Avatar – A perfeição do arco de redenção do Príncipe Zuko.

A

Avatar, the Last Airbender, um dos desenhos animados mais aclamados da história, e que mais de dez anos após seu término, segue sendo tão relevante quanto sempre foi. Até outro dia atrás estávamos falando bastante de Avatar, por conta da Netflix que quer fazer uma série Live-Action, mas deixou os criadores putos com decisões, que eles se desassociaram da série, e ela vai ser um enorme fracasso.

Mas assim. Foda-se, não é mesmo? Pois já existe uma série de Avatar, e ela é perfeita, ela não só é animada, mas assim, já é em formato de série e já é excelente. Achar que ser live-action agrega algum tipo diferente de conteúdo é menosprezar a animação enquanto formato. E eu não compactuo com isso.

No fundo eu tenho sentido um pouco isso com os remakes live-action de toda boa animação. Cadê os remakes animados dos bons Live-Actions? Cadê o remake animado de Godfather ou de Forrest Gump? Como o outro lado da moeda não existe, eu sinto que no fundo esses remakes estão meio que arrumando as obras originais, removendo o defeito-de-não-ser-live-action. Tem que começar a pensar em porque os produtores odeiam animação? Será que é porque tira a credibilidade de algo sério? Toquei nesse assunto antes em meu texto sobre Atlantis.

Mas não vim aqui chorar as mágoas por uma indústria que caga em cima de desenho animado. Até porque já anunciaram o filme animado da série mostrando que a indústria animada ainda prestigia essa série maravilhosa. Em vez disso eu vim aqui tecer mais elogios ao melhor Nicktoon de todos os tempos, Avatar, the Last Airbender, em especial ao seu personagem mais marcante, o Príncipe Zuko.

Zuko é o primeiro antagonista do desenho, e na minha opinião o co-protagonista, pois de certa perspectiva a segunda maior história sendo contada, é a história pessoal dele, e ela acontece completamente em paralelo a do Avatar, ocupando espaço na maioria dos episódios. Inclusive o único episódio sem o Aang é protagonizado inteiramente pelo Zuko, e é um dos melhores episódios da série.

Enfim, quando eu comecei a ver Avatar, eu não vou mentir. Eu era um espertalhão arrogante quanto a minha habilidade de identificar clichês e prever rumos de narrativa. Parte de mim ainda é, mas hoje eu sou mais de boa e tento não diminuir as obras pela sua previsibilidade e nem exaltar por sua imprevisibilidade. Pois bem, aí veio o episódio em que Zuko e Zhao se encontram pela primeira vez e eu já havia entendido tudo. Zuko iria eventualmente mudar de lado pro time dos heróis e ser quem ia ensinar dobra de fogo pro Aang.

E alguns podem ter percebido isso um pouco antes ou um pouco depois, mas era óbvio. Que a jornada de Zuko seria uma jornada de alguém que vira a casaca. Estava escancarado. Óbvio. Visível demais. Mais na cara que a identidade secreta do Fantasma Renegado.

Por isso eu acho fascinante que ser previsível não abalou em nada o fato de que é a história de redenção mais perfeita que essa mídia já produziu, com pouquíssimos que podem sequer ser comparados. Eu acredito que o Príncipe Zuko é o personagem mais complexo que já apareceu na Nickelodeon, junto de Helga G. Pataki, com a diferença de que Avatar deu muito mais oportunidades de explorar todas as facetas dessa complexidade do que Hey Arnold deu.

E conforme o tempo passa, mais e mais histórias tentam fazer seus próprios antagonistas em uma jornada de redenção, que ficam populares, mas sempre fica com aquele fantasma. “Ah esse daí é outro Zuko.” “Estão tentando fazer um Zuko”. E esses nunca ficam bons que nem o Zuko ficou bom. O que é normal, pois os roteiristas de Avatar de fato colocaram metade das energias deles colocando todos os detalhes necessários para que o arco do Zuko ficasse perfeito e intocável. E muito roteirista de outras obras coloca essa energia…. em qualquer outro elemento, o que é de boa.

Quando eu comecei a esboçar esse texto a comparação era se a Catra era o novo Zuko. Mas agora surgiu a Namaari pra nos perguntamos se a Namaari é o novo Zuko.
Ninguém é o novo Zuko.

Então é a isso que eu quero dedicar esse texto. A analisar quais pontos fizeram a história de redenção de Zuko ser um dos arcos de personagem mais elogiados da animação, e porque apesar de todo desenho com uma trama envolvente envolver algum nível de uma história de redenção, no fim das contas, só o Zuko foi o Zuko. Não por ser difícil exatamente (embora não seja fácil), mas por que abrange muitos elementos que nem sempre os desenhos usam todos ao mesmo tempo. Culminando em, e não tenho medo de usar essa palavra: perfeição, o arco de personagem perfeito.

E o motivo pelo qual todo vilão convertido em herói do futuro vai ser comparado com o Zuko, e isso é inevitável. Então esse é o texto: O que permitiu que o arco de personagem do Zuko ganhasse o prestígio que ganhou a atingisse a perfeição.

É primeiro um coming-of-age, e depois uma redenção:

A gente repete e repete e repete a palavra redenção para o Zuko, mas a jornada dele é acima de tudo um coming-of-age. O de todos os personagens de Avatar na verdade, mas para Zuko é o maior de todos. Pois virar um adulto pra Aang envolvia ele aceitar seu destino e aceitar ser o que o mundo precisava que ele fosse. Para Sokka e Katara, superar alguns conflitos internos. Mas Zuko estava fazendo a jornada que resume a parte mais difícil de crescer. Entender quem você é.

Todos os conflitos de Zuko são ligados a inúmeras dualidades em sua identidade que tornam difícil pra ele saber quem ele é. E andar em um caminho que vá satisfazê-lo. Logo no começo vemos o contraste, apesar dele se declarar o príncipe e exigir o respeito de um, ele foi exilado e cortado da família, fazendo com que o título dele seja uma mera tecnicalidade. O Príncipe Zuko não usufruía de nenhum privilégio de ser um príncipe, mas ainda usufruía do fardo de ser um. E seu título cujo impacto foi reduzido pela metade era algo que Zuko queria recuperar inteiramente. Ser um príncipe completo.

O segundo ponto de dualidade que ele carregou a série toda foi o seu desejo por ser incluso em uma família que o machucou, emocionalmente e literalmente, na cicatriz que se tornou sua característica física mais notável, e que não por coincidência dividiu seu rosto em dois rostos. Estilo Harvey Dent mesmo, uma marca de sua divisão. Zuko tinha rancor de sua família, mas ele ainda queria ser parte dela, esse desejo contraditório marcou muito do personagem.

O sentimento que atormenta Zuko a série inteira é a incerteza, é não saber o que ele quer, não saber o que é certo e o que é errado, não saber que são seus aliados, e principalmente, não saber quem ele é, não ter terminado de formar a própria identidade. No primeiro episódio ele acha que sabe de tudo isso, mas parte do coração dele está sempre se questionando, e a incapacidade de ter certeza se ele está agindo corretamente ou não é sempre o fator que pega ele, não importa se ele está fazendo o bem ou o mal.

Isso culmina na terceira dualidade que é a sua linhagem ambígua, revelada na reta final. Ele racionalizou sua linhagem e sua família como uma afiliação que ele deveria manter e como um grupo ao qual ele deveria se manter fiel. E essa mentira que ele contou a si mesmo e que o ajudou a justificar várias atrocidades. Mas ele descobre que ele é, na verdade, bisneto tanto do Senhor do Fogo que começou a guerra quanto do Avatar que tentou impedi-la cem anos atrás. No sangue dele estão os dois lados, então a resposta não está ali. Pelo contrário seu histórico familiar é uma reprodução dessa batalha entre o certo e errado em uma escala menor na vida dele. Essa divisão é parte de quem ele é.

Quando pensamos bem, mesmo a divisão de lealdades dele, que queria ser leal ao seu pai Ozai e seu tio Iroh ao mesmo tempo, e conforme a série avança vamos cada vez mais tendo certeza que Iroh e Ozai não são aliados em nenhuma perspectiva.

A jornada de Zuko foi a mesma jornada que a maioria dos adolescentes passa. A de traçar os valores, os caminhos e a identidade que vão definir qual é o adulto que ele vai ser, e passar por isso envolveu passar por uma redenção. Obrigatoriamente passaria, não importa qual ele escolhesse. Afinal, essa foi a maior escolha que Zuko teve que fazer na série inteira. Coube a ele decidir pelo que ele queria se redimir. Pois qualquer lado que ele escolhesse seria uma redenção de certa forma, e escolher esse lado significa para ele escolher qual era a ação do passado que ele considerava abominável e digna de redenção.

O que é redenção?

Redenção é uma palavra que vem da bíblia, significa a reaproximação do ser humano de Deus pelo sacrifício de Cristo, depois de termos nos afastado de Deus quando Adão e Eva cometeram o pecado original.

No uso recorrente e popular da palavra, redenção é usado como uma maneira de superar seus erros e más escolhas no passado, sendo uma pessoa diferente e melhor no presente, o que dependendo da obra pode ser feito de muitas formas diferentes. Normalmente a ficção gosta de fazer a redenção vir com a morte do personagem previamente errado, que deu a vida para pagar pelo seu erro. Darth Vader famosamente morreu durante sua redenção em Return of the Jedi. Assim como a marca da redenção completa de Vegeta foi quando ele explodiu a si mesmo na luta contra Majin Boo. Idem para Piccolo que se matou para salvar Gohan contra Nappa e isso marcou sua redenção.

Eu não gosto disso, não sinto satisfação em ver um cara se matar e agora ele foi uma boa pessoa. Morrer é fácil, e não deixa de ser uma fuga. Uma vez morto, ele não tem que lidar com as consequências de nada do que fez. E deixa tudo se resumir a uma boa ação cometida em seu Grand Finale.

Eu acho que a redenção é mais bem retratada em histórias quando o personagem em vez de morrer o personagem ele faz em vida ações que impeçam que o mal que ele causou se reproduzam.

Mais do que a explosão de Vegeta contra Boo, uma cena do Vegeta que me marcou bem mais foi Vegeta voltando pra Namek em Dragon Ball Super, e tomando responsabilidade pessoal em não permitir que ninguém mais faça uma atrocidade a um planeta onde ele causou um mal irreparável.

Enfim, esse texto é sobre o Zuko, não o Vegeta.

Quando a série começa Zuko já buscava de redimir…. Rápido né? Essa jornada para perceber que ele era do mal veio logo de cara…. Pois é, mas não! Ele queria se redimir, mas não de ser um membro da Nação do Fogo e um soldado na Guerra dos 100 Anos. Ele queria se redimir da desonra que ele cometeu, e ele queria recuperar o que perdeu.

E por isso essa definição que eu fiz acima é algo que eu chamo a atenção. Zuko no começo da série só pensava em redenção, mas ele pensava em redenção como um Crtl+Z, ele queria restaurar uma normalidade e entrar em um estado como se o episódio com seu pai fosse apagado. Ele queria recuperar o que ele perdeu. E para isso ele estava em uma jornada cujo objetivo não tinha real relação com o “crime” de Zuko.

Pelo contrário. Capturar o Avatar não de fato fazia nenhum tipo de compensação ou mudança ao fato de que o Zuko falou fora de lugar e desrespeitou as hierarquias na sala de guerra. Por isso fazia pouco sentido que esse ato fosse redimir Zuko de verdade. Mas Zuko não pensava nisso, pois ele acreditava erroneamente, que redenção era algo que seu pai podia lhe dar, o que não é verdade, é algo que ele tem que dar a si mesmo. Era Zuko quem deveria restaurar a própria honra.

E essa percepção errada não tem nada a ver com ele estar do lado do bem ou do mal, pois a vilã Azula entendia isso, mesmo sendo uma completa vilã longe da possibilidade de redenção.

Quando Zuko venceu o Avatar em Ba Sing Se e se recuperou do exílio, ele seguia enojado pelo que ouvia na sala do conselho de guerra. Mas dessa vez ele se calou, não teve coragem de contrariar seu pai no conselho. A atitude dele havia mudado, mas seu coração nessa questão não havia. Ele não havia feito as pazes com o que fez ele brigar na sala de guerra em primeiro lugar.

Ele obviamente não estava redimido pelo “crime” de falar fora de hora na sala de guerra. Ele estava meramente perdoado na perspectiva de seu pai. Ser perdoado e se redimir são duas coisas diferentes, e uma boa história entende essa diferença e usa essa diferença.

O perdão, é quando uma pessoa específica supera o rancor e sentimentos negativos que ela tem com outra pessoa que causou esses sentimentos. E dependendo do quão grave foi essa ferida, o perdão talvez nunca venha. Mas mesmo um personagem que nunca seja perdoado, tem o poder de redenção. Pois a redenção é sua relação consigo mesmo. Redenção não é a relação de duas pessoas, é uma relação de auto-conhecimento, e de compreensão do poder de seus atos. Entender como esteve em seu poder fazer algo errado, e entender o que está em seu poder para tentar fazer o certo agora.

Zuko confundiu o perdão de seu pai com a redenção. E esse foi seu erro. Pois quando ele tinha o perdão de seu pai, ele se sentia vazio. Ele sentia que nada que ele acreditou que ele queria a sua vida inteira tinha valor, que seu título, sua casa e sua família não tinham valor.

E isso é porque ele estava com raiva de si mesmo. Ele não estava redimido, ele não se sentia honrado, pois o perdão e a honra que ele tinha não lhe foram dados por alguém que ele respeitava. Foram dados pelo seu pai.

Que valor o perdão de Ozai poderia ter pra Zuko se Zuko não perdoou seu pai? Essa hierarquia não fazia mais sentido pra Zuko, e ele viu que seu pai não poderia lhe dar honra ou redenção. E que aquilo que ele achou que queria no primeiro episódio era falso.

E isso é importantíssimo. Um dos elementos que tornam o arco de Zuko perfeito é justamente o momento de fraqueza que ele tem no fim da segunda temporada, em que ele não tem forças pra mudar e ser a pessoa que ele acredita que pode ser, ele preferiu continua sendo quem ele já era e parar de se questionar e descobrir. Porém o processo de auto-descoberta não é algo que se desfaz facilmente, e por mais que ele tenha resistido a mudança, ele precisou voltar ao seu mundo para ver na pele como ele tinha mudado demais para poder respeitar e desejar aquela vida e aquelas aprovações.

É só nesse instante que Zuko verdadeiramente consegue entender quem ele é, e quais são seus valores. Quem são as pessoas que ele respeitam e quem é o adulto que ele quer ser. Quando ele entende isso, diante da insignificância do perdão de seu pai, que ele é capaz de entender, o que é que ele fez de errado. Pelo que ele tem que se redimir.

E essa resposta é complexa. Zuko tinha dois crimes nas costas… mentira, ele tinha muito mais que dois, tinha uma lista grande, mas que podiam ser resumidos para dois. O crime macro e o micro. O crime macro é que ele foi um agente da nação do fogo que espalhou medo, destruição, imperialismo e morte por onde ele passou. Destruiu cidades, casas e vida em nome de uma ideologia imperialista e para agradar um tirano. O crime micro, é que ele traiu seu tio Iroh.

E aí é que está. Pois a jornada de Zuko também é uma jornada de crescimento, autoconhecimento e de saber lidar com suas dualidades. E é sobre como esses elementos dialogam com sua redenção. O Zuko entendeu que Iroh era seu pai verdadeiro, pois foi Iroh que o ensinou os valores que ele acredita e é em Iroh que ele se espelha e quer ser.

Por isso é importante que além de se redimir por todos os crimes contra a humanidade que ele cometeu, ele também se redima do seu crime contra Iroh, pois esse crime foi por extensão um crime de Zuko contra si mesmo. Foi os momentos em que Zuko ao ferir todas as pessoas em seu caminho se feriu.

E é curioso pensarmos no quanto Iroh guiou Zuko, como exemplo de vida e como figura paterna. Pois a história de Iroh é uma história de redenção também.

A Redenção de Iroh:

Zuko não era o único personagem que tinha do que se redimir. A redenção do Zuko é marcante, pois a redenção do Zuko é a única da série que marcou a transição de um vilão para um herói, e vimos ele passar por cada checkpoint dessa jornada. Porém Aang também estava em uma jornada de redenção, a maioria do mundo havia perdoado ele, mas ele tinha que perdoar a si mesmo, e mais que isso, ele tinha que compensar com as suas ações o fato dele ter dado as costas ao mundo cem anos atrás, e a responsabilidade que seu medo de mudanças trouxe aos rumos da guerra. Jet tinha que compensar os erros de sua primeira aparição também.

Mas o personagem que fez a redenção mais significativa da série inteira, mais mesmo que a de Zuko, fez isso offscreen anos antes da série começar, e foi o tio de Zuko e personagem mais carismático da série: Iroh.

Quando conhecemos Iroh ele é um velho calmo, paciente, pacífico e sábio. Seu corpo acima do peso, e seu apreço por chá, relaxamento, música, chá, comida, prazeres, Pai Sho e chá, nos passam a impressão de que ele é um bonachão, mas havia muita sabedoria naquele homem. E ele se destacava por ao mesmo tempo que se mostrava absolutamente leal ao seu sobrinho, ele nunca parecia ideologicamente envolvido em nada que acontecia. Ele parecia neutro.

Ele não parecia realmente interessado em capturar Katara, mas também não questionava as ordens de Zuko e obedecia lealmente.

Isso é porque ele tinha que parecer neutro pra poder guiar Zuko a perceber sozinho o lado certo do conflito. Pois antes da série começar, Iroh já havia passado por seu arco de redenção. Embora não tivesse completado ele. Mas ele havia mudado seu coração.

No passado Iroh era um general da Nação do Fogo, e um dos maiores. Movido pela premonição que teve de que ele seria o homem que dominaria Ba Sing Se, ele se tornou um conquistador da Nação do Fogo sonhando em um dia tomar Ba Sing Se. E matou gente por isso.

Porém, quando ele fez um cerco na cidade de seus sonhos, seu filho, que era soldado, Lu Ten, faleceu no cerco. E o mundo de Iroh morreu com seu filho. Ele retirou o cerco, e admitiu derrota em grande desonra e se aposentou militarmente. Sua fama virou a de desertor e de um general vergonhoso.

Mas para Iroh o que pesou nele era que ele deixou seu filho morrer. Essa era sua vergonha. Ao voltar pra casa, Iroh se apegou ao seu sobrinho, como uma forma de lidar com a perda do filho. E não interferiu quando seu irmão mais novo usurpou um trono que era dele por direito. Ele preferiu nas sombras fundar uma organização de paz entre as nações, com outras pessoas ao redor do mundo.

E isso é importante. Iroh passou de um senhor da guerra para um pacifista. Passou de herdeiro ao trono, a uma pessoa humilde que não vê vergonha em estar nas mais baixas hierarquias. Ele negou os aspectos de sua ambição, e isso foi mais simbolizado que nunca, pois ele aceitou viver como refugiado em Ba Sing Se, a mesma cidade que ele um dia quis vencer, ele aceitou como centro de acolhimento.

Mas só mudar a personalidade não é o suficiente. Redimir-se também está em suas ações. Não dá para consertar o que foi feito na maioria das vezes, não dá para desqueimar o que queimou. Mas você pode ser uma força ativa pra nunca acontecer de novo e Iroh foi.

No icônico episódio Tales of Ba Sing Se, vemos ele ter um dia normal. Onde ele se destaca por ser uma pessoa que ajuda os estranhos. Ele ajudou uma criança a não chorar, protegeu crianças de um velho ranzinza, e até mesmo ajudou um ladrão a encontrar um caminho melhor na vida. Todo mundo que ele puder ajudar ele ajuda. O dia acaba com ele indo até uma árvore específica e fazendo um memorial pra seu filho no aniversário dele, lamentando não tê-lo ajudado.

Iroh tenta fazer o bem pros demais, e ajudá-los, mas ele principalmente tenta guiá-los pro bom caminho, para poder ser uma força ativa que vá na direção contrária do mal que ele já fez.

E isso vale no macro e no micro. Ele causou um mal gigantesco pra muitas pessoas, mas ele também guiou seu filho para a morte, ensinando-o a ser um soldado. E por isso, ele adotou um jovem para educar, o jovem ia percorrer o mesmo caminho de guerra se deixado normalmente, e ele educou valores de paz e amor pra esse jovem. Ele tirou Zuko da mesma mentalidade que matou Lu Ten. E isso é a sua grande redenção.

Mas nada disso é um fardo pra Iroh, uma tarefa hercúlea ou algo que o Iroh paga com dor e sofrimento. Pelo contrário, Iroh nos passa a sensação de ser um velho bonachão, que vive pelos prazeres e que está sempre de bom humor, apesar de suas inúmeras, cicatrizes e arrependimentos.

E isso é por um fator que é um diferencial real de como Avatar the Last Airbender trata redenção em comparação a maioria das séries. As ações de Iroh que ele cometeu no passado lhe tiraram sua paz. Mas agora ele está em paz, consigo mesmo, ele sabe quem ele é, e ele tem um estilo de vida baseado em valores do qual ele se orgulha. Ele conseguiu dar paz a si mesmo. E isso é um contraste enorme com Zuko, que incapaz de decidir a coisa certa a fazer, está sempre em conflito consigo mesmo, com o coração dividido em dois.

Redenção é algo que os personagens de Avatar fazem por si mesmos. Como reforcei, Iroh não estava esperando ser perdoado por ninguém, ele estava buscando a sua paz. E ele encontrou. Mas para encontrar, ele precisou mudar a sua relação com as pessoas ao seu redor. Ou como o próprio personagem explica num dos melhores momentos de Legend of Korra:

As vezes a melhor forma de resolver seus problemas, é ajudando outra pessoa.”

O que transmitiu pra Zuko.

E como Zuko se redimiu?

Iroh guiou Zuko para fazer a coisa certa, não obrigando ele a fazer a coisa certa, mas pelo exemplo, sendo a melhor pessoa que ele podia ser com Zuko e inspirando-o a entender e dividir seus valores.

E demorou um pouco pra Zuko realmente valorizar a pessoa maravilhosa que seu tio era, e a importância do que ele tinha a ensinar. E demorou pois Zuko era jovem, com muitas influências distintas dentro dele, muita raiva acumulada, muita dor e muita rebeldia.

Por isso coube a Zuko amadurecer e ser capaz de analisar cada influência dentro dele, e escolher qual a correta. Quando Zuko amadureceu o suficiente para entender quem ele é, e entender quais valores ele aceitou pra si, ele foi capaz de se tornar uma força ativa para combater o mal do qual ele foi parte um dia.

E mesmo armado diante de seu pai sem poderes, Zuko havia entendido que ele não ia atingir redenção matando seu pai, e dando um golpe de Estado assumindo o trono. Ele ia atingir redenção ajudando outra pessoa. Ajudando e guiando Aang para ser um dobrador de fogo.

Não só Aang. Tem uma série de episódios do Zuko ajudando individualmente Aang, Sokka e Katara a passar por uma jornada pessoal que dialoga com as dores de Zuko. Zuko estava ajudando os outros, para se descobrir mais.

Quando ele ajudou Aang a descobrir o real princípio da dobra do fogo, Zuko no processo se reconectou e ressignificou uma cultura que ele havia passado a associar com o mal por conta de seus pecados. Aang não era capaz de ver o fogo como uma força do bem por conta de um incidente em que queimou Katara, e Zuko também não, pois ele ativamente tinha usado o fogo pro mal, e o elemento e a cultura foram reapresentados aos dois, o que permitiu a Zuko poder ensinar dobra de fogo pra Aang como uma força do bem.

Quando Zuko ajudou Sokka a libertar seu pai da prisão, ele deu a Sokka o poder e a oportunidade de fazer algo que ele não conseguiu fazer. O maior arrependimento de Zuko era ter mandado seu tio pra prisão, e ele estava tirando esse fardo de Sokka.

Quando Zuko ajudou Katara a encontrar o assassino de sua mãe, ele ajudou ela a encarar a dor de tê-la perdido, que é uma dor que conecta Katara e Zuko, pois ele também teve a mãe tomada. Nessa jornada, Katara entende que ela não precisa se vingar, pra não perdoar. E ela consegue perdoar Zuko.

Zuko ajudava pessoas a superarem aquilo que Zuko precisava superar também, e fazia o bem a si mesmo, fazendo o bem aos demais.

E tudo isso é algo que ele pode mostrar para seu tio, o quanto ele cresceu, amadureceu, se descobriu e optou por fazer a coisa certa, e como ele tomou sozinho a decisão correta e aceitou ser parte da solução.

Dando ao Iroh a chance de ver com seus próprios olhos que ele conseguiu passar pro Zuko os valores que ele queria. E tudo isso agrega muitas e muitas camadas no que torna o reencontro deles um dos momentos mais emocionantes da série.

Conclusão:
O que é redenção?

Arte de Ming85

Entre Sokka querer salvar seu pai da cadeia, Iroh querendo parar a guerra, Zuko ensinando dobra de fogo ao Avatar e Aang encarando seu destino. Muitos personagens em Avatar estão em uma jornada de redenção. E a série ao mostra essa jornada passa muitas ideias que são bem fora do convencional que séries fictícias, em especial as de aventura e batalha contra o mal nos ensinam sobre o que é redenção.

Em Avatar, se redimir não é só trocar de lado.

E se redimir não é morrer.

Redenção também não é perdão, e não é algo que alguém no mundo pode te dar, como o perdão.

Redenção é algo que você faz dá a si mesmo. Quando você está em paz com a pessoa que você é. Você sabe quem você é, e está em paz com o que você faz.

E é por isso que personagens que não são atormentados pelas suas ações, psicopatas como Azula e Ozai não são capazes de se redimir. Pois eles estão em paz com as pessoas que eles são, eles não tem paz interna para alcançar revendo seus erros.

E essa paz vem do fato, de que você consegue estar em paz com a pessoa que você foi e com seus pecados, porque você é uma força para impedir que seus erros ou pessoas que cometem seus erros sigam fazendo o mal.

Pois você não pode desfazer o mal que você causou. Quando uma coisa está feita, ela está feita. Mas você pode ser uma força do bem, e começar a causar o bem. E isso vale mais do que a morte. Pois isso não é algo que se paga morrendo, é algo que se paga vivendo e com ações.

Mas se paga essencialmente mudando, mudando seu coração, e agindo de acordo com novos valores. E vivendo de acordo com esses valores. E isso não é algo que acaba quando você derrota um vilão. É uma maneira como você vive seu dia a dia. Isso transparece com como você interage com estranhos, com como você trabalha e com seus hábitos cotidianos.

Arcos de redenção sempre foram populares na cultura pop. Mas desde Avatar the Last Airbender, toda história quer ter seu Zuko. Quer ter um personagem afiliado ao time do mal, que tem seu passado de abuso revelado, e fazê-lo tocar o time do mal pelo time do bem. E isso não é foda. O foda é que justamente, isso coloca eles numa situação em que, os fãs querem ver um Zuko neles, por gostarem da obra, e os haters querem lembrar que eles não são o Zuko, por quererem diminuir a obra.

E nossa, as vezes puxam o nome do Zuko pra fazer umas comparações bem otárias. Bem otárias mesmo.

E ninguém é o Zuko. O Zuko foi além, a perfeição do Zuko é porque a série foi no fundo de todo o conceito de redenção pra trabalhar.

A história do Zuko não é a história de alguém que trocou de lado.

É a história de alguém que decidiu por quais valores ele queria viver a vida, e essa decisão foi uma batalha difícil, que passou pela passagem dele de criança para homem. De príncipe para rei. De um moleque dividido por dentro, pra alguém que sabe exatamente que lugar quer ocupar no mundo.

E nem todo antagonista de toda história nova tem tempo ou a intenção de ter esse nível de trabalho. As vezes o foco é outro.

Ninguém precisa mirar no Zuko. Mas já que alguns miram, e já que o Zuko passa mensagens muito relevantes, e quebra muitas ideias que eu acho ótimas que sejam quebradas, que eu acho interessante entender porque o Zuko é o Zuko.

Por que a real é que passaram 13 anos, e nesses 13 anos os EUA passaram pela sua melhor fase de séries animadas que já teve em sua história. E mesmo assim, só o Zuko é o Zuko. E só o Zuko vai ser o Zuko por muito tempo.

Sobre o autor

Izzombie

Sou um cara chato que não consegue ver um filme sossegado sem querer interpretar tudo e ficar encontrando simbolismos e mensagens. Gosto de questionar a suposta linha que separa arte de filmes comerciais, e no meu tempo livre pesquiso sobre a história da animação.

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Sou um cara chato que não consegue ver um filme sossegado sem querer interpretar tudo e ficar encontrando simbolismos e mensagens. Gosto de questionar a suposta linha que separa arte de filmes comerciais, e no meu tempo livre pesquiso sobre a história da animação.

Alertas

  • – Todos os posts desse blog contém SPOILERS de seus respectivos assuntos, sem exceção. Leia com medo de perder toda a experiência.
  • – Todos os textos desse blog contém palavras de baixo calão, independente da obra analisada ser ou não ao público infantil. Mesmo ao analisar uma obra pra crianças a analise ainda é destinada para adultos e pode tocar e temas como sexo e violência.

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