Tem que Acabar o Cânon – É possível surgir um novo tipo de monstro no século XXI?

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Olá meus leitores! Quero começar esse texto contando um caso que aconteceu comigo. O jogo Super Smash Bros Ultimate tinha acabado de sair, e um grande amigo meu deu uma festa na casa dele pra too mundo jogar o jogo em um torneio. Torneio esse que eu não cheguei nem perto de ganhar por sinal. Pois bem, conversa, games, música, bebida, de repente a atenção de todo mundo foi chamada, quando em uma discussão particular de dois convidados no canto da sala um deles se exalta, levanta a voz e grita pra sala inteira ouvir “POIS TEM QUE ACABAR O CÂNON”. E essa frase mudou minha vida. Eu pensei nela, refleti sobre o seu significado e tomei pra minha vida. O cânon, de fato precisa acabar.

A gente vive em um mundo em que a gente leva o cânon muito a sério. A noção de que em uma franquia de filmes, um deles não é cânon e foi removido da continuidade enfraquece completamente a reputação do filme.

Eu acho Rasen facilmente o melhor filme japonês da franquia Ringu, mas seu status de ter sido removido do cânon é uma marca negra na hora de se falar do filme, e ele é visto como um detalhe desnecessário na franquia.

Ao mesmo tempo uma fanfic completamente medíocre e picareta pode ser elevada no coração dos fãs como algo importante, pois o autor veio e disse que aquilo é cânon, e portanto vale mais do que outras fanfics potencialmente melhores.

Acima uma fanfic meia boca que lotou livrárias e vendeu horrores pois a J. K. Rowling abençoou. Abaixo uma fanfic excelente que pode ser lida gratuitamente e que é uma das mais divertidas leituras relacionadas a Harry Potter que eu já tive.

Quando o Universo Expandido de Star Wars deixou de ser cânon, os fãs ficaram devastados com a quantidade de lore que foi perdido, mas não foi perdido. As obras ainda existem pra serem consumidas. E não devia ser vergonha nenhuma pra esses livros e quadrinhos e games não existirem no mesmo universo em que Episode IX – The Rise of Skywalker se passa.

A gente leva a sério demais. E eu também sou culpado disso, não posso fingir que não sou parte do fenômeno quando eu mesmo usei o termo fanfic como termo pejorativo pra obras nesse blog pra vocês lerem. Qual o problema das fanfics? Obviamente metade delas são ruins, pois são escritas por gente amadora, mas tenho certeza que se afundarmos o suficiente no mundo das fanfics, deve ter muito ouro ali. Não é como se metade dos livros da livraria não fossem ruins também. Metade dos filmes são ruins. A Lei de Sturgeon existe, ela é real, se aplica a tudo e eu tenho certeza que se aplica as fanfics também.

Enfim, então é em homenagem a esse mantra dito por um amigo meu numa festa em um contexto que eu nem imagino, que eu quero começar uma série de textos aqui dentro dessa chaminé. Diferente da Visão do Vilão, não tenho um segundo texto planejado e nem sei se vai vir mais coisa, mas quero deixar esse espaço aberto para eventuais mais textos que mergulhem nesse tema, como textos de uma série. Pois eu imagino que eu vá querer voltar a questionar a necessidade da existência de coisa cânon.

Dito isso o primeiro texto é sobre um dos maiores aliados do conceito de cânon, que é o conceito de copyright. Ah, o copyright é uma existência fundamental pra hegemonia do cânon. E vamos falar um pouco sobre ele.

Então vamos parar de introduzir e começar o assunto do texto? Vamos!! Ele começa com outra história. Essa é mais curta e simples.

Faz uns meses, um bom amigo meu veio num chat do telegram jogar na roda de discussão de qual havia sido o último monstro criado. E, principalmente, quando o ser humano criaria um novo… naturalmente pra participar desse debate a gente precisava da definição de monstro e perguntamos. E o amigo definiu um monstro como “Uma criatura não-humana com uma série de regras sobre seu funcionamento e biologia que sejam reconhecíveis que possa ser mencionado por nome sem contexto e as pessoas entenderão do que se trata.”

Então por exemplo. Um vampiro é um monstro. A gente menciona “nesse livro tem um vampiro.” e a gente já tem ideia do que esperar, pois essa criatura é familiar pra gente. Da mesma forma, que uma sereia, um lobisomem, um fantasma, um centauro, um hipogrifo, uma múmia, um dragão, um basilisco, um kraken, um elfo… nenhuma dessas criaturas existe, mas qualquer obra pode inserir uma delas e com a descrição do nome já criamos uma série de expectativas na nossa cabeça baseado no quanto as conhecemos.

E de fato esses exemplos todos têm séculos de existência, são criaturas que já existiam no nosso imaginário antes da televisão ou do filme existirem. Elas foram trazidas do folclore pra cultura pop. São mais velhas que a geração da atual pessoa mais velha do mundo. E isso me trouxe um interesse ao debate. Todos as raças de monstro do mundo já foram criadas? O ser humano perdeu a habilidade de criar novas?

Olha isso, é sempre a mesma galera que aparece.

Definitivamente não. Porque eu achei a resposta pra pergunta. Quem foram os últimos monstros introduzidos no imaginário popular? Na minha opinião foram dois. Mas sob certa perspectiva somente um deles conta. E o texto vai ser sobre o contraste da jornada dessas duas criaturas no imaginário popular. A primeira é o zumbi raça de monstros que foram criados em 1968 para o filme The Night of the Living Dead. E a segunda é o xenomorph, espécie alienígena criada para o filme Alien em 1979.

Vamos começar pelo começo então.

Os Zumbis:

Um dos monstros mais populares da história fez 50 anos de existência recentemente. O que é relativamente jovem se comparado ao Drácula ou ao Frankenstein. Mas geralmente histórias que gostam de fazer uma mistureba de monstros amam incluir os zumbis lado a lado do Drácula e do Frankenstein como se fosse muito natural imaginar todos eles como parte da mesma turma.

Mas a verdade é que se os monstros clássicos fossem a Turma da Mônica, os zumbis seriam a Milena. Eles super chegaram só outro dia no rolê.

Os zumbis foram criados no filme The Night of the Living Dead, que é hoje um dos filmes de terror mais influentes da história. Parte disso é que o filme conseguiu o mérito de rapidamente se transformar em um gênero. Milhares de filmes iguais foram feitos. E de repente os zumbis eram um conceito que estava por toda a parte, a popularidade do gênero, elevou em muito a reputação de George Romero, que é considerado até hoje o Rei absoluto dos filmes de Zumbi. Ele fez mais cinco filmes de zumbi depois disso, e é facilmente reconhecido como um dos mais influentes nomes no gênero de terror.

Parte do motivo disso é justamente zumbis terem virado essa febre imensa, com uma quantidade imensa de filmes de zumbi saindo todo ano, foi uma festa da uva completa. Mas o que permitiu essa festa da uva?

Um acidente. A produtora do filme simplesmente esqueceu de colocar em seu título que o filme tinha copyright, e por ter esquecido o filme não tinha copyright. É isso mesmo, The Night of the Living Dead é um raro e fascinante caso de filme que estreou em domínio público, esse filme nunca pertenceu ao Romero legalmente falando. Ele não tem direitos autorais nenhum, qualquer um pode exibir.

Aqui! Bem aqui, tinha que ter aparecido um aviso de que esse filme tem copyright, como não apareceu ele não tem.

E isso significa que seus personagens não tem, e isso é importante, pois significa que ninguém conseguiu colocar copyright nos zumbis. Eles eram criaturas originais, um tipo novo de monstro que havia sido criado, e se tivesse conseguido copyright, nenhum filme teria permissão de fazer essa criatura, andando atrás dos vivos, mordendo eles, e transformando os mordidos em novos zumbis, rapidamente dominando a população.

E isso significaria que Shaun of the Dead nunca existiria, pois o conceito do monstro do filme seria protegido por copyright. Isso significa que o clipe Thriller não existiria. Nem o jogo Resident Evil, pois todos violariam a propriedade intelectual desse filme.

Também não existiria a comédia policial iZombie, que eu só fui assistir porque eu fico desconcertado com o quanto o nome dessa série é parecida com o nick com o qual assino meus textos… porra, existe uma timeline em que o Romero conseguiu colocar copyright no filme dele, e nessa timeline o meu nick seria outro. Nem imagino qual poderia ser? Faz muitos anos que é Izzombie.

The Night of the Living Dead ter nascido no domínio público foi uma benção dos céus, pois permitiu o filme entrar em um ciclo de reprodutibilidade, cópia, homenagens, e filmes picaretas copiando a ideia do filme, que foram tudo divulgação. E divulgação que elevou o filme. Era fácil exibir o filme, então era fácil ver o filme, e com os filmes de zumbi surgindo e surgindo com mais força, as pessoas queriam ver o melhor.

Pois não importa quantos filmes de zumbi saíssem, nenhum era melhor que The Night of the Living Dead, até hoje pouquíssimos se comparam. Perder seus direitos autorais não fez mal algum ao filme, só fez bem, pois o filme não bebeu os méritos do filme, bebeu os méritos do gênero inteiro. Quanto mais popular o gênero se tornava, mais súditos o rei ganhava.

Ele fez mais de 260 vezes o próprio orçamento em bilheterias, embora isso seja normal em filme de terror de baixo orçamento, ainda é um sinal de que o acidente não custou de Romero o dinheiro dele pelo filme. E o filme influenciou futuros mestres do cinema de terror como John Carpenter nos anos 70 ou Jordan Peele no presente, que não fizeram filmes de zumbis, mas não estariam onde estão sem o filme de Romero. Inclusive os intertextos entre a The Night of the Living Dead e Get Out já foram apontados no blog.

O status de domínio público do filme fez bem pro filme, e permitiu que o filme fizesse um bem pro mundo. E isso tem relação com ele ter dado o conceito de zumbis pro mundo. Não como uma criatura que pertence a um estúdio, mas que pertence a todo mundo que tiver uma história a contar com essas criaturas.

O próprio termo “zumbi” não foi cunhado por Romero, que se referiu a eles como “ghouls” no filme, e quem deu o nome zumbi foram os fãs. Antes de The Night of the Living Dead sair, zumbis era uma parte do folclore haitiano, da religião voodoo. E usado muitas vezes em filmes, muitas vezes com conotações racistas, por ser algo que dialoga com religião de matriz africana. O zumbi do voodoo haitiano, não tem nada a ver com a criatura de Romero, O zumbi haitiano é um cadáver reanimado por magia necromante sob o controle de outra pessoa. O zumbi original é um escravo e tem um mestre, e não se espalha. Mas o nome foi transplantado e hoje, o voodoo não é a primeira coisa a que associamos a palavra.

Hoje, enquanto esse texto é escrito, The Night of the Living Dead é o terceiro filme mais recente do domínio público americano. Mesmo temdo 52 anos de idade. O que significa que o ato de remover uma raça fictícia de criatura das mãos de um estúdio e dá-la a povo para explorar seus limites em outros trabalhos, é um fenômeno que não se repetiu em nenhum momento nesses 52 anos.

O que me leva ao segundo exemplo do texto.

Os Xenomorphs:

Muito do sucesso de Alien, enquanto franquia, tem a ver diretamente com o fato da franquia ser primariamente sobre essa espécie alienígena, sem nome no primeiro filme, mas eventualmente chamada de Xenomorphs, ou Xenomorph XX121 o nome completo. Isso significa que não importa que os aliens sejam derrotados no fim do filme. A espécie ainda existe para brigar com os humanos no filme seguinte. Eles não precisam ressuscitar, como Jason ou Freddy. Eles são uma espécie, eles não vão entrar em extinção, os personagens só precisam encontrar outro espécime.

E sempre tem novo espécime, porque convenhamos, uma das cenas mais legais dos filmes é o momento em que o bicho nasce.

No primeiro filme, um aspecto do Alien que chamou muito a atenção de seu público, foi o complexo ciclo de reprodução da espécie, notável por ser diferente, mas crível, e apesar de ser algo que não estamos acostumados a ver em espécie alguma na vida real, foi fácil de entender somente com observação, sem ninguém nos explicar.

Isso gerou um fascínio instantâneo pela biologia do Alien, foi um dos fatores que mais atiçou o público no primeiro filme. Por isso foi no segundo filme que isso foi explorado pra cacete. Se no primeiro filme vemos um espécime de xenomorph sozinho, na nave. No segundo os heróis invadem uma colônia de xenomorphs. O que isso significa? Que vemos como eles se relacionam como espécie. Eles funcionam por colônia que nem abelhas ou formigas, eles tem uma rainha, vimos eles pondo seus ovos, e servindo a colônia. E é genuinamente fascinante.

Se você é um leitor assíduo do blog, desses que lê tudo, vai ter notado que eu respondi num comentário do texto passado que eu pessoalmente não vi muitos filmes do Alien, por não ter tido pessoalmente muito interesse em saber mais do lore dos xenomorphs e deve estar aí pensando “mas esse Izzombie é um falso do caralho, ele nem gosta assim dos xenomorphs e tá aí falando como se fosse muito foda.” e bem, a verdade é que eu morro de medo de ser hipócrita, então eu dei uma maratonada em filmes da franquia aqui, assisti Prometheus, e percebi que de fato, o lore de como os aliens foram feitos e sua conexão com a relação entre homens e deuses é muito menos interessante que vê-los em ação. E considerando a recepção divisiva de Prometheus, imagino que tenha rolado muito.

Mas seja conectar a criação do xenomorth com teologia ou só mostrar mais de sua natureza é notável que todo filme tenta nos contar um pouco mais sobre essa espécie, algo que não sabemos sobre ela, e completar a imagem do xenomorph na nossa cabeça, Pois queríamos saber, estávamos curiosos.

Essa criatura era assustadora pra cacete, mas também era fascinante. No primeiro filme apostamos muito no comum e eficaz elemento de deixar um vilão assustador justamente pela falta de informação que temos dele, e na minha opinião pessoal é um dos motivos pelo qual eu por muito tempo preferi ficar só com o primeiro filme, mas a franquia certamente foi pra outra direção, indo ao cúmulo de nos explicar exatamente de onde veio a espécie e porque ela existe. Conhecemos seus hábitos com outros xenomorphs, seus hábitos de predação, a composição do seu exo-esqueleto….sabemos tudo sobre eles.

Nisso tudo, um grande acerto que eu destaco aos filmes da franquia Alien, de não terem sido seduzidos por um clichê que poderia ter arruinado tudo e que é tão fácil de ser seduzido por. Os filmes nunca tentaram vender os aliens como uma espécie inteligente, capaz de se comunicar inteligentemente com o ser humano, bolar estratégias complexas e tal. É tentador fazer isso, afinal o homem é a caça mais perigosa que existe, não é mesmo? Lá em Jurassic Park a gente já falava, o pior dinossauro não é o maior, é o mais humano.

Pois é, e não falo que toda franquia que adotou essa ideia cometeu um erro, pois o primeiro filme do Jurassic Park tem 0 erros e é um filme perfeito. Mas aqui ajuda a gente a não individualizar os xenomorphs. Eles são feras selvagens, e a gente não precisa distinguir eles entre eles pois os indivíduos não são nossos inimigos, são essa espécie. Predadora, implacável e irracional. É tipo um filme de gente cercada por lobo, mas o lobo é uma das criaturas mais assustadoras e poderosas da ficção científica.

Enfim, Alien é uma franquia que desencadeou uma quadrilogia, e agora uma trilogia prequel que eu não sei quando que sai o terceiro filme com o lance do Covid-19, mas também tem papos de reviver a sequência original com um Alien V. E também é claro, os dois filmes crossovers de Alien vs Predator. Totalizando 8 filmes lançados com 9 e talvez 10, porque talvez saia Alien V. E talvez ainda saia um Alien vs Predator 3 também, mas desse ninguém gosta de falar, então é sobre esse que falaremos.

Alien vs Predator é um dos filmes que eu vi só pra escrever esse texto e pra minha surpresa, ele não é ruim não. … Claro, não é nenhuma obra-prima, mas porra, competente o filme, serve bem ao próprio propósito. Mostra uma relação antiga de uma colônia de xenomorphs e um grupo de predadores que os caçam lá na Antártica, e porra, fez nada errado o filme. Dito isso, esse filme deu um trabalhão dentro da franquia, porque? Porque pessoas grandes envolvidas na franquia não queriam que esse filme existisse.

James Cameron, diretor do incrivelmente popular Aliens, abertamente se posicionou contra a existência de um Alien vs Predator, por ser contra a existência desse filme, e justificou a existência desse tipo de plano pros filmes do Alien como o motivo para seu afastamento. Sigourney Weaver também declarou ser contra a existência do filme e lutou pra personagem da Ripley não estar no filme. A posição desses dois eram tão claras que motivou um fã a ir na Comic-Con tentar puxar do Ridley Scott uma crítica também a franquia…. Eu honestamente não consegui ouvir a resposta do Scott, mas segundo os comentários do youtube ele disse algo sobre não querer falar nada que o comprometesse com a 20th Century Fox.

O meu ponto é: O James Cameron e a Sigourney Weaver falavam muito do filme Alien vs Predator como se fosse algo que tivesse muito a ver com os filmes que eles fizeram. Mas a minha pergunta é: tinha mesmo?

É um filme sobre a batalha dos xenomorphs contra os Predadores, eles trazem umas circunstâncias legais pra batalha como uma relação antiga entre as duas espécies, mas nada que realmente seja “wooow vai redefinir o lore.”, pra mim o único problema do filme é ter ser humano demais fazendo coisa demais, que também é o mesmo problema de Gozdilla King of Monsters. Crossover não é pra ter gente otária, crossover é pra ter crossover. Humanos deviam fazer o mínimo possível pra otimizar as cenas com o Alien e com o Predador, afinal é pra isso que estamos aqui. Não é a história deles, eles estão ali só pra testemunhar o evento.

Enfim, o filme deu pro gasto. Ele gerou cenas de ação divertidas, explorou bem os limites das habilidades dos dois bichos. Terminou com o nascimento de um xenomorph-predador, o que é daora pra caralho e que aparentemente aparece bastante no segundo filme do crossover (esse eu não vi). E o roteiro, não foi uma merda. E isso é tudo o que precisamos.

Mas a James Cameron falou e eu cito: “Porque você iria querer fazer isso? É que nem fazer Alien Encontra o Lobisomem”.

E eu pergunto: Qual é o problema de fazer o Alien peitar o Lobisomem? Porque a gente não está fazendo um filme em que o Alien vai enfrentar o Lobisomem?

Arte de Carl-McIntyre

Aproveita e faz um filme em que ele enfrenta o Drácula também. Ou que ele ataca em um pântano. Ou que ele enfrenta uma sereia. Por que não? E é aqui que eu quero chegar.

Arte de Axel Medelin

Afinal, o xenomorph é o predador mais perigoso que a Cultura Pop já inventou. Provado de vez no filme Alien vs Predator, mas mesmo se ele não tivesse provado, ainda tem o diferencial, de que o Predador é um caçador, um esportista, ele está em um jogo. O xenomorph é diferente, essa é sua natureza, ele é um predador natural. Ele não usa armas. Não monta armadilhas, e não faz estratégias. Ele não é inteligente. Ele tem somente instinto e suas habilidades naturais.

E por isso, que é interessante de verdade, ver ele no maior número possível de ambientes naturais. Vimos o Alien em várias estruturas espaciais, que é o melhor ambiente pra ele, pois ali ele se camufla. Mas e aí? Ele é igualmente assustador na floresta? E numa ilha deserta? E em alto-mar? E no Pântano? E nas montanhas? E na Savana? O xenomorph possui as características físicas do animal que ele usou como incubadora. Então como é um xenomorph vampiro? Como é um xenomorph gorila? Como é um xenomorph Centauro? Caralho! O céu é o limite pra explorar os limites dessa criatura e como ela age em determinados oponentes e ambientes.

Mas não! Porque isso tudo estragaria o cânon. Como Alien vs Predator estragou o cânon. Quando Ridley Scott fez Prometheus, ele deixou claro que não levaria Alien vs Predator na timeline, e fez questão de deliberadamente desmentir elementos de Alien vs Predator em um filme que honestamente não tem 30 segundos com um xenomorph em cena. E não desmentir no sentido de que as histórias precisavam ser contraditórias, mas no sentido de deliberadamente criar contradições pra deixar bem claro que Alien vs Predator tem mais que se foder.

E os fãs que gostam do filme ainda tentam encaixar Alien vs Predator na timeline. E… pra que tentar? Desencanem fãs.

Gente, pelo amor de Deus, tem que acabar o cânon. Foda-se a timeline. Se tem um filme que vocês curtem fora da timeline então quem perde é a timeline.

O Ridley Scott tem a franquia dele. E se todo filme que contiver um xenomorph tiver que encaixar no lore, timeline e cânon da franquia do Ridley Scott… bem, aí os limites pro que pode rolar ou não com um xenomorph ficam bem limitados. E eu não vejo a menor necessidade. Alien é um filme de sobrevivência, homem contra fera em um espaço fechado. Prometheus é um filme sobre encontrar Deus e questionamentos filosóficos. É daora que por serem do mesmo diretor os filmes, se linkem, mas no fundo são filmes sem nada a ver um com o outro. E esse monstro é mais interessante que a backstory deles com a gosma preta que os Engenheiros fizeram.

Quando um monstro capaz de mudar de forma dependendo do oponente pra se adaptar a qualquer ambiente, tem potencial ilimitado. Então porque queremos prender essa criatura a um lore só?

Falam que não podemos transformar isso em Alien Encontra o Lobisomem, mas o Frankenstein encontrou o lobisomem (na verdade foi o Monstro, Frankenstein é o nome do criador). E FODA-SE que o filme, foi ruim, pois é esse tipo de encontro que permite que o Frankenstein quebre a barreira do seu filme da Universal, e vire um monstro recorrente em qualquer história de monstro. O Monstro de Frankenstein encontrou deus e isso ajudou muito a ele cementar seu status de “monstro obrigatório na hora de mencionar vários monsros.”, sabe porque ele enfrentou o lobisomem em um filme ruim? Porque ele podia, tinha muito filme B da época que nunca iam liberar pra um crossover, por não ter apelo.

E isso é o que eventualmente termina em coisas como: o filme Frankenweenie que é um filme que eu defendo.

E sabe quem também já enfrentou os lobisomens? Os zumbis! Aparentemente, em um board game de 2011, chamado Zombies vs Werewolves, nunca joguei. Sobre o que eu joguei: eu tenho esse jogo de cartas chamado Smash Up do qual sou muito fã, onde cada jogador escolhe duas facções de criaturas para se enfrentar. E é possível fazer os zumbis enfrentarem os lobisomens. Ou os zumbis enfrentarem os vampiros. Ou as plantas carnívoras enfrentar o lobisomem. E os alienígenas estão lá, e os robôs, e os dragões e os pôneis, os fantasmas, os Kajus, os elfos e até o Cthulhu está lá. Sabem quem não está nesse jogo? Certamente não é por falta de ideia, mecânica, apelo ou boa vontade dos criadores que o xenomorph ficou de fora, mas por que inserí-los no jogo requer toda uma negociação. Mas na cabeça dos fãs sempre vai existir espaço para isso.

Inclusive a próxima expansão do jogo vai ser a primeira a usar personagens protegidos por copyright, que vai ser a expansão da Marvel, e ela já vai vir mudando o vocabulário do jogo, e as keywords, pois a Disney não quer seus personagens associados a certas palavras. Então é… esse tipo de negociação vem com esse tipo de concessão.

Enfim, voltando a pergunta que começou o debate. Quando vamos criar um novo monstro pro imaginário popular? O que realmente impede o xenomorph de ser o grande monstro no imaginário popular desse século? Muito simples, o que impede é o fato dessa criatura pertencer à 20th Century Fox, e de ter uma pressão interna para que a aparição dessa criatura seja sinônimo de significar que a obra em que ela apareceu pertence ao mesmo universo que o filme Alien, e de evitar que ela exista em nenhum outro universo.

E muitas piadas na internet derivam do fato de que estamos muito cientes de que o xenomorph tem dono.

É saber que se alguém quiser fazer um filme de um xenomorph invadindo uma fazenda, esse filme vai ter que ser da 20th Century Fox e vai ter debates se ele pode ou não ser encaixado no cânon.

Ah sim, claro, e graças ao cânon, que estabeleceu que os xenomorphs foram criados em 2104, todas as aparições de um xenomorph precisam datar de depois desse ano ou elas não vão ser cânon, e que estúdio que quer se associar com algo que não seja cânon?

Gente, imagina que louco um xenomorph atacando nas épocas medievais, em que eles não tinham armas de fogo pra lutar de volta, só as espadas e armadura mesmo.

Enfim. Ainda tem o pior, que qualquer ideia nova de filme com o xenomorph vai cagar o cronograma de lançamento da franquia Alien. Sim, pois a Fox não pode sair soltando esses filmes ao mesmo tempo, justamente pelo senso de franquia, de dar aos fãs aos poucos.

Então logo depois de Aliens a pré-produção de Alien vs Predator começou, mas foi adiada pra dar espaço pra produção de Alien³ que era um filme que não tinha nada a ver mas barrou o planejamento do filme. E obviamente como foi feito por gente que queria que Alien vs Predator não fosse feito elementos foram colocados no filme pra desmentir elementos que viriam em Alien vs Predator para antecipadamente desoficializar o filme. Alien vs Predator por sua vez foi quem jogou os projetos de Prometheus que já existiam em um limbo do qual só foi sair outro dia. Então não é como se pudessem fazer mais de um filme do Alien ao mesmo tempo? Por que não? Porque a Fox não quer! E isso é estúpido.

Porque a quadrilogia da Ripley, a brisa teológica do Ridley Scott, e o crossover com o predador são filmes que não tem nada a ver entre si, mas tem uma empresa que controla o uso de imagem de uma espécie de monstro que aparece nas três franquias, que insiste em fazer esses filmes terem a ver. E diretores e atores nessa onda que também acreditam que isso tudo precisa ter a ver. E obviamente isso não facilita ninguém a propor uma quarta franquia caso tenha a própria ideia de uma aventura envolvendo um xenomorph.

O tipo de coisa que NUNCA vai acontecer com filme de zumbi. Nem com filme de vampiros. Você me responde “ah, mas a maioria é ruim”, mas é dessa mina de filme ruim que sai Låt den rätte komma in (Deixe Ela Entrar), que sai What We Do in the Shadows, que sai Interview With a Vampire. E você pode falar “mas o vampiro era um ser mitológico.” E isso seria uma meia verdade. É verdade que muito tempo antes do Drácula existiam boatos e lendas de criaturas mortas-vivas que bebiam o sangue dos vivos. Mas era isso, honestamente não é muito diferente do conceito de zumbi. O vampiro como conhecemos foi criado pelo Drácula. O morcego, a fraqueza ao sol, o alho, tudo isso veio do Drácula. O motivo pelo qual você acha que o Edward Culler é um vampiro menor, não é porque ele se distanciou da lenda e da mitologia que existia antes do livro. Você odeia o vampiro que brilha, pois ele se distanciou do Drácula.

E agora, o vampiro só entrou no nosso imaginário, pois embora o Conde Drácula fosse direito do Bram Stoker, o conceito de vampiro que ele criou não.

Tanto que foi permitido fazerem um filme do Drácula sem terem os direitos somente mudando o nome do personagem. Não era o Drácula, era só um outro vampiro, igual o Drácula, que vive pelas mesmas regras biológicas, mas chamava Conde Orlok. E isso dá margem para outros filmes de vampiro surgirem.

Em resumo, nenhum monstro nunca vai ser criado, se ele tiver copyright. E todos terão, sempre, daqui em diante. Pois não é interesse de nenhum estúdio criar um conceito que seja livre pra ser usado e popularizado. E sim criar universos. Hoje em dia tudo é universo, e qualquer blockbuster de respeito precisa se conectar com outro. E toda grande ideia do cinema virá com garantias de que só um estúdio vai poder ordenhar dinheiro dessa ideia com uma caralhada de filme meia boca, o estúdio com os direitos.

Exceto o amigo da vizinhança e sua famosa briga entre estúdios para ambos poderem fazer filmes.

O impacto do xenomorph é gigante, e nós vemos que grandes vilões da cultura pop criador nos anos 80/90 foram deliberadamente criados pra remeterem ao design da criatura do filme, nos limites do Copyright.

O Scooby Doo mesmo driblou muito copyright pra poder colocar um alienígena suspeitamente parecido com o xenomorph, mas que não é um xenomorph em seus filmes.

E agora, agora é realmente a parte curiosa. Chega a ser hilário o quanto o design da criatura xenomorph está protegida por copyrights, impedindo de simplesmente usar o monstro em outra obra e foda-se. Por que? Porque o design do Xenomorph não foi criado pro filme!

O design do Xenomorph foi feito por H. R. Giger, brilhante artista surrealista alemão, mas não foi feito originalmente pra ser o vilão de um filme. Ridley Scott encontrou os desenhos numa coletânea de ilustrações chamada Necronomicon, publicada em 1977, com várias ilustrações envolvendo imagens perturbadoras que misturavam organismos e máquinas, várias delas se tornaram a base do Xenomorph.

O livro convenceu Ridley Scott a chamar Giger pra produção do filme, não só para supervisionar a transição dos desenhos dele em 2D pra uma imagem 3D do alienígena, como também para desenhar os conceitos da nave espacial e cuidar de muitos dos elementos visuais do filme.

O design do Xenomorph nasceu pra ser exibido sem contexto numa série de ilustrações com um tema claro de combinação de elementos orgânicos e inorgânicos, em 1977. Mas em 1979 esse desenho virou um contexto, virou a aparência específica de uma criatura específica e uma com um dos designs mais influentes e reconhecíveis da história da ficção científica.

E quem referencia esse design não está referenciando as obras do Giger num vácuo, está referenciando o oitavo passageiro.

Mas a minha pergunta é: se esse desenho não nasceu pra enfrentar a Ripley. Por que ele precisa passar o resto da existência preso a esse universo. Com todas suas futuras aparições gerando a pergunta: “Mas isso aí permite que ele e a Ripley se enfrentem em 2122 a bordo da Nostromo?”. Afinal o xenomorph que enfrentou Ripley, nasceu e morreu naquele filme, vimos a criatura em todos os seus estágios de vida. xenomorphs não são um personagem, são um conceito, cada filme lida com espécimes diferentes da mesma raça. E pessoalmente, eu não me interesso tanto pelo lore de como essa criatura foi criada, quanto no que está no poder delas fazerem. Em como elas agem e reagem em diferentes situações.

Mas a noção de que essa criatura podia ter um duelo contra predadores na Antártica, aparentemente ameaçou alguma coisa na história. Pois introduziu um lore sobre a criatura que não casava com o lore que o Ridley Scott queria colocar em Prometheus, e por algum motivo isso é mal visto no ramo. E não incentivado na produção dos filmes, pois deixou muito profissional puto com o filme.

Embora o James Cameron tenha voltado atrás e admitido que Alien vs Predator é bom sim.

E eu me pergunto sinceramente se ter um cânon, uma timeline clara, e uma necessidade de coexistir com as ideias do Ridley Scott em todas suas aparições, não se tornam mais uma prisão do que qualquer coisa para o conceito dos xenomorphs. Afinal, o Ridley Scott é um artista, e um excelente artista diga-se de passagem, e ele tem uma visão bem específica dele. Mas ele não vai colocar essa criatura em todos os contextos possíveis que essa criatura pode ser colocada. Quantos diferentes artistas alguns tão talentosos quanto o Ridley Scott não poderiam usar esse monstro pra fazer filmes tão assustadores quanto.

Não cheguei a ler, mas aparentemente a franquia tem uma carreira sólida de popular em histórias e quadrinhos.

E aí que eu lembro da sorte que foi pra indústria do entretenimento, que alguém tenha vacilado, e The Night of the Living Dead, tenha entrado em domínio público no dia de sua estreia. E um dos maiores monstros da história do cinema, tenha surgido em plena década de 1960 sem um pingo de copyright protegendo elas.

Esse erro não impediu que George Romero explorasse as possibilidades do próprio monstro em uma sequência excelente como foi Dawn of the Dead. Nem que a noção coletiva de que ele é o definitivo mestre dos zumbis no cinema desaparecesse. Ele conseguiu fazer uma carreira inteira em torno de um filme sobre o qual ele nunca teve direitos, e isso não foi mal negócio pra ele.

Mas permitiu que um diretor autoral britânico de comédia e com uma visão estética bem única fizesse Shawn of the Dead, um dos melhores filmes de zumbi que existem.

Permitiu que os coreanos experimentassem das a visão deles do monstro. Assim como os espanhóis, os japoneses e várias outras nacionalidades.

E a quantidade incrível de filmes horríveis de zumbi que existem, não prejudica em nada o interesse quando um diretor excelente resolve nos mostrar a sua ideia para o gênero.

E isso tudo porque zumbis não são uma franquia, são uma ideia, uma ideia que depois de tida, passaram a ser de todo mundo,

O que volta a pergunta que inspirou esse texto. Algum dia vamos ter um novo monstro clássico para aparecer nas histórias, além dos clássicos vampiro, lobisomem, monstro de Frankenstein, múmia, esqueleto, zumbi, fantasma, bruxa etc? E a resposta é: não! Pois qualquer ideia fascinante de criatura que alguém tiver no futuro vai nascer com dono.

E sequer podemos contar com alguém repetir o erro de Night of the Living Dead, pois as leis de direitos autorais foram reescritas para não permitir que algo semelhante ocorra novamente.

As leis de domínio público nos EUA são constantemente reescritas e editadas graças ao lobby de uma empresa de entretenimento muito conhecida chamada Disney, que investe muito dinheiro e muito de seu poder com os políticos dos EUA, para que o tempo necessário pra uma obra virar domínio público mude, morrendo de medo do dia em que Mickey Mouse virará domínio público.

Mesma Disney que tentou, e isso é verdade, colocar um copyright no Dia de Los Muertos. Eles perderam, mas eles tentaram enfiar copyright em um feriado. ESSE É O MUNDO EM QUE VIVEMOS. E obviamente se isso acontecesse, nenhum filme fora da Disney conseguiria fazer filmes sobre o Dia de Los Muertos.

Segundo a lei atual, em 2024 Mickey vai ser domínio público. O que significa que em 4 anos essa lei certamente vai ser reescrita, e com isso, Mickey puxa muita coisa consigo. Os direitos de The Wizard of Oz são infames por estares travados graças aos esforços da Disney, gerando complicações.

Em 2019 o Sítio do Pica-Pau amarelo entrou em domínio público, em 2008 quem entrou foram as obras do Lovecraft. E eu pessoalmente acho ótimo que personagens das duas obras possam ser revisitados livremente por artistas cujos ideais racistas não tenham envelhecido tão mal na atualidade. E reforço, a alto poder de reprodutibilidade que essas obras ganham não afetam de verdade o material original, o Chtulhu nunca não vai ser reconhecido como produto do Lovecraft e associado diretamente a ele, não importa o que façam com o personagem. Mas agora podem fazer coisas que o Lovecraft nunca imaginou, e isso é ótimo.

Assim como não tiraram o Frankenstein da Mary Shelley até hoje. O poder de associar o criador a criatura transcende leis de copyright. Mas é só nesses termos que se fazem ficção no mundo atual e não tem o que fazer, só agradecer, ao erro Night of the Living Dead, e ao que o mundo ganhou.

Sobre o autor

Izzombie

Sou um cara chato que não consegue ver um filme sossegado sem querer interpretar tudo e ficar encontrando simbolismos e mensagens. Gosto de questionar a suposta linha que separa arte de filmes comerciais, e no meu tempo livre pesquiso sobre a história da animação.

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Sou um cara chato que não consegue ver um filme sossegado sem querer interpretar tudo e ficar encontrando simbolismos e mensagens. Gosto de questionar a suposta linha que separa arte de filmes comerciais, e no meu tempo livre pesquiso sobre a história da animação.

Alertas

  • – Todos os posts desse blog contém SPOILERS de seus respectivos assuntos, sem exceção. Leia com medo de perder toda a experiência.
  • – Todos os textos desse blog contém palavras de baixo calão, independente da obra analisada ser ou não ao público infantil. Mesmo ao analisar uma obra pra crianças a analise ainda é destinada para adultos e pode tocar e temas como sexo e violência.

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