O que torna os filmes da Disney anti-spoiler:

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Nossa, quando eu fiz o texto anterior da Disney e falei que o seguinte ia ser só depois de um mês, eu achei que seria um mês mais produtivo, mas não foi no fim os textos não ficaram tão espaçados, pois só fiz um outro texto entre os dois. Maio não foi um mês fácil pra mim, essas coisas acontecem.

Enfim, mês passado eu publiquei a parte um de uma série de dois textos sobre onde está a magia e o apelo dos filmes Disney, no texto passado eu falei sobre a maneira como os filmes se encerram de maneira a não permitir a possibilidade de uma sequel, pois seus eventos são eventos únicos de dois mundos se conectando na vida de personagens que não vão viver nessa conexão e vão viver o resto de suas vidas em mundos separados. Portanto são eventos únicos em uma vida que não é de aventuras. Mas meus textos não são filmes Disney, e aquele texto ganhou uma sequel que é esse texto, então eu recomendo ir ler o anterior antes.

O segundo texto vai ser sobre o tipo de sentimento que esses filmes costumam trazer dessa vez no sentido de suas surpresas, previsibilidade, e de sua repetibilidade. Ou seja, os filmes Disney além de não poderem ser verdadeiramente continuados, eles também não podem ser spoilados. E como é a parte 2, quero terminar a linha de raciocínio, sobre o que significa uma história que nem se continua, nem se spoila.

Belle casualmente dando um spoiler do livro pras ovelhas… que curiosamente, também descreve o plot do filme que ela protagoniza.

E antes de falar disso e começar essa reflexão, eu quero falar sobre como esse blog é um projeto que eu toco sozinho com bastante dedicação e quem quiser ajudar esse blog pode apoiar o Dentro da Chaminé em seu financiamento coletivo no apoia.se, com uma contribuição mensal no valor que achar justo. As contribuições são uma grande ajuda, a qual eu sou muito grato. Esses textos demandam trabalho e nem sempre é fácil por a dedicação que eles merecem e o apoio me ajuda a manter o blog como uma constante prioridade. E se não estiverem dispostos a uma contribuição mensal, você também pode ajudar o blog fazendo um pix de qualquer valor para a chave franciscoizzo@gmail.com que a ajuda será igualmente apreciada e homenageada.

E por causa disso, esse texto é em homenagem a todos os que já me apoiam e são os verdadeiros heróis desse blog. A força que vocês dão é sentida.

Agora, antes de falar sobre como funciona o spoiler em um filme da Disney, eu quero falar sobre a cultura do spoiler que vivemos hoje.

A Cultura do Spoiler:

A palavra “spoiler” veio do verbo em inglês “to spoil” que significa “estragar”. E ela passou a ser usada nos EUA para denominar informações que estragam a experiência de se assistir um filme ou ler um livro lá pelos anos 1970, popularizado pela revista de humor National Lampoon. Na revista existia uma sessão chamada Spoilers, só com os finais de livros e filmes famosos, se descrevendo como um serviço público para economizar tempo e dinheiro.

Apesar de ninguém gostar de ter um plot-twist de algo que você está muito curioso spoilado, e da palavra existir por 30 anos, ela ganhou um novo tipo de repercussão com a internet. Ou melhor, com os fandoms na internet.

A palavra se tornou parte do vocabulário brasileiro lá no começo dos anos 2000. Eu aprendi a palavra em fóruns de Naruto quando eu comecei a ler Naruto lá por 2004/2005. Mas uma busca no google me sugeriu que talvez Harry Potter tenha sido o fandom que realmente trouxe a palavra pro vocabulário brasileiro, eu não duvido, mas gostaria de me informar melhor.

Mas é isso, a palavra explodiu na internet quando os fandoms passaram a ser online. O conceito existia, mas ele não era tão forte e disseminado entre nós. Para dar um exemplo: em 1992 surgiu essa personagem nova nos quadrinhos do Batman chamada Spoiler. E bem, o nome dela vinha do fato do pai dela ser um vilão e ela estragar os planos do pai. A palavra não tinha conotação nenhuma de contar o final das coisas. E na época o nome dela era oficialmente traduzido pra Salteadora, que não tem muita coisa a ver com nada.

Pois bem, quando a personagem foi rebootada em 2013, não só ela claramente começou a fazer um monte de trocadilhos com seu nome, porque é uma heroína adolescente e a palavra “spoiler” era fortíssima na cultura jovem, como no Brasil seu nome não foi traduzido mais, pois a palavra “spoiler” significa algo aqui e esse algo era parte claro da maneira como a personagem falava.

Spoilers incomodam desde sempre, mas de repente vivíamos na cultura do spoiler.

E eu chamo de cultura, pois é algo que não é natural, é construído, fomos ensinados, enquanto comunidade a criar uma vilanização enorme dos spoilers, que honestamente, é bem diferente de como eu consumia minhas nerdices na infância. Em que literalmente a criança que ia pra escola sem ter visto o episódio de Pokemon teria o episódio resumido pra ela para ela não ficar de fora da conversa. Na época a gente comprava umas revistas super porcas nas bancas, pois ali falavam o que é que ia acontecer nos nossos animes. Eu já sabia todos os twists da saga Boo antes dela vir pro Brasil, pois eu paguei por esses spoilers, e isso era algo normal que todos meus amigos faziam. Era como consumíamos entretenimento nessa época.

E eu não trago isso pra falar que na minha época era melhor ou pior, não quero ser o Nerd Boomer cagando em cima de como os jovens veem filmes, mas era diferente e foi há não tanto tempo atrás, o que ilustra como a relação do mundo com spoilers mudou. Minha mãe lia spoilers do que ia acontecer na novela, isso era normal. Isso só deixou de ser normal no meio dos anos 2000. Quando a nossa cultura mudou por causa da maneira como a gente acompanhava as coisas pela internet.

E a definição de spoiler foi ficando mais ampla. Antes spoiler eram precisamente as informações surpresa que mudavam a sua relação com a obra. Spoiler era contar quem morria em Naruto ou quem abriu a Câmara Secreta. Mas a galera ficou mais sensível quanto a isso, e nos anos 2010, de repente mencionar que a Akatsuki existe é dar um spoiler de Naruto. De repente spoiler é algo que os trailers e posteres estão dando ao divulgar imagens antes do filme.

Surgiram as pessoas que evitam trailers e silenciam tudo para poder entrar em completa imersão. A experiência de ver o filme sem saber de nada, onde toda informação é uma surpresa.

E assim chegamos na época atual em que aparentemente cameos são spoilers. Explicar quais personagens fazem cameos no filme do Dr. Strange é um spoiler. E os filmes fazem uma publicidade sobre isso. Filmes como Avengers Endgame, um filme que não tem dois plot-twists no total, criaram campanhas de “você precisa ver isso na estreia ou vão te spoilar o filme todo na internet.”. Todo filme com o roteiro mais básico e não surpreendente do mundo se vende como o filme com mil spoilers, pois toda participação especial no filme era um spoiler. Spiderman: No Way Home, deliberadamente tratou a revelação dos atores que fizeram participação especial como um spoiler.

E isso é ridículo, e empobrece a palavra. Nossa, se um filme é estragado pela informação prévia de que você vai reconhecer uma participação especial, esse filme de fato não tem nada a oferecer. Tipo, não acho esse tipo de coisa comparável com contar quem é o assassino em um livro da Agatha Christie.

Além de criar uma hiper-valorização da surpresa. O que mais tem no mundo é filme que tomou uma decisão imbecil que estragou o filme inteiro, e que foi uma surpresa que eu não previ. Obvio que eu não previ, eu nem cogitei a possibilidade da coisa mais idiota do mundo acontecer. Se no fim de Frozen 2 a Elsa se revelasse um demônio, aprisionasse a Anna e deixasse o gancho pro terceiro filme ser o Olaf resgatando a Anna, eu acharia surpreendente e ruim. Seria uma bosta.

Esse filme slasher, que também é um filme de mistério, tem um dos finais mais imprevisíveis que eu já vi na vida. É também um dos piores finais que eu já vi na vida e estragou o filme inteiro.

Mas as surpresas se tornam o grande apelo de muitos filmes. Quem vai ser a aparição surpresa? Quem vai morrer só pela surpresa? Quem é secretamente um vilão só pela surpresa?

E é aqui que eu já quero começar a entrar no tema do texto. Os filmes clássicos da Disney. Não esses Marvels que eu mencionei para dar um exemplo de como nossa relação com filmes mudou, mas as animações clássicas do estúdio Disney. A coleção que começou com Snow White and the Seven Dwarves e vai até Encanto apelidada de Walt Disney Animated Canon.

E que já que estamos nesse assunto, são todos filmes que eu vou falar abertamente aqui sem perigo de spoiler.

Enfim. A Disney começou a brincar muito de fazer seus vilões serem um plot twist nos seus filmes mais recentes. E com mais recentes eu me refiro com de Wreck It Ralph pra cá.

Frozen, Big Hero 6 e Zootopia tem um aliado se revelando o vilão do filme em seu clímax. Moana tem a revelação de que o vilão não é um vilão de verdade. E Wreck it Ralph tem um vilão claro por boa parte do filme, com a verdadeira identidade dele sendo um plot-twist. E Encanto não tem um vilão de verdade, mas a figura antagonista do filme não é clara em suas primeiras aparições, mas vai se revelando ao longo do filme.

Parece que a Disney realmente comprou que ela precisa valorizar os filmes dela com um spoiler no ato 3, que faça as pessoas pensarem “Eu não posso falar porque é spoiler” e esse sentimento levar as pessoas ao cinema.

Vamos falar um pouco dos filmes que vieram antes disso.

Vou usar The Lion King como um gigantesco exemplo nessa sessão:

Em 1994 estreou o filme da Disney que até hoje é o filme de maior prestígio do estúdio, e que foi seu filme mais lucrativo até Frozen surgir. Naturalmente falo de The Lion King, que é um filme que eu vi no cinema quando era uma criancinha ainda e que foi o primeiro filme que me fez chorar no cinema.

E eu chorei pra cacete. Pois no filme mataram o Mufasa.

Eu era um pirralhinho, e eu sabia que eles iam matar o Mufasa. Como eu sabia? Porque é a história do filme, eu sabia qual ia ser a história do filme, eu comprei o álbum de figurinhas antes de assistir. O trailer falou a história inteira do filme. Eu sabia que aquele momento viria, e mesmo assim ele me derrubou.

Entre álbum de figurinhas, revistinha de colorir, quadrinização do filme, ou um livro mesmo resumindo a história, vocês ficariam surpresos com a quantidade de material que você podia comprar na banca de jornal que essencialmente resumia o filme inteiro falando tudo o que acontecia nele.

Enfim, o The Lion King é a história sobre um leão que tem o pai assassinado. Essa é a história básica do filme. Boa parte das sinopses básicas que você encontra do filme pela internet explicam que o Mufasa morre logo de cara, porque eu reforço, no próprio trailer entregam que o Mufasa morre…

Agora, o filme tem 88 minutos, e o Mufasa morre no minuto 36 de filme. Já tinha ido 40% do filme. Quase metade do filme é com o Mufasa vivo, pois o primeiro ato do filme é longo e é só estabelecendo o tipo de relação que o Simba tem com o pai. E o filme simplesmente funciona com essa morte não sendo uma surpresa. E assim, na primeira aparição de Scar, ele diretamente ameaça Mufasa. Ele é bem transparente quanto a sua ambição e plano. Ele é explicitamente o vilão do filme e deixa isso claro em sua primeira aparição.

Ele fala pras hienas “nós vamos matar Mufasa”, e foi e matou mesmo. Não é uma surpresa. E por que que é um momento tão traumatizante e poderoso se é algo que todo mundo viu chegar? E é porque a cena foi construída para não tirar seu impacto de ser uma surpresa, um twist ou uma reviravolta na trama. Seu impacto vem nela ser o encerramento de uma fase da vida do Simba que vemos com detalhes e um momento emocional que temos o contexto par ver todo o impacto que essa morte tem na vida do Simba.

A gente sabe o impacto que Mufasa tem na vida do Simba, pois a gente viu meia hora da relação dos dois. E a gente sabe que não é culpa dele, mas podemos ver que ele acha que é culpa dele. Em um filme moderno, talvez eles preferissem fazer um twist disso. Talvez tentassem fazer a audiência ver o filme pelos olhos de Simba e descobrir sua inocência somente no terceiro ato. Talvez se fosse feito atualmente eles tentassem vender o Scar como um aliado de Simba, mas aí seria outro filme. Mas aqui não, vimos o engano acontecer e sabemos que ele sente o peso de um pecado que ele não cometeu. Sabemos que a culpa é do filha da puta do Scar.

Essa é até hoje uma das cenas mais emocionais da Disney, é triste e é pesada. É um dos exemplos mais claros da regra de “uma lágrima pra casa riso” que o Walt Disney supostamente tinha pros seus filmes equilibrarem momentos pesados com momentos leves.

Mas meu ponto central é por que a Disney fez isso? Por que não fazer ser uma surpresa? Pra que fazer um filme que sua maior reviravolta é amplamente anunciada no roteiro, no trailer e no material licenciado? Por que falar no começo que o Simba e a Nala iam se casar, e no final fazer eles casarem? Por que o filme não tem nenhuma surpresa no final?

E a resposta é: porque esse filme é feito pra ser reassistido.

Mas calma lá, muitos filmes querem ser reassistidos. Especialmente os com grandes reviravoltas e spoilers que justamente querem que agora você reveja observando os principais detalhes. Inception definitivamente quer ser assistido.

Mas The Lion King não. Ele quer se revisto compulsoriamente. Ele quer ser um filme que a maioria das pessoas de uma geração inteira já tenha assistido mais de 50 vezes. Ele quer ser tão mas tão familiar no imaginário popular que ele quer que a pessoa que está vendo pela primeira vez sinta que está reassistindo. E eu nem estou falando da criança de 5 anos que quer ver o mesmo filme 8 vezes no mesmo dia. Pois a Disney já fazia isso antes de VHS ou DVD ou Streaming existir. Com várias e várias reestreias.

O que o filme quer é se assemelhar mais a uma fábula ou a um conto de fadas, ou a uma narrativa que é contada e recontada de pai pra filho por séculos e esse no fundo é onde a Disney realmente se inspira.

Contos de Fada:

Todo mundo sabe qual é o esquema da Disney enquanto empresa. Eles pegam um personagem no domínio público, fazem um filme sobre ele, e colocam o filme sob copyright, e passam décadas processando usos da Cinderella em narrativas, obrigando as pessoas a provarem que a Cinderella deles é diferente o suficiente da Cinderella da Disney.

Prática canalha de negociação, e prova concreta da necessidade de extinção do copyright a parte, isso tudo nos traz direto ao ponto. A Disney fez seu legado adaptando histórias no domínio público. Adaptando as histórias mais conhecidas e repetitivas do mundo.

Todo mundo sabe como é a história da Bela Adormecida mundo sabe como começa, e todo mundo sabe como acaba. O centro narrativo desse filme é maior que a Disney, e a Disney usa de marketing para tentar fazer a gente achar que o centro narrativo desse filme é igual a Disney. Afinal de contar, a versão a Disney é a primeira versão da história que a gente pensa.

Um número grande de obras referencia a história da Branca de Neve fazendo menção aos nomes da Disney dos sete anões, mesmo quando eles supostamente estão falando da história do boca a boca e não especificamente da adaptação da Disney Snow White and the Seven Dwarves, que inventou o nome dos anões.

Snow White and the Seven Dwarves essencialmente se tornou a maior referência sobre como se contar essa história. A Disney funde suas obras com essas histórias do boca a boca, de maneira que é difícil separá-las.

E isso funciona por duas vias. A gente julga a Ariel e a Cinderella por defeitos que existem em algumas versões da história, mas não exatamente nas da Disney. Ambas têm como prioridade sair de uma situação familiar que elas odeiam. Mas a gente interpreta que elas são pessoas ingênuas que se atiraram no conceito de amor à primeira vista, e que não tinham motivos práticos para quererem casar rápido e sair de casa. A gente faz essas confusões de projetar o que ouvimos dessas histórias em outras fontes como parte dos filmes.

Porra, queria que a Cinderella fizesse o quê? Continuasse escrava por mais um ano, pra dar tempo de conhecer melhor o príncipe?

Eu mesmo, só parei para pensar mês passado, que a Cinderella nunca realmente vestiu o sapatinho de cristal que ela deixou cair. E, portanto, ela não realmente prova que aquele sapato serve nela. Mas se for a pergunta de um milhão de dólares do Show do Milhão, como a Cinderella do filme provou que era a pessoa que dançou com o príncipe, metade das pessoas vão responder que ela vestiu o sapatinho.

Esse não é o mesmo sapato que ela deixou cair. Esse sapato é o que ela guardou…. tipo, obvio que serve.

Porque é o que a gente espera. A gente vai ver o filme já esperando que ele acabe da maneira que a gente acha que ele vai acabar. Pois a gente nem cogita que vai ver um final diferente. Ao menos não nesses filmes. Não em Snow White and the Seven Dwarves, Pinnocchio, Cinderella, Sleeping Beauty, Alice in Neverland. A gente vê esses filmes como extensões de tudo o que sabemos desses personagens de domínio público. E mesmo quando tem alguma diferençazinha da história original a gente mal nota, mistura as duas versões e nem liga.

Muita gente acha até hoje que Tweedle Dee e Tweedle Dum são moradores do pais das maravilhas, pois esse detalhe do filme entrou na osmose cultural. E a pessoa nem precisa ter visto Alice in Wonderland pra fazer essa confusão.

Agora, lá nos anos 1990, quando a Disney fez sua renascença, as histórias começaram a ter diferenças um pouco mais bruscas em relação as suas histórias originais.

É famoso o exemplo da Ariel não morrer, e é eternamente usado como o exemplo principal para um discurso que eu não gosto que é o “A Disney deixa tudo mais leve e fofinho pra ser mais palatável”. Tipo, sim, ela abaixa o tom pra muita coisa, mas acho exagerado esse discurso. The Hunchback of Notre Dame é bem mais leve do que o livro de Victor Hugo, mas porra, ainda mostra um conteúdo religioso macabro pra crianças, tem a trama inteira girando em torno de desejo sexual, mostra um genocídio e é um filme legitimamente pesado. Não é um filme fofo, só porque a adaptação podou sim as piores partes. Mas sim, a Disney obviamente não vai assassinar o protagonista, e isso não tem a ver com ser fofo, tem a ver com ser recompensador e catártico. Ver a Ariel nadar, nadar e morrer na praia (heh!) não deixa a gente com aquele sentimento forte de recompensa. Mas isso não significa que o filme não vai empalar Ursula furando sua barriga antes de matar ela da exata mesma maneira que Ariel deveria ter morrido, se transformando em espuma do mar. A Disney não apagu esses detalhes.

Aladdin inventou o conceito do “usar o pedido final pra libertar o gênio” que desde então foi muito reutilizado em outras histórias sobre gênios. Beauty and the Beast inventou o conceito do castelo vivo, que se tornou sinônimo com o conceito da história.

E quanto mais o tempo passa mais eles se sentem confortáveis colocando diferenças notáveis nos contos de fadas clássicos. Agora a princesa vira um sapo ao beijar o sapo, o cabelo da Rapunzel é mágico e a Rainha de Gelo não é a vilã. E quanto mais eles mudam, mais eles notam que tudo bem. Digo, Frozen é uma adaptação de Snedronningen (A Rainha de Gelo), e sempre vai ser. Toda adaptação futura que fizerem de Snedronningen vai ser diretamente comparada com Frozen… agora, talvez algumas releituras futuras do conto de fadas não queira seguir os elementos centrais de Frozen, mas queiram chamar a Rainha que não tem nome, de Elsa.

O ponto é que não importa se é um conto de fadas que eles seguem à risca, colocam uma sacada interessante no worldbuilding ou reescrevem a história completamente mantendo somente o seu elemento mais básico. O que importa é que existe um tipo de história, um tipo de história que inclui contos-de-fada, mitologias, épicos gregos, peças de Shakespeare, entre outros, que são histórias que transcenderam seu contexto e se tornaram o equivalente a lendas. Elas são recontadas e reimaginadas, elas viram história oral que as pessoas contam para as outras, mesmo as que não começaram como história oral. Elas viram histórias para contar pra criança antes de dormir, e histórias que sofrem as mais radicais das releituras em outra mídia e seguem reconhecidas.

Literalmente fizeram uma versão adaptada para ser uma história de ninar.

No filme Beauty and the Beast, eu zombei disso no passado (e não exatamente retiro o que disse), mas os livros favoritos da Belle, a representante como amante da literatura são Contos de Fada e Shakespeare. Quando Belle lê João e o Pé de Feijão e Romeo and Juliet ela garante que esse filme vai fazer sentido pra todo mundo que vê hoje e conhece essas histórias, e também para todo mundo que vai ver esse filme daqui a 200 anos.

O mesmo vale pro Stitch lendo o Patinho Feio e se identificando. Sempre que um personagem da Disney se conecta com literatura existente, o filme garante que ele se conectará com uma literatura que não importa quanto tempo passe, vai ser reconhecida por seu público.

E aqui é o meu ponto principal. Isso acontece, pois o filme quer muito ser visto daqui a 200 anos. O filme quer ser tão eterno quanto contos de fadas e lendas que está adaptando.

A Disney faz seus filmes querendo que eles atinjam esse tipo de poder, o de serem uma referência tão grande e onipresente que transcende o filme, e isso significa que nenhuma revelação do filme será relevante ou surpreendente enquanto revelação.

Quando o Gaston ou Clayton se revelaram monstros, alguém ficou surpreso? Com o Clayton eu não fiquei, eu lia a Disney Explora na hora, eu já tinha lido ali meses antes do filme estrear que Clayton era o vilão do filme…. era outra época, realmente pagávamos por spoilers nessa época.

Mas a Disney Explora era fonte oficial divulgando seus próprios spoilers, não alguém que viu e lançou na Heróis da TV. E o motivo disso é o mesmo motivo pelo qual falar que no fim da guerra de troia, os gregos vencem com um cavalo de madeira gigante não é realmente um spoiler. Nem falar da morte de Aquiles.

Não existem spoilers da Guerra de Troia. Não existem spoilers dos mitos do Rei Arthur. Não existem spoilers da Bíblia, não existem spoilers de contos de fada, não existe spoiler de Hamlet, não existe spoiler de Romeo and Juliet, não existem spoilers de mitologias. E isso não é porque são histórias sem reviravoltas, isso é porque são histórias que a gente aprende o final antes sequer de aprender o começo. A primeira coisa que te ensinam sobre o Príncipe Sapo é que o beijo destransforma o príncipe, e em qualquer versão dessa história já contada, isso é o final da história. E isso deixa essas histórias poderosas.

A primeira cena de A Princesa e o Sapo te conta como o filme acaba.

E os filmes da Disney buscam esse poder. Buscam um senso de familiaridade de que ao ver pela primeira vez um filme, pareça que já é a décima, e que você já está familiarizado. E essa familiaridade é mais importante que a surpresa.

E a familiaridade é tão mais importante que a surpresa que você revê. The Lion King até hoje é uma das dez maiores bilheterias da história, acima até de muitos Marvels, pois sempre que The Lion King reestreia as salas lotam, lotam de pessoas que já viram o filme e querem pagar um ingresso de 40 reais pra ver de novo…. E The Lion King regularmente reestreia.

A emoção do filme está na memória emocional de seus momentos. E essa familiaridade, é poder.

Os filmes da Disney tentam tem uma certa magia neles. Não necessariamente literal, embora muitos filmes sejam sobre magia literal, mas eles quere ter um fascínio que fisgue o expectador, e esse fascínio é a memória e a familiaridade. Em fazer esses filmes parecerem algo que é mais gostoso de se revisitar do que é de se descobrir.

E por isso os spoilers na verdade só ajudam o público a já estar onde eles precisam estar para a primeira vez já parecer com uma revisita. Eu falei em um texto recente que Tarzan era meu filme favorito da Disney. E eu falei nesse texto que Tarzan foi o filme que eu tomei todos os spoilers que eu podia nas revistas oficiais da Disney. E talvez Tarzan minha conexão com Tarzan tenha sido influenciada com o quanto eu construí o filme na cabeça antes de ver e quando vi era exatamente o que eu construí.

Enfim… o que isso tudo significa?

Juntando os dois textos:

Walt Disney foi uma pessoa que em vida se aproximou muito de ser um supervilão. E enquanto os planos megalomaníacos dele de se tornar uma autoridade política através da Disney é algo que eu vou deixar pra outro texto, se um dia eu for abordar isso mais diretamente. Ele pretendia seduzir seus súditos com o apelo da conexão emocional das pessoas com a Disney. O mesmo apelo que as leva aos parques. E os filmes são muito bem planejados para criar conexão emocional.

“Para cada riso, uma lágrima”, esse era o lema do Walt. Os filmes seriam simultaneamente filmes que te deixariam rindo, mas que teriam cenas tristes, e cenas assustadoras e cenas românticas e cenas empolgantes. Tem momento fofo, tem momento psicodélico, tem ação e tem catarse. Um bom filme Disney passa por várias de suas emoções antes de acabar. E isso é pra te conquistar melhor.

E isso não é coincidência, ele veio da publicidade e foi ali que ele pegou o conhecimento para ir pro mundo da animação quando tanto a animação quanto o cinema eram uma grande novidade.

E seus filmes herdam a sua mente de publicitário e foram feitos com um zelo muito especial. Alguns deles sendo até hoje amplamente estudados como a arma de propaganda política que eles foram. Nada ali era para ser uma diversão esquecíveis.

Esses filmes buscavam uma certa eternidade, e essa eternidade é tão forte, que de fato, Snow White and the Seven Dwarves tem 87 anos e ainda é assistido pelas crianças. Ainda é uma marca grande do império Disney, e vai ganhar remake daqui a pouco da própria Disney. O primeiro longa metragem animado da história ainda é mais assistido e mais inserido no imaginário popular do que os outros longa-metragens que saiam na época.

E essa eternidade vingou. O filho da puta está morto faz 56 anos e o nome dele ainda está no monopólio de arrombados que é a empresa dele. O nome dele ainda está no parque. E o parque ainda tem em seu centro o castelo que aparece em um filme de 72 anos atrás.

E essa eternidade vem do fato da Disney sempre lidar com o apelo de histórias eternas. A Disney adapta contos de fada.

Lendas do imaginário da Inglaterra.

As 1001 noites.

Lendas chinesas.

Mitologia grega.

Shakespeare.

Mitologia polinésia.

Platão.

Literatura em domínio público.

Música erudita.

A Disney se inspira em histórias que não foram escolhidas por estarem na moda, mas por terem resistido ao teste do tempo e sido relevante por gerações para ser a base de um filme que vai ser relevante por gerações.

E essa relevância é mantida por um sentimento de familiaridade e por um sentimento de fechamento. Um sentimento de que é um filme que soa como uma memória que você já conhece e ao mesmo tempo como uma história completa de amadurecimento de que não tem mais como continuar. Esses dois elementos juntos formam uma lenda.

Afinal, passaram dezesseis séculos e ninguém nunca escreveu Chapeuzinho Vermelho 2. Nem ficou puto de saber que o caçador salva a protagonista antes de ouvir a história.

Esses elementos não são típicos de todos os filmes infantis nem de todo o mercado de animação. E especialmente não é como os rivais da Disney operam. Não é assim que o Don Bluth fazia seus filmes, nem a Warner, nem a Pixar nem a Dreamworks.

E eu trago isso a tona, pois eu estou encucadíssimo com Encanto.

Conclusão: Encanto.

Gente, eu gostei de Encanto, mas tem uma coisa ali que ficou me mordendo demais…. Encanto me pareceu o piloto de uma série de TV. O filme é bom, mas ele não me pareceu uma aventura, ele pareceu uma contextualização introdutória pro que serão diversas aventuras.

Personagens como Dolores e Camilo soaram como se estivessem sendo guardados para o futuro do que se fossem secundários realmente inseridos no filme. Como se fosse um “ah, mas no futuro a gente vai ver a história deles.”. O filme começa mistérios que não responde, no final nunca sabemos porque a Casita rejeitou Mirabel e não lhe deu um milagre. O filme inteiro se sustenta em um mistério a ser resolvido, Mirabel quer saber o que está acontecendo com o milagre e o que está destruindo a Casita. E a resposta para esse mistério é firmar uma dinâmica familiar nova entre todos eles que vai ser a base do futuro uso de poderes para eles.

Isso parece que está estabelecendo premissa para uma série em que cada episódio é focado em um membro da família Madrigal enfrentando situações do dia a dia. Parece, mas não é. Eu não estou fazendo uma previsão, pois eu sei que já começaram as conversas sobre Encanto 2, vai rolar.

E sem juízo de valor, até porque eu gostei muito mais de Encanto do que de Raya and the Last Dragon, mas isso me soou um tiquinho como a Disney rendendo a sua grande força narrativa. Eu comentei no texto passado que Encanto e Turning Red eram tão parecidos que nem dava pra saber qual era o Disney e qual era o Pixar, e eu sinto que apesar de seus quase 90 anos definindo as regras de sua mídia, a Disney está pronta pra dançar a música no tom dos outros. E em pensar menos se daqui a 50 anos toda criança vai assistir Encanto e mais em como parecer bem ajustado ao mercado atual.

E isso me deixou pensativo sobre quais são os rumos da Disney enquanto estúdio de animação. Eu não ligo se a Disney inteira acabar, pois reforço mais uma vez, essa empresa é o centro de todo o mal. Mas eu gosto de verdade dos filmes do Walt Disney Animated Cânon, e não queria ver eles se diminuírem para aumentar o poder da empresa.

Muita sequel e muita cultura do spoiler cercando esses filmes, e por muita decisão interna da empresa e eu não sei se sinto tão forte a identidade de que Encanto pertence a panelinha. Não seria a primeira vez, tivemos escorregadas aqui e ali, os 60 filmes não são todos de acerto, nem de crítica, nem de público nem de serem consistentes com tudo o que eu falei.

Mas existe um poder em muitos desses 60 filmes que eu não queria que se perdesse. Pois apesar de eu odiar a Disney enquanto empresa eu acho que são excelentes narrativas, e em uma época de entretenimento tão descartável em que um filme pode ser o filme mais comentado do mês e dois meses depois ninguém lembrar dele, eu valorizo de verdade a eternidade que a Disney busca. E se perder isso fosse o preço pra ver a Disney falir, aí ok, esses clássicos acabarem, mas se não for, então eu não queria ver isso se perder.

Sobre o autor

Izzombie

Sou um cara chato que não consegue ver um filme sossegado sem querer interpretar tudo e ficar encontrando simbolismos e mensagens. Gosto de questionar a suposta linha que separa arte de filmes comerciais, e no meu tempo livre pesquiso sobre a história da animação.

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Izzombie

Sou um cara chato que não consegue ver um filme sossegado sem querer interpretar tudo e ficar encontrando simbolismos e mensagens. Gosto de questionar a suposta linha que separa arte de filmes comerciais, e no meu tempo livre pesquiso sobre a história da animação.

Alertas

  • – Todos os posts desse blog contém SPOILERS de seus respectivos assuntos, sem exceção. Leia com medo de perder toda a experiência.
  • – Todos os textos desse blog contém palavras de baixo calão, independente da obra analisada ser ou não ao público infantil. Mesmo ao analisar uma obra pra crianças a analise ainda é destinada para adultos e pode tocar e temas como sexo e violência.

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