos.

Essa narrativa enviesada é fundamental por um motivo. Dar ao filme uma narrativa coesa que gire em torno dos dois personagens duelando. Se a batalha de Freddy vs Jason, é também a batalha da vítima contra seu agressor, isso permite que o foco narrativo gire em torno deles. A luta teve dois rounds, no round 1 o Jason teve seus traumas revividos por Freddy, e no round 2 foi a vingança, e o round 1 permitiu que a vingança fosse catártica. Que delícia ver o Jason dar o troco, e só é uma delícia pois é o troco, e só é o troco, pois o filme estabeleceu claramente o Freddy como o vilão e o Jason como a oposição ao vilão.

Nada sequer parecido com isso foi feito em Sadako vs Kayako, elas foram estabelecidas como uma tão ruim quanto a outra. Mas poderia ter sido feito. Eu acho que a narrativa funcionaria bem melhor, se transformassem a Sadako no lado “certo” por vários motivos. O primeiro, da tradição de seu lore. Sadako tem a tendência de receber empatia das pessoas que investigam sua vida. No primeiro filme, e portanto a maior referência, Reiko simpatiza com Sadako, liberta sua alma e resgata seu corpo do poço. E ela acha que dar a Sadako o respeito e o tratamento digno que ela não recebeu pararia a maldição. No próprio Sadako vs Kayako, temos um personagem que é oficialmente fascinado pela Sadako. Porém é claro que Sadako nunca é grata por qualquer simpatia que sinta de um humano e no final ela mata do mesmo jeito, pois isso é o que ela faz. Tal qual Jason nunca não vai enfiar a machete um adolescente, mesmo um que o ajude.

Também é fácil enquadrar narrativamente Kayako como mais cruel que Sadako, por dois motivos. O primeiro é que a maldição de Sadako tem uma cura, enquanto a de Kayako não tem. Então se você atender as condições de Sadako, ela vai poupar a sua vida, enquanto uma vez na mira de Kayako, não existe nada que você possa fazer. Ao mesmo tempo para ativar a maldição de Sadako você tem que ver a fita de vídeo, e nada na fita de vídeo é convidativo, ela não tem rótulo, apelo, e nos filmes recentes, é uma mídia morta. Então é necessária uma curiosidade grande para se meter onde não foi chamado para cair na maldição. Enquanto Kayako mata quem entra na casa. Independente do motivo ou contexto. Pode ser uma pessoa que foi lá a trabalho. Pode ser um testemunha de Jeová que entrou para falar sobre Jesus Cristo, pode ser uma pessoa que foi arrastada ali a força. Soa muito fácil cair nas garras de Kayako das quais não se escapam. E isso poderia ter ajudado a rotular ela como o lado injusto da briga.

Mas o filme na verdade fez tanto esforço para fazer as duas virarem o mesmo personagem, que tiraram a condição de Sadako para se livrar da maldição, tornando-a inevitável que nem a de Kayako. E fundiu ambas as personagens na mesma, fazendo com que as duas ameaças no fundo se tornassem a mesma ameaça, a fantasma: Sadakaya.

Enfim, Sadako e Kayako soavam o mesmo personagem várias vezes, isso se manifestou em outro ponto importante.

O Estilo de luta do personagem tem que mostrar quem ele é.

Pois é, isso aqui não é física quântica. E não é nenhum segredo pra ninguém. Em uma história que se baseia em uma lutinha, a maneira como o personagem luta, é uma extensão de sua caracterização, e é um dos modos do personagem mostrar pra gente sua real personalidade, e sua maneira de interagir com o mundo. O nobre Capitão América usar um escudo, ou Steven Universe depois dele, usarem um escudo, uma arma cuja função principal é proteger, é uma maneira de mostrar quem eles são e o que eles priorizam em uma luta.

No caso dos filmes de terror o gênero slasher se popularizou justamente por armas de cortes. São as que permitem mais sangue e gore. Mas também possuem uma simbologia sexual que sempre esteve muito presente nos filmes slashers, em que o assassino penetra suas vítimas com armas longas, como uma punição por uma vida de sexo e pecado. Mas em que ele falha em penetrar a personagem virgem. Também existe uma grande interpretação sobre a maneira como a virgem luta de volta com um objeto igualmente fálico, como uma metáfora para o empoderamento da personagem vir dela dar ao assassino seu próprio remédio… ter a metáfora de um pinto enfiada nele.

Aliás, para quem gosta de Slashers, eu não poderia recomendar mais Behind the Mask – The Rise of Leslie Vernom. FIlmão.

Enfim, luta é muito sobre simbologia por trás das armas e meios de combate. E o meio de terror sempre abraçou isso construindo uma mitologia de uma simbologia muito específica por trás. E por mais que todos os assassinos tenham uma lâmina que eles queiram enfiar nas suas vítimas, cada assassino tem uma específica. Michael Myers tem uma faca, e Ghostface tem uma faca também pois ele quer imitar Michael. Candyman usa abelhas e mão de fancho, lembretes da injustiça que ele sofreu e que seu ato é de vingança. E os doppelgangers de Us usam tesouras, que são símbolos de suas condições como doppelgangers, cópias.

Mas Jason? Jason pode usar de tudo para matar, e já usou, mas sua arma definitivamente é sua machete, enorme e brutal. Jason se destaca dentre os demais vilões de slasher por ser um dos maiores e mais agressivos, e ele se destaca pelo uso de força bruta como seu diferencial. E sua arma, uma machete enorme é um reflexo disso, de sua brutalidade. Freddy por outro lado usa seus dedos-de-lâmina, o que dialoga muito com sua história. Ele é um assassino de crianças, e ficou muito muito muito muito implícito (o remake deixou explícito) que ele era um pedófilo molestador. Então é isso, os dedos de Freddy são sua arma, seu toque é sua arma. Onde ele passa os dedos é onde ele machuca suas vítimas.

Inclusive ao longo do filme, um rouba a arma do outro, o que deu uma dinâmica interessante dos dois sofrerem o próprio remédio. Mas não é só isso. Não é só as armas. Jason luta de maneira bruta, ele esmaga Freddy, e não pode ser detido. Freddy luta feito cuzão, mesmo sem os poderes do mundo dos sonhos. Ele joga tanque de gás no Jason como se fosse torpedo, e perfura ele com uma cuva de varas de aço. Jason é bruto pois tem a superioridade física, mas Freddy é mais esperto e compensar com estratégia.

Em Sadako vs Kayako não temos nada sequer parecido. As duas essencialmente podem manipular seus longos e característicos cabelos e jogam cabelo uma na outra. O que é maçante, pois as duas podem fazer isso. E não só maçante como desnecessário. A Sadako puxa o Toshio, o filho da Kayako pra dentro da tv pelo cabelo. E tem um momento em que ela explode a Kayako com seu olhar…. o que foi estranho. Literalmente explodiu com o olhar. Tipo, que porra é essa? Enfim, e a Kayako não fez nada. Nem nas vítimas que morreram pra ela mais cedo no filme, em que ela não apareceu onscreen matando-as. Então o filme não nos mostra do que elas são capazes.

Sadako não se manifesta somente pela televisão, ela se manifesta pelo telefone, pelas máquinas fotográficas, pelas câmeras de vídeo. Pelos eletrônicos dos hospitais. Por isso não é surreal pensar que ela é uma tecnopata. E que seu poder se estende pela tecnologia. O quanto ela é uma existência cuja manifestação é por tudo que é tecnológico, por não ter sido uma existência natural, é o tema da minha primeira análise da franquia. Por outro lado Kayako é uma extensão daquela casa. Aquela casa inteira se tornou seu território, por onde ela manifesta seu ódio, e isso tem a ver com controlar a água na banheira, com fazer seu cabelo aparecer no teto, Ela abre portas, a mão dela sai de cada possível fresta. Então, seria uma batalha em que Sadako está no território de Kayako, mas com pequenas armas dela espalhadas dentro do território de Kayako, como tvs, telefones, e isso seria interessantíssimo de se ver. Mas isso não foi o que vimos, elas inclusive mal ficaram dentro da casa, o que me leva ao próximo ponto que é uma extensão desse.

A luta deve usar a história dos combatentes.

Vamos lá, porque estamos fazendo crossovers? Porque em vez de fazer Gorila vs Dinossauro, nós fazemos King Kong vs Godzilla? Pois o quão reconhecíveis os personagens são, importa. É o Freddy versus o Jason, o quão reconhecíveis essas duas figuras são importa. Eles não são conceitos num vácuo de velho da faca e grandão da machete, eles tem história.

Eles tem história. E o Freddy vs Jason usa essa história. Do medo de água ao trauma com fogo de Freddy afetando a luta. O round 1 é na água, onde Freddy humilha Jason. O Round 2 é no fogo onde Jason tá o troco. A reta final da luta, nos últimos minutos, é numa ponte em chamas em cima da água, as duas fobias coexistindo. Tudo nos remetendo a como esses dois morreram originalmente.

Mas não é só isso. Ao longo da luta eles exploram a fornalha de Freddy e eles exploram o Crystal Lake. Jason tem visões da mãe. A gente vê flashbacks das antigas vítimas de Freddy. O passado desses personagens estava ali e aquele combate era de pessoas que tem uma história com os ambientes, e com o que fazem, que estão conectados. Mas e as fantasmas que só mandaram mal? Fizeram isso?

Então… pouco antes da luta começar, os dois exorcistas vão até a casa de Kayako verificar alguns elementos importantes, e um deles, é o de que no quintal de Kayako, debaixo de uma pilha de madeira, existe um poço. E eles confirmam que isso é bom que o poço é importante.

E bem, quem foi ver esse filme só por causa da Sadako, pode ter chegado nesse momento (uma hora de filme, mais ou menos), e não sabendo o lore da Sadako, pois não foi reapresentado, não saber. Mas ela morreu em um poço. Ela foi jogada em um poço quando criança, e foi enquanto morria lá dentro que ela criou a fita de vídeo. E esse poço é parte central da maldição. Ele aparece na fita de vídeo, e ela escala o poço antes de sair da tv, e muitas de suas vítimas na tentativa de saber mais sobre ela, acabam entrando no poço. Então quando eles acham um poço e tratam como se fosse muito importante eu fiquei na dúvida. Espera aí: a Sadako foi morta no quintal da casa da Kayako? Esse é o poço da Sadako? Ou esse é qualquer poço, mas poços em geral tem poder contra a Sadako? Tipo, tudo bem que o filme tinha omitido o poço até agora, e mesmo a fita de vídeo mudou para mostrar a Sadako abrindo uma porta em uma sala toda cagada. Então eu não sabia nem se essa Sadako teria um poço…. mas no poster ela tem um poço, então eu confiei que esse poço era importante, pois conectava com a história da Sadako.

Mas não. Aparentemente, poços são meramente locais muito bons de se prender fantasmas. Sério, o poço no campo de batalha que está no bendito pôster não é pra ser uma referência pra vida da Sadako. E eu fico pensando: Por que não? Como não? Porque eles não querem referenciar a história da Sadako? Porque eles querem que ela saia por uma porta. Enfim, depois quando a Sadako e a Kayako se fundem na Sadakaya, a Sadakaya escala o poço da maneira que a Sadako faz. Mas agora ela não é mais a Sadako. Então….é.

E assim, na moral. Freddy, Jason, Sadako e Kayako tem uma coisa em comum entre si. Os quatro foram assassinados…. digo, Jason se afogou sozinho, mas por negligência de gente que devia ter impedido. Enfim, os quatro tem algozes, responsáveis por sua culpa. E enquanto aqueles que mataram Freddy e Jason tem suas memórias presentes no filme. Nada referente aos algozes de Sadako e Kayako aparece no filme delas.

Acho que o que isso ilustra, esse exemplo mais que os outros, embora todos ilustrem, é que nem Sadako nem Kayako são personagens. Elas não tem história, personalidade, individualidade, agência, ou tomam decisões ao longo da narrativa. Elas são tipo a chuva. acontece, afeta os outros e deixa de acontecer. E isso é menos que elas merecem em um filme com o nome delas no título.

Só mais um pra concluir a lista.

A batalha não precisa ter um vencedor claro. Mas ela precisa ter um final.

Por tradição, filmes de Batalhas Crossovers gostam de dar bastante margem de interpretação a respeito de quem ganhou, para os fãs isolados de ambos os personagens se sentirem satisfeitos com o resultado. E isso não é um problema. Quase sempre você tem duas narrativas possíveis. Você pode se focar no fato de que o Batman rendeu o Superman com sua kriptonita, ou no fato do Superman ter forçado Batman a olhar o que ele se tornou e ceder sua visão de mundo pra de Superman. Você pode focar no fato do Predador ter eliminado os Aliens do planeta Terra, ou no fato de que quando ele volta pra sua nave um chestburster sai dele.

No caso de Freddy vs Jason, tecnicamente, quem cai primeiro é Jason. Dando um golpe decisivo, mas não final em Freddy. Quem dá o golpe final é a humana que testemunhava a luta. Que pega a machete de Jason e acerta o golpe final em Freddy matando-o depois que Jason o enfraqueceu. Então Freddy ganhou? Bom, no fim do filme, Jason sai vivo da água com a cabeça de Freddy em mãos. Então Jason ganhou? Mas a cabeça pisca. Então…. quem ganhou?

Pois é não sabemos. E tá tudo bem. Fãs de Freddy podem puxar a sardinha pra Freddy fãs de Jason vão puxar a sardinha de Jason. Eu pessoalmente acho que Freddy venceu a luta em si, mas Jason cumpriu seu objetivo, então ele ganhou o filme. Ele retornou ao Crystal Lake, onde ele não estava no começo do filme por estar no inferno. Ele quebrou a manipulação que Freddy fez em cima dele e se colocou no ambiente que é seu território. Então ele está onde ele quer estar. Freddy só matou um dos jovens que ele queria matar, não podendo usar seu recuperado poder, e foi obviamente não morto, mas novamente derrotado pela filha de uma de suas vítimas. No final ele é uma cabeça na mão de Jason sem poder apavorar Elm Street, então ele não está onde ele quer estar, então ele perdeu o filme.

Ok, ok, por que eu consigo dar minha interpretação de quem foi o vencedor do filme? Mesmo que a luta seja ambígua? Ora essa, porque a luta acaba, e a história acaba quando a luta acaba. O que é novamente outro motivo pelo qual a luta tem que ter testemunhas, pois elas declaram o fim da luta, especialmente em personagens de franquia imortais. A adolescente em Freddy vs Jason disse que independente de sua segurança, ela só iria embora quando acabasse. Então quando ela sai do Crystal Lake com o namorado, significa que acabou. Da mesma forma que a menina de Alien vs Predador recebendo a marca do predador, marca que o predador reconheceu ela como uma guerreira digna. E ele vai embora, a perspectiva dela marca isso como o fim da luta. E o fim da história que ela testemunhou.

Em Sadako vs Kayako a luta não acaba. Em vez disso o filme acaba quando todos os personagens nomeados (exceto pelas duas fantasmas) morrem. Não sobrando mais gente. A tentativa de selar as duas fantasmas com as propriedades-anti-fantasmagóricas-de-um-poço sai pela culatra, e elas se fundem, saem do poço. E atacam a última sobrevivente, mas ao atacar a última sobrevivente, a Sadakaya ataca a tela na verdade. Ou seja o filme termina o ataque de Sadakaya eliminando a câmera e por consequência o filme, cujos créditos somem. Dando a sensação de algo interrompido. Sadakaya vai sair pelas ruas matando? Vai matar pelo vídeo? Vai matar quem entrar na casa? Não sabemos, não acabou, só matamos as testemunhas.

O último frame do filme é um close do rosto da Sadakaya atacando a última humana viva, Isso não é closure.

Fazer um crossover não é fácil. Tanto não é fácil que é só o filme soar minimamente coeso que já querem dar tapa nas costas dos Avengers.  Mas em Sadako vs Kayako eu senti um descaso particularmente gritante, um desinteresse em mostrar as personagens do título. Um desinteresse em explorar suas diferenças e backstories, em contraste a um foco muito grande não só nas vítimas, como nesses dois exorcistas aí. E na moral. Porque o protagonista do crossover é um personagem novo. Eu não preciso ser um gênio pra saber que o apelo maior de um filme marcado pelo quão reconhecíveis são suas estrelas ter o holofote roubado por gente que o fã nunca viu na vida, é o oposto de fanservice. É se sentir trapaceado.

 

Enfim quando a gente vê um desses filme, logo pela capa. Quando a gente vê o pôster de um filme com uma Batalha Crossover a gente logo vê uma coisa. Esses filmes não são sérios. Inclusive, acho acho que os universos da DC e Marvel são os únicos crossovers da história que miraram em receber algum prestígio pela ambição do projeto (só o MCU conseguiu), sem querer ser sintomas o quanto o fanservice e abuso da propriedade intelectual dos filmes atingiu seu ponto de mais foda-se. Apesar disso eu gosto desses filmes, e acho que eles serem uma enorme punheta de fanboy não impede eles de serem interessantes.

Acho que dar o seu melhor no roteiro para amarrar dois personagens distintos em se relacionarem um exercício de amor pelos personagens, e quando bem-feito pode trazer o melhor deles pra tela. Um filme de Batalha de Crossover é um filme pra testar facetas diferentes do personagem e isso é interessante. E olha, honestamente, especialmente no pós-MCU, não sei porque não estamos fazendo mais disso. Por que não Jason vs Michael Myers? Chucky vs Anabelle? Gente, tem que acabar o cânon, foda-se. Por que não…. se liguem, sério, me deem ouvidos aqui, por que não Freddy Krueger vs Samara Morgan.

É sério. Nos três filmes americanos na franquia o Chamado, a Samara aparece nos sonhos, e mostra ter o poder de afetar a vítima dos sonhos marcando a Naomi Watts no braço. Então ela tem o exato poder do Freddy. Eles podem se encontrar em um sonho.

Freddy era um abusador infantil e assassino de crianças, que sente prazer em machucar criancinhas. Samara é uma literal criancinha, significantemente mais jovem que os adolescentes que Freddy enfrenta nos filmes. Uma menininha que foi machucada e morta e tem muito ódio para dar. Freddy é a representação máxima de um mundo que matou Samara. E Samara tem o poder também de nunca dormir, fazendo com que eles só possam se encontrar nos sonhos dos outros, mas Freddy nunca possa invadir os sonhos dela.

Então eu imagino assim, se ligue na fanfic. Teria essa adolescente de Elm Street que viu o vídeo amaldiçoado e está marcada para morrer por Samara. Antes do sétimo dia, Freddy invade seus sonhos para matá-la por ser de Elm Street. Mas Samara aparece e a protege, pois ela quer que chegue no sétimo dia, para dar tempo da garota passar o vídeo pra outra pessoa. Uma vez que seu objetivo é ter sua história contada. Conscientizar o mundo sobre seu assassinato. Pois bem, Samara deteria Freddy no sonho, e a adolescente seria temporariamente salva. Mas isso ficaria uma ferida no orgulho de Freddy, ele ia querer uma revanche. Pois Samara é uma literal criancinha, e para Freddy vai ser particularmente humilhante ter sido detido por uma criancinha, aquilo que ele se orgulha em matar e amedrontar. Então ele precisa manipular sua próxima vítima a ver o vídeo amaldiçoado também, pra marcar a revanche. Obviamente o round final seria no fim do filme, no sétimo dia, quando a garota conseguisse puxar Freddy pro mundo real, como sempre acaba acontecendo nos filmes, Samara sairia da televisão pro duelo final no mundo real.

Ok, perdão pela fanfic. mas ela ilustra um pouco meu ponto. Porque eu gosto muito desses dois personagens, eu sou capaz de ver paralelos entre eles que dialoguem e na minha cabeça justificaria um crossover. Qualquer outro escritor em hollywood deve ser capaz de ver seus paralelos entre seus personagens favoritos. Precisa ser só ícone do terror não. Façam um Indiana Jones vs James Bond. Façam um Mulan vs Elsa, vamos descobrir aí quem é a mulher mais poderosa da Disney.

Porque essas ideias podem parecer estupidas, e caça-níqueis, e elas são mesmo, mas também são uma puta chance legal de explorar um personagem. Pois vou repetir o que eu falei no texto do Alien. os personagens ficam mais interessantes quando deixamos o cânon de lado, e saímos pra explorar ele na mais diversa gama de situações possíveis. Tivemos essa fase do Michael Bay de remakes de filmes de terror. E olha, nada contra remakes, nada mesmo, se tiverem algo a dizer e um motivo para achar que a história ganha nova relevância a ser contada. Mas de filme de terror pra mim não faz o menor sentido. Porque ele vai rematar as mesmas vítimas do mesmo jeito? Mas gente, cada morte nova de um desses monstros é uma deleite novo, repetir morte é ver figurinha repetida. Por que eu vou querer rever essas cenas icônicas serem reproduzidas de outra forma? Ver o Freddy sair no pau com a Samara teria muito mais valor que ver ele refazer a cena da banheira, essa cena já existe, ela já é boa.

Pelo amor de Deus não existe a menor necessidade de refazer essa cena duas vezes.

Enfim, Godzilla vs Kong tá virando a esquina e eu estou curioso para ver o que vai sair, e se um hipotético sucesso desse filme talvez possa começar uma nova leva de Batalhas Crossovers, pois eu acho que merece.

Feliz Halloween a todos vocês.

Sobre o autor

Izzombie

Sou um cara chato que não consegue ver um filme sossegado sem querer interpretar tudo e ficar encontrando simbolismos e mensagens. Gosto de questionar a suposta linha que separa arte de filmes comerciais, e no meu tempo livre pesquiso sobre a história da animação.

Por Izzombie

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Sou um cara chato que não consegue ver um filme sossegado sem querer interpretar tudo e ficar encontrando simbolismos e mensagens. Gosto de questionar a suposta linha que separa arte de filmes comerciais, e no meu tempo livre pesquiso sobre a história da animação.

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