Ijiranaide Nagatoro-San – Sobre o bullying e aquilo que a Nagatoro faz.

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Vamos falar de algo que a humanidade naturalizou por tanto, mas tanto tempo, que só fomos dar um nome pro fenômeno lá na virada do milênio? E pegamos um nome em inglês, pois não exatamente tínhamos uma palavra pra nomear algo que todo mundo conhecia? Vamos falar de bullyng.

E vamos falar também de um mangá de romance. Um dos meus mangás de romance favorito, chamado Ijiranaide Nagatoro-San (Não me maltrate, Nagatoro). É sobre uma garota que um dia viu um rapaz introvertdo sendo meio patético e resolveu humilhar ele até ele chorar. E desde então ela começou a ir atrás dele pra zoar ele diariamente e eles eventualmente se apaixonam. Ou seja, é a história de um rapaz que se apaixona pela garota que faz bullying nele. Mas pode ser considerado bullying? Se afinal os dois são muito próximos e gostam um do outro? Pode ser considerado só parte da dinâmica de casal?

E vamos falar também sobre o meio termo entre os dois assuntos: como a ficção habitualmente trabalha o tema do bullying. Quais arquétipos são fortes. O que é naturalizado. Qual a importância que eles dão pro assunto? E especialmente, como funciona o arquétipo do Bully Bom, o personagem bully que é um amigo de suas vítimas.

Eu soltei que eu tinha interesse no assunto lá quando fiz meu texto da Helga Pataki, outra bully apaixonada, e agora, após fazer uma enquete entre meus apoiadores, decidi que está na hora de tirar esse assunto do meu peito. Então venham comigo, eu sou Izzombie, esse é meu blog, o Dentro da Chaminé, e esse é o texto sobre a Nagatoro e como classificar a maneira como ela trata seu crush.

Antes de começar quero pedir que caso você ainda não seja um dos apoiadores do Dentro da Chaminé que pense a respeito de dar uma força pro blog, participando da campanha de financiamento coletivo do apoia.se e ajudar ele a existir com mais tranquilidade fazendo uma contribuição com o valor que achar justo, mas que sério, pode ser o troco do café, que já é uma ajuda imensa. Para quem não quiser se comprometer com uma ajuda mensal, pode ajudar o blog também fazendo um pix de qualquer valor para a chave franciscoizzo@gmail.com que receberá a minha gratidão e será homenageado no blog também.

Esse texto é em homenagem a todos que já me apoiam, esse grupo querido que são os grandes heróis por trás desse blog. Espero de coração que gostem desse texto.

Que é um texto sobre bullying.

Bullyng:

A história do bullying é a história da humanidade ignorando o bullying. Embora ele seja um fenômeno observável e bem documentado em ambientes de estudo por séculos, a primeira pesquisa sobre esse tipo de comportamento em ambiente escolar e como impedi-lo veio em 1973, pelas pesquisas de um norueguês chamado Dan Olweus. O termo “bully” em inglês era um termo de afeto que significava “amante” no inglês antigo, e só teve sua definição mudada para uma maneira de assédio e intimidação no século XVIII, quando tivemos os primeiros registros do termo sendo usado para descrever um ataque. Mas em vários países, o Brasil incluso, o termo ficou amplamente sem ter um nome e um vocabulário para abordar a questão, até a tragédia de Columbine trazer o assunto a tona e fazer diversos idiomas emprestarem a palavra “bullying” do inglês para ter um vocabulário apropriado para encarar a questão.

E essas pesquisas pioneiras nem sequer são fáceis de achar em português. Emprestamos o termo, mas não o estudo.

Então bullying é algo que existe faz muito tempo, em muitos lugares, e sempre que foi possível desviar o olhar, foi exatamente o que fizemos. Eu sou uma pessoa com muitas travas socais, que é absolutamente fascinada por assuntos do mundo nerd, então como o leitor deve poder deduzir com muita facilidade, eu sofri bullying nos meus tempos de escola. E a política da minha escola pro bullyng era saber que se esperasse a gente fazer 18 anos e se formar, o problema desaparecia, pois ninguém fazia nada.

E se fazia era porque eu revidei uma vez, e os professores não gostaram de me ver revidar e foram tomar atitude comigo.

Pois é. Enfim, bullying é um tema sensível, uma relação de poder absurda e uma prática de intimidação e humilhação que extrapola muito o espaço da vida escolar, onde ela é mais associada, e pode ser encontrada em vários espaços de convívio como ambientes de trabalho, e círculos sociais. E eu não tenho aqui respostas nem soluções para poder dar algum conselho para quem sofre bullying do que realmente fazer, nem de apontar qual é o erro das escolas que tentaram parar o bullying e falharam. Não tenho os estudos pra isso. Mas como tudo que existe com força na realidade e que é uma merda que impacta as pessoas, o bullying é algo que é amplamente retratado na ficção, e ai entra a minha área, saber em que termos e com que percepção, roteiristas e demais artistas retratam o fenômeno do bullying em ambiente escolar.

Na cultura pop o bullying é um arquétipo que existe em literalmente toda escola e servido mais ou menos da mesma forma. Popularizado especialmente nos filmes dos anos 1980, vamos falar um pouco do que é o bully clássico.

O bully clássico.

O bully clássico é um aluno da sala de aula do protagonista que usa de intimidação para atacar e causar medo ao protagonista. Não importa se estamos falando de obras japonesas, como animes e mangás ou obras estadunidenses como filmes e séries estadunidenses, o bully, mais vezes do que não, será um garoto forte, provavelmente o garoto mais forte da classe, o que também o tona o mais burro. Ele não ataca todo mundo igualmente, ele tem um alvo específico, que é o nosso protagonista na maioria das vezes. Como ele é a combinação de forte e burro, geralmente ele obriga o protagonista a usar a cabeça para encará-lo por outros meios além da força bruta.

O bully na maioria das vezes é um delinquente. Não se contentando em intimidar os colegas fracos, ele se mete com outros tipos de delinquência, e seu mal comportamento não é segredo pra ninguém, podendo estar na mira do diretor da escola por outros assuntos (que não são bullying). Os que não forem delinquentes serão atletas, e alguns serão os dois a mesmo tempo, mas a maioria será delinquente.

O bully clássico na maioria das vezes é o líder de um grupinho de gente cuzona, ostentando um status de alguém que lidera pelo poder de sua força e reputação. Ele não é um lobo solitário, solitário é o perdedor que apanha dele, o Bully Clássico tem cúmplices e seguidores.

Como o bully ataca é afetado pelas diferenças culturais de vida escolar de Estados Unidos e Japão, em filmes e séries estadunidenses você vai ver o bully clássico prendendo gente no armário, puxando cuecas ou roubando dinheiro do lanche. Nos mangás nós vemos bullys clássicos obrigarem o herói a fazer uma dúzia de serviços ingratos, escreverem mensagens horríveis na carteira, e atos de humilhação pública.

O bully clássico é pra ser apresentado como um arquétipo pronto, de um personagem que não precisa de complexidade, mas quando chega o momento de dar alguma complexidade e humaniza-lo, a origem de sua agressão está sempre em um mal ambiente familiar. Esperemos ver uma casa podre, uma mãe abusiva e/ou um pai ausente. Uma vida doméstica cagada que acumula ele com a raiva que ele bota pra fora na escola.

As vezes vai pro extremo oposto. Um garoto rico que nasceu em um berço de ouro, com uma mãe abusiva e/ou um pai ausente. Mas a variação pobre é as comum.

Tem outros tipos de bullying. E eles geralmente aparecem em histórias que de fato são sobre bullying como um de seus temas centrais. O bully clássico pode ser unissex, mas é mais vezes do que não praticado por garotos em garotos. O bullyng de garotas em garotas, ao ser retratado na ficção, pode ter muitas intersecções com o bully clássico, mas opera pelas próprias regras e gira em torno de espalhar rumores e controlar a reputação das vítimas.

Mas o importante é que essas histórias não são sobre o bullying em si. Ele pode ser um exemplo pra ilustrar “esse protagonista é patético” ou “esse protagonista é infeliz” ou “esse protagonista é introvertido” ou “esse protagonista tem uma vida escolar péssima”, e colocam esse arquétipo para ser um dentre vários motivos para entendermos como é uma merda ir pra escola quando se é esse protagonista. Por isso ele é um arquétipo. E por isso ele é clássico, pois a individualidade dele não importa, ele é um exemplo fácil de entendermos de onde veio e o que faz.

Mas o mais fundamental sobre o bully clássico é: ninguém faz nada a respeito. O protagonista tem que dar um jeito sozinho ou com ajuda de um amigo, mas nunca com a ajuda da instituição escola fazendo algo pelos seus alunos.

O que leva ao ponto: o bullying praticado pelo bully clássico só para quando o protagonista faz seu bully respeitá-lo. Seja vencendo-o na porrada, seja salvando o bully, ou seja realizando algum ato impressionante. O protagonista sofre bullying, pois não era respeitável, mas quando ele se tornou respeitável, seu bully passu a deixa-lo em paz. Passando a lição de moral de: “pare de ser um perdedor que não sabe bater de volta nem ser excepcional em seus hobbies, e comece a ser a pessoa melhor que os bullys vão te deixar em paz.”

Mas isso é um template, o que significa que cada exemplo vai dar sua própria característica pro bully clássico, quebrar algumas regras enquanto segue a maioria das outras. Mas ele existe pra firmar um ponto, que esse tipo de pessoa é parte do ambiente escolar, tanto quanto o nerd, a musa, o esportista e a garota estranha. Ele é parte natural do que aparece se você junta mutas crianças juntas.

O que me leva a uma evolução notável do bully clássico, e a primeira instância do bully do bem.

O bully que é membro da turma.

Peguemos o bully clássico e em vez de dar a ele uma gangue de otários pra obedecê-lo, vamos dar a ele habilidades sociais para poder trocar ideia com suas vítimas como se nada tivesse acontecido. Agora temos o bully que é membro da turma.

Esse caso, trata seu bullying como se fosse uma profissão. Um espaço na escola que existe naturalmente e alguém precisa ocupar esse cargo, então por que não ele? Ele aterroriza a escola, e então bate o cartão e agora está de boa de interagir, é só uma criança.

O bully membro da turma cumpre com seu bullying uma função social no espaço escolar. Que é o de não deixar ninguém sair da linha. Fazer questão de não deixar nem injustiças rolarem na sua frente, nem comportamentos fora de uma norma do que é aceitável passarem. Ele age como uma espécie de polícia pra todo mundo ficar nos conformes de como deve ser feito.

Quando o bully se torna membro da turma, é quando o bully se torna genuinamente institucionalizado. Sua agressão não vem de uma inimizade real com ninguém, vem do fato de que o seu papel é natural, é parte daquele ambiente.

Essa é uma das formas de tornar o bullying bom, transformando o bully em um cara legal, uma pessoa decente e um amigo, e transformando suas ações em formas de enquadrar aquilo que precisa de enquadro.

E essa maneira de equilibrar o bullying com amizade pode as vezes evoluir para outro conceito perigoso que a ficção adora.

O bully apaixonado pela vítima:

Por algum motivo a gente alimenta a ideia de que se uma criança atormenta a outra é porque ela gosta dela. E mesmo se isso for verdade, por se tratarem de crianças, isso ainda é algo ruim, e a criança tem que aprender a expressar seus sentimentos de uma maneira melhor que não faça dela uma escrota. É parte de uma boa educação.

Mas a ficção incorpora bastante disso, e eu não a culpo. Pois se na vida real, sentimentos bem expressos são a chave para criação de bons laços e boas relações, na ficção, sentimentos confusos e contradições internas tornam personagens interessantes. E um personagem que com esse misto de hostilidade e amor são interessantes. Por isso o trope da tsundere funciona. Por isso que eu dediquei meu texto à Helga Pataki.

Mas a ideia do bully que é secretamente um admirador e que no fundo só quer o bem do protagonista distorce a noção da causa do bullying, agindo como se ele fosse o resultado de algo positivo. E isso é algo que tem que ser quebrado. Mas muito pior do que a noção de que o bullying nasce de boas intenções, é a ideia de que ele causa boas consequências.

O bullying te deixa forte:

Um dos grandes motivos pelo qual os adultos da minha época e de muitas épocas que vieram antes da minha não fazem anda a respeito do bullying, é por que existe uma crença geral de que o bullying é parte de um rito de passagem. E que sofrer bullying te ensina a se defender, e te prepara pras adversidades da vida adulta.

A escola mais que um espaço onde você aprende matéria do vestibular e recebe conhecimento, é um treinamento social e serve como um micro-cosmos da sociedade, por isso, mais que impedir que violência e intimidação sejam parte desse ambiente, a escola tem que dar ao aluno o espaço para bater de volta…. a ficção fala muito disso, e trata com enorme catarse o ato de socar o próprio bullying.

Volta no que eu disse. O bully tem um papel de corretor social, de não deixar ninguém ser um maricas, e o moleque aprender a socar de volta faz ele deixar de ser o maricas, e faz o bullying respeitá-lo.

Afinal de contas a escola funciona na lei da selva, é a sobrevivência do mais apto, regras darwinistas determinando tudo. E o bully faz parte do ambiente selecionando o mais apto.

Por isso muita gente normaliza o bullying e lutas, estudos e estratégias para diminuir o bullying nas escolas tem sido algo do século XXI, com uma tonelada de boomer que acha que apanhou na escola e cresceu ótimo e que as crianças de hoje são frescas, como se isso tivesse criado caráter.

Passando por essa recapitulação que eu quero pensar na Nagatoro.

Nagatoro e o Senpai:

Hayase Nagatoro é a heroína do mangá Ijiranaide Nagatoro-San, onde ela atormenta a vida de um rapaz chamado Naoto Hachiouji, mas que na verdade se chama “Senpai”(Veterano, em japonês), pois a Nagatoro nunca o chama pelo nome e eu próprio esqueço o nome dele, dei um google para poder escrever ele correto agora mesmo.

Pois bem, o que a Nagatoro faz com o Senpai dela não é bullying, na minha perspectiva! Apesar de não ser bullying dialoga com todas essas passadas de pano tradicionais que existem na ficção, e eu quero olhar pra isso.

E começar falando que falar que não é bullying é olhar com otimismo e boa-fé, pois as duas primeiras interações são algo que eu chamaria de bullying acidental. Ou seja, a Nagatoro não queria ir tão longe, mas foi, pois errou a mão. O autor escreveu bullying e imediatamente depois consertou suas ações.

No primeiro capítulo, Nagatoro e o Senpai se conhecem pela primeira vez. O Senpai é um jovem tímido e otaku com aspirações de ser artista. E Nagatoro é uma garota extrovertida rodeada de amigas gyarus. Uma subcultura de garotas que usam adereços de moda inspirados pelo ocidente com foco em cabelo descolorido, micro-saias, maquiagem pesada, pele bronzeada, que pelo teor de rebeldia e não-conformismo dessa estética, as vezes pode ser adotado por garotas delinquentes. E a primeira coisa que Senpai faz é estabelecer que ele não se imagina nunca se dando bem com uma gyaru. Lembrem disso, será importante.

Pois bem, o incidente que introduz os dois, é quando o Senpai acidentalmente derruba as páginas do mangá que ele desenhou e permite que Nagatoro e suas amigas vejam o mangá. As amigas riem, zombam, apontam o quão ridículo e merda o mangá é. Ativamente fazendo chacota. Nagatoro fica em silêncio sem reagir, e espera as amigas irem embora para falar com Senpai o que ela achou do mangá.

E aí sim, no privado, Nagatoro faz chacota, em particular do fato muito obvio do mangá do Senpai ser um self-insert. Ele criou um herói que represente ele mesmo, e criou um cenário em que esse herói seria capaz de impressionar garotas com sua personalidade. Ela fala na cara dele que isso é patético, e obriga o Senpai a reproduzir uma das cenas do mangá, para mostrar como apesar desse escapismo, o próprio Senpai não é capaz de imitar as cenas do mangá.

Ao receber esses ataques em relação a sua timidez, o Senpai começa a chorar, e então Nagatoro jocosamente dá um lenço pra ele, sarcasticamente pede desculpas, e se retira…. e normalmente o capítulo acabara exatamente aí. Mas na versão encadernada de volumes vemos uma página extra, na Nagatoro envergonhada pensando “Eu acho que exagerei.”

No segundo capítulo, Nagatoro descobre que o Senpai passa o tempo livre dele sozinho no clube de artes desenhando objetos e se oferece pra ser modelo dele. Porém quando ele termina de desenhá-la, Nagatoro nota que ele desenhou suas coxas o mínimo possível, como se estivesse evitando olhar pra elas, e faz chacota novamente de sua timidez e do quanto ele fica intimidado com mulheres, apontando que o desenho ficou péssimo por isso.

Novamente o Senpai chora. Novamente Nagatoro pede desculpas em um tom que parece que a chacota continua, novamente Nagatoro vai embora, e novamente temos uma página extra na versão encadernada de Nagatoro com vergonha, percebendo que exagerou.

E essa foi a última vez que duas coisas aconteceram. Foi a última vez que Senpai chorou, e foi a última vez que Nagatoro falou que a arte dele era ruim por ser feita por um cara com medo de mulher.

Pois bem, aí vem o terceiro capítulo, e aí sim, as coisas mudam. Quando a galera fala “no começo esse mangá faz tal coisa, mas aí muda”, eu pessoalmente espero que esse começo dure uns 10 capítulos pelo menos, mas com Nagatoro não. No capítulo 3 já é apresentada uma diferença relevante na dinâmica deles.

No capítulo, Nagatoro vai atormentar o Senpai enquanto ele volta pra casa, burlar dele ser tímido, zoar do quanto mulheres intimidam ele. E o Senpai só ignora e finge que não se abala. E então Nagatoro dá um empurrão no Senpai, o Senpai cai no chão, e Nagatoro se surpreende com o quão leve o Senpai era, obviamente não achando que iria derrubá-lo.

Após isso ela pergunta, por que o Senpai não está demonstrando raiva, ela admite que tem tratado ele super mal nos últimos dias, e pergunta na cara do Senpai, por que ele não está puto.

E o Senpai pensa que ele já sofreu muito bullying ao longo de sua vida. Mas que ele não consegue pensar na Nagatoro da mesma forma que pensou em todos seus outros bullys. E então ele responde pra Nagatoro que ele se incomoda sim, mas que ele não desgosta de passar o tempo com ela. Após essa interação Nagatoro enfim se apresenta pro Senpai e revela o seu nome.

E esse capítulo encerra a fase de bullying acidental dos dois. Durou exatamente três capítulos, e foi uma situação em que essencialmente rolou um choque de dois mundos. O Senpai chamou a atenção de Nagatoro por algum motivo. Mas Nagatoro não está acostumada com o nível de timidez do Senpai e ela não soube dosar até que ponto ela podia chegar. Visivelmente se arrependendo no instante em que ele chorou. O que é perfeitamente metaforizado na cena do empurrão, em que ela não sabia qual era o nível de força que ela podia aplicar sem derrubar o Senpai. Quando ela teve seu terceiro strike, ela se comunicou com ele, perguntou porque ele ainda não mandou ela a merda se ela é uma escrota. O Senpai reforçou com clareza que quer que ela incomodou bastante, mas não quer que ela pare de passar o tempo com ele. E ela em resposta se introduziu pra ele e disse seu nome, o que foi a marca dela oferecendo a amizade dela pra ele.

Tal como um gato, que gosta de brincar-de-morder, ela precisou aprender a dosar a força da mordida. Ao longo do mangá, Nagatoro constantemente é comparada com um gato.

Nagatoro começou mal, não devia ter agido como agiu, e não foi boa de lidar quando notou que exagerou. Mas em um tempo curto, ela em vez de transformar a situação em rotina, ela se comunicou. E baixou a bola. E confirmou verbalmente com o senpai de que não era pra ela ir embora.

E desse ponto em diante eles são amigos.

No capítulo 4 Nagatoro vai até o clube de artes encher o saco do Senpai. Mas já no capítulo 5, ainda no começo do mangá, ela va pro clube de artes para conversar, sobre um filme que os dois viram. Ela se torna alguém com quem o Senpai pode somente trocar ideia.

No capítulo 6 (eu não vou fazer isso pra sempre, só até o 6), vem um capítulo interessante. Em que o Senpai por acaso a Nagatoro sendo paquerada por dois caras que ela muito visivelmente não tinha interesse. O Senpai ao ver a situação se encheu de expectativa de ver ela infernizar dois trouxas da maneira que ela fazia com ele, mas pra sua surpresa, ela não azucrinou nem zoou eles. Só foi assertiva, calma e reforçou que ela não tinha interesse até a ficha deles cair.

Foi quando o Senpai aprendeu uma coisa valiosa, que a Nagatoro nunca se portaria da maneira como ela se porta com ele, com alguém que ela não gosta. E aqui vem um ponto importante sobre qual a diferença de Nagatoro pra maioria dos mangás de bullying: O Senpai explicitamente entende a situação.

Nos seis primeiros capítulos o Senpai entende com muita clareza que os sentimentos de Nagatoro não são hostis. Ele dá a ela permissão explícita para continuar indo atrás dele. E ele diretamente a compara com o bullying que ele já sofreu e conclui que não é a mesma coisa.

Em resumo: o Senpai consente com a dinâmica dele coma Nagatoro. A dinâmica deles é consensual. E em troca, Nagatoro, agora ciente dos limites de até onde dá pra ir sem ir longe demais, não cruzou novamente a linha.

E mantendo as coisas em um nível que o Senpai consegue responder.

O maior sinal do quão consensual é a dinâmica deles vem no capítulo 32, em que Nagatoro cisma que tem um mangá com putarias escondido no clube de artes que marcaria o Senpai como um pervertido. E bem… na real não tinha não. Mas o Senpai deliberadamente esconde um ali, depois que Nagatoro já havia começado a procurar, só pra garantir que ela encontraria o que procurava e poderia zoá-lo.

E o maior sinal de que Nagatoro se preocupa com os limites, está na vez em quando Nagatoro chamou o Senpai pra almoçar com ela e as amigas no capítulo 11. As amigas tentaram zoar com o Senpai também, com Nagatoro constantemente policiando a maneira como as amigas tratavam o Senpai, e deixando claro no meio da zoeira que uma delas foi longe demais. Onde a brincadeira acaba e o bullying começa é uma separação que a Nagatoro consegue ver e ela faz questão de não permitir que uma coisa vire outra coisa.

E por último e o mais importante para fechar a descrição de que tipo de dinâmica o Senpai e a Nagatoro têm. A Nagatoro só zoa o Senpai quando eles estão sozinhos, ou seja ela não quer expor ou humilhar publicamente o Senpai. E isso é claro desde o primeiro capítulo, em que ela se recusou a dar corda pras amigas dela zoando o Senpai e esperou elas irem embora pra começar a parte dela da zoeira. A brincadeira deles é privada.

Mas eu quero na real é comparar com como a Nagatoro dialoga com os três aspectos de bullying do bem que eu listei ali em cima. Pois tem muita coisa em comum.

Em relação ao bully profissional que é parte da turma, ela meio que inverteu a situação. Ela e o Senpai rapidamente em 5 capítulos viraram amigos, passaram a socializar, trocar ideia e caminharem juntos na saída da escola. Mas em vez de ser a Nagatoro que apesar de ser uma bully, se infiltrou na turma do Senpai, na real o Senpaié quem não tem uma turma, então Nagatoro permitiu que ele entrasse na turma dela. E mediou a interação para que ele ficasse amigo das amigas dela também.

O que é interessante, pois lembram o que eu falei lá em cima? O Senpai não gostava de gyarus. É o tipo de garota com quem ele não se imaginava dando bem. O que me faz reforçar, a amizade entre Nagatoro e Senpai é um choque entre dois mundos. A Nagatoro demorou um pouquinho pra entender o Senpai, e ele começou a entender melhor as gyarus. O Senpai passou a ser incluído em uma turma de gente que ele não imaginava que poderia aceitar ele.

O Senpai perdeu a solidão dele, e ele passou a não só ter companhia para as longas horas solitárias que ele passava praticando desenho. Ele passou a ter gente dando apoio e força nas broncas que ele não conseguia lutar sozinho. Como, por exemplo, quando Nagatoro e suas amigas fazem todos os corres pros demas alunos irem até a exposição de quadros do Senpai durante o festival escolar, em que a existência do clube por mas um ano dependia unicamente da performance dele. Ele precisava de amigas e ele conseguiu na fonte mais improvável.

Além dele socializar com a Nagatoro não é bem a institucionalização do Bully justamente porque como já estabelecido, ela não humilha ele publicamente, e não azucrina mais ninguém.

Apesar disso elas sabotam sim grupos que tentam roubar o espaço delas na cafeteria, mas aí é uma outra história.

Em relação a bully apaixonada, que faz bully por ter dificuldade de manifestar seus sentimentos de forma saudável. Pois bem, sim, isso é literalmente a premissa do mangá. Claramente é isso que está acontecendo. Mas o mangá faz um foco imenso em mostrar que os sentimentos estão sendo passados. O Senpai com toda sua timidez, desconforto e perturbação vê além da fachada de Nagatoro.

O melhor exemplo de que ele consegue se sentir acolhido por ela é quando, em resposta a vez que eu mencionei, dele almoçando com as amigas de Nagatoro, e ela não permitindo que elas passem do limite com ele, sua reação foi desenhar um mangá sobre seus sentimentos, e ele desenhou um mangá em que a heroína protege o herói. Expressando com clareza que ele notou que ela estava cuidando dele. E Nagatoro depois encontra essa história que ele escreveu, lê e sorri, então ela sabe que ele sabe. Apesar de até hoje nenhum dos dois ter admitido estar apaixonado pelo outro e já estarmos no capítulo 122,

Mesmo assim a comunicação deles é clara.

Não existe a falta de uma comunicação entre Nagatoro e o Senpai, eles estão em sintonia, em uma dinâmica consensual.

Agora, e quanto ao bullying que te faz forte? Aí é um caso interessante, pois eu acho que é exatamente daí que saiu essa dinâmica dos dois.

O mangá nunca disse claramente porque a Nagatoro resolveu ser amiga do Senpai depois de ler o quadrinho self-insert dele, em que ele fantasia que saberia falar com mulheres de maneira que ele obviamente não sabia. Mas eu acho, pelo que ficou subentendido que foi exatamente isso. Que ela viu naquele quadrinho a expressão de alguém que queria muito ser outra pessoa, e ela acreditou que poderia ajuda-lo a ser outra pessoa.

Inicialmente ela tentou fazer isso na base do trauma, e não funcionou. Pelo contrário, deu errado. Mas então ela mudou a abordagem.

No capítulo 10 ela resolve que quer ensinar o Senpai a reagir. Mas em vez de só xingar ele pra ver se ele reage, ela muda a abordagem e explica claramente que ela vai zoar ele, porque quer que ele reaja, dê um tapa e mande ela parar. O treino dela pro Senpai aprender a se impor e a traçar limites não é um treino secreto do Sr. Miyagi. Ela explica com clareza o que ela está fazendo, e recebe a permissão do Senpai para fazer isso.

No meio do treinamento, o Senpai manda ela parar, pois ela passou da conta e ela para e se desculpa, mostrando que de fato o Senpai está aprendendo a não baixar a cabeça e deixar ela fazer o que quer. Existe essa intenção, mas ela não é a sobrevivência do mais apto operando, ela é uma garota intencionalmente ajudando um amigo, com a permissão dele.

Em outro momento o Senpai desabafa com Nagatoro que ele nunca recebe elogio dos outros e Nagatoro responde que ele não recebe, pois ele nunca elogia os outros. E que ele tem que saber conversar com elogios. E pede para ele elogiá-la. O que é difícil pro Senpai, pois como ele deixou claro, ele é muito travado com interações com o sexo oposto.

Nagatoro quer fazer o Senpai ficar forte. Mas ela só consegue trazer um lado mais assertivo, confiante e fazê-lo superar suas grandes travas sociais, precisamente porque o que ela faz não é bullying. Ela só consegue fazer ele avançar, pois ela se comunica, se expressa e é atenta ao que ele quer e não quer. E faz com o consentimento dele e com transparência.

Inclusive o grande símbolo da superação do Senpai em relação a sua timidez e ao sexo oposto está na sua relação com arte e com a Nagatoro em si. No segundo capítulo, como eu já descrevi, Nagatoro se oferece pra posar pro Senpai desenhá-la, e ele não desenha suas coxas direito, por vergonha de olhar diretamente pras coxas de uma mulher. Desse exemplo em diante Nagatoro posou diversas e diversas vezes pro Senpai, e é sem sombra de dúvidas a musa dele, e em pintar a mesmo modelo diversas vezes nota-se a evolução do Senpai como artista.

Recentemente, no capítulo 114, depois de ser cobrado que ele deveria aprender a pintar nudez, Nagatoro se oferece para posar nua pro Senpai, e em um momento que me surpreendeu bastante pela falta de sexualização da situação, coisa que eu nunca esperaria de uma comédia romântica shonen, o Senpai consegue pintar Nagatoro, sem travar da maneira como travou no passado.

O que significa que a trava que ele tinha, de olhar pro corpo de uma modelo na perspectiva de um artista e de pintá-la, não estava mais lá, e não estava, pois Nagatoro posou pra ele inúmeras vezes. E ela posou pra ele inúmeras vezes, não só porque ela é uma boa amiga que dá uma força quando precisam, como porque ela realmente quer ver ele crescer como artista e entrar em uma boa escola de arte.

Conclusão:

Bullying é um problema social enorme. É um problema em qualquer ambiente que tenha dinâmica de grupo, tem gente que sofre bullying no trabalho, no clube, na escola, na faculdade e até mesmo na própria família. E embora isso tenha mudado nos últimos anos, com campanhas anti-bullying e estudos sobre a natureza do bullying surgindo, é um assunto que foi negligenciado demais no passado, e tem muita gente que acha que deva continuar sendo negligenciado.

Tem gente que acha que tá tudo bem, e que romantiza a situação. Tem gente que acha que “na minha época todo mundo zoava todo mundo e a gente cresceu e está ótimo”. Ignorando dois fatores, as vezes eu xingar meus amigos não é bullying de fato, é só socialização normal, e as vezes quem fala isso não está ótimo, nem os amigos. Nem todo xingamento, nem toda zoeira é igual e nem toda zoeira é recebida igual.

E essa eu acho que é a chave de Ijirnaide Nagatoro-San, que empresta a estética de um bullying, os xingamentos, a zoeira, e os empurrões, mas não retratam uma relação de bullying, por se focar primariamente nos sentimentos. Nagatoro tem uma dinâmica muito específica com seu Senpai, que não é nem tradicional e nem pública, é um flerte que é só deles, mas que pode ser chamado de flerte, pois foi estabelecido com consentimento e comunicação. Os sentimentos das duas partes é claro mutualmente. Não temos mal-entendidos entre a dupla central do mangá. E quando temos consentimento e comunicação, quase tudo está liberado nas relações sociais.

Com o devido consentimento, até coisas que a própria Nagatoro condena estão liberadas.

Porque o bullying não está no empurrão, ou no nome, está na natureza da relação entre as pessoas, está em uma dinâmica de poder, intimidação e humilhação.

Muita gente se intimida quando falam de bullying pensando: “Uai, mas eu chamo meu melhor amigo de gordo e ele não liga”, e assim, as vezes o amigo liga sim, e seria ideal confirmar com ele se ele de fato não liga, ou só não conseguiu se impor com você. Mas mesmo se não ligar, não é essa a questão.

A ficção não tenta intencionalmente, mas ela acaba por normalizar o bullying e fazer ele parecer parte da vida, da qual dá para tirarmos o melhor se formos fortes. Mas isso não é verdade, a única maneira de ficarmos pessoas melhores pela companhia de alguém mais agressivo tentando tirar reações de nós, é com transparência e consentimento. E isso é o que Nagatoro faz que a maioria dos exemplos de bullying do bem não fazem.

E isso vai além da dinâmica da dupla. Quando uma veterana de Nagatoro do clube de Judô, faz um comentário maldoso com o objetivo de fazê-la sair do clube. Ou seja, quando Nagatoro é vítima de bullying, o Senpai, vai cobrar que ela seja tratada com respeito. Afinal, não da Nagatoro, mas ele já sofreu bullying.

E isso não é só importante pra uma relação não ser bullying, é importante pra qualquer relação. E eu sou particularmente fascinado pelo quanto Nagatoro e Senpai são uma excelente dupla, é um excelente romance, mas como nenhum dos dois criou coragem pra tentar dar o passo seguinte, também são excelentes amigos.

Mas o mais importante, é que a ficção também tenta em seus vários exemplos de como lidar com bullying, de uma maneira ou de outra, indicar que acabar com o bullying é responsabilidade da vítima. Ela que tem que socar de volta, parar de ser inaceitável ou ganhar o respeito de seu bully. Ela tem que fazer algo pra parar de apanhar e crescer enquanto indivíduo para superar seu bullying. Enquanto que aqui a responsabilidade foi inteira jogada na Nagatoro. O Senpai não fez nada, ela que teve que perceber que sua abordagem inicial foi errada, ela que mudou a abordagem. E se ela quer causar crescimento individual no Senpai ela tem que fazer isso de uma posição de amiga. O Senpai não precisou ganhar o respeito do Senpai para ela parar. Mas ela precisou ganhar o respeito do Senpai para poder agir como age. E essa foi a grande quebra na maneira como esse tipo de dinâmica é retratada.

Mas o que vocês acham? Eu passei pano demais e a Nagatoro é só mas uma bully? É normal o Nelson socar o Bart no recreio e depois ir colar com ele depois da aula? Continuemos essa conversa nos comentários e passando o texto pra frente. Pois eu quero começar conversas, mas não terminá-las. Peço que chequem a campanha de financiamento coletivo no apoia.se, passem o texto adiante e nos vemos no texto que vem. Que será o texto nª200, uma grande meta, estou empolgado pra escrever esse.

Sobre o autor

Izzombie

Sou um cara chato que não consegue ver um filme sossegado sem querer interpretar tudo e ficar encontrando simbolismos e mensagens. Gosto de questionar a suposta linha que separa arte de filmes comerciais, e no meu tempo livre pesquiso sobre a história da animação.

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Izzombie

Sou um cara chato que não consegue ver um filme sossegado sem querer interpretar tudo e ficar encontrando simbolismos e mensagens. Gosto de questionar a suposta linha que separa arte de filmes comerciais, e no meu tempo livre pesquiso sobre a história da animação.

Alertas

  • – Todos os posts desse blog contém SPOILERS de seus respectivos assuntos, sem exceção. Leia com medo de perder toda a experiência.
  • – Todos os textos desse blog contém palavras de baixo calão, independente da obra analisada ser ou não ao público infantil. Mesmo ao analisar uma obra pra crianças a analise ainda é destinada para adultos e pode tocar e temas como sexo e violência.

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