Comparando o Batman do Nolan com o do Snyder.

C

Estamos todos aqui em antecipação ao filme The Batman, em que o excelente e subestimado ator Robert Pattinson vai interpretar o herói mais adaptado para os filmes de todos os tempos. E sabemos que uma quantidade grande de Nerd Boomers está chiando e chiando que ele não tem a qualificação necessária para interpretar o Batman. E embora esse texto não seja para defender um cara que protagoniza filme do Cronemberg de um bando de gente que se sente intimidada e emasculada com o sucesso que a franquia Twilight fez, eu quero usar isso como escada para pensar que, o Pattinson não é o primeiro nem o último ator do Batman que é imediatamente alvo de chacota e acusado de não ser capaz de interpretar o herói. O que considerando que ele é o sétimo Batman em Live-Action do cinema, só nos mostra que mais que qualquer outro herói temos expectativas muito claras sobre o que o Batman pode e não pode fazer, ser e representar em um filme.

Pouco herói a gente caga mais regra sobre como ele deve aparecer no cinema do que o Batman. Porra, a gente deixou passar um Peter Parker playboy sem interesse por fotografia, que defende legado de bilionário como o Peter Parker ideal. O Spiderman era pra ser o herói do povo. Esse filha da puta nem luta mais em Nova York, é Washington, é Paris, é luta no avião… Mas a gente genuinamente perdoa tudo. Mas o Batman estamos sempre com a lupa para ir conferir se ele representa mesmo a essência do Batman, e essa essência pode ser destruída pelos elementos mais simples.

Os cara pega um dos maiores ícones de Nova-York da cultura pop pra fazer um filme em Washington e outro na Europa, e vem me encher o saco com fidelidade ao herói? A verdade é que a gente perdoa toda mudança se for com a cara do filme.

Como um design de fantasia mais questionável. Que virou o símbolo máximo do Batman errado.

 

E eu quero abordar muito nossa percepção do Batman nesse texto. Nossa percepção do que o Batman deveria ser, e o que mais nos incomoda quando ele não é. Em um texto da série de Tem que Acabar o Cânon, pois o conceito de Cânon sequer existe quando pensamos que essas adaptações pro cinema são todas fanfics, e sobre como a gente não valoriza exatamente fidelidade aos quadrinhos na hora de elogiar um filme, embora mintamos que sim quando é conveniente. Enfim, esse é um texto da série Tem que Acabar o Cânon, pois em nenhum momento o pensamento de se tal atitude ou personagem existe na HQ vai interferir na análise. Esses filmes devem ser bons filmes, e a única fidelidade que me interessa é consistência com o restante da própria franquia.

Quer dizer, o Bane do Nolan não tem máscara, não tem o veneno, tem uma backstory nova, trabalha pro Ra’s Al Ghul, mas “esse é  Bane que eu conheço” foi dito várias vezes pelos fãs, essencialmente porque ele era daora, e reproduziu a cena mais icônica do personagem nas HQs. Tudo muito subjetivo. Ajuda o fato de que um Bane com o visual e poderes mais apropriado e a caracterização mais cagada foi o Bane anterior do cinema.

Mas enfim, foda-se o Bane. Eu quero é pensar em nossa percepção dos Batmans e pra isso eu quero comparar duas adaptações cinematográficas do herói lado a lado. Uma incrivelmente popular e outra incrivelmente criticada, e cuja existência eu já defendi nesse blog. Que é o Batman pensado por Christopher Nolan, interpretado por Christian Bale e protagonista da The Dark Knight Trilogy, e o Batman pensado por Zack Snyder, interpretado por Ben Affleck, e protagonista dos filmes Batman v Superman Dawn of Justice e Justice League, além de ter feito um cameo em Suicide Squad.

Porque um deles foi aclamado como o maior filme do Batman de todos os tempos, e o outro como uma violação de tudo o que significa ser um super-herói? E como isso evidencia as expectativas que a gente projeta no herói? E principalmente o que isso diz sobre a possibilidade de bons filmes com o herói no futuro?

Para começar tocando em um ponto sensível. Que é o quanto os dois são parecidos. Muito parecidos. E mais que parecidos, o quanto o Batman do Snyder, que eu vou apelidar de Batsnyder pra facilitar, foi criticado por fazer muitas coisas que o Batnolan, que é como vou chamar o Batman do Nolan, também fez.

Pra começar falemos logo do elefante da sala. O Batsnyder matar pessoas. O que ele… não fez de maneira tão direta quanto as pessoas descreveram. Tinham as pessoas com a marca do morcego que eram mortas na prisão, mas o filme deixou claro que esses assassinatos foram encomendados pelo Lex Luthor para prejudicar a reputação do Batman. E tem as pessoas cujos carros batem em uma perseguição que são culpa do Batman, mas elas são realmente diferentes das mortes incidentais do Batnolan? Dar um tiro na roda de um carro e ver ele bater é muito melhor do que explodir um barril de polvóra numa casa cheia de gente?

Mais que isso. The Dark Knight, o filme de 2008, é o único filme de todos que mostra o Batman cometendo um homicídio doloso de um personagem nomeado. Ele mata Harvey Dent, jogando ele de um prédio, e faz isso de propósito. E não era um capangazinho qualquer, era o Harvey Dent. Um amigo pessoal de Bruce Wayne, e um homem que tinha uma carga simbólica para a cidade, corrompido para o mal. E não foi um acidente, foi uma escolha, o Batman pra salvar a vida de uma criança tomou uma decisão, e empurrou Dent do prédio. Vinte minutos depois dele salvar o Joker de uma queda.

E teve aquele “Eu não vou te matar, mas eu não vou te salvar.” que ele solta pro Ra’s Al Ghul, é o puro suco da tecnicalidade do personagem que não suja as mãos, mas não tem real compromisso com a vida.

Porém mesmo assim, sentimos que o Batsnyder foi quem realmente cruzou essa linha da morte. Por que? Teria sido aquela doze que ele usou. Armas de fogo soam tão mas agressivas. E isso é uma questão visual. O Batnolan disse pra catwoman que ele não usa armas. Mas o Batmóvel dele tinha uma metralhadora embutida, porém se falássemos que ele lutava sem armas de fogo acreditaríamos, pois o Batmóvel com uma metralhadora não passava a sensação de uma arma, como a doze que o Batsnyder carregava.

E não só isso. O Batsnyder era sombrio pra cacete. A gente reclama do Zack Snyder tendo feito tudo sombrio demais, mas eita porra. O Batnolan torturava gente. Tipo, de verdade, quando ele joga o Maroni da janela para quebrar as pernas dele. Porra Bátemã, O Batnolan é vendido explicitamente no filme como alguém cujo real poder é a habilidade de passar pelas linhas éticas que seguram a polícia, e por ser um cara disposto a fazer o que é ilegal ele consegue ser eficiente no combate ao crime, mesmo se ele for odiado por isso.

O Batnolan quebra jurisdições, comete tortura, sequestra pessoas da China para entregá-las amarradas e amordaçadas na delegacia de Gotham, viola a privacidade da cidade inteira, mata capangas, desenvolveu um arsenal bélico pessoal secreto pela divisão de tecnologia da própria empresa. E tudo isso é racionalizado pelo bem da eficiência, é uma violação ética, mas que vai deter a criminalidade.

E por serem violações éticas, que elas devem ser cometidas por gente de bem que não vai abusar delas. Mas elas ainda devem ser cometidas, pois o inimigo tem uma bomba. E ameaçou explodir.

O Batnolan é a personificação clara dos EUA na Era Bush, despreocupados se eles iam ser os vilões e dispostos a sujar as mãos pelo terror. E vendo qualquer protocolo ditando direitos humanos ou diplomacia como uma algema para limitar a eficiência ao combate ao terror. Não é coincidência que três vilões muito diferentes do Batman foram reimaginados como primariamente terroristas. Ra’s Al Ghul, Joker e Bane, todos terroristas.

O Batsnyder, também. Zack Snyder também aparenta ter uma fixação grande com terrorismo e ter sido um cineasta cujo naipe de conteúdo sombrio que ele quer por em seus filmes dialoga com os EUA após o 11 de Setembro. Ele transformou as tensões de Watchmen, quadrinho notório por retratar as ansiedades do medo da guerra nuclear, em um filme sobre as ansiedades de se sofrer um ataque terrorista. E a mudança de final dele dialogou diretamente com o luto do pós-11-de-setembro. E isso foi pra Batman v. Superman, em que a cena inicial é visivelmente inspirada nas imagens de pessoas que filmaram os atentados às torres gêmeas.

Os dois são Batman sombrios e pragmáticos, que cruzam as linhas morais por resultados, e cujos inimigos deles são diálogos com o que os EUA mais temem, terroristas invadindo a cidade. Qual a diferença? Será que a diferença é que o Nolan lançou seu filme quando Bush ainda era presidente, enquanto o Snyder lançou o seu já na Era Obama, em que a visão de mundo de Bush estava datada? Talvez, mas acho que não é só isso.

Talvez a diferença entre os dois Batmans esteja em um conceito que é muito martelado ao longo dos dois filmes.

Batman vs a Esperança:

Tanto The Dark Knight quanto Batman v. Superman tem uma coisa em comum. Eles são primariamente sobre uma relação mista de sentimentos positivos e negativos entre o Batman e um outro guerreiro pela justiça que é um homem melhor do que ele.

Batnolan tem em Harvey Dent sua antítese, ele não precisou se tornar um vigilante pra inspirar o bem em Gotham, ele armado pelo poder da lei conseguiu limpar Gotham de uma maneira mais eficaz do que a que Batman estava fazendo, e fazia isso de uma maneira limpa e podendo mostrar o rosto. Ele é chamado de White Knight muitas vezes ao longo do filme em contraste ao Dark Knight que era o apelido de Batman. E ele era o herói que Gotham precisava (mas não o que merecia). Alguém que poderia fazer o Batman não ser mais necessário em Gotham, pois oferecia a solução melhor. Apesar desse contraste, o Batnolan tinha a humildade e a noção de que Dent era melhor que ele e estava pronto para passar o bastão ao cavaleiro branco. O maior obstáculo pro Batnolan ter uma relação agridoce com Dent era o fato de que a mulher da vida deles, a ex-de-Bruce-Wayne-que-namorava-Harvey-Dent, Rachel Dawes. Passar Gotham para Dent envolvia também aceitar passar Rachel pra Dent, ou em outras palavras, considerando que mulheres não são objetos, entender que quando ele deixar de ser o Batman ele não terá Rachel, e não deixar isso ser um impedimento para ele não ser mais o Batman.

Porém conforme Dent vê que ele não é capaz de conter o Joker e os métodos de Dent começam a se corromper, a relação dos dois azeda, até o ponto em que o Joker mata Rachel consciente de que ela era a mulher da vida de ambos, e com isso corrompe Dent completamente, de maneira que Batman não tinha mais pra quem passar o bastão. E se tornou o que tinha pra hoje. No final Batman mata Dent pra impedir que ele matasse uma criança, e assume o manto de criminoso, pois proteger a imagem de Dent era mais importante que proteger a própria. Dent estava morto, mas o Batnolan estava vivo e ia fazer tudo em seu poder para o mundo honrar a maneira como Dent viu o mundo.

Batnolan matou o maior símbolo de esperança para Gotham City, e por isso ele das sombras resolveu manter a esperança viva mesmo com o símbolo morto, pois não viria dele, viria de Dent.

Em Batman v. Superman, o Batsnyder tinha sua antítese em Superman. Só que nesse caso o que vimos o Batsnyder como um Batman que caiu completamente na desesperança. Em que anos atrás de anos sendo incapaz de consertar Gotham, lidando com loucos como o Joker, com a morte de Robin, foi quebrando seu espírito. Ele não acreditava mais no bem ou na justiça ou em nada… até o dia em que ele viu o Superman e foi intimidado pelo poder e divindade do homem que voa.

Superman era um homem melhor que Batsnyder, que lutava de boa vontade por uma sociedade que não havia aprendido ainda a aceitá-lo. E Batsnyder queria destruí-lo, para proteger a Terra dele, e para sentir que ele fez uma única ação que fez a diferença no mundo. O Batsnyder era completamente perdido na desesperança.

Mas tinha esse vilão, o Lex Luthor, manipulando uma briga dos dois, e para isso ele sequestrou uma mulher importante para Superman, sua mãe Martha. Que fez os dois lutarem. Mas quando o Batsnyder viu que diante da morte, os últimos desejos de Superman era o de salvar sua mãe, uma mãe que tinha o mesmo nome daquela que o Batsnyder não pode proteger na infância, nesse momento o Batsnyder muda. Ele vê que não está diante de um alien, mas de uma pessoa, não diferente dele. E faz as pazes com seu inimigo.

Eles lutam juntos pra proteger a cidade da abominação que Lex Luthor criou, mas na luta Superman perde, e com um herói mais nobre que ele morto, o Batsnyder revê seus valores, e decide se tornar um herói idealista, para fazer um mundo esperançoso e proteger o legado daquilo que Superman lutou, esperança.

Harvey Dent e Superman eram homens melhores que Batman, pois eles traziam esperança às pessoas junto de resultados, enquanto o Batman não podia inspirar ninguém das sombras. Eles se enfrentam manipulados por um inimigo que queria provar a capacidade do mais nobre deles se corromper. A conexão deles passava pela semelhança de suas vidas pessoais, no caso de Dent, uma amante que eles tiveram em comum, no caso de Superman, um amor maternal forte, por mães de mesmo nome, mostrando que no fundo eles tinham muito em comum. E no final ambos heróis da esperança morrem, deixando pra Batman o trabalho de trazer esperança ao mundo, pois um homem mais qualificado que ele morreu.

A diferença, é que o Batnolan começa esperançoso, pois ele começa o filme acreditando em Harvey Dent, e conforme Dent se corrompe, o Batnolan se vê obrigado a combatê-lo pelo vilão que ele virou na prática. A relação dos dois começa boa e fica má.

Enquanto o Batsnyder fez o caminho oposto, ele começa desesperançoso, pois ele começa o filme não acreditando em Superman, e no meio do combate, que ele vê Superman pelo que ele era, uma pessoa normal, e abre espaço para acreditar no símbolo da esperança. A relação dos dois começa má e fica boa.

O que torna a luta do Batnolan a luta para se manter a esperança no mundo conforme ele vê o que o mundo ainda tinha de bom se corromper. Enquanto o propósito do Batsnyder é ganhar esperança no mundo, e baixar um pouco seu escudo para deixar o que o mundo ainda tem de bom alcançá-lo.

O Batnolan usa métodos sombrios e de ética questionável, mas ele faz isso pois ele é o herói, e contra os vilões, vale tudo. Mas pro Batsnyder, é precisamente a existência desses métodos que mostram que ele se tornou um vilão. Literalmente, pois ele foi um dos antagonistas do filme por 2/3 do filme, até virar a casaca. E ele não enfrentou um vilão, ele enfrentou um herói.

Não muito diferente do quão furiosos fãs de Star Wars ficaram com a representação de Luke Skywalker como um velho quebrado que desejou assassinar o sobrinho por não ter mais fé na Força. Ninguém quer ver o próprio herói como uma pessoa que perdeu a fé, e abraçou as trevas.

Não só isso como o Batnolan racionalizava tudo o que ele fazia nos princípios de bem maior e de que atitudes não-éticas devem ser cometidas por pessoas éticas, para um fator balancear o outro. Por isso não importa que linha o Batman cruzasse, seja violar a privacidade da cidade inteira, seja assassinar um amigo, ou seja ativamente obter informação via tortura, ele estará perdoado. Enquanto o Batsnyder não foi perdoado, essas ações foram enquadradas no filme como erradas e como atitudes que retiravam seu heroísmo. O Batsnyder não tinha um papo de bem maior, e não tinha um fim que justificou seus meios e isso pôs muita ênfase nos seus meios.

Acho que isso é o que pegou mais na percepção do Batsnyder, apesar da brutalidade e mortes que ele causa serem o mais verbalizado, é o fato de que isso não foi racionalizado como “não é bem assim,”, como o Batnolan fez quando abandonou o Ra’s Al Ghul pra morrer. Isso foi parte de um processo de vilanização do Batman, o Batman era um herói corrompido, perdido e frustrado por décadas de completa ineficiência. O que gera uma pergunta boa.

Como retratar a ineficiência do Batman?

Todas as adaptações cinematográficas do Batman, da mais leve à mais sombria tem o mesmo status-quo. Esse status quo do Batman é que Gotham City é a cidade com a maior taxa de criminalidade do país e Batman quer mudar a cidade. Porém o Batman pode estar em Gotham faz 1, 2, 5, 10, 20, 50 anos, que Gotham ainda é a cidade com a maior criminalidade do país.

Portanto o Batman é um fracasso. E isso é inevitável. Quando ele consertar Gotham, não tem mais Batman, então as histórias contadas são sempre sobre a Gotham que ele não consertou. Ele sempre vai falhar. É seu destino. Gotham nunca vai ser uma cidade do bem, então a presença do Batman nunca vai melhorar as coisas. E um diretor que não esteja disposto a terminar sua série extinguindo o conceito do Batman (algo que estava no poder de Nolan que não ia fazer nada naquele universo depois de Dark Knight Rises), Batman nunca vai consertar Gotham, para poder garantir o próximo filme.

Zack Snyder abordou isso com cinismo. Batman bateu de frente com Gotham por vinte anos, e se Gotham não cedeu, então o Batman cedeu. E ter a percepção de entender que a presença dele não melhorava Gotham aos poucos corrompe ele, e o faz deixar de ver a capacidade de conserto, e motivação para se ater a códigos morais. Uma linha de pensamento muito semelhante à que Harvey Dent passa por em The Dark Knight. Ambas engatilhadas pelo assassinato de um ente-querido nas mãos do Joker.

O Batnolan por outro lado confronta com seu fracasso de outra maneira. Uma mais interessante, que na minha opinião é o que torna The Dark Knight o melhor filme. Que é em contrapartida ao que eu chamei de status quo, vendo a cidade melhorar, porém não graças a si.

Assim como o Batnolan tem que ver o amor da sua vida namorar outro homem, ele tem que ver esse mesmo homem consertar sua cidade de um jeito que ele não pode. Com política e sem sair na rua a noite espancando gente.

Dito isso, meu Deus, The Dark Knight e The Dark Knight Rises são juntos uma das abordagens mais conservadoras e reacionárias do Batman. E isso é porque eles nem despejam isso tudo no Batman, o rico que prefere perpetuar o ciclo da violência e bater na população marginalizada em vez de investir em projetos sociais. Não, o Nolan foi além. Os dois últimos filmes da trilogia são um enorme lamento sobre como os direitos humanos estão impedindo a polícia de colocar os bandidos na cadeia.

Quando eles mudam Gotham pro bem com os projetos do Harvey Dent, o que eles fazem é essencialmente remover direitos dos criminosos, para facilitar a prisão com menos burocracia. Uma dessas mudanças incluía legalizar trancar a Selina Kyle numa prisão masculina, como uma “punição extra” por mau comportamento na prisão feminina. Cientes do assédio que ela receberia (e racionalizando que ela ter o poder de espancar assediador equilibra a questão). Outras medidas, envolvia prisão sem julgamento e remoção de condicional.

Blake está incomodado com tudo isso ser consequência de uma mentira, mas antes de ser mentira os abusos das leis de Dent não incomodavam ele.

As duas faces do Harvey Dent são o vilão gente.

Enfim, ignorando o fato de que eu não compactuo com as atrocidades que as leis do Dent fizeram com Gotham, o filme retrata essas mudanças como uma Gotham melhor, e uma melancolia de Bruce Wayne de não precisar ser o Batman nessa nova Gotham. Ele não melhorou Gotham, mas outro homem veio e melhorou por ele, com outros métodos, lembrando-o que ele foi inadequado. E fazendo-o questionar sobre Batman ser ou não um projeto eterno.

Claro que no fim do filme tudo o que Dent fez é desfeito quando é revelado que Dent foi um psicopata com várias mortes nas costas que tentou matar uma criança. E Gotham volta a merda, e o Bruce aprende a passar o legado do Batman pros outros pra sempre existir um Batman e esse particular Status Quo retorna. Mas ele a nível pessoal abandona a ideia de ser o Batman e vai pra europa recompensar a si mesmo pelos anos de serviço.

Em resumo:

Os dois fizeram releituras sombrias e violentas, com uma não-ignorável dose de analogia ao estado psicológico dos EUA pós 11 de Setembro com o medo do terrorismo, o apoio a tortura e uma mentalidade de que os fins justificam os meios. Que usaram do contraste entre o idealista e o cínico, uma maneira de guiar uma narrativa entre como homens de visões distintas de mundo lidam com o fato de que o mundo talvez não valha a pena.

Porém um é lembrado como uma das grandes adaptações do Batman de todos os tempos.

E o outro é considerado um enorme assassinato do personagem.

Então…. o que aconteceu?

Eu acho que no fim de tudo, não importa o que se faça com o Batman, tudo cai na qualidade do filme, The Dark Knight é visivelmente um filme melhor, só que mais que isso. Cai especialmente na percepção da mensagem do filme.

Os filmes do Nolan são otimistas quanto a existência do Batman. Eles levantam o debate sobre a possibilidade de Gotham um dia não precisar mais dele quando for uma boa cidade. Mas no final a ideia de que John Blake vai ser o novo Batman, e que por legado, sempre vai ter um Batman em Gotham é vista como uma ideia otimista, que representa uma nova Gotham que veio pra ficar.

Os crimes e violações morais de Batnolan entram num aspecto de que os fins justificam os meios, e como nós embarcamos nos fins, elas todas ganham conotação otimista. E os filmes passam uma percepção otimista quando na verdade olhando de perto mostram a situação piorar cada vez mais. E todo o lance de “violações éticas são aceitáveis quando cometidas por bons homens.” Nos reforça que no fim do dia, Bruce Wayne, John Blake, Gordon, Alfred e Fox são todos bons homens, então como esses homens estão bem no final, tudo está esperançoso.

E é um filme sobre esperança de que dias melhores virão e o mundo vai ficar gradativamente melhor. E embora esse otimismo não seja subtexto, ele é texto, e está escancarado na nossa cara, então não dá pra negar que ele não esteja no filme. Todo filme acaba em uma nota positiva, que te dá a energia de saber que o time do bem aguenta qualquer bronca.

O Snyder tem um otimismo diferente. No filme do Snyder quem se corrompeu pro Joker foi o próprio Batman. E quem morreu não foi um símbolo-da-esperança corrompido. Mas sim um símbolo-da-esperança não-compreendido. O desenvolvimento de personagem do Batsnyder consiste em ele, pelo exemplo de Superman deixar de ser um vigilante, e se tornar um super-herói. Pois o mundo pós-Superman vai precisar de um, para trazer esperança. A mesma transformação é sofrida pela Wonder Woman, que perdeu sua indiferença à humanidade pelo exemplo do Superman.

A moral de Snyder é mais cínica, mas por ser mais cínica eu pessoalmente acho que ela acaba sendo mais otimista ainda em uma compensação bizarra. A ideia por trás da relação de Superman, Batsnyder e Wonder Woman com o super-heroísmo, é o de que a humanidade não vai parecer digna de ser salva. Eles não são bons, nem justos, nem gratos, e eles nunca vão te tratar como você quer ser tratado, eles vão tratar seus acertos como não-mais-que-a-obrigação e te linchar pelos seus erros. E vão te usar como muleta para continuarem sendo escrotos. Mas no fim do dia, vale a pena lutar por eles, e nenhuma negatividade deve te tirar da luta.

Superman quase jogou a toalha, mas Lois Lane e o fantasma de seu pai o lembraram a nunca deixar de fazer o que ele acha certo, e a achar paz mesmo se não achar gratidão. Quando ele reencontra a esperança em si, ele passa ela pro Batman e pra Wonder Woman que tinham ambos jogado a toalha depois de testemunhar o pior que a sociedade tinha a oferecer. Os três lutam juntos pra salvar as pessoas, e quando Superman deu a própria vida para salvar os demais, Batman e Wonder Woman fazem as pazes com seus demônios, e decidem que o idealismo é a maneira certa de honrar a morte de Superman. Juntando novos heróis e montando a Liga da Justiça.

 

Ou seja, o filme mostra um cinismo poderoso, com o objetivo de fazer o idealismo, a esperança e o otimismo vencerem o cinismo, e promete um futuro, em que o coração dos heróis está no lugar certo. Esse é um filme esperançoso. Mas ele não soa esperançoso, pois a gente vê duas horas e meia de cinismo antes dessa virada no final. E principalmente por que a gente não vê o Batsnyder e a Wonder Woman otimistas, usando seu otimismo pra vencer o cinismo. A gente vê deles saindo cinismo, e temos a promessa de que eles serão melhores no futuro, mas a gente não vê eles sendo melhores, e isso nos quebra. Pois no fim a nossa imagem de qualquer personagem não só um super-herói é quem ele foi ao longo do filme inteiro, não na cena final que fecha seu arco de personagem. É por isso que na sequência de Tangled, a Rapunzel é cabeluda de novo.

Pra fins de contraste. O filme solo da Wonder Woman é o oposto disso. Diana começa o filme como uma super-idealista que acreditava que o bem se opor ao mal era tudo o que o mundo precisava. E vê a bagunça ideológica misturada com a matança, as primeiras sementes do fascismo, os compromissos morais, a culpa, e o horror que foi a primeira guerra mundial. E perde tudo isso. E ao fim do filme ela é a mulher que havia decidido que nunca mais lutaria pela humanidade de novo….

….isso é, vai ter essa sequência que diz que isso é uma mentira. Pois ela luta pela humanidade nos anos 1980. Mas a princípio, Batman v. Superman deixa claro que ela nunca mais lutou depois da guerra. E quando Wonder Woman saiu, supostamente ele ainda queria encaixar com essa informação. Agora estão retconando, mas agora a opinião pública é que ninguém valoriza mais que os filmes encaixem bonitinho com os do Snyder, pois querem que ele se foda. Aquaman não encaixou também.

Enfim, otimismo em filme de herói, na percepção do público, não é pra ser uma moral, ou onde o filme acaba. Nem pra ser a conclusão de um arco do personagem. Tem que ser uma energia que te carrega ao longo do filme. É a cena em que o povo todo se une pra ajudar o Spiderman, ou as pessoas no navio se recusando a fazer o jogo do Joker e se explodirem. É o Batman fazendo discursos sobre acreditar na cidade. E um filme de herói, e por consequência, um filme do Batman precisa ser idealista.

E precisa ser idealista o tempo inteiro, não pode ser sobre o Batman descobrindo o idealismo.

Qual o problema? É que a gente tem a noção de que o Batman também precisa ser sério e dark. E aí você que tem a cabeça aberta vai dizer “Bom, eu não acho que o Batman precisa ser edgy e dark”, mas ainda é uma percepção geral forte independente do que a minoria acha. E isso tem alguma relação com o Joel Schumacher ainda ser considerado como o cara que estragou o Batman colocando piada no filme.

Eu juro, de coração que não entendo que vê diferença no tom de Batman & Robin com o tom de Thor Ragnarok… É um monte de piadinha, estilo campy e bobeira interrompendo um filme de herói de plot mediano. Mas um foi recebido com abraços e outro crucificado.

São os mamilos? É o cartão de crédito?

Mas enfim, mesmo o Batman do Adam West as vezes precisa ser defendido de uma legião de fãs que não aceitam a galhofa ali, mesmo que o Adam West seja um dos maiores responsáveis para a presença do personagem na cultura pop. Porém o Adam West tem uma legião de fãs que o Schumacher não conseguiu ter, então ele é mais divisivo sem um consenso generalizado, diferente dos outros exemplos.

Pois bem, o Batman não é bem-vindo quando ele é bobo, ninguém quer fazer um filme no estilo do Adam West. Então fazem ele ser sombrio, como maneira de procurar prestígio ao herói, mas constantemente exigimos que ele seja sombrio e idealista. É um equilíbrio difícil.

Eu a nível pessoal, sinto que uma coisa que o Batnolan e o Batsnyder perdem igualmente, e fez falta aos dois, é um Robin. Tá, o Joker matou o Robin do Batsnyder, mas uma vez morto, ele não tá mais lá. E o John Blake nunca vira um sidekick, ele vira o novo Batman, um substituto, não um parceiro.

Uma abordagem muito comum do Batman no cinema é a do Batman solitário, aparentemente os fãs gostam de pensar que o Batman trabalha sozinho, e que ele devia responder qualquer pedido de ajuda com o segundo quote mais estúpido da carreira de Christopher Nolan:

 

E por isso que eu acho que pessoalmente a minha versão cinematográfica favorita do Batman, é o Batlego, do filme Lego Batman. Lego Batman é o primeiro filme a genuinamente criticar a existência do Batman sob um debate que questiona a violência como resolução de criminalidade, e com isso, faz um dos retratos mais negativos do Batman. O Batlego é um pau-no-cu do caralho. Arrogante, prepotente, narcisista e abusivo. E ele se recusa a deixar a instituição política de Gotham melhorar a cidade de maneira que deixe seu trabalho irrelevante.

E a lição do filme, é que Batman podia superar isso, todos seus defeitos, formando uma família. Pois a real solução de seu trauma, de perder sua família é começando uma nova. Sua acidental adoção de um órfão no filme se torna a chave para ele se tornar uma pessoa melhor.

E é um filme igualmente bobo e não sério, mas com o Batman menos idealista de todos os tempos. Que aprende a ser uma pessoa funcional no fim d filme. Não está sustentado nem em um Batman do bem, nem em um Batman sério nem nada que exista no cânon, mas é uma obra-prima. Eu juro, é o melhor filme do Batman que já fizeram, mas o mundo não tá preparado pra essa conversa.

Mas eu espero que esteja preparado pra admitir. O Batburton matou, o Batnolan matou. O Batsnyder matou. E o Batman do Pattisson, muito provavelmente vai matar alguém. E o único Batman que nunca matou é o Batschumacher, que ninguém respeita. O das HQs não matam, mas o cinema não tem nada sequer próximo de uma tradição de respeito pelas HQs.

Afinal nas HQs não tem a Rachel. Tem uma gama longa de parceiros que os filmes ignoram. E não tem metade dos elementos mais carismáticos de seus filmes. Inclusive o que as HQs mais fazem é pegar ideia que deu certo nas adaptações do Batman e incorporar no cânon. Pois é fora do cânon que nascem as melhores ideias.

Será que um cara sem poderes, sem destino, sem profecias, que só entrou no vigilantismo por motivo de vingança e atua com os mais violentos e psicologicamente instáveis vilões do mundo consegue ser idealista? Será que tentativas de fazê-lo ser idealista não acabam por naturalizar atrocidades que se espera que um herói com esse tipo de lado negro inevitavelmente cometa?

Porque eu ainda não digeri bem, que o Batnolan obtém informações jogando o Maroni do segundo andar pra quebrar suas pernas. Mas o Nolan é um diretor limpo, e esconde isso tudo com classe. Não existe uma única gota de sangue em cena em nenhum dos três filmes da trilogia, e isso ajuda a percepção do filme ser menos violento que é…. quando o Joker enfia um lápis na cabeça do mafioso não sangra, e isso torna a cena menos pesada. E o Nolan sabe dar essa polidez. Assim como ele disfarça tudo. Colocando o Batman largando o Ra’s Al Ghul pra morrer intencionalmente como uma não-violação do código graças as tecnicalidades. Ele disfarça tudo fazendo o Batman soar cool. Ele é um diretor mais competente que o Snyder, e sabe como fazer as ideias dele soar mais palatáveis em uma cena legal.

E é essa comparação que eu queria levantar. E nossa… eu comecei esse texto achando que eu ia é defender o Batsnyder, mas revendo os filmes para falar sobre e pesquisando um pouco, eu não acho que tenho tanto pra defender o Batsnyder, não, mas tinha muita coisa que tava entalada na minha garganta sobre o Batnolan, que eu nem achei que tinha quando planejei o texto. Quem diria?

O que vocês acham? Pra vocês quais os elementos de um Batman ideal? Família deveria ser um tema para o Bruce Wayne nas telas? O quão importante é ele ser idealista ao longo do filme? Se ele aciona o revólver de um bandido com o batarangue ele usou arma de fogo? Se ele não pode matar, quais os limites pros maus tratos em um criminoso que ele pode cometer na tela? Deixem suas percepções do Batman nos comentários.

E até o próximo texto.

Sobre o autor

Izzombie

Sou um cara chato que não consegue ver um filme sossegado sem querer interpretar tudo e ficar encontrando simbolismos e mensagens. Gosto de questionar a suposta linha que separa arte de filmes comerciais, e no meu tempo livre pesquiso sobre a história da animação.

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Izzombie

Sou um cara chato que não consegue ver um filme sossegado sem querer interpretar tudo e ficar encontrando simbolismos e mensagens. Gosto de questionar a suposta linha que separa arte de filmes comerciais, e no meu tempo livre pesquiso sobre a história da animação.

Alertas

  • – Todos os posts desse blog contém SPOILERS de seus respectivos assuntos, sem exceção. Leia com medo de perder toda a experiência.
  • – Todos os textos desse blog contém palavras de baixo calão, independente da obra analisada ser ou não ao público infantil. Mesmo ao analisar uma obra pra crianças a analise ainda é destinada para adultos e pode tocar e temas como sexo e violência.

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