Como separar a obra do artista, e como separar outras coisas também.

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Olá meus leitores. Quem aqui já se envolveu emocionalmente com um filme, ou livro, ou mangá, e aí teve que lidar com uma crise pesada dentro do fandom quando descobrimos que o autor dessa obra é uma pessoa horrível que está envolvida com pedofilia, com associação com fascistas ou com ambos? Porque cedo ou tarde isso acontece. Estou vendo aqui algumas mãos levantadas pensando na J. K. Rowling, autora de Harry Potter e sua crescente presença se tornando uma defensora voraz da transfobia e de políticas transfóbicas. Alguns aqui já ficaram divididos com o caso de Nobuhiro Watsuki, criador de Rurouni Kenshin, ou Samurai X, e notório pedófilo que se safou legalmente por leis brandas anti-pedofilia. Algum fã dos filmes de Roman Polanski aqui? Esse teve que fugir do país, mas se safou também. E do Michael Jackson? Alguém aqui é fã? Não sei quanto do meu público é fã do Woody Allen, eu certamente não sou, mas conheço gente que é.

E esportes? Que também é entretenimento. Quando um jogador de futebol publicamente se torna uma voz do fascismo e da extrema direita, o que isso faz com os gols que ele marca? Ainda são nossa vitória esses gols? 

Complicado. Recentemente faleceu o Silvio Santos, e algumas pessoas tomaram lados claros em como reagir, mas teve gente que ficou realmente confusa e dividida em como lembrar do maior ícone da televisão brasileira e a sua importância pro entretenimento conciliando com toda a cumplicidade dele com a ditadura brasileira e os golpes e explorações de pessoas que tiveram a vida arruinada por ele. Como se equilibra isso?

E se nunca aconteceu com você, talvez um dia aconteça. Pois vou ser bem sincero aqui, se você pegar as celebridades que não tem acusações, acreditem, mais da metade está só se safando. E no fundo a gente sabe disso, mas ignorância é uma benção, enquanto não acusarem estão limpos. Mesmo muitos que nunca fizeram nada de fato, souberam com detalhes de muitos dos horrores que aconteceram, e ficaram em silêncio, e ficam até hoje, pelo bem de suas carreiras e da estabilidade da indústria.

Se um dia o nome do meu ator favorito aparecer na boca de uma acusação de violência ou má conduta sexual, eu não vou ficar surpreso. Não tenho motivos pra acreditar que isso vai acontecer, mas sempre pode acontecer, e se acontecer, não vai me causar choque. A indústria do entretenimento é um espaço perverso, que molda pessoas com uma grande gama de defeitos. A cultura do estupro é forte em uma indústria do entretenimento em que é fácil fazer o trabalho das mulheres literalmente ser “ser um objeto” e dar poder demais com homens que não tem vivência no mundo real o suficiente. É a receita pro desastre. E o jogo de influências, seus maiores colegas de trabalho todos cometem crimes sexuais casualmente, naturalizam o conceito, pedem sua cumplicidade e você se torna parte do absurdo.

Eu não confio em ninguém que tem permissão pra ir na cerimônia do Oscar. 

Mas a gente ainda aprecia arte, e se envolver emocionalmente com histórias de ficção, e quem oferece isso pra gente é a indústria do entretenimento, e a gente pode achar que “hey, hey, hey, o Polanski ser um criminoso convicto não significa que o Bebê de Rosemary agora se tornou um filme ruim, né? São duas coisas separadas.”

Nós queremos separar a obra do artista.

Mas nós podemos?

Poder nós podemos. A resposta curta é que você individualmente pode fazer qualquer coisa: separa aí e vai viver a sua vida. Mas esse texto vai passar por várias implicações do que significa isso. Aonde a arte está colada ao artista e o que significa separar de fato as coisas. E não somente falar nas redes sociais que você separa as coisas, pra te deixarem em paz quando você mostra pra todo mundo que está vendo coisa com implicações problemáticas no consumo.

Nós podemos separar. Mas é complexo, é difícil, envolve fazer coisas que não fazemos normalmente e esse texto vai falar a fundo sobre esse assunto. Então sejam bem-vindos, esse é o Dentro da Chaminé, há quase dez anos abrindo conversas sobre cultura pop no formato de blog, meu nome é Izzombie e esse é um texto, falando sobre separar a obra do artista e também de outras separações que podemos discutir no mesmo assunto.

E já adianto que uma das principais dificuldades de se separar a obra do artista é a conexão financeira conectando o artista a você pagando pela obra. Mas nesse blog aqui, o cara escrevendo só recebe o dinheiro que o público escolhe dar. Sério, nenhum dos links pilantras com golpe na parte de baixo me dá um centavo, eu só não sei fazer o wordpress parar com as propagandas, se eu pudesse eu pararia.

Então se você quiser dar algum apoio financeiro a esse blog você pode fazer através do financiamento coletivo do blog no apoia.se. Esse dinheiro paga a hospedagem e outras despesas, e ajuda muito o Dentro da Chaminé a se manter de pé. Mas se você não quiser fazer um apoio mensal, você pode ajudar muito fazendo um pix de qualquer valor pra chave franciscoizzo@gmail.com, que fará toda a diferença do mundo pra mim, e receberá igualmente minha gratidão e uma homenagem.

Pois esse texto é feito em homenagem a todos os que já me apoiam. Os verdadeiros heróis desse blog, e uma turma bacana que faz toda a diferença. Espero que gostem do texto.

E esse texto é sobre a separação da obra do artista.

E acho que um bom ponto pra começarmos é pensar no que está prendendo a obra ao artista, e existem várias coisas, dinheiro, direitos legais e a necessidade do fã de se apegar ao responsável pelo seu entretenimento prendem a obra ao artista. Mas uma pergunta prendendo, uma noção moral que dificulta muito separar a obra do artista.

Parte 1:
Pessoas ruins podem fazer boa arte?

Na reta final do último livro de Desventuras em Série (A Séries of Unfortunate Events), os protagonistas, os órfãos Baudelaire, estão tentando convencer o vilão Conde Olaf, um dramaturgo assassino incendiário egoísta que não parou por nada na tentativa de roubar o dinheiro dos órfãos, a ajudar no trabalho de parto de uma mulher grávida. Violet vira para o Conde e diz que ele deve fazer pelo menos uma boa ação em sua vida. Mas o Conde responde: “Eu já fiz boas ações, minhas peças de teatro foram consideradas para prêmios de prestígio.”

Eu sempre achei essa passagem interessantíssima. Sempre me chamou a atenção que ele olhou pra vida dele e considerou que sua maior boa ação foi escrever uma peça de teatro que supostamente era boa. De como ele acha que se você é um artista, sua cota de boas ações foram preenchidas, e você já devidamente balanceou seu carma com as vidas que você arruinou.

É curioso, pois Desventuras em Série é uma série que se esforça pra fazer a conexão entre boas pessoas apreciarem boa arte, e más pessoas serem ignorantes e não apreciarem arte. E Olaf afirmou que suas peças foram uma boa ação, mas o narrador dos livros certamente discorda e considera as peças de Olaf de qualidade duvidosa. Mas ao mesmo tempo, é só a opinião do narrador, também um personagem dentro daquele universo. Eu só vi uma peça do Olaf, e ela certamente não era grande coisa. 

Mas e se fosse verdade, seria uma boa desculpa? Quando um criminoso que destrói vidas faz boa arte, isso é uma “boa ação”? Isso equilibra o que ele fez? Isso importa?

Essa é uma pergunta complicada. E ela é tão complicada que a gente se esforça pra pensar que nem mesmo seria possível. Afinal, uma coisa é fato, se a obra é do bem, ela só pode ter sido feita por uma pessoa do bem. E se uma obra é do mal, ela só pode ter sido feita por uma pessoa do mal. Se uma obra contém uma crítica direta ao racismo, ela só pode ter sido criada por alguém que jamais se associaria aos racistas. Se um filme tem um subtexto racista, e seu diretor falar em uma entrevista ter nojo da Ku Klux Klan, certamente será mentira, a gente viu a verdadeira alma dele como um supremacista branco irredimível. Muita gente tenta ver a arte por essa lente.

A gente vê o tempo todo, quando muita gente começou a perceber indícios de que Shingeki no Kyojin (Attack on Titan) podia soar como romantização do fascismo, começaram papos de tentar descobrir se o autor, Hajime Isayama era um literal simpatizante do nazismo. O mangá está passando uma mensagem do mal, então o autor deve ser um ser humano literalmente do mal.

Tem gente fuçando o lixo do Zack Snyder até hoje pra provar que ele é um simpatizante da extrema direita pra racionalizar o quanto odeiam seus filmes. Afinal são filmes tão ruins, que só é fácil aceitar isso provando que o diretor tem uma alma ruim.

Mas lamento informar que o mangá escrito por um mangaka que se tornou um político de direita real, que se associou com os fascistas do Japão pra ganhar poder político, não tinha gente de farda, mensagens tortas sobre nacionalismo nem etnias fantasiosas representando judeus. Tinha adolescentes sensuais tomando banho.

Não é o tipo de imagem que grita “esse autor tem noções cagadas de política”, mas é aqui que o cara de fato foi e fez. E está aí fazendo declaração falsa do gênero e da identidade de colegas de promissão e levantando pautas de liberdade de expressão absoluta vibe Monark, pelo mesmo partido que a turma nacionalista que nega os crimes de guerra do Japão na Segunda Guerra. Nenhum indício por enquanto do Isayama querer se afiliar aos políticos merdas do Japão. Eu não faço ideia de em quem o Isayama vota. Só sei que o mangá dele tem mensagens arrombadas.

Mas apesar disso, seguem investigando cada entrevista que os autores dessas obras dão, pra procurar sinais do autor ser um literal nazista. E todas as provas que acham seguem sendo a própria obra. Coisas como: “Tal personagem é inspirado em tal figura histórica, então está provado que o autor é um admirador dessa figura histórica, e portanto que ele concorda com todos os ideais dela.”

Eu acho esse um caminho complicado de ir. Especialmente quando se trata de provar que um autor é uma pessoa horrível. A presunção de que pessoas horríveis confessam seus crimes na arte é uma que pode ser objetivamente refutada com exemplos palpáveis.

Chinatown é um filme no qual o vilão é um pedófilo. E um incestuoso. Um homem terrível e irredimível que estuprou a própria filha, engravidou-a e agora preda em sua neta. E a impunidade dele, que não será desafiado pela polícia de Los Angeles por ser poderoso e influente demais e ter passe livre pra ser pedófilo por conta de seu poder, é o que dá a porrada no expectador que marca o filme. A raiva no expectador pelo senso de impunidade desse pedófilo se safando e rico que os poderosos nunca pagam.

O filme é visivelmente crítico a isso, quer usar a pedofilia do vilão pra enojar o expectador, e fazer ele querer socar um pedófilo só pra descarregar a frustração.

E se o expectador quiser muito pode começar com o diretor do filme, Roman Polanski, julgado e condenado por seis crimes sexuais contra uma menina de 13 anos, que ele drogou, atacou, violentou e estuprou. Uma coisa horrível. Polanski fugiu dos Estados Unidos em 1978, poucas horas antes da sua sentença sair, e é oficialmente um foragido da justiça, algo que ele é até hoje. Ele mora na Europa hoje, onde ele segue fazendo filmes, sabendo muito bem que se qualquer um desses filmes ganhar o Oscar ele não vai poder receber, pois assim que pisar o pé nos EUA ele será preso.

Mas o que muita gente se pergunta é: “por que o Oscar indicaria um filme de um pedófilo pra qualquer coisa?”, e a resposta verdadeira é que é porque 50% de todo mundo no Oscar é um criminoso sexual também. Mas eles tentam disfarçar dizendo que são… bons filmes.

E aí vem o ponto que eu quero chegar. Chinatown não é um filme pró-pedofilia, muito pelo contrário, existe uma ironia muito forte aqui, de que quanto mais você despreza uma figura como o Polanski, mais fácil é do filme funcionar com você. Existe um gap muito forte no discurso do filme com as ações do diretor.

Diferente do Woody Allen, outro pedófilo, porém esse inocentado na justiça estadunidense, e com as provas ainda sendo questionadas e debatidas, embora seja a opinião de muitos, eu incluso, que ele seja culpado das acusações. Woody Allen faz filmes de amor, e frequentemente troca em assuntos que amor pode ser complicado, pode ser não-convencional, que é o que é, e vem com complicações e esquisitices. Acho que a perspectiva do Woody Allen pode ser devidamente descrita no filme dele Whatever Works, lançado depois que todo mundo já sabia de todas suas acusações de abusar de sua enteada, e também sabiam do seu casamento controverso com a filha adotiva de sua esposa, com quem ele começou a se relacionar quando ela tinha treze anos. Pois é, quando tudo isso já era conhecimento comum, ele lança Whatever Works, que usa um casamento com diferença de idade de 40 anos, um relacionamento gay, e um relacionamento poliamoroso como três exemplos de “Em Nova York você fica menos quadrado em relação a como o amor funciona”. Com o casamento do homem de 60 e a mulher de 20 anos como o centro disso tudo.

E cá entre nós, querido leitor, se eu fosse casado com uma mulher quarenta anos mais jovem do que eu, com a qual eu comecei a namorar quando ela tinha 13, se eu fosse esse maluco, eu nunca iria a público falar “vocês tem que ser menos careta, e aceitar isso tanto quanto aceitam os gays.” Eu não seria nem maluco de dar essa cara a tapa. Eu provavelmente faria um filme sem relacionamento nenhum, faria um filme de Super-Herói. Faria algo que chame a atenção pra outra coisa.

O que é o que Bryan Singer, também acusado de pedofilia, faz. Ele dirigiu X-Men, ele dirigiu Superman, não são filmes em que você acha na moral da história nada sobre pedofilia. Esses filmes só podem ser associados a pedofilia quando a gente se informa sobre os crimes do diretor, mas quem foi no cinema ver na ignorância não viu nada disso na tela, então nada disso é parte da experiência. Na experiência está umas mensagens sobre inclusão e metáforas sobre a dificuldade dos gays de saírem do armário pras próprias famílias. Mas o diretor é um pedófilo. 

Link da matéria aqui.

Se você é do mundo dos animes e mangás você pode observar um padrão, em que constantemente fãs suspeitam que autores escrevendo histórias com menininhas vivendo alguma aventura com um character design questionável são todos pedófilos e estão escrevendo a própria punheta.

Mas quando um autor de mangá de fato vem a tona como um pedófilo geralmente é o autor de uma obra sobre um Samurai pregando o pacifismo ou sobre homens musculosos vivendo aventuras.

Que é como todo mundo racionaliza qualquer elogio a qualquer uma dessas obras ou às próximas que eu vou citar. A gente pensa “pô, mas o crime dele não tá na obra, a obra fala sobre o Superman.” E isso me leva a outra questão.

Agora vamos lá, que eu vou entrar no ponto mais delicado e sensível aqui. Chinatown tem um vilão pedófilo. E ser pedófilo é o que ele tem de mais enojante e repugnante e que deixa a gente frustrado com sua impunidade. Mas o filme não é sobre pedofilia. Ela é um detalhe colocado pra causar asco. A trama gira em torno desse vilão além de ser pedófilo ser o dono da empresa de água em uma cidade em que toda a água é privatizada. E os abusos que ocorrem quando homens poderosos controlam um bem essencial da população buscando lucro com uma empresa privada.

Esse assunto é muito sério. Eu escrevo esse texto aqui de São Paulo, dando os toques e edições finais durante um apagão que dura dias por causa da nossa luz privatizada. E a água do meu estado foi privatizada e muitas expectativas de que o serviço piore drasticamente. Esse assunto, e essa exposição dos horrores da água privatizada é um assunto muito atual.

E a pergunta que eu quero fazer é: “É possível um pedófilo, uma pessoa violenta, misógina, que pratica um jogo de poder contra pessoas vulneráveis, e sem empatia por questões de consenso, que comete violência contra crianças, por serem crianças, é possível uma pessoa nesse perfil, ter uma opinião relevante sobre a privatização da água? Ou o fato dessa pessoa ser maligna faz com que sua visão sobre a pauta da água vá ser maligna também?

Essa é uma pergunta retórica. A gente sabe as respostas. Tem duas respostas. A gente objetivamente sabe racionalmente sim é possível, esses crimes e esses traços asquerosos de personalidade não afetam a capacidade do indivíduo de tomar qualquer posição em outra questão moral. Ao mesmo tempo, a gente evita ao máximo poder pensar nisso. Pois o Polanski ele é do mal. Ele está errado, e portanto a gente não concorda com ele em relação a nada. Qualquer perspectiva em que alguém diga “Eu concordo com Roman Polanski” é instintivamente entendida com um adento “Eu concordo com Roman Polanski (a respeito da pedofilia)”.

Eu falei do Woody Allen mais cedo. E o que me chama a atenção no Woody Allen é que ele as vezes escreve personagens completamente apavorados com a própria mortalidade e apresentando um extremo desconforto com a ideia de que morrerão. Em um desconforto que lembra aquele que eu sinto. E que eu vejo poucos outro diretores falando de uma maneira que eu sinta no pessoal do que vendo em alguns filmes dele. Isso significa que eu estou validando a situação familiar nojenta e abusiva dele? Eu certamente espero que não. Pois quero que ele se foda. Mas eu reconheço o poder dele de ter mais facetas do que seus crimes, e ao expor elas em público, uma delas dialogar comigo. Eu mencionei isso no meu texto de It Follows.

Não diferente do meu pai biológico, que me abandonou, me machucou, e ouvindo histórias sobre ele depois de adulto eu vejo que ele é um homem manipulador, frio e muito menos inofensivo do que eu já julguei no passado. Mas em uma das minhas tentativas de me conectar com ele na infância eu ouvi opiniões dele sobre arte que conectaram comigo, e noções de como pensar arte que eu levo comigo até hoje. E isso não tem nada a ver com como ele me tratou ou tratou diversas mulheres. Tem a ver com ele ser um ser humano. Um ser humano de quem eu tenho uma imagem horrível e que eu não quero na minha vida, mas que em minhas interações no passado eu tirei coisas.

E aí temos que inverter a lógica, e colocar em jogo entra aquela palavrinha muito usada. A humanização. E quando a gente usa essa palavra, muita gente acha que a gente usa assim. A gente vê um monstro fazer uma atrocidade, e grita “humanização”, e de repente o monstro tem sentimentos, tem um passado triste e merece um abraço, pois ele merece nossa simpatia. Mas é o oposto. Eu quero inverter a lógica.

Humanizar é pensar, se eu reconheço que o Roman Polanski é um ser humano, então é possível que pessoas que na minha perspectiva são seres humanos, e não monstros, podem um dia cometer o mesmo crime hediondo que ele? Ou seja. Não perguntar se é possível o Polanski ter uma opinião relevante sobre a privatização da água. Mas se perguntar se uma pessoa que já tem hoje uma opinião relevante sobre o assunto está imune a descobrirmos no futuro um crime sexual envolvendo ela?

Depois que você confirmou que um homem tem opiniões relevantes e benignas a respeito de política e de arte, você passa a presumir que ele não vive no patriarcado e é imune aos jogos de poder e a ter uma conduta problemática ou criminosa em sua vida privada? A gente usa a palavra “monstros”, pra fingir que essas pessoas fizeram algo que nenhum ser humano fazia. Mas o tiro pela culatra é que essa mentalidade pode te dificultar a enxergar esses crimes quando são cometidos por seres humanos próximos de nós.

E infelizmente, denúncias de crimes sexuais dependem muito dessa perspectiva. De descobrir se a pessoa é uma boa ou uma má pessoa. Uma mulher processa um abusador, acusando-o de algumas coisas terríveis que nos dariam pesadelos. E a defesa vai ser: “O que? Ele nunca faria isso! Eu conheço o cara! É de esquerda! Ele é daora! O cara curte cerveja, faz piada com a gente, é educado, abraça os outros na festa. Faz caridade, doa agasalho. E ele é bom pai também. Ele é um cara normal. Ele não é um monstro.” e sim. Porque monstros não existem. Todos os crimes hediondos cometidos, são cometidos por seres humanos, e um número maior do que você esperaria, por seres humanos funcionais, sociais e bem encaixados na sociedade.

Humanizar não é o ato de descobrir que o pedófilo merece um abraço. É a ideia de descobrir que ele pode não ser muito diferente na sua vida cotidiana de alguém que você correria pra defender se fosse acusado. E a ideia de “monstros não produzem arte relevante e nem tem algo pra comentar sobre totalitarismo” é parte disso.

O rótulo de monstros é como a ficção costuma funcionar em muitas obras. A gente cria um personagem pra ser moralmente errado e junta isso com ele estar errado em absolutamente todo debate de ideais sério em que ele entrar. A gente cria personagens como o Capitão Patria. O Capitão Pátria é um estuprador, e ele é um agente político da extrema direita. E tudo que ele fala é errado. E se qualquer fã concordar com uma fala dele, os demais fãs vão falar “cara, você tá concordando com um estuprador”, e a série estará dizendo isso também. Personagens fictícios podem funcionar bem nesse espectro de “estar sempre errados”, em especial em séries que querem passar uma moral clara.

Cartman de South Park sempre denuncia problemas reais dos Estados Unidos, ao escolher ser parte dele, então mesmo quando ouvimos que algo é parte abominável dos EUA da boca dele, nunca concordamos com ele. E quando alguém concorda com ele ser anti-woke, a gente desarma essa pessoa na internet falando “então você concorda com um nazista”.

A vida real pode ser mais complicada que isso. Pois algumas correlações não existem de verdade. Dentro do patriarcado o perfil do homem que pode cometer um ato de violência sexual é qualquer um. Uma pessoa que tem uma vida inteira de luta pelos direitos humanos pode se revelar um assediador. Uma pessoa de esquerda pode se revelar um assediador. Uma pessoa que você conheça e sabe que é justa, amistosa, empática, decente, culta, politizada, pode ser um assediador.

E isso é importante de ser dito, pois as vezes uma mulher denuncia seu abusador, e as investigações encontram testemunhas falando “de jeito nenhum, eu fui no bar com ele, é gente boa, simpático, ele é bom pai, ele é o melhor marido do mundo, ele é um intelectual, ele gosta de poesia.” como se alguma dessas coisas provassem qualquer coisa. Mas o que esse bando de não-argumento tenta provar é “se ele for uma boa pessoa, ele não pode ser uma má pessoa como é a acusação”.

Mesmo todo mundo sabendo racionalmente que o mundo não é dividido entre boas e más pessoas. A gente só não sente assim. É muito difícil não viver assim.

Claro que isso tem outro lado também. Não é porque é algo possível que uma pessoa asquerosa possa produzir arte tendo algo relevante que mereça ser dito. Isso não significa que uma pessoa sem esses crimes todos também não tenha. E que dar voz e espaço na arte pra pessoas que queiram combater a cultura do estupro, aumentar a perspectiva feminina e diversificar Hollywood e tirar tudo da mão do homem branco não seja uma solução que não vai realmente fazer filmes pararem de ser progressistas. O homem branco culto pode até talvez ter uma opinião válida sobre os defeitos do capitalismo, mas outras perspectivas também tem, e a gente não precisa abaixar a cabeça pro Polasnki só porque os filmes dele podem fazer críticas a quem merece críticas. Isso ainda tem relação com que tipo de pessoa detém o podem e que tipo de pessoas não costumam ter voz em Hollywood.

E tem que ver que tem muita gente perdendo voz em Hollywood por ter posições relevantes.

Eu também quero deixar claro o que eu estou dizendo, pois não quero deixar nada pra interpretação. Nesse tipo de assunto eu acho importante sermos bem claros e explícitos quanto ao que falamos. Eu estou dizendo: “Roman Polanski é só um cara complexo que não pode ser rotulado de má pessoa.”?? Não! Eu quero que o Polanski se foda, e não tenho a menor empatia por ele. Mas eu quero reconhecer que mesmo ele sendo uma má pessoa, está no poder dele, no sentido de que é possível, não só fazer um bom filme, como fazer um bom filme com uma boa mensagem. E que é possível pra ele, e pra qualquer um, ter opiniões coerentes sobre uma gama diversas de assuntos e por essas opiniões pra fora em sua arte, mesmo ele sendo uma pessoa abominável.

E a pergunta difícil que sai disso é: “O quão importante é que Roman Polanski, sendo capaz de fazer um bom filme, faça esse bom filme?”

E a resposta que eu dou é: “Não é nada importante. É extremamente desimportante.

O Roman Polanski pode fazer o melhor, mais inteligente e mais politicamente relevante filme do ano se ele quiser, e eu acredito que ele tem esse potencial. Mas eu, na posição de pessoa que estudou cinema, é apaixonada por cinema e passou dez anos falando da importância do cinema nas nossas vidas, e que defende ao máximo que lutemos pra preservar o cinema como mídia. Dessa posição eu quero dizer que não tem nenhum filme particular que é muito importante que saia ao ponto de fazermos vista grossa pra a maneira como ele drogou e estuprou uma menina de treze anos..

Nenhum!

Nem meu filme favorito. Nem nenhum dos meus 100 filmes favoritos.

O cinema é importante, a arte é importante, e a arte por existir faz do mundo um lugar melhor. Mas ser importante não significa ser mais importante do que combater a cultura do estupro. Muita coisa no mundo é importante, e elas tem hierarquia.

E o lance é. Isso é menos sobre quem é o Polanski, ou sobre a alma dele. É mais sobre como o mundo trata ele. O Polanski é um símbolo da impunidade. Ele é um símbolo da ideia de que se você é rico e famoso, as regras não se aplicam a você, e você pode ir pra Paris gozar os louros de sua excelente reputação, mesmo tendo estuprado uma criança. Mas nem todo mundo com a ficha suja é tratado igualmente. Pessoas que são o oposto do sentimento de impunidade, ou seja, os presos que de fato foram pra cadeia por seus crimes, são incentivados a produzir arte e se envolver com atividades de expressão na cadeia e isso é reconhecido como algo positivo pra não permitir que o ambiente desumanize eles, e pra reabilitar pessoas. Mas a arte que eles produzem são por definição arte produzida por criminosos, não? Isso significa que é arte que não merece respeito, feita por gente que não merece voz?

Mas não são criminosos que foram tratados do mesmo jeito. E essa é a diferença. O artista não é o único fator, é sobre o mundo todo em volta do artista, suas vítimas, seus juízes e a sociedade que o condenou ou o perdoou. É sobre todo esse grupo.

Em 2020, um mangá que eu gostava muito na Shonen Jump chamado Act Age foi cancelado, pois o seu autor, Tatsuya Matsuki, foi acusado por duas garotas do ensino fundamental de terem sido assediadas por ele na mesma noite. Foram duas acusações independentes, e as garotas não estava cientes de ser um autor de um mangá famoso, só denunciaram o homem estranho na bicicleta que atacou elas. Ele foi identificado como Matsuki pelas câmeras de segurança que o filmaram praticando o ato, e ele foi preso na hora.

O mangá era feito em parceria com a desenhista Shiro Usazaki. E Usazaki recebeu a proposta de se tornar também a roteirista do mangá e continuar a tocar a obra. Mas Usazaki se recusou e ela defendeu que o mangá fosse completamente cancelado, argumentando que a última coisa que ela queria é que as duas crianças lembrassem do dia em que foram assediadas sempre que vissem o mangá numa loja. O mangá não só foi cancelado, ele foi recolhido e todos os projetos de adaptação foram cancelados simultaneamente.

Eu gostava de Act Age, e eu achava um mangá importante, e eu particularmente gostava da forma como sua protagonista feminina era escrita. Com uma agência e poder sobre o próprio destino que eu não esperaria da perspectiva de um assediador. E era um mangá que me fazia bem. Porém, quando veio a notícia do cancelamento eu concordei completamente com a Usazaki , de que esse mangá ser bom não deve ser um problema das duas vítimas. O meu bem estar lendo no aplicativo da Jump no Brasil não é mais importante que o bem estar das duas crianças abusadas. Elas são mais importantes que o mangá.

E elas são mais importantes que qualquer mangá. Elas são mais importantes que One Piece, ou qualquer outro mangá que eu goste, um ser humano é sempre mais importante que uma obra de ficção. O filme mais importante do mundo não precisa sair, se isso envolver fechar os olhos pra estupro.

Embora Chinatown seja um filme relevante pra falar de assuntos que são problemas reais até hoje e devem ser falados. Esse filme não é importante o suficiente pra se fechar os olhos pra um estupro. Existe um teto pra importância do filme. Nos limites de que eu não quero que nada vire Lost Media, pois acho que até a preservação do cinema nazista tem relevância acadêmica, eu acho que nenhum filme individual precisa de celebração. Nada do Polanski, Woody Allen, Bryan Singer. Nada produzido com os Weinstein. Nada que o Johnny Depp, Brad Pitt, Kevin Spacey, Casey Affleck, Dustin Hoffman tenham estrelado. Nada é mais importante que combater a cultura do estupro na indústria do entretenimento.

E aí é nessas horas que surge a necessidade na galera de se separar o filme do diretor. Separar a obra do artista. Porque a gente vê isso e entende todos os fatos. Polanski é um nojento e merece se foder e não receber nenhum louro. Antes de sabermos disso ele deu um take muito válido sobre privatização da água. A gente quer proteger esse take, e então a gente quer associar ele pouco ao arrombado. Então a gente quer separar a obra do artista.

Só que o problema é que agora é tarde demais. Separar a arte do artista não é um Super-Trunfo que a gente joga depois que o artista se revelou um pedófilo e que a gente joga porque o artista se revelou um pedófilo.

A real é que a gente não separou o Polanski de Chinatown antes.

Antes de ser acusado, antes de viver num apartamento em Paris como foragido da justiça, quando ele vivia numa literal mansão em Los Angeles. Nessa época ele não tinha feito nada de errado. E ninguém tinha uma opinião negativa sobre ele. Portanto, a ideia de que ele, por ter feito grandes filmes, deveria viver em uma mansão enorme usufruindo dos louros do filme era natural pra gente. Antes de ser um pedófilo ele era melhor que os mortais, ele era um “gênio”, ele era um super-humano. Ele merecia mais do que os demais.

O filme não era “nosso” pra gente “interpretar”. O filme era dele, o filme era a alma dele, e por ter feito esse filme ele merecia gozar do seu status de celebridade. E isso era um merecimento inquestionável. Todos concordavam com isso.

Até porque o filme é algo que fez milhões de dólares, e que vá pro diretor, pois se não for pro diretor vai pros produtores e ninguém quer isso. Produtores são piores que diretores, todos sabem disso. Queremos artistas valorizados não é? E o melhor jeito de se valorizar o artista é conectando a arte ao artista ao extremo.

É garantindo que ninguém encosta nesse filme sem permissão do artista e que o máximo possível do dinheiro vá pra ele, e pôr o nome dele na capa, e escrever um livro sobre ele, e beijar o chão que ele pisa. Até ele estuprar uma criança, agora a gente tem que proteger o filme, separando a obra do artista. Mas só agora isso é considerado importante.

Porque o filme é importante. E embora ele esteja relacionado a ser um motivo pro Polanski ser admirado por anos, no instante em que o cidadão se revelou a antítese de uma pessoa admirável, se provou uma pessoa condenável, aí o filme é desrelacionado da pessoa dele.

É complicado isso. É complicadíssimo.

Enfim, a parte 1 não é pra chegarmos em grandes conclusões. Nenhuma parte será nesse texto. Mas eu quero que tiremos algumas coisas dela.

1- Qualquer um pode contar uma boa história. Até pessoas horríveis. A correlação de “um filme é do bem, se foi feito por uma pessoa do bem” não existe. Não é realmente possível julgar a índole de um indivíduo com base no tipo de moral-da-história que ela coloca em seus filmes.

2- Apesar disso, a obra está conectada ao artista, pois a conexão da obra ao seu artista é lida como justiça, como o mínimo que o artista merece, numa indústria do entretenimento em que fama, prestígio e status são tão valiosos quanto o dinheiro. E questionar a conexão só depois que o artista estuprou alguém é tarde demais. Agora ele já está com todo o prestígio e status que lhe foi dado.

3- Não existe, nem nunca existirá, um filme individual em que possamos dizer que esse filme estar sendo transmitido no cinema e sendo indicado a prêmios como se nada tivesse acontecido é algo mais importante do que levar o crime que foi cometido com a devida seriedade e tratar as vítimas com a devida empatia. O melhor filme do mundo, individualmente, é só um filme. E um mero filme sempre vale menos que um ser humano. Se você sente que não, que tem uma mídia de entretenimento que é tão fundamental pra formação da sociedade e da cultura que justifica que se fechem os olhos pra abusos, atrocidades e injustiças, então a publicidade dessa obra fez um desserviço pra você. 

Não são três pontos que apontam todos na mesma direção. O primeiro ponto parece indicar que você tá liberado pra ir ver arte feita por criminoso sexual a vontade, mas o terceiro ponto parece dizer o oposto. Vamos olhar para outros ângulos desse assunto delicadíssimo. Mas antes de irmos pra parte 2, eu quero abrir um parênteses aqui ainda sobre a noção de “moral da história”, e mensagens embutidas em obras de arte.

Um pequeno parênteses:
A busca pela verdade.

Existe um vício que pega forte muita gente que seja por hobby ou profissionalmente, passa uma quantidade de tempo maior que a média debatendo e pensando a fundo de obras de arte. Que é o desejo de entender. De falar que entendeu. De não só explicar o que esse filme significou e quis dizer, como explicar e ter a validação de saber que você acertou! Que você encontrou a verdade ali! Que foi um quebra-cabeças que você desvendou, e chegou na resposta correta! Você entendeu!

Eu até queria falar que eu rejeito isso, mas a verdade é que nem eu estou imune a isso. E talvez você tenha me visto entrar nesse ponto em algum texto passado meu. É um vício, a gente acaba caindo nele. É frustrante. Queremos entender.

Mas uma imagem que eu tento colocar em vários textos meus, pra lembrar vocês, mas também pra me lembrar, é daquilo que Todd Chavez fala pra BoJack Horseman no último episódio da série BoJack Horseman.

Mas o ponto da arte não é menos o que as pessoas colocam nela, e mais o que as pessoas tiram dela?

Ou seja, o processo de interpretar a arte, misturar o que você está vendo com as suas experiências pessoais, ver como o que está sendo expressado te afeta, e encontrar uma interpretação que faça sentido pra você do que aquilo disse, é mais importante do que decodificar os códigos e entender o que o autor pensa de maneira objetiva.

E isso é por vários motivos.

Um deles é o que mesmo se o autor quiser propositalmente passar uma mensagem em sua obra, ele ainda é refém do fato de que se a única coisa que a gente diz nas nossas mensagens fossem aquelas que a gente conscientemente tentou dizer, então não existia terapia. Nós falamos coisas que não pensamos, nós ignoramos associações inconscientes que fazemos. E especialmente, nós projetamos elementos nossos na fala do outro pra achar que por algum motivo aquele tweet feito por um cara que nem me conhece estava falando sobre mim.

Esse filme não quis conscientemente falar sobre a pandemia. Mas objetivamente ele falou sobre a pandemia. Por coincidência do tempo em que foi lançado? Não importa.

O que leva ao motivo principal. Ao ver um filme, ou ler um livro, o autor não está lá pra te explicar o que cada coisa significa. E ele nunca estará. A arte existe pra ser absorvida sem as respostas no fim de tudo pra você conferir se acertou.

“Mentira Izzombie, o diretor explica o filme em vários contextos, nos comentários do DVD, nas entrevistas que ele dá, no livro que ele escreveu. Uma vez eu fui na mostra de cinema e numa sessão tinha uma conversa com o diretor em que ele explica que….” tá, tá, tá, isso é tudo verdade. Mas irrelevante, pois essas caças que nós enquanto público fazemos a ver o diretor falar e explicar seus filmes, como alguns de fato fazem, não são a experiência de ver o filme.

São só lição de casa.

Uma parcela considerável do público vai ver o filme sem essas coisas, pois elas não existem no filme, existem só fora do filme. E o filme é o que ele for pra essas pessoas.

O que significa que embora “se aproximar do que o autor quis dizer” até exista. Não tem importância, pois o que o autor quis dizer não é tão importante. O importante é o que foi dito. E o que foi dito é o que o público ouviu. E se o público for um bilhão de pessoas, então tem um bilhão de coisas diferentes ditas, pois cada uma ouviu algo diferente, mesmo que seja uma diferença sutil.

Não existe verdade, certo ou errado em interpretação. Existe viagens na maionese e interpretações pé-no-chão, mas não existe verdade. E o autor oferece somente uma das várias interpretações. Pois depois que a obra está feita, ela pertence ao mundo.

Você pode abrir a internet e ver uma chuva de “Drag me to Hell é sobre bulimia”, ou “Alien é sobre estupro e gradivez”, “The Phantom Menace é sobre o Jar Jar Binks sendo o sith secreto o tempo inteiro” ou “It Follows é sobre a sífilis” e nada disso está certo ou errado. São interpretações. São lentes com as quais podemos ver os filmes. Algums lentes deixam o filme melhor outras pior e isso é tudo subjetivo.

Eu fiz aqui um texto falando que eu sou contra, absolutamente contra a interpretação de ver It Follows pela lente das DSTs, esse texto não é pra encontrar a “verdade” e passar pra vocês. A verdade não existe. O que esse blog pode fazer é falar sob que lentes eu vejo as obras, e ajudar você a se guiar em por que lente você vê elas. Mas eu não estou declarando que interpretações que eu não tive estão erradas. Não existe errado, eu só estou elaborando na maneira como eu vi.

Pois muita gente desmente interpretações com “ah, mas o autor não queria isso”. Tá, mas a interpretação dele é só uma. Depois que ele lança o filme, ele já disse tudo que ele tinha que ter dito, agora é o público que decide o que fazer com o que foi dito.

O que nos leva a parte 2.

Parte 2:
A Morte do Autor e as relações parassociais.

Em 1967, o crítico literário francês Roland Barthes publicou um texto chamado “A Morte do Autor”, e ali ele propôs que um texto literário deva ser julgado exclusivamente pelo seu texto, e que não devemos analisar arte sob a perspectiva de “mas o que ela diz sobre o autor?” E aí em dezembro de 2018 a youtuber Lindsay Ellis fez um vídeo questionando como esse conceito poderia existir em um mundo em que autores tem a presença online massiva e as relações parassociais que eles possuem. E a perspectiva de ver como isso dialoga com a presença de autores sociais me deixou pensativo por anos.

Ela também aponta como a morte do autor tem sido usada por gente não envolvida com perspectivas acadêmicas na literatura que estão menos interessadas em uma perspectiva de como se relacionar com obras de arte, e mais em uma maneira de aliviar nossa culpa. De abstrair a ideia de que nossas obras favoritas possuem um autor e esse autor pode ser um estuprador, pois ela permite desconectar o texto dele.

E tem várias outras pessoas que deram seus pitacos a respeito de como aplicar ou não aplicar a Morte do Autor, pois pessoas diferentes têm perspectivas diferentes de como ler uma arte a respeito do papel do autor. Não existem regras de como colocar o autor na sua experiência, tem guias. Pois não tem jeito certo ou errado de se envolver com artes, mas podemos seguir guias que nos ajudam a achar o nosso jeito.

E essa guia que é a Morte do Autor foi pensada por franceses que não poderiam possivelmente imaginar o que seria o twitter. Embora a Beatlemania já estivesse explodindo, então presumo que eles estavam começando a entender o quão bizarras podiam ser relações parassociais. Que é o ponto que a Lindsay apontou no vídeo, que é o ponto que mais me intriga.

Vivemos em uma época em que parte da experiência do fã e a de celebrar o autor também. De ter a presença online e social desse autor como parte de como se conectar com outros fãs. Apesar do George R. R. Martin não lançar o bendito sexto livro de A Song of Ice and Fire faz 13 anos, esses 13 anos sem livro foram anos em que ele constantemente trocou com os fãs da franquia, e praticamente não conseguiu dar um peido sem os fãs notarem que ele aparentemente está peidando mais que escrevendo.

George R. R. Martin tem sido vocal em relação ao quanto ele não aprova algumas decisões feitas na série de Game of Thrones e House of the Dragon, e alguns fãs acham que a insatisfação de Martin é motivo pra insatisfação dos fãs. E outros fãs acham que ele é um velho gritando com a nuvem. E outros estão em uma gama de meio-termos. Não existe um consenso real de até que ponto, cabe ao Martin reclamar de que qualidade ficou a adaptação do trabalho dele, fãs pendem pra vários lados. Mas mesmo pros fãs que não ligam, que acham que ele não tem que pistolar com House of the Dragon, não conseguem negar o fato de que cada vez que o Martin posta no blog dele, isso é notícia de grande relevância.

Ou seja, mesmo se formos capaz de separar as opiniões pessoais do Martin da maneira como nós apreciamos as séries, e tratar ele só como um velho qualquer, mesmo quem faz isso, não é capaz de remover a presença massiva dele, em seu status de celebridade, na comunidade de fãs. A comunidade de fãs de Game of Thrones é uma comunidade de fãs pessoais do George R. R. Martin. Ele é uma celebridade, todo mundo sabe quem ele é, e ele passa uma certa quantidade de tempo exercendo trabalho de só ser celebridade, dando entrevistas e aparecendo em convenções em que pessoas vão só pra ser ele.

Cá entre nós acho que isso é parte do motivo pro ritmo de escrita dele ter diminuído tanto. O quanto ele conseguiu um segundo emprego, e esse segundo emprego é “ser uma celebridade em tempo integral”

Um fã pode separar as opiniões dele de Game of Thrones. Está no poder do fã. Mas não está no poder do fã separar ele da franquia, de maneira em que o que ele faz ou deixa de fazer deixa de afetas os fãs da franquia. E talvez desse se estivéssemos nos anos 1980. Porque pra sermos justos, o primeiro livro veio em 1997, e seu status de celebridade mundialmente reconhecida veio em 2011 quando a série de televisão explodiu o alcance dele.

Eu não sei o quanto os fãs dos livros nos fóruns já giravam todos em volta dele ou não, mas ele não era a figura pública que era hoje. A dinâmica dele com um público surrealmente grande mudou.

E se, hipoteticamente, ele cometer algum crime sexual amanhã. Não vai existir Ctrl+Z. Vai ser tarde demais pra alguém virar e falar “eu acho que Westeros existe pra além da influência dele.”, para falarmos que ele não é parte da maneira como Westeros é apreciada, pois já criamos uma comunidade em volta dele. Já está criada. O ato de engajar socialmente com Game of Thrones não permite que você “nem saiba direito quem é George R. R. Martin”. E por isso se algo mudar a imagem pública dele, vai mudar a imagem pública da série.

E a gente mantém eles ali, pois é divertido. Gostamos de cultuar autores. A gente ama falar que não sei qual autor é um literal gênio. Pra cultura de fandom é fundamental amar o autor.

Se conectar com o autor é um dos propósitos pra se ser parte de uma cultura de fandom. Como é possível separar? É possível ignorar uma interpretação do autor. Por exemplo, o Guillermo Del Toro veio a público rejeitar qualquer interpretação de que o Fauno do Labirinto do Fauno não existe e é só escapismo de uma criancinha perturbada pelo fascismo. Ele veio insistir que o Fauno literalmente existe, e o público pode ignorar isso a vontade.

Mas ignorar isso não faz o fandom do filme se importar menos com a presença do Guillermo del Toro. Em usar o filme como forma de se conectar com ele pessoalmente, se sentir parte do mundo pessoal dele,, de criar um fandom que gira em torno de ver os filmes dele e comparar os filmes dele. De se interessar por ele.

E isso não precisa ser ruim. Eu não sou nada fã de como relações parassociais se desenvolvem na era da internet, mas ao mesmo tempo, nada disso é o problema em si. Mas faz muita gente feliz. Deixa os garoto brincar também. É só a ideia de que. Fandoms funcionam assim. Nenhum fandom é construído tendo como base desinteresse no autor, e na ideia de que se o autor fizer uma aparição pública falando sobre a obra ninguém vai ouvir. Todos vão ouvir, mesmo se alguns acreditarem que tem o direito de ignorar e discordar do autor.

Mas é o fato de que todos paramos pra ouvir que conecta a arte ao artista. E impede que eles sejam vistos separadamente. Se o Christopher Nolan cometer um crime hediondo no futuro próximo, vai ser possível falar “eu não preciso dele pra entender Inception”, mas não vai dar pra desfazer o culto de personalidade que construíram em torno dele.

Não dá pra deslamber as bolas dos artistas. Então não dá pra separar a arte do artista, só porque queremos fingir que não conectamos ela. Você individualmente pode separar a arte do artista, mas o fandom e a comunidade não conseguem mais. Ou melhor, eles conseguem, o que eles não conseguem mais é separar a identidade deles, enquanto pessoas que se definem socialmente como consumidores daquela arte, e se separarem desse artista mais. Separar arte do artista, as vezes é uma tentativa de separar o artista da experiência do fandom, e isso não dá mais.

Agora, o lance das relações parassociais é que elas raramente atuam na perspectiva de que esse autor sendo celebrado é um ser humano. E essas relações existem pra não funcionar assim. A gente espelha na ideia dessas pessoas serem talentosas, uma série de exigências de que essa pessoa se adéque as nossas expectativas de fãs, e caso não se adéquem, a gente vê esses artistas como ingratos aos fãs.

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E nessas exigências, a gente põe a pressão da perfeição. Neles. A gente projeta a perfeição moral nas celebridades. Nós somos meros mortais, mas eles, eles são pessoas com talento, com inteligência e com integridade moral. Eles não são humanos normais como eu e você, eles são melhores que eu e você, e eles são a prova viva de que o mundo é bom, pois pessoas admiráveis moralmente existem.

E quando misturamos isso com histórias de como alguns eram pessoas comuns que ascenderam a fama, eles são lembretes, de que eles viraram deuses e de que nós também podemos virar. Nós somos educados a querer o estrelato, a fama. E muita gente nessa área ativamente busca esse status, busca essa ascensão e poder. Inclusive os próprios fãs que buscam virar estrelas eles próprios se tornando produtores de conteúdo e mantendo a admiração por estrelas viva.

E pra quebrar essa ilusão não é só cometendo um crime sexual que você causa frustração desproporcional. Pode ser estapeando uma pessoa pra defender sua mulher, pode ser tendo um relacionamento aberto, pode ser querendo não dividir sua intimidade com os fãs.

Pode ser não escrevendo um bendito sexto livro também, algo que alguns fãs veem como uma quebra de contrato. Vale pra mangakas em hiatus também tanto quanto pra autores.

Quando mais claro parecer que debaixo do personagem fictício da vida pública existe um ser humano palpável com depressão, burnout, relações complicadas, traumas que não quer dividir com o público, maior o choque e a raiva do fandom.

Separar a arte do artista é muito complicado, pois tem muito mais coisa conectando a arte ao artista do que a gente acha.

Mas apesar disso, a grande verdade nesse mundo é que arte e artista já estão separados. Eles estão bem separados já. Vamos falar sobre o quão separados eles já estão.

Parte 3:
A diferença do autor da obra pro dono da obra.

Vamos lá. A gente pode debater horas e horas como conectar ou não conectar as opiniões do George R. R. Martin a respeito de House of the Dragon. Se o que ele diz é a voz de Deus, ou se a opinião dele é só mais uma que não vale mais ou menos que a minha. A gente pode debater que peso dele deveria ter. Mas a real, a real mesmo, é que ele só perde o tempo dele reclamando no blog dele que a série fez algo que ele não queria, pois ele foi separado dela. Legalmente separado no dia em que vendeu os direitos pra HBO pra transformar a franquia em algo muito maior que uma série de livros aonde a opinião dele não ia valer uma porra.

Ele tem total liberdade de escrever o que quiser em livros futuros e seguirá sendo o guia do universo, como um consultor em todas as adaptações e como um “guru” pros fãs decidirem o que validam como canônico ou não. Mas assim, o mundo de Westeros pertence à HBO agora, e isso significa que se eles quiserem fazer uma série nova composta só por elementos que o Martin rejeitaria, eles podem. E o Martin não pode fazer nada a respeito.

Esse é exatamente o motivo dele estar indo no blog dele falar que não gosta dos rumos de House of the Dragon, Porque ele está separado de Westeros. Por mais sucesso que os livros façam, a franquia ganhou uma exposição muito maior que os livros possuíam, e virou uma franquia, e agora são um universo de várias séries se conectando, que existem sem a permissão ou controle dele.

Remover o autor da equação é uma parte importante pra fazer uma história fazer a transição de deixar de ser um nicho maneiro que você e seus amigos curtem cujo sucesso é relativo pra ser parte de uma franquia bilionária com um poder assustador na maneira como impactam a cultura pop, e cujo consumo se torna a identidade pessoal de vários nerds. Se pegarmos as principais franquias do mundo, elas não estão na mão de seus criadores, elas não estão nem sequer na mão de pessoas individuais, elas estão nas mãos de empresas. Empresas cujos donos são CEOs, que vão trocando e nem vamos percebendo.

O Satoshi Tajiri, criador de Pokemon não é o presidente da The Pokemon Company que é quem toma as decisões dos rumos da franquia. O Satoshi Tajiri existe separado da franquia. Assim como o Akira Toriyama existia separado de Dragon Ball GT, mesmo que ele tivesse permissão pra ser consultor de Dragon Ball Super, a verdade é que a franquia não depende dele pra prosseguir. O George Lucas tem zero influência quanto ao que pode ou não acontecer no episódio X de Star Wars, nada depende dele.

E sempre foi assim. Sabemos que os criadores do Superman morreram pobres, mesmo tendo criados um dos grandes ícones da cultura pop.

Por que isso é importante? Pra nos lembrar da existência dessa figura chamada: “O dono da obra”. O autor da obra consegue prestigio e capital cultural da obra, mesmo se ele for separado legalmente do dinheiro que circula na obra, e da capacidade de produzir continuações e manter o personagem vivo. O George Romero capitalizou sua reputação como criador de A Noite dos Mortos Vivos, mesmo tendo lançado o filme diretamente no domínio público e nunca tendo controle sobre o filme. Ele transformou prestígio e boa reputação em dinheiro, pois ele não podia transformar a bilheteria do filme e o comércio do filme em dinheiro. E por mais que autores ganhem dividendos, capitalizar em reputação é a principal fonte de poder do autor da obra.

Mas existe um fator chamado rios de dinheiro que são reservados ao dono da obra. E o dono da obra é a pessoa que de fato detém controle sobre em que termos uma obra pode ser ou não adaptada. O dono da obra é quem derruba seus vídeos no youtube por usar material não autorizado. Praticamente toda franquia no mundo está fora das mãos de seu criador, e nas mãos de uma empresa. E essa empresa é uma empresa. Seu CEO controla os rumos da franquia, mas a gente dificilmente tem decorado quem são os CEOs das empresas. Eles não são figuras muito famosas e não costumam gozar dos benefícios de serem celebridades.

Quantas vezes você já viu o CEO da Netflix numa Comic-Con dando autógrafos?

E muitos deles afundados em bosta até o pescoço, como é a vida de um empresário

Por exemplo, vamos falar de Bob Chapek. Que era CEO da Disney até dois anos atrás. Ele é a pessoa que ficava com a maior parte do dinheiro de TUDO que envolve Disney. Seu pacote do Disney +, sua ida no cinema pra ver Marvel, sua lancheira de Star Wars que você compra, e suas férias na Disney. Esse dinheiro vai pro bolso dele como lucro, e viram o dinheiro dele que como ele gasta ou deixa de gastar é assunto somente dele. É assim que dinheiro funciona.

Mas no caso o que ele faz é levemente mais público. Ele usa pra financiar campanhas políticas de parlamentares homofóbicos que tentaram passar uma lei anti-gay na Florida. Tudo financiado com os lucros da Disney. A Disney põe propaganda pró-gay, mas seus lucros facilitam a aplicação de homofobia na Florida. E bem…. Ele não tem conexão emocional real com o Mickey, não significa nada pra ele por um shorts arco-íris no Mickey no mês da visibilidade LGBT. Ele não é o autor. Mas ele é quem decide o que vai virar o dinheiro. E vai virar homofobia.

Ou pode virar doações pra Israel, mas isso não foi feito em nome do CEO, foi feito em nome da empresa. Lucros do Star Wars todos indo pra Israel pra dar apoio a um genocídio. Seu dinheiro de consumidor indo cumprir esse papel.

O que o George Lucas tem a ver com isso? Nada!

Porque a real é que, separar o autor da obra é fácil. Existe um limite pro quanto mal o autor consegue fazer usando sua obra. Esse limite é capitalizar em seu prestígio e status de celebridade pra predar sexualmente em pessoas que não vão se sentir tendo poder de não consentir, ou vão ceder a pressão de ficar em silêncio perante os avanços de uma celebridade. Depois usar sua influência e poder pra silenciar pessoas e manter seus podres escondidos. É grave o suficiente e destrói vidas. Mas é um limite. Disso não passa. Mas quando saímos do autor da obra e vamos pro dono da obra, não tem limites, a obra pode ser usada pra financiar um genocídio, pode financiar a cura gay, pode financiar a ascensão do fascismo. Entra no degrau acima de influência política. Nenhum diretor de cinema financia do próprio bolso um golpe de Estado, isso são os CEOs que fazem.

E no centro dessa distinção está ela mesma. A filha da puta da J. K. Rowling. Que é uma exceção dessa dualidade de dono e autor da obra, pois ela é ambos. Harry Potter é a única franquia massiva da cultura pop que segue nas mãos de sua autora. J. K. Rowling é a presidente da empresa que administra o uso da imagem do Harry Potter, e embora a Warner administre a imagem dele pros filmes separadamente, o poder da Rowling em administrar sua franquia na posição de empresária acima da de escritora é algo que não chega aos pés do que um George R. R. Martin ou George Lucas fazem.

E eu quero falar:

Talvez, dependendo de você, você consiga separar o autor da obra na sua cabeça. Mas você NUNCA deve separar a obra de seu dono! Nunca deve abstrair o que significa uma franquia encher os cofres de um empresário da indústria do entretenimento.

Eu tenho certeza que não preciso explicar isso, mas a casa dos bilhões de dólares coloca o dinheiro que circula nesses filmes numa casa hiperbólica demais pra estar no controle de gente que financia que leis passam e que leis não passam, ou qual país lado de uma guerra vai receber apoio financeiro da sua empresa.

E que nenhuma racionalização que você faça pra conseguir ouvir uma música do Michael Jackson ou ver um filme do Kevin Spacey é aplicável à Harry Potter e a J. K. Rowling. Ela está se associando com figuras influentes do fascismo inglês, está enfiando seus milhões em políticas e está coordenando ações anti-trans na Inglaterra. Ela é uma figura política perigosa e todo seu perigo é financiado por fãs de Harry Potter.

A lógica dela é incomparável à lógica de qualquer outro artista aqui mencionado, e isso tem que estar claro.

E enquanto artistas são celebridades que a gente sempre sabe o que eles estão fazendo, querendo ou não. CEOs são figuras que a gente só sabe o que faz dando os google, mas que estão absorvendo o poder real de cada filme que você assiste. Se o filme da Barbie foi uma maneira de Greta Gerwig expressar suas ideias, foi uma maneira de dar poder também ao CEO da Mattel, Ynon Kreiz, que é quem vai decidir quais serão as consequências da boa reputação desse filme.

CEOs não são artistas e são inseparáveis de suas obras…. A menos que elas não tenham um CEO por serem domínio público. Artistas são separáveis, alguns são separados pelos próprios CEOs. Nunca esqueça disso na hora de debater o aspecto de “pra quem está indo o lucro?”

E papo sério, essa parte não é só pra puxar a orelha de quem acha que a J. K. Rowling é inofensiva. É pra lembrar que a J. K. Rowling faz o que ela faz com uma das maiores franquias do mundo, e a Disney faz a exata mesma coisa com várias outras. Harry Potter não está fora da caixa. Star Wars, Marvel, Pixar, Princesa Disney todos são obras cujos lucros financiam a homofobia nos Estados Unidos. Não importa se chamaram um diretor LGBT pra colocar pautas LGBT no roteiro, o dinheiro no fim das contas vai pro lobby de leis homofóbicas. E assim como chamarem uma diretora trans pra série de TV não vai limpar a barra de Harry Potter, nada vai limpar a barra da Disney.

E a gente precisa estar de olho nisso. Pois é fácil saber quem é a dona de Harry Potter. É facílimo, ela é uma dona de obra que é uma celebridade. Mas não é fácil saber quem é o dono da Disney, quando ele muda a notícia é discreta. A gente presta pouca atenção em quem ele é, mas ele é em vários anos, o cara que mais fez dinheiro em Hollywood.

E qual o poder desse lucro? Afinal acho que o que estamos falando aqui é sobre poder.

Parte 4
O artista e o poder:

Em novembro, os estadunidenses irão votar em seu próximo presidente, e um dos candidatos é Donald Trump, que foi presidente de 2017 a 2021. Antes de ser o presidente, Trump era uma celebridade muito conhecida nos EUA, que fazia participações especiais em Esqueceram de Mim, Um Maluco no Pedaço, Os Batutinhas, Zoolander, Sex And the City e por aí vai…. Ele tinha o próprio Reality Show e era uma das figuras mais carismáticas do país. Ele também era um aberto misógino, um mascote da cultura do estupro e um criminoso sexual com suas denuncias de abuso que usou sua fortuna e seu status pra abafar todos os casos, como muitos outros homens com poder fizeram. E todo mundo sabia disso. E depois de décadas ameaçando aplicar seu carisma e os fãs de sua irreverência ao pacto social pra política, ele de fato fez isso, e virou o presidente.

Ele não é a primeira celebridade a fazer isso, pois Ronald Reagan fez isso e virou um presidente que até hoje é o guru da direita estadunidense. E eu gostaria que ele seja a última, mas sou obrigado a mencionar que Kanye West está tentando muito.

Naturalmente vivemos em uma democracia representativa, e esse sistema diz que é importante que qualquer um possa ser o presidente, independente de sua origem. Que ser político não é somente pra quem fez faculdade de economia, pode ser um torneio mecânico e pode ser uma celebridade.

Mas celebridades tem uma chance muito maior de conseguir entrar nesse mundo do que torneiros mecânicos. Do Arnold Schwarzenegger nos EUA ao Romário ou ao Tiririca aqui no Brasil, a gente vê que fama é muitas vezes um atalho forte pra fazer celebridades conseguirem poder real com muita facilidade. Política e entretenimento se misturam com mais facilidade do que estamos confortáveis.

Afinal de contas, se uma pessoa é famosa, ela é, por consequência, importante. E se ela é importante, ela tem coisas a dizer. E aqui eu quero deixar claro que eu citei um monte de arrombado que fez merda na política, mas eu não quero fazer o juízo de valor. A fama pode dar voz pra pessoas que falam coisas que merecem ser ouvidas e que tem muito o que dizer. Pra cada Alexandre Frota temos um Jean Wyllys.

Aliás, vamos sair aqui da implicação de que o poder da fama é algo que se manifesta só quando eles são eleitos pra alguma coisa. Pra cada Pelé temos um Mohammad Ali. Agora sim.

E eu quero deixar uma coisa clara. Seja afiliar-se a pautas fascistas, seja cometer crimes sexuais hediondos, celebridades fazem essas coisas, pois eles têm poder. Violência sexual é sobre relações de poder, e não sobre tesão, como bem sabemos, pois se não é senso comum a esse ponto, tem que passar a ser. E diversas más condutas sexuais de celebridades, desde as que são crimes hediondos explícitos, até as que são só canceláveis nas redes sociais, mas tem a ver com a maneira como eles usam sua reputação, fortuna, glamour e acesso a um novo mundo pra impressionar e coagir pessoas a aceitarem coisas que não aceitariam em outros contextos.

Eles tem os meios pra pressionar pessoas que não querem consentir ou não tem a capacidade de consentir a coisas, por serem celebridades. Por serem pessoas com poder.

Os motivos pelo qual um rockstar é uma pessoa qualificada pra ir na televisão explicar quais rumos políticos o mundo deve ir é exatamente o mesmo motivo pelo qual é fácil pra eles convidar garotas de 15 anos a se drogarem e dormir com eles. É por causa da aura e da mística deles. Aura e mística que foi dada a eles, por nós, enquanto público, como a divina recompensa por ter feito um dos melhores álbuns da história da música.

Eles criam suas artes, a gente recompensa essa arte com poder, aura, e visibilidade surreal, que permite que eles se tornem figuras muito influentes do dia pra noite. E aí quando alguns usam esse poder pro mal a gente olha de volta pra arte… mas não pensa em quanto poder a gente dá pra essa turma.

Aí se morre o Sílvio Santos, e alguém quer denunciar a cumplicidade que esse agente político que por pouco não se candidatou à presidência do Brasil, teve com nossa ditadura militar, respondem “mas apesar disso, ele foi um dos maiores nomes da televisão, né? Tem que respeitar.”

Mas aí eu juro que olho e pergunto: por que ser um dos maiores nomes da televisão é algo que se equilibra com ser cúmplice da ditadura? Por que ser um dos maiores nomes da televisão é tão importante?

Porque nos trazer o pentacampeonato dá pra uma pessoa o direito de se tornar um dos mascotes de um golpe parlamentar, e isso não ser uma mancha negra na carreira?

Desculpem meu radicalismo, eu literalmente vivo pela arte, e acho ela um dos aspectos mais relevantes que existem no mundo, mas… eu de verdade não consigo ver ela como algo digno de dar poder pra alguns indivíduos de repente terem tanto poder com as massas. Não acho uma troca que vale a pena. Me sinto deixando o menino da porteira morrer e fingindo que não vi, só porque quero ouvir o berrante do boiadero.

E eu não sei quem culpar, não sei se é o capitalismo que mudou nossa relação com arte, ou se na era vitoriana o Shakespeare já tinha esse tipo de poder de usar seu status de mega celebridade pra juntar multidões e abusar de mulheres. Eu não sei mesmo.

Mas eu observo que qualquer organização pilantra, procura e abraça qualquer afiliação de celebridades como maneira de se legitimar e de convencer pessoas anão suspeitarem de pilantragem. É bem documentado o uso que a Igreja da Cientologia, faz do Tom Cruise pra promover a organização e recrutar pessoas que não acreditam que uma pessoa que faz as próprias cenas de ação em Missão Impossível poderia se envolver com organizações do mal.

Por isso que eu acho que inclusive, embora ambos sejam figuras públicas que sempre tenham tido podres e que mereciam nossa desconfiança desde lá atrás. Eu não gosto muito de como olhamos o passado de Elon Musk e J. K. Rowling procurando pistas de que eles sempre foram dois nazistas disfarçados e infiltrados na sociedade.

Pois pra mim é muito visível como essas duas pessoas, ambas da classe de bilionários, com um pé em várias ideias erradas, foram deliberadamente radicalizadas, ao longo dos anos, por grupos que incentivaram opiniões ignorantes deles pra torná-los porta-voz dessas ideias, e ganharem uma celebridade. Os dois terem caído na retórica anti-trans, fez eles apertarem as mãos de gente que eles nunca apertariam as mãos em público 15 anos atrás. Mesmo que já fossem bilionários cagados. Mas agora, eles são pessoas que usam seus recursos, dinheiro e poder pra deixar o mundo mais fácil pros fascistas. E a gente pode observar como eles mudaram a brand pessoal da pessoa pública deles com os anos e foram se envolvendo com um discurso.

Nós podemos é claro falar, que se eles não fossem pessoas problemáticas 15 anos atrás, eles não teriam caído na retórica anti-trans eventualmente, que catapultaria eles pro fascismo explícito. Podemos falar que o trajeto estava encaminhado por outras ideias tortas de bilionário. Claro que podemos, até porque é verdade. Mas quem lê Harry Potter hoje procurando indícios de que era uma fascista escrevendo, vai ignorar o ponto de como radicalização funciona, e como a extrema-direita coopta celebridades na busca de porta-voz.

Eu acho que o filme American History X, é um grande serviço a nos falar como a disseminação do fascismo funciona, pois muita gente pensa que é uma questão puramente ideológica, o jovem um dia lê um livro nazista e pensa “Pô, concordo”, então ele é isso aí. Mas tem gurus, tem socialização, tem grupos e segmentos, e tem literal predação em jovens, pessoas que se aproximam de jovens tímidos pra falar que estátuas gregas são bonitas, que o feminismo tem feito ele não conseguir comer mulher ou que o mundo está mais degenerado e sexual do que na geração dos pais dele, ou que a visão de gênero de pessoas trans é maluquice. E com isso seduzi-lo para companhias em que o fascismo é naturalizado. E a gente pode xingar quem foi cooptado, mas eu sinto que a gente acha mais confortável pensar “mas se eles caíram no primeiro papinho, eles já eram gente ruim em primeiro lugar”, e pode ser mais confortável, mas é menos produtivo.

Embora eu tenha um texto aqui falando que a Rowling achava que estava criticando o fascismo, mas não era realmente capaz de entender como ele funcionava, sobrevivia e resistia. E isso pode ser um bom sinal de que ela não seria capaz de resistir ao seu apelo no futuro. Mas eu de fato não acho produtivo ignorar como radicalização funciona. Pois reforço, o que rola com celebridades pode rolar com gente que você conhece.

Assim como o seu tio que virou Bolsonarista podia já ter umas ideias bem torta em 2004, mas ainda não era um Bolsonarista, e você vê que ele entrou numa espiral de loucura de uns anos pra cá. Entrou em uns grupos de Zap, foi pescado com pautas menores que ele concordava que colocaram ele numa teoria da conspiração que faz hoje ele parecer que vive em outro mundo.

Mas seu tio não aparece nos Simpsons dublando a si mesmo.

Conclusão.

Em 2020 estreou a série de televisão Lovecraft Country. A série adaptava muito da mitologia e das criaturas descritas por H. P. Lovecraft. Lovecraft foi um escritor de horror muito influente, um intelectual muito influente e uma figura de muita relevância pra literatura. Simultaneamente, ele foi um enorme racista, e passou muito de sua perspectiva racista pros seus livros, onde descrições tenebrosas sobre pessoas negras podiam ser encontradas. E conforme o público se tornou mais perceptivo quanto ao fato do racismo dele ser inaceitável, isso complicou a relação de muita gente com os livros. Porém, a série adaptando os livros é uma história contada da perspectiva de pessoas negras, e que reconhecendo os horrores das visões do autor, usa seus personagens pra contar uma história anti-racista.

O Lovecraft foi devidamente separado de sua obra nessa série, em que os personagens se sentem confortáveis em admirar a obra, serem vocais ao desprezar e condenar o racismo do autor, enquanto os criadores usam o legado do autor pra focar em temas e fazer comentários que ele jamais faria.

E o que aconteceu aqui? Duas coisas aconteceram.

A primeira é que Lovecraft está devidamente morto. E ele jamais vai ganhar poder com as adaptações do seu trabalho, pois ele não tem poder. Ele se foi. Nunca vamos ver o Lovecraft tentar usar sua fama pra ser o presidente.

E a segunda coisa que aconteceu é que a obra do Lovecraft entrou no domínio público em 2008. O que significa qualquer um pode recontar a sua obra a partir de outra perspectiva.

Motivo pra ter tanto jogo de tabuleiro do Lovecraft por aí.

Um artista morto incapaz de fazer coisa alguma com sua influência e uma obra livre que pertence a qualquer pessoa sem o controle de uma empresa, permitem que o racismo que existia na obra em sua primeira encarnação seja separado da maneira como ela é utilizada.

E talvez aquilo que realmente tenha o maior poder de separar o artista de uma obra, seja outro artista, pondo as próprias mãos naquela obra. Na 34ª temporada de The Simpsons, temos um episódio de Halloween com um segmento extremamente metalinguístico, em que os Simpsons tentam escapar de viver repetindo o legado de suas temporadas mais populares e buscam independência pra serem o que quiserem sem ter que dar satisfação a fãs nostálgicos. Ao fugir do parque temático dos Simpsons onde estavam presos, Marge passa por uma estátua de Matt Groening dando as mãos pra Bart Simpson.

Que é inspirada na estátua real de Walt Disney dando as mãos pra Mickey Mouse que existe na Disney de Orlando e que eu usei como a imagem principal do texto.

Enfim, Marge passa por essa estátua, e remove Matt Groening da estátua, declarando o desejo de existir fora da sombra dele, e bem, Marge é fictícia, mas essa cena é uma declaração metalinguística clara de uma equipe de artistas que estão separados de Groening, pois ele não se envolve mais com os Simpsons. Mas não estão simbolicamente separados de Groening, pois os fãs exigem ver a sombra dos episódios clássicos em toda ideia moderna nova. E eles próprios querem separar os Simpsons do Groening.

E por terem o poder de escrever episódios d’Os Simpsons, eles podem. E se qualquer um pudesse escrever episódios de Simpsons qualquer um poderia. Propriedade intelectual e direitos de uso garantem que mesmo quando a arte não estiver presa ao autor, ela estará presa a alguém, e portanto você não tem acesso a ela pra separá-la de ninguém.

Em qualquer outro exemplo, tudo depende.

E depende de relações de poder com a obra. Porque na real, na real mesmo. Esse debate nunca é sobre o que você pode assistir ou não. Você pode assistir o que quiser, está em seu poder. Não tem ninguém indo no seu quarto te olhar enquanto você lê Rurouni Kenshin. Ninguém te cancelou nas redes sociais pelo tipo de pornografia que você usou pra bater sua última punheta, e as coisas que você assiste de entretenimento são feitas na mesma privacidade.

Mas quando os fãs engajam nesse debate nunca é sobre ter permissão pra ler. Ler é privado. É sobre ter permissão pra celebrar. Pra engajar nessa propriedade intelectual como uma extensão de sua identidade. Pra ser aplaudido por consumir.

É ver influencer, que ganha a vida acumulando fama e carisma só falando o que ele consome e o que ele não consome, exigindo seu direito de ir pro parque do Harry Potter ou de fazer live jogando o jogo de Harry Potter. Ele não quer ler. Ele quer promover a si mesmo como um fã, pois sua brand pública é a de um fã. E isso é um ato, em que você dá poder pra Rowling, pra pegar uma fração do poder dela pra si. Sua fama não é derivada da história que você conta, é derivada de como você reage a história dos outros, e aí você depende da história dos outros.

Tem sido o problema de muita gente. É menos um “eu me sinto bem vendo essa arte aqui, quero seguir vendo” e mais um “eu quero que ninguém me condene quando eu por nas redes sociais que essa obra é essencial.”.

Mas ó, eu não estou aqui pra ditar regras não. Eu não mando em ninguém. E eu pessoalmente acredito que a estratégia do boicote é uma estratégia ineficaz se não boicotarmos também os cúmplices, ou seja, as pessoas que não tem denuncia, mas ficaram em silêncio e acobertaram abusadores. E na indústria do entretenimento, isso é todo mundo. Isso é nunca mais ver filme ou ler mangá shonen na vida.

Eu acho que a indústria do entretenimento é podre. Os produtores são podre, as exigências irracionais e tóxicas que os fãs fazem das celebridades pelo bem das relações parassociais são podres, o número de abuso em prol do profissionalismo que são permitidos nos bastidores é podre, e a maneira como a cultura do estupro e da masculinidade tóxica é difundida ali sem questionar é podre. E isso tudo forma uma grande bolota de podridão e de incentivo a podridão que é perverso e tira o pior dos envolvidos. E por mais que eu acredite que existem linhas graves que são cruzadas, em especial a da violência contra a mulher. Eu acho que tentar cortar o Johnny Depp fora, como se fosse a parte amassada da maçã, e falar que dá pra salvar o resto errado. Ignora a origem do problema. A gente tira a parte do problema que é impossível fingir que não viu e insiste que o resto tá ok.

E ignora que a maneira como nós enquanto comunidade tratamos esse mundo.

E principalmente nos focamos em soluções customizadas pra nós, de “qual é a racionalização que eu faço da situação que não me deixe culpado de assistir um filme do Woody Allen? Quero ver sem sentir que eu sou parte disso.”

Eu a nível pessoal lido com isso tentando de fato desconectar os ideias do autor de toda obra, e não participar de culto a celebridades. Eu tento não celebrar gênios, não ser parte de exércitos, e enfatizar que eu não realmente ligo pro que o artista disse que a obra quer dizer, que eu priorizo o que eu entendi da obra. E tornar a obra dos fãs nesse processo. E no limite de eu ser uma só pessoa, eu tento reduzir quanto poder eu dou pro autor, que não é meu amigo, é só uma pessoa comum, e como tantas outras pessoas comuns, tem chances boas de ser uma pessoa horrível.

E eu acho importante nunca deixar de mencionar os crimes que um autor cometeu antes de falar de sua obra. Nunca mesmo. Nunca deixar no não-dito.

Mas eu não estou instruindo vocês a fazerem o mesmo. Pois eu não presumo estar certo, nem acho que sou referência moral, e isso ainda é racionalização de culpa, como qualquer outra.

Mas eu sinto que embora eu não tenha nenhuma resposta pro problema, só a minha própria maneira de atuar. Eu sinto que esse é um problema que é muito debatido, e não realmente analisando o quão embaixo é o buraco.

É um bueiro entupido de lixo no meio da nossa relação com cultura. E de tempos em tempos uma enchente ataca a gente, mas e tem mais gente querendo comprar um barco pra aguentar a próxima enchente do que olhar pro bueiro entupido.

A gente pode separar a arte do artista. Mas a gente pode separar também o artista da posição de poder que seu status de celebridade lhe proporciona. A gente pode separar a arte do dono da arte. A gente pode sabotar a indústria do entretenimento como um todo. A gente pode trabalhar uma nova relação com a cultura pop, em que não permitimos que um livro de escola de bruxos seja literalmente nossa identidade pro mundo. E a gente pode separar nós mesmos do quão emocionalmente dependentes somos de cultura pop. Repensar quanta importância um filme ou uma série específicos realmente devia ter na vida de um ser humano.

Ou a gente pode continuar todo ano colocando um artista novo na lista de “não falamos sobre ele” na hora de transformar nosso consumo de mídia na nossa identidade.

Eu não quero que obras boas, com boas mensagens, e bons pontos de debate paguem o pato por seus atores serem parte da cultura do estupro. E eu acho que é possível organizarmos nossa cultura pra elas não precisarem pagar. Mas ao mesmo tempo, eu acho que lutar contra a cultura do estupro é tão mais importante do que assistir filme do Polanski, que se o preço for esse, se não conseguimos mudar a maneira como os fandoms dão poder pras celebridades abusarem, então o preço é esse. E que seja pago.

Sobre o autor

Izzombie

Sou um cara chato que não consegue ver um filme sossegado sem querer interpretar tudo e ficar encontrando simbolismos e mensagens. Gosto de questionar a suposta linha que separa arte de filmes comerciais, e no meu tempo livre pesquiso sobre a história da animação.

Sobre o autor

Izzombie

Sou um cara chato que não consegue ver um filme sossegado sem querer interpretar tudo e ficar encontrando simbolismos e mensagens. Gosto de questionar a suposta linha que separa arte de filmes comerciais, e no meu tempo livre pesquiso sobre a história da animação.

Alertas

  • – Todos os posts desse blog contém SPOILERS de seus respectivos assuntos, sem exceção. Leia com medo de perder toda a experiência.
  • – Todos os textos desse blog contém palavras de baixo calão, independente da obra analisada ser ou não ao público infantil. Mesmo ao analisar uma obra pra crianças a analise ainda é destinada para adultos e pode tocar e temas como sexo e violência.

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