A valorização da educação em Jitsu Wa Watashi Wa:

A

De todos os mangás de comédia romântica que eu já li na vida, um dos que mais me surpreendeu até hoje é um mangá discreto, não muito lido e muito pouco comentado chamado Jitsu Wa Watashi Wa (traduzindo seria algo como “Na verdade eu sou…”), que veio pro ocidente com o nome My Monster Secret (que traduziria pra “Meu segredo de Monstro”). Eu não acho que é a melhor comédia romântica que eu já li, nem a mais bem-feita, mas é a que mais me surpreendeu. A surpresa aqui é o mangá ter em sua segunda metade dado um foco temático enorme na importância da educação na vida do jovem.

Claro que obras que valorizem a educação não são nada fora desse mundo. Ano passado mesmo, em 2020, a comédia romântica mais popular do japão era Gotoubun no Hanayome (ocidentalizado pra Quintenssential Quintuplets, e saindo no Brasil como As Quíntuplas), na qual um rapaz era professor particular de suas cinco colegas de escola, que eram irmãs gêmeas quíntuplas, e tentava ajudá-las a passar de ano a todo custo. E esse mangá por si só tinha uma premissa suspeitamente parecida com a de Bokutachi wa Benkyou ga Dekinai (Ocidentalizado para We Never Learn, que seria “Nós não aprendemos.”), onde garotas geniais do colégio querem entrar em faculdades que vão no caminho oposto de seu talento natural, e começam a ter aulas particulares com um colega de sala.

Nos dois casos dessas comédias: o arco de personagem de personagens no elenco protagonista culmina na decisão deles virarem professores, impactados por como a relação professor-aluno muda alguém, e como um professor ensina mais do que somente passar na matéria.

E isso não é nada perto das várias comédias românticas em que o protagonista está estudando pra entrar na faculdade a todo custo, e para poder estudar em paz se muda para um ambiente repleto de garotas. Com o exemplo maior sendo Love Hina e mais um monte de mangá que a gente chama de “copia de Love Hina“.

E temos o grande exemplo de Ansatsu Kyoushitsu (ocidentalizado pa Assassination Classroom, que seria “Sala de Aula do Assassinato”), que diferente da maioria do que vou citar aqui, não é uma comédia romântica. Ansatsu Kyoushitsu é um mangá em que uma criatura sobrenatural indestrutível decide que queria ser professor de uma sala de aula que era particularmente oprimida pelo próprio colégio. Mangá excelente sobre a importância do professor na vida do aluno, e de como um bom professor muda uma vida, e que também conclui com um personagem decidindo ser professor. No caso Ansatsu Kyoushitsu, segue um caminho claro de na verdade ser crítico a modelos de educação tradicionais, focados em valorização de boa notas, e em gerar alunos com grande decoreba e capacidade de absorver conteúdo rapidamente. Com o professor protagonista Koro-Sensei oferecendo um ensino mais customizado às necessidades de cada aluno que garantiu que eles tivessem boas notas, mas também tivessem onde aplicar aquele conhecimento.

Histórias sobre professores que desafiam uma instituição escolar retrógrada ou pautada em valores absurdos, mudando tudo por dentro são comuns, além de Ansatsu Kyoushitsu, temos atualmente Jujutsu Kaisen, com esses sendo os princípios do Gojou. Mas nem é só no mangá, qualquer filme de professor inspiracional que se conecta com os alunos não está completo sem a figura de um diretor ou alguma autoridade que critica os métodos do professor inspiracional e defende um sistema mais canalha que forma robôs obedientes.

E é nesse quesito que Jitsu Wa Watashi Wa se destacou na minha opinião. Por que quando foi retratar a importância de uma boa educação, não escolheu o formato do professor que se opõe ao diretor canalha e a uma instituição conservadora. O mangá quando começou a dar esse tipo de foco, colocou a perspectiva do diretor como a mente por trás de uma instituição libertadora, e focou o poder da escola mudar o mundo não na conexão interpessoal dos alunos com um grande professor, mas com o ambiente escolar em si.

Enfim, antes de ir pro mangá, quero fazer um disclaimer importante aqui, eu nunca li GTO – Great Teacher Onizuka, estou perfeitamente ciente da importância do mangá no tema de grandes professores, eu só não li. Portanto não sei dizer onde ele se aplica, mas assim como GTO é famoso, devem ter vários outros mangás nada famosos que eu também não li que têm seus próprios takes. Eu toco esse blog sozinho, e todos meus textos são restritos ao meu repertório do que eu conheço, mas se vocês tiverem qualquer mangá que fale sobre o tema e vocês achem que agregue ao que eu trago no texto, são mais que bem-vindos a falar dele nos comentários. E vamos trocar essas figurinhas sobre como mangás falam de educação.

Com isso fora do caminho, vamos falar de Jitsu Wa Watashi Wa:

Jitsu Wa Watashi Wa:

Jitsu Wa Watashi Wa, começa com uma premissa que não parece ter nenhuma relação com o tema educação, exceto por ser em um ambiente escolar, mas o número de comédias românticas que se passam em ambiente escolar é tão gigantesco que a gente sequer considera que ele traga significado pro mangá, é só um enorme lugar-comum.

A premissa é de que temos esse moleque chamado Asahi Kuromine, que tem uma crush na sua colega de sala Yoko Shiragami, com quem ele nunca interagiu de verdade. E um dia ele descobre que sua crush é, na verdade, um vampiro. A menina que quer muito passar desapercebida e fingir que é humana na escola precisa que ele guarde segredo, e ele promete. E agora que ela tem alguém com quem ela pode ser ela mesma, e um parceiro para ajudá-la a disfarçar seus sinais, eles começam a andar juntos e criam um laço. Tudo isso sob a ameaça estabelecida no primeiro capítulo de que o pai de Yoko tiraria ela da escola se um único aluno descobrisse seu segredo, por isso é importante que Asahi proteja o segredo da amada, para poder continuar estudando com ela.

Porém Jitsu Wa Watashi Wa é um harém. Ou seja, um mangá em que um elenco muito diverso de garotas com personalidades diferentes se envolvem com um único protagonista homem, embora na maioria dos casos, só uma vá de fato entrar em um relacionamento com ele. O que isso significa na prática? Significa que Asahi logo descobre que sua representante de sala é, na verdade, um alienígena. E promete proteger o segredo dela também.

Assim como ele promete proteger o segredo da menina-lobisomem que é a melhor amiga da Yoko.

E tem a aluna que é uma viajante do tempo e que é também a neta de Asahi.

E a presidente do conselho estudantil é um anjo que acredita ser um demônio, pois perdeu sua auréola.

O que não é nada perto da diretora da escola que é um literal demônio.

Asahi rapidamente descobre que um número absurdo de meninas na escola não são humanas de verdade e estão meramente mentindo que são humanas para os outros alunos, e ele protege o segredo de todas elas. Com a gravidade do segredo variando de garota pra garota. Mas o mangá a princípio é sobre essas garotas querendo muito se passar por humanas em um ambiente escolar, e o Asahi saber a verdade sobre elas e decidir ajudá-las a se passar por humanas cria uma conexão entre eles.

E pela lei da comédia, principalmente em um mangá com um tipo de humor mais “vale tudo” e pouco pé no chão graças aos poderes de seus personagens, a gente vê que guardar esse segredo é uma tarefa hercúlea.

Em especial porque a diretora do colégio Akane Koumoto, por ser um demônio, parecia sentir um prazer muito sádico em ver seus alunos desesperados tentando guardar seus segredos. E cujo papel na maioria dos capítulos era fingir ser uma aluna e agir como uma troll tornando a vida de suas alunas um inferno. Inclusive, Akane não só atrapalhava as alunas de guardar o segredo sobre suas espécies, ela também atrapalhava elas a guardarem os segredos de suas vidas amorosas, afinal isso ainda é uma comédia romântica.

Mas eu falei ali em cima que o diferencial de Jitsu Wa Watashi Wa era justamente um diretor não-canalha e um ambiente legal. Então vamos falar de Akane Koumoto.

Akane Koumoto:

Uma vez que o mangá abriu a porteira pra viagem no tempo, ele permitiu que uma viagem de Asahi ao passado revelasse a verdadeira natureza da diretora maluca desse colégio que mais parece um imã de garota sobrenatural. Como pode, até parece que toda menina não-humana do país resolveu se matricular ali. E ao longo do mangá vamos descobrindo que isso é completamente proposital.

Akane antes de ser a diretora, foi a professora-inspiracional de um colégio dirigido por um vilão, como vários outros professores foram. E antes do mangá começar todo esse caminho tradicional e popular de papel do professor foi seguido. Akane se infiltrou propositalmente como professora em um colégio dirigido por uma Mulher-das-Neves chamada Shirayuki.

Shirayuki no passado, e no caso, séculos no passado, pois ela tem séculos de vida, tentou ser professora de não-humanos, acreditando que ela poderia integrá-los na sociedade humana pela educação. Porém, seu projeto foi destruído quando humanos com tochas e ancinhos destruíram sua escola e atacaram ela e seus alunos. Shirayuki traumatizada por essa experiência, somada a várias outras experiências de ódio humano, firmou na sua cabeça que a única coisa que protegeria os não-humanos no planeta era a segregação. Se cada espécie ficasse em seu quadrado os humanos deixariam as demais em paz. E ela fundou um colégio para humanos com o objetivo de formar alunos que ficassem do seu lado da segregação.

Porém Akane, que acreditava na integração na sociedade como a única real alternativa pros não-humanos, começou a lecionar nesse colégio para desafiar Shirayuki. Ajudando jovens não-humanos a se matricularem no colégio em segredo. E como professora dando a eles a mesma educação que os humanos recebiam.

Quando Shirayuki descobre que havia não-humanos tentando a integração, ela resolve então fazer um exemplo, que lembre os não-humanos da hostilidade humana e do quanto eles devem desejar a segregação pelo próprio bem. Shirayuki então usou um casal de alunos, de um vampiro e uma humana que namoravam, e forçou o vampiro a se expor da frente de toda a sala. O ódio e rejeição que ele recebeu de seus pares foi enorme. E era muito claro que na perspectiva dos demais alunos, esse vampiro não era bem-vindo. Ele nunca voltou pra escola e nunca se formou. E pra Akane esse vampiro que não se formou foi interpretado como um fracasso pessoal para ela.

Pois bem, esse vampiro cresceu e se tornou o pai de Yoko. Recluso de toda a sociedade humana, e descrente de qualquer proposta de integração. Que acredita que vampiros só estão seguros longe de humanos. Ele foi relutante em deixar a filha se matricular na mesma escola de onde ele fugiu. E por isso ele só permitiu com a condição, de que ela sairia da escola se houvesse um único humano que descobrisse a verdade sobre ela.

E Akane por outro lado, percebeu que seu poder enquanto professora era limitado. Pois o ambiente que expulsou o vampiro havia sido criado pela diretora. Akane deu um golpe de Estado, em que ela literalmente ameaça Shirayuki de morte, e pega a cadeira de diretora pra si. E enche a escola dela de aluno não-humano.

Se os instintos e natureza troll de Akane, por ser um demônio, fazem parecer que ela está constantemente querendo expor seus alunos, o que ela quer é criar aliados. Que suas alunas tenham humanos que sejam seus cúmplices e ajudem a guardar seus segredos. Quando ela zomba das crushs de suas alunas, ela está tentando fazê-las reconhecer e admitir o laço que elas formaram na escola. Todas as ações de Akane entram no arquétipo do trickster mentor, em que ela se faz de sacana para ninguém perceber como ela está manipulando a situação. E o melhor exemplo disso é como ela menciona o subtexto sexual do ato de chupar sangue de um humano. Ela menciona isso para Yoko para deixá-la constrangida e ao mesmo tempo para fazê-la entender que é um desejo natural de seus hormônios. Pois Akane queria que Yoko normalizasse seus próprios desejos, mas ao mesmo tempo, só os saciasse em segredo. O pai da Yoko por outro lado, achava que todas suas características de vampiro eram abomináveis, pois o ambiente escolar de Shirayuki criava essa rejeição, se maneira que ele nunca naturalizou sua vontade de beber sangue, e no dia que esse desejo acumulado foi demais, a vida dele acabou.

Como Akane explica o ato de chupar sangue.
Como Shirayuki explica o ato de chupar sangue.

Pois o objetivo da escola sob a direção de Akane é criar um ambiente em que não-humanos e humanos façam amizades, amizades significativas o suficiente que resistam à revelação de que um dos dois é um monstro. E todas as traquinagens dela visavam criar esse ambiente, e fortalecer esses laços.

A escola como ambiente de inclusão:

E Asahi naturalmente se torna o aluno que representa precisamente o perfil de humano que Akane queria formar. E após uma conversa sobre o futuro após a formatura, Asahi percebe que existem muitos não-humanos lutando para conseguir viver na sociedade humana, muito além da meia duzia de amigos dele, e que se ele for um professor do colégio da Akane, ele vai conseguir ajudar a todos.

O que segue disso é Akane testando a capacidade de Asahi de dar uma aula sendo sensível e atencioso às necessidades especiais de cada aluno. O que foi simbolizado principalmente pela maneira como ele escrevia na lousa. Quando ele escrevia a letra T em forma de cruz, causava mal-estar pros alunos vampiros, e ele precisava estar atento a esses hábitos se quisesse ser um professor que tem todo tipo de aluno. A informação implícita é que se o segredo está seguro, é porque a professora de Asahi já estava protegendo o segredo de todo mundo junto de Asahi desde o começo, tornando a sala de aula um ambiente inclusivo em que as alunas-monstro não chamem a atenção por não estarem tendo dificuldades no ato de estar lá.

Mas a real inclusão não está somente na sala de aula, está principalmente nos corredores.

Se as ações de Akane soavam como trollagem e sadismo, o que Akane mais fez na verdade foi normalizar o sobrenatural na vida dos alunos. Pois antes deles saberem quem é de que espécie, todos eles já estavam acostumados a estudar em uma escola em que as vezes dá pra ver um dragão da janela.

E fazer o anormal parecer normal aos olhos dos alunos, é o jeito de diluir o ódio deles. A personagem que mais exemplifica isso é Mikan. A presidente do jornal da escola, que no começo do mangá se gabava de fuçar e procurar o segredo dos alunos para expor, ganhando o apelido de “Rainha da Maldade”. Porém muito nela muda, quando os óculos dela ganham vida e se tornam um “Deus da Sorte”, por conta do valor sentimental que os óculos tinham pra Mikan. E resumindo a história, não é só a relação dela com segredos que mudou agora que ela tinha o próprio segredo, mas a relação dela com o sobrenatural muda bastante. Conforme o sobrenatural se normaliza na vida de Mikan, não só nos óculos dela, mas porque ela viaja no tempo ao longo do mangá, ela perde sua curiosidade invasiva com esses elementos. Se torna normal pra ela.

Pois o que um aluno vê sendo uma rotina normal nos corredores da escola, ele pode tomar pra si que é algo normal pra vida. Além de Asahi e Mikan, a gente acompanha mais três alunos humanos que vemos começarem a normalizar o sobrenatural antes de aprenderem o segredo de suas colegas, mas que os deixou preparados para aceitar esses segredos quando viessem a tona.

A maioria dos mangás de vida escolar tem esse tropo comum dos “Sete Mistérios da Escola”, que eu não faço ideia de porque são sempre sete. Mas em Jitsu Wa Watashi Wa, quando a gente descobre quais são os sete mistérios da escola, que os alunos comentam entre si, a gente reconhece todos na hora. A mulher pequena correndo no corredor? É a Nagisa a menina Alien. O Vampiro da escola? É a Yoko. A diretora que nunca foi vista? O fantasma no refeitório? A gente sabe na hora o que tá acontecendo, e vemos que esses mistérios ajudam os alunos a aceitarem as garotas quando o segredo se revela.

Akane moldou todo um ambiente em que aquelas alunas tinham todo o apoio da escola para se esconder, mas, ao mesmo tempo, criou um ambiente onde elas eram bem-vindas o suficiente para eventualmente não precisarem se esconder.

Isso é, exceto quando não é delas que parte o desejo de se esconder.

Que é o conflito da Yoko com seu pai, o conflito mais importante do mangá.

O pai de Yoko:

Na segunda metade da história o pai de Yoko se disfarça de assistente da professora para se infiltrar na escola e observar se o segredo da filha estava de fato bem guardado ou não. O que firmou ele como o obstáculo final do mangá.

E por motivos de comédia, o disfarce dele era um disfarce feminino.

Quando Yoko decide se revelar como um vampiro para a escola inteira para poder usar seus poderes em público, começa o confronto final, em que Yoko e Asahi precisavam convencer o personagem mais machucado, e mais ressentido, que não tinha esperança nenhuma de ver uma integração acontecer em sua frente. E Asahi faz mil discursos pra ele, sobre o quanto ele ama Yoko, e sobre como o amor dele supera essas diferenças, pois isso ainda é uma comédia romântica.

Mas as várias virtudes de Asahi enquanto indivíduo, e o quão ele e Yoko são um bom casal, não são o que pesa. São eventos isolados. O que realmente pesa, é o pai de Yoko ver com os próprios olhos que a escola em que Yoko estuda não é mais a mesma em que ele estudou na adolescência.

E ele vê isso, quando para demonstrar apoio a Yoko, todos os estudantes confessam publicamente suas verdadeiras identidades. Não só pra ver que Yoko não é a única com segredos, mas porque isso é um claro ato de apoio à confissão dela. Ele precisava ver que a classe inteira estava do lado da sua filha.

O que só é confirmado quando as amigas humanas de Yoko demonstram apoio a ela, elas não tinham segredos, nem nada pra confessar, mas deixaram bem claro que amavam Yoko e nunca dariam as costas a ela.

Jitsu Wa Watashi Wa podia facilmente ter feito o poder do amor de Asahi sozinho derreter o coração de gelo de seu sogro, e se a proposta do mangá fosse outra não seria problema nenhum tomar esse caminho. Mas aqui o foco era claramente fazer ele ver que aquele era outro ambiente. Que aqueles jovens receberam outra formação, tiveram outras influências, pois a lógica da escola mudou, e por isso aquele grupo mudou.

O que é confirmado, com Akane mostrando o evento todo pra Shirayuki como a prova de que as coisas estavam encaminhadas.

E se a correlação da escola como o ambiente que tem o poder de provocar essas mudanças já não estivesse clara o suficiente, o mangá ainda conclui com durante a graduação de Yoko, seu pai sendo chamado por Akane para receber seu diploma também, com ela explicando que usou o disfarce dele de assistente de professor para fazer ele assistir as aulas do semestre como assistente e computar os créditos que faltavam pra ele se formar. O fracasso de Akane como educadora era o fato de que o pai de Yoko não havia se formado, e conseguir formá-lo depois de todos esses anos, é narrado não só como um momento pra ele. Mas uma redenção da instituição.

E pode ser minha falta de repertório, talvez tenham uns 40 mangás que eu só não li, mas eu não estou acostumado a ver um mangá que termina com um homem adulto enfim recebendo o diploma do colegial, que ele sempre quis, e isso recebendo um poder catártico tão grande. Um ritual que é tão normal para quem sempre teve certeza de que tem acesso a um, que a gente ignora o poder simbólico dele pra quem não tem acesso.

Lá pelo meio do mangá, tanto Asahi quanto Yoko decidem que eles vão ser professores, e não qualquer tipo de professores. Professores que ajudem alunos não-humanos a se integrar em classes, e que sejam aliados dessa comunidade e os ajudem. E se o pai de Yoko era cético quanto ao poder da educação em ajudar em alguma coisa, ao final, ele dá todo o apoio do mundo a sua filha. Se comprometendo a fazer tudo o que estiver em seu poder pra que tanto ela quanto Asahi não abandonem a faculdade e se tornem professores.

Conclusão:

Jitsu Wa Watashi Wa é em 80% do seu tempo um mangá de comédia surreal. Seu humor se baseia em poderes causando confusões. Coincidências incríveis causando o máximo de inconveniência o tempo todo. Personagens fazendo caretas. E o ocasional fanservice que não está ausente do mangá.

Nos 20% restantes do mangá ele bate incessantemente na tecla de que a escola é mais do que um lugar onde você aprende a matéria que você usa no vestibular. E também é mais que um lugar onde você socializa, acumula experiências e faz amigos. Além desses dois, a escola é um lugar, onde você integra as pessoas na sociedade. E uma pessoa sem acesso à educação perde muito mais do que matéria ou a chance de prestar concurso público. Perde um senso de inclusão, e de integração.

A briga de Akane com Shiroyuki parece muito a briga do Charles Xavier com o Magneto, e não por nenhuma analogia de Luther King/Malcolm X, como todo mundo que fala desses dois quer fazer. Mas porque Charles acreditava que poderia ajudar os mutantes com uma escola só pra eles. Essa é a diferença dele pra Akane, para Akane era fundamental que aquele fosse um ambiente em que humanos e não-humanos achassem normal interagir entre si, socializar entre si, participar de festivais entre si. E que a integração viria do quão iguais eles eram dentro da escola, e no quanto isso permitiria que eles formassem laços.

E eu acho que esse é o detalhe que falta em mais narrativas escolares.

Você não vê Dumbledore fazer um esforço para que a experiência de um nascido-trouxa ou mestiço em Hogwarts seja igual à de um bruxo puro-sangue. Pelo contrário, a gente vê completamente normalizada a existência da panelinha só pros supremacistas interagirem e conspirarem entre si. Ele era um aliado da causa, mas sua escola não incentivava o convívio e a integração. Incentivava a rivalidade entre causas e o chocar do ovo da serpente.

Akane Koumoto não chocou ovo da serpente nenhum. Pelo contrário. Ela formou 182 pessoas que estão menos aptar a reproduzir a crueldade e ignorância que o mundo de fora da escola vai reproduzir. E cada uma dessas pessoas é uma semente.

Geralmente narrativas triunfantes sobre educação giram em torno de um professor que desafiou a escola. E elas costumam ser bem boas, pois temos muita escola parada no tempo até hoje.

Mas é uma delícia de vez em quando ver narrativas que subiram um pouco a escala. E que são sobre uma diretora, que desafiou a sociedade inteira.

Sobre o autor

Izzombie

Sou um cara chato que não consegue ver um filme sossegado sem querer interpretar tudo e ficar encontrando simbolismos e mensagens. Gosto de questionar a suposta linha que separa arte de filmes comerciais, e no meu tempo livre pesquiso sobre a história da animação.

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  • – Todos os posts desse blog contém SPOILERS de seus respectivos assuntos, sem exceção. Leia com medo de perder toda a experiência.
  • – Todos os textos desse blog contém palavras de baixo calão, independente da obra analisada ser ou não ao público infantil. Mesmo ao analisar uma obra pra crianças a analise ainda é destinada para adultos e pode tocar e temas como sexo e violência.

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