Um texto sobre referências.

U

Em 2018 estreou um filme chamado Ready Player One, que apresenta duas distopias simultaneamente. Por um lado se passa em um futuro próximo em que o mundo está cada vez mais sobre, o trabalhador está ainda mais explorado, e as grandes corporações têm ainda mais poder. E você sai de sua casa e tem drones de empresas procurando gente pra transformar em trabalho escravo. A segunda distopia é que eles vivem em um mundo em que todo entretenimento completou sua metamorfose de virar somente conteúdo não artístico, e em um universo onde nenhum filme novo ou série nova foram produzidos nas últimas 4 décadas, e a relação de todo mundo com a ficção vem de suas habilidades de reconhecerem que visual vem de qual obra da cultura pop.

No fim do filme, o protagonista não resolve nenhum dos dois problemas, só fica bilionário e promete ser menos escroto que os outros bilionários.

O filme tem duas morais. A primeira: “ficar offline é bom, pois te permite pegar mulher.” e a segunda “O que importa não é ser bom no videogame, nem dominar as técnicas… o que importa é reconhecer as referências, e essa é a diferença entre o fã e o hater.”

Esse texto não é sobre Ready Player One, graças a Deus, pois esse filme é uma abominação. Mas esse texto é sobre a nossa relação com referências, que chegou a um nível esquisito no presente, que foi algo que Ready Player One mostra com muita clareza, mas sem crítica, com orgulho do quão imbecil é a cena.

E esse filme fez muita gente se sentir validada, pois nós de fato mudamos nossa forma de lidar com referências e eu quero pensar um pouco nisso.

Então eu sou Izzombie, sejam bem-vindos a esse texto do Dentro da Chaminé, e esse que é o 200º texto do site. Uma marca que você provavelmente não se importa, mas eu me importo. Uau. 200. Foi uma longa caminhada até aqui. Que venham mais 200. Enfim, e nesse texto eu resolvi falar de referências.

Antes de começar o texto, quero convidá-los a se tornar um dos apoiadores do Dentro da Chaminé, através do financiamento coletivo do Dentro da Chaminé no apoia.se. O apoio ajuda bastante a valorizar o trabalho que eu coloco nos textos, por isso se você gosta dos meus textos peço de coração que pense dar o seu apoio com o valor que achar justo. Se não quiser fazer uma contribuição mensal, você também pode dar seu apoio fazendo um pix de qualquer valor para a chave franciscoizzo@gmail.com, que será igualmente não só minha gratidão como a devida homenagem aqui.

Pois esse texto é feito em homenagem a todos os que me apoiam. Ao pessoal que me dá forças de chegar até aqui e me ajuda a me manter ativo. Os verdadeiros heróis do blog. Espero que todos gostem do texto.

Então comecemos logo de cara, com a pergunta mais importante: O que são referências?

O que são referências?

Referências são quando a gente fala de um filme em outro filme”. Deve ter sido a resposta que você pensou, e na real não vai sair disso não. Mas tem outra maneira de se pensar o que é uma referência.

Referências são quando o filme (ou série, ou mangá, ou música, ou quadro…) cita material externo ao filme, e assim ele dialoga com o repertório da sua audiência, expõe o repertório de seu autor, e cria um trabalho de intertextualidade. Intertextualidade é quando tiramos significado de um texto, a partir do nosso conhecimento de outro texto.

Mas isso ocorre em níveis.

No filme Django Unchained, quando King Schultz conta o mito do herói Siegfried e sua amada Brunhilde pra Django, ele está evidenciando uma das inspirações do Tarantino pra história e um intertexto que ele faz. Mas ele não está desafiando o repertório de sua audiência, pelo contrário. Ele está, no começo do filme, explicitamente contando a história do Siegfried, e uma vez contada, ela é parte do filme, e todas as menções serão feitas ao conto que Schultz resumiu. Portanto, a audiência não precisa se sentir inclinada a achar que deveria estar familiarizada com uma opera do Wagner para poder entender o filme, ou os elementos do filme que rimam com Siegfried.

Por outro lado, um anime como Madoka Magica, no terceiro episódio coloca no meio do episódio um trecho de Faust, icônica história sobre um jovem que vende a alma ao diabo, que mesmo sem ter lido ou visto a peça, se você reconhecer a premissa básica da história, reconhecer a citação de ajuda a entender o tom pra onde a história quer ir. Aqui o anime não abertamente fala sobre Faust em nenhum momento, mas dá uma lição de casa para a audiência ir atrás de uma história que adiciona uma nova camada de apreciação ao anime.

Embora seja uma camada opcional, Madoka Magica não depende de conhecermos Faust pra funcionar. Assim como seu subplot da Sayaka não depende da audiência reconhecendo suas rimas claras com Den lille havfrue (A Pequena Sereia). Muita gente não notou as rimas, e adora a parte da Sayaka. Eu mesmo não notei essas rimas e só fui reparar nelas depois que fui pesquisar mais sobre o anime, pois adorei ele mesmo sem reparar.

Mas a maneira mais famosa e mais comentada a respeito de como referências aparecem nas obras de ficção, é quando elas não adicionam camadas com as quais você pode entender a história pelo prisma da comparação com outra história, mas quando elas são piscadas. Elas são mencionadas diretamente por nome ou símbolos icônicos, para que o membro da audiência, que é fã de uma obra, possa sentir identificação com um personagem que é fã da mesma obra, gerando cumplicidade.

Essa é a maneira principal de se fazer referências na mídia mainstream atual, então eu quero começar focando nela primeiro.

As referências por cumplicidade.

Vivemos em uma época em que a cultura pop detém muito poder. Nós consumimos muito da cultura pop, e socializamos muito a respeito de quais filmes nós assistimos de uma maneira que é mais intensa do que como nossos avós apreciavam filmes em sua época. Estamos na época em que graças a internet, fandoms são influentes, e muita gente forma parte significante de sua identidade a respeito de quais fandoms participa. Se torna integral pra pessoa.

Reparem que em histórias de super-heróis, o consumo desenfreado dos heróis como band precisa existir, pro fanboy ser parte daquele universo, e poder impactar o herói por ser um fã da mesma maneira que nós somos fãs.

E por isso, existe uma demanda clara para que personagens fictícios atuais também sejam fascinados por cultura pop, para que a gente possa se identificar neles. Personagens fictícios, em especial de obras divertidas, com uma dose razoável de comédia, precisam descontrair nos mostrando que na hora de relaxar eles se divertem com as mesmas coisas que nós nos divertimos, consumo de cultura pop.

E isso significa que esses personagens, assim como a audiência, entende o mundo ao seu redor pelo prisma de comparação com cultura pop. Por exemplo, quando o líder de um grande centro militar de espionagem e inteligência tem duas pessoas sob sua supervisão sofrendo lavagem cerebral de seus inimigos, a maneira como ele consegue frasear o que viu, é falar que eles foram transformados em macacos voadores, iguais os macacos que servem a Bruxa Má do Leste no Mágico de Oz.

O que é a oportunidade do viajante no tempo local, mostrar que fez a lição de casa e assistiu os filmes que devia ter assistido, para poder ter conversas sobre segurança nacional sem ficar perdido de não ter o mesmo repertório de cultura pop que seus superiores.

Mesmo motivo pelo qual quando outro agente da S.H.I.E.L.D observa três seres de outra dimensão chegando na Terra com suas roupas estranhas, seu primeiro instinto é alertar que eles lembram ícones da cultura pop ao reportar a situação.

Essas cenas relaxam a audiência, fazem seus personagens serem engraçados, e geram identificação. Agora, qual é o lance?

Essas cenas, pedem que a audiência reconheça a menção. É parte da ideia, o Nick Fury não menciona cultura pop pro Capitão América poder reconhecer. Ele menciona pra você poder reconhecer. Mas quando você conta que terão 200 milhões de pessoas diferentes no cinema vendo com você, você realmente precisa apostar no que é muito unânime, pois todo mundo tem que reconhecer.

Não só todo mundo reconhece Branca de Neve como os filmes que os filhos da Wanda assistem. Como isso ajuda a Disney a fazer divulgação de si mesma.

Então esses personagens, ao se revelarem consumidores de cultura pop, precisam evitar qualquer noção de individualidade, eles consomem o que todo mundo consome. Os filmes favoritos deles são os filmes favoritos de todo mundo.

Então se o lance do Jake Peralta é ser obcecado com filmes de ação, obviamente seu favorito seria Die Hard, pois uma parcela muito pequena de quem assiste não vai ter esse como filme favorito.

Eu brinco quando vejo Almost Famous, quando a irmã dá a coleção pessoal de discos dela pro irmãozinho, todos eles são clássicos absolutos dos anos 1960, e qual é a chance, sinceramente, de um fã de música gostar somente das músicas que décadas depois serão todas consideradas clássicas, sem nada fora da curva? Sem nada menos popular do que “unânime entre fãs do gênero”.

E esse é o grande lance de pescar esse tipo de cumplicidade. Para poder ser geral com o público diverso, o personagem precisa ser pouco específico. E os gostos de cultura pop não enfatizam algo nele como indivíduo, pois precisa enfatizar que ele é identificável por 300 milhões de pessoas, e uma massa de milhões são se conecta por ter a mesma individualidade.

Tem esse mangá que eu li por um tempo e aí parei. Chama Tonikaku Kawaii, e é sobre um rapaz que se casa com uma mulher de passado misterioso. A caracterização dessa mulher fazia ela ser incrivelmente identificável pela cultura pop. De filmes ela amava o MCU, em games ela adorava Dragon Quest, de anime, ela amava Kimetsu no Yaiba (Demon Slayer), ela ia no karaokê e sua musica favorita de cantar era a abertura de Evangelion. Todo gosto pessoal que ela fosse apresentar no mangá era simplesmente uma reprodução da coisa mais popular e unanime que aquela área podia ter, para garantir a empatia dos leitores. Pois bem, quando o mangá enfim revela o passado misterioso dela, que eu não vou dar o spoiler de qual é, mas quando eu soube como realmente foi a vida dela e pelo que ela passou, me bateu uma estranheza. Ver que ela só gosta de coisa que tá muito na moda no presente, me pareceu que ela tinha vivência demais para ter mais interesses fora desse círculo. Foi o que me fez parar de ler, eu tinha dificuldade de simpatizar com a personagem quando eu não conseguia achar a personalidade dela consistente com a sua vivência.

E esse é o primeiro lance desse tipo de abordagem, querendo fisgar o espectador mencionando coisas que ele ama. Como você não conhece o espectador, você precisa mencionar algo que todo mundo ama. E um personagem é mais interessante quando seus gostos são realmente pessoais.

Quanto mais pessoal o seu trabalho, mais criativo ele é. Mas tentar mirar em todo mundo atrapalha essa pessoalidade.

Um personagem cujo filme favorito é o filme mais popular do mundo, é um personagem que não expressa individualidade perante seus gostos. O que não é um problema na vida real, você, leitor, pode gostar do que quiser e se expressar como quiser. Mas quando aparece um personagem que quer muito comentar que gosta muito de The Lion King, ou de Forrest Gump ele não trás nada de si a tona.

Isso é meio relativo então quero dar alguns exemplos.

O filme favorito de Jake Peralta de Brooklyn 99 é Die Hard, provavelmente o filme de ação mais popular dos EUA. Na série o filme inspirou Jake a se tornar policial e costumam ser a referência do tipo de policial que ele quer ser, por isso, as referências que Jake faz sobre Die Hard dialogam com o que o personagem é, e trazem sua personalidade a tona.

Por outro lado Amy Santiago amar Harry Potter, não dialoga com nenhum aspecto de sua personalidade. E as referências a Harry Potter são só para fazer todo mundo que gosta de um dos livros mais populares da história se sentir validado por ela. É apontar pra tela e falar “você é especial por reconhecer um dos nomes mais reconhecíveis do mundo”, e ajudar a estabelecer a relevância da obra citando-a gratuitamente na televisão.

…e fazer a série envelhecer mal, porque o prestígio de Harry Potter cai a cada semana que a J. K. Rowling segue usando Twitter e vai ser assim até ela morrer.

Enfim, quando um personagem casualmente menciona ser grande fã de algo que é relativamente aleatório, não trabalha o personagem, mas é uma franquia de imenso sucesso, a série está só tentando fazer com que você associe seu amor por outra franquia àquela história, e esse tipo de referência é pobre.

É essencialmente o equivalente a fazer publicidade de graça mostrando que o personagem consome determinado produto, com a diferença que eu acho que Harry Potter não pagou pra receber o tratamento de um Burger King.

Tanto é, que é incrivelmente substituível. Lembram quando a Marvel resolveu que o caderno de referências do Capitão América ia mudar de país pra país para que sejam só coisas que a audiência reconheça? Pois é, isso é porque o conteúdo do caderno de referências não diz nada sobre o Capitão América, seus aliados, seu universo ou sobre o filme. Diz somente que o espectador é especial por reconhecer esses nomes.

E funciona. A galera ama reconhecer nomes.

Mas isso nos leva ao segundo problema, que é: como a popularidade das coisas é algo variável, que muda com o tempo, se o personagem não está se expressando, está somente mostrando que segue a moda, e o personagem dura mais do que a moda, isso pode datar a cena.

Mantendo o exemplo de Harry Potter ficar progressivamente mais cancelável, a Lisa Simpson fazer constante menção ao quanto ela ama Harry Potter está cada dia mais entrando em contradição com a personalidade dela de ser “woke” acima de tudo. A validação do expectador tem o prazo de validade que é “em quanto tempo as pessoas vão parar de se sentir validadas por isso?”

Assim, Tiny Toon Adventures tentar muito tirar humor de aparições da Cher, é um dos motivos pelo qual faz muito pouco sentido revisitar Tiny Toon Adventures em 2023. Eles validaram a capacidade de reconhecimento de referência de seu tempo, e se foram com seu tempo.

Mas o principal problema é que essas referências na maior parte das vezes não são uma piada, uma expressão do personagem ou uma homenagem da história. Elas são muitas vezes, só name-dropping. Nada além de uma menção solta.

Sabem aquelas piadas em The Big Bang Theory em que o Sheldon só menciona o nome de algo que ele gosta e as risadas de fundo sobem? Então, não foi uma piada, foi só o Sheldon dizendo o nome de algo…

Desculpa gente, isso não é uma piada, é só o nome de um game.

…esse tipo de “piada” rola muito. Especialmente em humor “adulto”. É sério, vocês podem notar, existe um momento na transição da programa infantil pra programação “adulta” na televisão estadunidense, que se dá nas menções a cultura pop. Qualquer desenho de adulto que se preze sai mencionando cultura pop e nomes de celebridade como parte de seu apelo adulto e são só isso. São só menção de nome….

Só uma dose de felicidade por termos reconhecido algo, fazendo a gente associar a felicidade por reconhecer coisas com a felicidade eu a obra nos gera.

Enfim. Eu falei problema aqui, problema ali, e não estou disfarçando nem u pouco que eu acho tudo isso meio idiota. Mas no fim das contas é inofensivo. Não é algo que está atrapalhando nada, é só uma distração boba hiper-valorizada.

Mas essa não é a única maneira de se fazer referências.

As referências que a gente não reconhece:

As vezes eu estou vendo um filme ou série e começa a tocar uma música que eu acho interessante. Eu faço o que a gente faz nessa hora, vou procurar a música no youtube, e o que é que tem nos comentários? O comentário mais curtido é “Dê um like se você veio aqui por causa de X”, e o segundo comentário é “Eu já gostava dessa banda antes de X, sou um fã raiz e não estou aqui só por causa de um filme/série.”

E zoeira com fã raiz de qualquer coisa a parte, é curioso, como a gente sempre acha gente descobrindo música graças a momentos marcantes da cultura pop.

E não só músicas. Naquilo que a gente não reconhece, a gente pode descobrir muita coisa.

Essa seção aqui vai ser só de exemplos muito pessoais, pois afinal não saberia dar exemplos dos outros pra isso. Mas por exemplo: eu sou um grande fã de Scream, um dos meus filmes favoritos, e um filme que é um diálogo constante com o gênero slasher, do qual eu gosto muito. Boa parte dos fãs de Scream gostam de Scream, por já serem fãs de slasher e reconhecer a referência. Mas no meu caso, eu só fui atrás dos slashers depois de ver Scream, e por ter visto Scream.

Eu fui ver Halloween, pois a cena do Randy sendo ameaçado enquanto via Halloween me marcou. E em vez de ver Scream pra entender cada referência enquanto eu assistia, o filme na verdade me mostrou um mundo que eu não conhecia e me encheu de curiosidade pra ver mais.

Isso acontece, pois embora muitos diretores queiram colocar só elementos como fontes de empolgação pro fã, a maioria dos diretores usa o espaço das referências para mostrar de onde ele veio.

Quando o terapeuta de Halloween fala que o nome dele é Sam Loomis, o exato mesmo nome do herói de Psycho, não tem uma pausa pra plateia no cinema poder rir antes do filme continuar. Ali o John Carpenter está nos mostrando que ele se inspirou em Psycho pra fazer esse filme, assim como na televisão está passando The Thing, pois o John Carpenter também se inspirou em The Thing. E aqui não é o John Carpenter mostrando os heróis da audiência, para receber um aplauso direto, e sim ele mostrando os próprios heróis.

Outro exemplo meu é que tem um musical chamado Music Man que eu não conhecia, e só fui assistir quando descobri que ele era a inspiração para o episódio de Simpsons Marge vs the Monorail. E eu não fui o único que precisou dessa recomendação dos Simpsons para descobrir esse filme. E mesmo Cape Fear eu vi por causa dos Simpsons também, eu descobri Simpsons antes de descobrir vários filmes.

E acho que o grande lance aqui. É a diferença entre as suas homenagens serem uma alavanca para a sua obra, ou serem o ponto da sua obra. O episódio Marge vs. The Monorail é considerado o melhor episódio de Simpsons por muita gente, metade delas que nem sequer assistiu The Music Man. Pois o episódio se preocupa em ser memorável não por quem reconheceu a homenagem, mas pelo que ele oferece.

Mas a cena que o Matt Murdock aparece em Spider-Man: No Way Home, tira todo seu valor do fã reconhecendo o personagem. E não tem nada ali que torne a cena carismática ou memorável para quem não é familiarizado com o cara. Mas tem uma notável pausa de silêncio no filme pra dar tempo da plateia no cinema aplaudir aquilo que eles reconheceram.

Não é um filme para instigar curiosidade em conhecer o Daredevil, é só para recompensar os fãs por reconhecerem tudo.

Mas tanto faz quantas referências você nota em Halloween, o filme é o mesmo.

O diretor quando faz o filme, expõe seu próprio repertório. Ele homenageia tudo o que ele gosta. Algumas coisas muito populares outras impopulares. Todo mundo sabe que o Tarantino faz em seus filmes uma grande colagem de tudo o que ele ama no cinema, na música, e na vida, do mais popular ao mais obscuro e mistura tudo ali. Mas nenhum filme do Tarantino é sobre reconhecer as referências, são sobre conhecer os personagens que o Tarantino está mostrando pra nós ali.

Ninguém tem uma apreciação melhor de Reservoir Dogs se for grande entendedor da Madonna.

Inclusive é curioso. Porque é difundida a ideia de que não temos nada a aprender com referências que não reconhecemos. Geralmente quando um filme ou série americana menciona algo que não é pra ser parte do repertório básico de um brasileiro, a decisão da tradução é remover a referência por ser irreconhecível, independente do fato de que, não só a referência pode ser igualmente não reconhecível pro público estadunidense, mas especialmente, que a referência pode ser um incentivo para fazer alguém dar um google. Talvez o que o autor realmente queira é convencer alguém a dar um google.

Fala original em uma cena de Archer, mencionando duas figuras centrais na CIA durante a guerra fria, diretamente envolvidos nas denuncias que o episódio trás. Eles não são figuras muito famosas, mas a ideia do episódio era trazer os nomes pra luz.
Mas as legendas da Netflix obedeceram o protocolo de se for referência a algo não reconhecível ao brasileiro, de omitir tudo….
Por algum motivo a Netflix não me deixa tirar print. Que serviço merda. Eles acham o que? Que eu ia falar de um desenho animado que só dá pra ver no serviço deles no meu blog?

Porque o ponto é que as referências não são sobre o expectador.

Por isso na maioria das vezes elas se escondem.

Easter Eggs:

Usa-se muito o termo Easter Egg para falar de referências, e esse termo saiu do videogame. Significa Ovo de Páscoa, e assim como o coelho esconde os ovos pra gente procurar, é uma coisa que está escondida, para a gente encontrar. O termo passou a ser incorporado para outras referências que aparecem em cinema e tv e ficam escondidas, pro expectador precisar pausar para achar.

E acho que o grande lance dos Easter Eggs é esse. Escondido. Procurar. Achar. Um bom Easter Egg não é esfregado na cara do seu expectador, pois um bom Easter Egg não está ali para te distrair da história que você está vendo nem pra ser a história.

Tipo o chão da casa do Sid em Toy Story ser igual o piso do Hotel Overlook em The Shinning, o filme não comenta isso. Ele está escondido pra você achar.

Eles são um ponto extra da experiência, e eles não indicam o que é o filme de verdade. Mas são maneiras dos autores deixarem alguma marca no filme para homenagear pessoas que eles querem homenagear. E as vezes, essas homenagens não são pra gente.

Mas o ponto é. Eu acho que rolou nos últimos tempos, e eu confesso que nem sequer sei se isso daí vai na conta da Marvel, do The Big Bang Theory ou de quem, mas que reparar nessas referências se tornou uma atividade passiva. Eles esfregam na sua cara a referência, e só referenciam algo que 90% da plateia conhece, e não fazem isso como uma assinatura do diretor, fazem pois gera um riso fácil.

E filmes como Ready Player One, é onde isso fica colocado em extrema evidência, pois o protagonista se gaba de que ele se deu ao trabalho de revirar a vida do criador do jogo para entender o impacto emocional de cada referência de cultura pop que havia ali. Mas ao mesmo tempo, tudo o que eles veem, eles apontam e chamam pelo nome para ter certeza de que a plateia também viu, também notou, e também adorou ver o King Kong e também se sentiu satisfeito não só de ter reconhecido as cenas do The Shining, mas que a amiga do herói tenha sido criticada por não ter visto o chamado. É legal ver os personagens falharem nos testes que a gente passou.

É legal ver que entender referências é uma lição de casa pro Steve Rogers, uma que a gente já fez.

E pra todo mundo passar por isso, fizeram todo mundo jogar no modo fácil.

Conclusão:

Ok. Nada disso é um problema real. Pode até me incomodar, mas não é um problema. Esse não é o verdadeiro problema dos filmes Marvel.

Digo…. É um problema em Ready Player One. Mas esse filme é só um grande amontoado de problemas.

Mas é algo que está acontecendo, está mudando, e está afetando a nossa relação com consumo de entretenimento. E quando essas mudanças invisíveis rolam, eu sempre acho digno reparar nelas para conversar sobre elas.

Eu sinto que quanto menos pessoais, mais genéricas as referências ficam, mais se torna importante reconhecer elas. Mais os vídeos de “Entenda todas as referências”, quando não tem o que entender. O youtuber vai explicar que DeLorean é uma homenagem a de volta pro futuro, e o fã vai ficar feliz, pois ele sabia disso e o youtuber disse que ele passou no teste.

E tudo cai em uma grande celebração da Cultura Pop que não celebra nada. Pois quer resumir os filmes a somente a sua estética, e nega a noção de que as imagens tenham significado. Em Ready Player One, o Gigante de Ferro é mencionado por nome, e é um dos cameos mais famosos do filme. Porém o filme The Iron Giant gira inteiramente em torno da ideia de que o gigante não é uma arma. Mas ele existe em Ready Player One somente como uma arma.

The Iron Giant por outro lado possui um intertexto importante, com como o Gigante se inspirava no Superman não como um símbolo estético, mas como um símbolo de que ele podia escolher ser que ele queria. A presença do elemento Superman no filme não está ali para agradar fanboys, nem pra virar gerar prazer por reconhecimento. E sim para agregar simbolismo na jornada do Gigante.

Pois quando as referências não são pra apresentar ou mostrar uma obra, e sim só pelo prazer vazio de entender ela de cara, isso nos reforça a ideia, de que o filme não tem nada pra nos mostrar. Que o diretor não tem realmente filmes pra nos indicar, ou livros, que tudo fica no campo só do que já é universal.

Materia completa aqui,

Intertexto é parte fundamental do ato de contar histórias, e ajuda a ilustrar um ciclo legal de como um autor inspira o outro, e vão conectando obras de maneiras que atravessam épocas, países e mídias. E acho que ele pode dizer muito sobre o autor e sobre o filme, se a sua prioridade não for só validar os fãs.

Mas quero ler o que vocês acham. Qual referência marcou vocês? Se vocês já foram ver algum filme só por que viram uma referência em outro filme, e qual o papel das referências no seu julgamento final de um filme.

Pois o texto tem mais valor se vocês comentam, compartilham, e continuam essa conversa. Muitos abraços pra vocês e os vejo no meu próximo texto.

Sobre o autor

Izzombie

Sou um cara chato que não consegue ver um filme sossegado sem querer interpretar tudo e ficar encontrando simbolismos e mensagens. Gosto de questionar a suposta linha que separa arte de filmes comerciais, e no meu tempo livre pesquiso sobre a história da animação.

Sobre o autor

Izzombie

Sou um cara chato que não consegue ver um filme sossegado sem querer interpretar tudo e ficar encontrando simbolismos e mensagens. Gosto de questionar a suposta linha que separa arte de filmes comerciais, e no meu tempo livre pesquiso sobre a história da animação.

Alertas

  • – Todos os posts desse blog contém SPOILERS de seus respectivos assuntos, sem exceção. Leia com medo de perder toda a experiência.
  • – Todos os textos desse blog contém palavras de baixo calão, independente da obra analisada ser ou não ao público infantil. Mesmo ao analisar uma obra pra crianças a analise ainda é destinada para adultos e pode tocar e temas como sexo e violência.

Artigos recentes

Categorias

Parceiros

Blog Mil

Paideia Pop

Gizcast

Arquivo