One Piece – Qual o valor do dinheiro? (Saga East Blue)

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Ficaram sabendo? One Piece chegou na impressionante marca dos 1000 capítulos. Isso é um feito notável, não é qualquer mangá que faz 1000 capítulos. E vocês sabem que eu amo One Piece e dediquei muitos textos a esse mangá (e dedicarei ainda mais), escrevi sobre como a série trabalha parentesco, escrevi sobre os candidatos a vilão final do mangá, escrevi sobre quem é o imediato do bando, sobre como o tema de mentiras é trabalhado no arco Whole Cake Island e sobre a relação do mangá com autoritarismo num geral. Eu até mesmo reclassifiquei os Akuma no Mis, em minha crítica aos três tipos de fruto que o Oda criou. É muito texto, digno de um mangá com 1000 capítulos que oferece muito para se pensar.

Enfim, aí pra celebrar o capítulo 1000 eu comecei a reler o mangá do começo ao fim, e notei uma coisa interessantíssima no mangá logo no começo. Que eu quero dedicar mais um texto falando.

O mangá fala muito sobre dinheiro no seu começo, o que não é surpreendente em um mangá sobre piratas, e ai de repente não fala mais tanto. Porém nos mais importantes arcos da fase East Blue, dinheiro é um assunto que vem a tona com força, questionando pra que ele serve, como ele afeta a vida dos outros, o que ele motiva, e especialmente, o conceito de valor.

Depois de East Blue, nenhum vilão estava motivado mais por dinheiro. Nenhum pirata relevante da Grand Line parece estar motivado a enriquecer. O Bando do Chapéu de Palha ter ficado temporariamente rico foi um ponto importante pra Water Seven funcionar, mas menos pra questionar o poder do dinheiro, e mais para vermos os protagonistas entrarem em transações comerciais.

Inclusive, o Franky faz um ponto em provar que ele não liga nem um pouco pra dinheiro exceto quando precisa comprar algo, não desejando ter um centavo sequer guardado.

Depois de Water Seven/Ennies Lobby, o bando fica rico novamente em Thriller Bark, mas ninguém toca no assunto desse tesouro pois o bando se separa, eu sequer lembro o que aconteceu com esse tesouro, se ficou no Sunny por dois anos ou não. Do novo mundo em diante, é mencionada a relação dos impostos que os países do governo mundial pagam pra ele, e de como países sem dinheiro não são protegidos pela marinha.

E a pobreza de Wano é importante, mas os vilões de Wano não lutam por dinheiro.

Então pobreza e falta de acesso a serviços é algo que segue sendo mencionado, mas não é exatamente a mesma coisa. E de certa forma não é como se a menção a palavra berries fosse sumir, o mundo funciona com dinheiro, é só que…. Não é exatamente um tema como já foi.

E quando colocamos nesses termos, de temas, dinheiro um tema que marcou muito o East Blue mesmo. Porque na maioria arcos dentro do East Blue, a visão dos personagens de dinheiro, especialmente do quanto valor eles tem, é uma das engrenagens que fazem o arco girar.

Por que? Eu só posso dar chutes, não sei, talvez fosse um subtema que amarrasse o arco, talvez a cabeça do Oda tenha ido pra outros caminhos, eu nunca saberei. Mas eu quero fazer aqui uma análise pequena de como a questão do dinheiro é trabalhada no East Blue, arco por arco.

Então vamos lá:

Romance Dawn – O Resgate de Higuma:

O primeiro exemplo é o mais simples de todos. No exato primeiro capítulo. O primeiro capítulo é um capítulo de muitos ensinamentos do Luffy, mas eles podem meio que ser resumidos a maioria em: como e quando brigar. E o que o Luffy aprendeu com Shanks tem muito a ver com que brigas valem a pena de se travar e quais não valem.

Por exemplo, quando Higuma insultou Shanks e jogou cerveja em sua cara, era uma briga que não valia a pena brigar.

Mas Luffy comprou essa briga, e foi uma decisão idiota, e Higuma sequestra ele, e cogita vendê-lo pro circo. Ao ver que Higuma havia capturado Luffy, o prefeito da vila, Whoop Slap, imediatamente se curva, e oferece dinheiro pra Higuma, falando que pagaria para deixar Luffy vivo.

A decisão foi enquadrada como uma decisão sábia, de alguém que usa a cabeça pra resolver conflitos, diferente de Luffy que queria sair socando tudo.

Mas Higuma não aceita a oferta, querendo descontar sua raiva em Luffy. É quando Shanks, interfere e ensina que não vale a pena lutar por orgulho, mas vale a pena lutar pelos amigos.

É uma ceninha muito simples, em que Whoop Slap viu a oportunidade de impedir que uma grande violência ocorresse usando dinheiro, e tendo essa oportunidade ele usou, e foi taxado como sábio. Nada elaborado, mas também, foi um capítulo só que durou esse conflito.

Orange Town – O que é um tesouro?

Em Orange Town, nós conhecemos quase que simultaneamente os dois personagens que até hoje, duas décadas depois ainda são os dois personagens mais gananciosos que o Oda já criou. Nami e Buggy.

Apesar de Nami e Buggy serem inimigos, de fato, quando Luffy entra na cidade, ele está interrompendo um conflito entre Nami e os subordinados de Buggy, os dois têm uma coisa em comum. Eles só tinham olhos pra dinheiro, ouro e tesouro. E por isso eles não entendiam com facilidade a ideia de que tesouro é um conceito subjetivo, e o que nem tudo que tem valor vale dinheiro, e que uma coisa pode ser um tesouro pra uma pessoa por razões emocionais.

Que é o grande tema do arco em Orange Town, mas já havia sido introduzido antes, em Shell Town quando Zoro explicitamente chama as próprias espadas de tesouro. Tesouro é algo subjetivo que tem valor pra pessoa em si, e esse arco bate nessa tecla, mas não é assim que Nami e Buggy percebem as coisas.

Digo, a Nami não tinha exatamente dificuldade em entender isso. Mas ela não acredita e nem respeita a ideia, quando Luffy explica pra ela que seu Chapéu de Palha era valioso por motivos emocionais, e não financeiros.

Porém é só com o Chapéu de Luffy, pois quando ela escuta a história da loja de ração que era o tesouro de Chouchou, ela simpatiza com o cachorro e com a dor que ele sente em perder a loja.

Sabendo os rumos da história, sabemos que a Nami sim tem coisas que ela aplica valor por motivo emocional, como a sua vila, mas ela foi desde os oito anos obrigada a colocar um valor financeiro na própria vila, a vila que ela ama mais que tudo e quer proteger vale exatamente 100 Milhões de Berries, sem um berrie a menos ou a mais. A vida de seus entes queridos também, vale 100 mil berries ao mês, sabemos que Arlong a obrigou a saber quanto custam seus entes queridos e aquilo que ela dá valor emocional e ela nunca se esquece disso.

Então por mais que Nami seja capaz de empatizar com isso, ela não costuma ver o mundo por esses olhos.

Buggy por outro lado não tem empatia nenhuma e não cede o pé nessa visão. Para ele tudo o que existe é ouro. Ele tem os poderes do fruto do diabo, e poderes bons e úteis, mas a única associação que ele faz aos próprios poderes, é que ele podia ter vendido a Bara Bara no Mi por 100 milhões e perdeu a chance.

Se no novo mundo várias pessoas pagariam fortunas pelo poder e pelas portas que se abrem quando você come um fruto, Buggy tem mais interesse em receber essa fortuna do que em ter esse tipo de poder.

A ganancia de Buggy é contrastada com o senso de aventura de Shanks que foi seu colega, então Buggy entrou nessa área pela grana, e Shanks pelo romance, e sendo Luffy uma pessoa que aprendeu a ser pirata com o Shanks, é óbvio que Buggy representava sua antítese. E por isso quando eles brigavam pelo mapa da Grand Line era um objeto que os dois davam valor por motivos diferentes. Luffy via a Grand Line como uma terra de aventura, mas a Nami e o Buggy viam como um lugar onde dava pra enriquecer muito.

Do lado de Luffy, o cachorrinho Chouchou, e o prefeito Boodle entendiam que tesouro é o que tem valor emocional acima do financeiro, o que marca os dois únicos personagens sem essa perspectiva no arco, como forasteiros ao cenário. Pois aparentemente toda a população dividia o sentimento de Boodle de que aquela cidade era um tesouro por conta do esforço e união necessários pra construí-la.

O tema ainda ganha uma sobrevida nessa passagem curta e simpática que Nami e Luffy fazem na ilha de Gaimon. Um homem que passou vinte anos em uma ilha de animais exóticos protegendo cinco baú de tesouro com os quais ele era obcecado, mas após descobrir que esses baús estavam vazios, decidiu lutar pra proteger os animais que fizeram companhia pra ele por vinte anos.

Vila Syrup – Dinheiro, paz e felicidade.

Quando o bando chega então na vila Syrup, a trama do arco gira em torno de um rapaz chamado Usopp e sua amiga chamada Kaya. Sendo Kaya uma jovem rica, dona de uma grande mansão cheia de criados. Porém Kaya é uma menina doente, enfraquecida pela depressão após a morte de seus pais que lhe deixaram toda a fortuna de herança.

Em resumo, ela tem meios, dinheiro, uma mansão e toda a mordomia que ela pode querer no mundo, mas nada disso trás felicidade pra ela. Ela é uma pessoa infeliz, sem a capacidade de usar sua fortuna para algo que a tire da cama.

O que ilumina a rotina dela é a sua amizade com Usopp, um jovem da vila que perdeu a mãe pra uma doença, e que conta histórias mirabolantes para alegrá-la.

Porém, o mordomo de Kaya, planeja matá-la e herdar toda a sua fortuna. E é a luta de Usopp e dos Piratas do Chapéu de Palha para deter o mordomo que move o arco. O que é bem óbvio, mas importante de ser ressaltado, é. Kuro está lutando por dinheiro, ele quer a fortuna de Kaya pra si. Mas os heróis não estão lutando por Kaya exatamente.

Um dos criados de Kaya instrui ela a dar todo o dinheiro a Kuro sem nem hesitar se isso puder salvar a vida dela, que não existe nenhum motivo pra arriscar a vida pela mansão. O que rima com a maneira como o prefeito da vila de Luffy negociou com Higuma.

Se você pode salvar uma vida dando dinheiro pra alguém, então é uma troca que os personagens fazem sem pensar duas vezes, esse dinheiro não é algo pelo que vale a pena brigar, nem morrer. E Kaya entende isso.

Agora, o curioso, é que Kuro recusa o dinheiro de Kaya, como maneira de salvar a vida dela. Pois não era só ser rico, era ser rico e poder ter paz, manter a vida dele e as relações que ele construiu na cidade, e essa paz ele não podia comprar só com o dinheiro, ele precisava da narrativa da jovem que morreu cedo e deixou a herança pro mordomo. Ele precisava de um plano elaborado, pra todo esse dinheiro que ele ia conseguir ter valor.

E diga-se de passagem o plano dele é uma merda. Meu deus, mais furado que peneira, caralho Capitão Kuro. Disfarçava o Jango de médico, hipnotizava ela numa consulta. E depois você lentamente envenena ela com os remédios que você dá e mente que ela não aguentou. Que ideia cretina essa aí dos piratas, tinha tudo pra dar errado. Mas a verdade é que se os vilões de mangá que alegam serem superinteligentes fossem superinteligentes, não seriam planos que podem ser impedidos com o herói metendo um murro no vilão.

Mas é isso, o dinheiro não deu felicidade pra Kaya e não daria paz pro Kuro por si só. O dinheiro precisava de um contexto muito específico pra ser útil na vida do Klahador, e era algo do qual Kaya podia se desapegar pra sobreviver, pois ela tá com a cabeça no lugar certo.

Próximo arco:

Baratie – Dinheiro enche a barriga?

E dali vamos para o Restaurante Flutuante Baratie. Um restaurante que funciona em um navio, e que é famoso por seus cozinheiros brigões e violentos que mais parece um navio pirata que um estabelecimento comercial.

E para exemplificar os cozinheiros brigões, somos logo de cara introduzidos a dois cozinheiros com visões muito diferentes de negócios: Sanji e Paty.

Sanji é introduzindo espancando um de seus clientes, após uma briga. O cliente se sentindo humilhado por que Sanji evidenciou que ele não entendia de vinhos, jogou um prato de sopa no chão. Sanji questionou que ele não devia desperdiçar comida, o cliente então rebateu com um “cala boca que eu estou pagando.” e Sanji respondeu, antes de espancar esse cliente “E você come dinheiro?”.

Paty por outro lado está no outro extremo, ele fica indignado com Sanji atacando o cliente, pois ele é do time de que o cliente tem sempre a razão, o cliente é absoluto, e deve ser bajulado e agradado. Porém para Paty existe um pré-requisito básico para ser um cliente: ter dinheiro. E aquele não tem como pagar não é um cliente, e para Paty recebe o mesmo tratamento que o otário dos vinhos recebeu do Sanji.

Sanji e Paty tinham duas perspectivas opostas de pra que aquele restaurante servia. Se era pra quem queria comer, ou se era pra quem queria consumir. Um cliente que queria usar daquela comida para esbanjar seu status e classe, mas que era capaz de jogar comida fora sem comer, pro Sanji era lixo. E um homem faminto que não era capaz de pagar pela refeição pro Paty era lixo. E o oposto era verdade, enquanto um esnobe desrespeitoso era sempre bem-vindo aos olhos de Paty, um homem faminto sempre seria bem tratado por Sanji.

A perspectiva de Sanji, também era a do dono do restaurante, Zeff. E os dois fundaram o Baratie juntos, após uma experiência em que passaram mais de 90 dias ilhados em uma pedra passando fome. Era só eles naquela pedra miserável: Sanji, Zeff e um saco lotado de tesouro. Diante dos meses passando fome, Zeff observava bem a ironia de ser um homem rico e estar morrendo de fome. E Sanji aprendeu bem essa lição.

O que só é reforçado quando descobrimos muito tempo depois, que Sanji nasceu em uma vida de luxo, e abdicou de confortos financeiros ao fugir de casa e seguir seu sonho. E que ele despreza a sua família biológica de príncipes acomodados em privilégios que recebem por seu sangue azul.

Enfim, a ironia de ser rico e não poder comer ganha uma rima quando o restaurante é visitado pelo pirata Don Krieg, que está literalmente morrendo de fome. Ele implora por comida, e ressalta que ele trouxe muito dinheiro, pra pagar por ela.

Porém o histórico criminoso de Krieg fala mais alto, e Paty fica muito feliz com a perspectiva de ver Krieg morrer de fome ali mesmo. Acreditando que ele bem alimentado era uma ameaça ao restaurante. O dinheiro de Krieg não valia nada naquele restaurante onde os cozinheiros queriam que ele morresse.

Porém nem Zeff nem Sanji entram no pacto de deixar Krieg morrrer de fome. Pois pra eles o restaurante não era pra julgar ninguém, era pra alimentar os famintos, era pra não deixar ninguém passar o que os dois passaram.

O que tudo martela a mesma moral. Não dá pra comer dinheiro. O valor do dinheiro é proporcional ao poder dele de comprar a sua comida, mas no instante e que ele perde esse valor, ele de nada serve, pois o que tem real valor é a comida, que te mantém de pé. E o arco martela muito esse conceito da importância da comida, e de como tudo fica subjetivo perto dela.

Não só o dinheiro, Zeff comeu a própria perna pra sobreviver naquela pedra, sendo ele um guerreiro famoso pelos seus chutes invencíveis, ele trocou a fonte de seu poder e status por comida e se aposentou.

Para além disso o arco reforça o tema do anterior, com Sanji deixando claro que o restaurante é o tesouro de Zeff, e o dinheiro pra Zeff tem o valor da perspectiva de manter o restaurante funcionando. Ele investiu cada centavo que tinha no restaurante, e pra ele quando Luffy causou danos no restaurante a compensação tinha que vir em forma de algo que ajudasse o restaurante, tanto faz se dinheiro ou trabalho. E qualquer reclamação que Zeff faça de dinheiro sempre vem no formato de “vocês vão falir meu restaurante.”

Pro Zeff dinheiro que não serve pra ele investir no próprio sonho não é nada que ele tenha interesse. E o sonho dele é os meios de alimentar todo mundo, seja rico ou pobre, mocinho ou bandido.

De resto, o comentário de “mas você sobrevive comendo dinheiro?”, é bom porque encaixa com um dos grandes temas de One Piece que é justamente a ideia de resistir vivendo, pois é necessário sobreviver para ver o futuro. E o primeiro arco que ressalta isso é o próximo:

Arlong Park – Dinheiro e a vida.

Ah o arco do Arlong Park. O momento que pegamos um mangá que já estava excelente, e percebemos que ele podia ficar muito além de nossas expectativas. Arlong Park é o primeiro arco que faz a gente se sentir assim, de muitos.

Nesse arco vemos uma pequena vila chamada Kokoyashi sendo dominada pelos piratas de Arlong, um grupo de homens-peixe que odiavam humanos. Pois bem, os moradores da vila tinham duas opções, ou ele pagavam uma taxa mensal para Arlong por suas próprias vidas, ou eles morriam. Cada morador precisava pagar, e se pelo menos um não pagasse a taxa por si mesmo, todos morreriam. O que isso rendeu foi um período de 8 anos em que os moradores viveram aterrorizados de medo de Arlong. Em especial por que no dia que ele atacou, a mãe de Nami, e moradora querida da vila morreu para servir de exemplo, pelo crime de ser pobre.

Nami uma das moradoras da vila, se juntou ao bando de Arlong sob uma promessa importante. Que se ela juntasse cem milhões de Berries, compraria a ilha de Arlong e teria seu povo libertado. Arlong promete, e garante que jamais descumpriria uma promessa envolvendo dinheiro.

Para Arlong o dinheiro era uma ferramenta importante de manutenção de paz. Com subornos para a Marinha, ele mantinha pessoas que de outra maneira seriam seus inimigos como aliados. Com a promessa para Nami, ele a mantinha trabalhando pra ele. E cobrando dos moradores da vila, ele mantinha a eles a esperança de que poderiam continuar comprando suas vidas, desde que tivessem dinheiro o suficiente. Arlong acredita no dinheiro, e usando ele como intermediário, ele se torna capaz de interagir com seres humanos que ele odeia. E assim todos que interagem com Arlong colocam o dinheiro como o centro da própria vida, quer queiram, quer não.

E por oito anos, Nami acreditou que poderia lidar com ele somente com dinheiro. Ela só tinha que juntar. Claro que Arlong era astuto quanto a própria promessa, e deu um jeito de burlar com brechas. Ele denunciou Nami para um marinheiro corrupto, e em troca de poder ficar com o dinheiro pra si, o fez confiscar o dinheiro de Nami, obrigando-a a juntar tudo de novo.

Ao mesmo tempo em que essa necessidade de juntar dinheiro para comprar o seu direito a vida é um fardo, é também uma esperança, de que podendo contar que terão o dinheiro, eles podem contar que seguirão vivos. O que casa com uma ideia que o mangá reutiliza o tempo too: “Continue vivendo, que coisas boas acontecerão.”, é importante não desistir de viver, e se você aguentar firme para o futuro, poderá ver coisas excelentes. E se o dinheiro pode te fazer sobreviver, então ele deve ser usado para isso sim, o mangá nunca defende dar um jeito de poupar esse tipo de dinheiro, pois a prioridade é sempre a vida.

Enfim, Luffy aparece, mói o Arlong na porrada, e acaba a fase East Blue. Digo, tecnicamente tem ainda Logue Town, mas nada significativo acontece, exceto por Zoro ter pegado dinheiro emprestado com a Nami pra comprar espadas, mas aí conseguido duas espadas de graça por impressionar o dono da loja.

E aí eles entram na Grand Line.

Grand Line – Dinheiro X Poder:

O protagonista da série House of Cards, Frank Underwood disse uma vez que escolher dinheiro acima do poder é um erro na política, um erro que todo mundo comete e que ele não é capaz de respeitar quem comete, e por isso é divertido pensar em como ele apreciaria a Grand Line, onde a linha de pensamento dele é comum.

Uma vez na Grand Line nenhum arco girou mais em torno de ter ou não dinheiro, e nenhum novo vilão buscou por uma fortuna. Claro, menções de dinheiro aqui e ali, o tempo todo, pois eles não vivem em um mundo desprovido de moeda, mas nunca mais apareceram personagens buscando enriquecimento.

A Grand Line é o mar dos fortes, onde os fracos não duram, e a gente nota essa mudança de chave no tom dos vilões. O que a maioria deles quer, é ter poder.

Crocodile é um homem devidamente rico, que investe seu dinheiro em uma organização secreta, que ele ambiciona permitir que ele se torne o Rei de uma Nação poderosa o suficiente para subjugar o Governo Mundial. Buscando ter acesso a maior arma de destruição em massa que já existiu, para Crocodile dinheiro não era algo que ele queria ter para transformar em mais dinheiro, era um meio dele investir em seu plano final, o de ser o maior rei desse mundo.

E seus subordinados aparentemente entendiam isso, pois é notável que o que motiva seus subordinados a lutar não é serem recompensados em dinheiro, é serem recompensados em promoções numa hierarquia interna que depois se transformará em títulos dentro da utopia de Crocodile.

A única exceção sendo Mr.3 que é retratado como um homem ganancioso, inclusive com um tique verbal nunca traduzido de que ele sempre termina as suas frases em japonês com a palavra kane (dinheiro). Mas Mr.3 por motivos desrelacionados acaba sendo o único oficial que Crocodile formalmente expulsa da Baroque Works na nossa frente, mostrando que eles obviamente não eram pessoas compatíveis. E hoje Mr.3 se juntou ao bando de Buggy, mais compatível com essa mentalidade.

Depois de Crocodile tivemos Enel, que havia dominado Shandora, uma cidade feita inteiramente de ouro, e não via nesse ouro nada mais nada menos do que um grande condutor de eletricidade, e na perspectiva dele esse era todo o valor que o ouro tinha. Na cultura de Enel, algo muito mais valioso que ouro era terra, rara nas ilhas do céu.

Após Skypiea, os membros do bando do Chapéu de Palha ficam ricos, e tem seu dinheiro roubado por Franky. Aí temos tanto o momento em que Franky fica indignado que seus investimentos com o dinheiro roubado tiveram troco e simplesmente torra tudo em bebidas pra um bar inteiro só pra não ter dinheiro guardado, como no fim ele deu um navio pro bando, e como o dinheiro tinha como proposito ser investido em um navio, ficou elas por elas. Eles torraram todo o dinheiro deles em um navio e é isso.

Os vilões do arco são completamente desrelacionados a isso, são agentes secretos querendo apagar da existência uma pessoa que sabe demais sobre os podres do governo mundial. Manutenção de poder.

Aí vamos pra luta com o Moria que pros propósitos desse texto é irrelevante, e começamos a ver os Nobres Mundiais, e desse ponto em diante, ser nobre vira um grande tema em One Piece. Claro que podemos falar que os nobres são todos ricos, mas o que os torna poderosos não tem nada a ver com sua fortuna, é sua linhagem. Uma pessoa pode ficar bilionária e não conseguir ser nobre. E o desejo de ter o que um nobre tem é uma ambição muito maior do que o desejo de ser rico.

Doflamingo que era um ex Dragão Celestial notou na prática o quão impossível é ganhar esse status depois de perdê-lo.

Doflamingo viveu na pobreza, após ter perdido seu título de nobre, mas não era o dinheiro que ele quis recuperar, era seu status. E ele usou de conexões e de chantagens, para conseguir se tornar um rei.

Mesmo Wano, onde a miséria da população é um ponto importante do arco, o vilão Orochi está mais interessado em promover uma vendeta pessoal contra a família Kouzuki do que em enriquecer. Inclusive, alguns heróis do arco como Denjirou e Hiyori roubavam dinheiro dos ricos da cidade e redistribuíam entre quem precisava, mas esses ataques não era ataques diretos a Orochi. E embora Kaidou coordene um comércio vasto, para ele o seu objetivo final não é ser rico, é ter um império. Orochi e Kaidou empobrecem a população para controlá-los, mas quando eles negociam com gente de fora de Wano, o preço que eles cobram não é dinheiro, são coisas mais valiosas.

Muitos vilões são reis, nobres, oficiais do governo, e suas ambições envolvem estender seu império. E dinheiro é algo que vem com esses poderes, títulos e império, naturalmente, mas eles não compraram seus títulos, e também não foram atrás deles pela questão financeira. E conforme mais avançamos, mais essa nobreza se torna o adversário central do mangá.

Conclusão:

Nós vivemos atualmente em um mundo em que as pessoas mais ricas do mundo figuram entre as mais poderosas do mundo, e onde posses são lidos como sinônimo de sucesso e de força, só ver a anta que até outro dia era presidente dos Estados Unidos, lidos por seus seguidores como um líder e uma pessoa foda só por ser bilionário. Mas no mundo de One Piece o poder está em outros lugares, e a ganância por dinheiro é fichinha perto da forme por poder. Inclusive, o personagem que supostamente seria o homem mais rico do mundo é um vilão filler de um filme não-canônico. Fora desse filme nunca nos deram uma informação concreta de quem é o mais rico, pois não importa.

Nós sabemos quem são as pessoas quem mandam no mundo, mas não sabemos quais delas é mais rica que quais. Barba Branca ou Big Mom ou Shanks são ricos? Eu não faço ideia. Quem tem mais tesouro, Teach ou Kaidou? Eu sei lá.

Para um mangá de piratas, ninguém está apostando em tesouro, o que contraria um pouco a expectativa de o que se esperar sobre pirataria, mas é consistente com como a obra se trabalha. Eu falo sobre One Piece na internet tem 17 anos e eu nunca vi ninguém que achasse que quando o Luffy chegar em Laugh Tale ele vai achar literal tesouro. O mangá nunca associou pirataria com ouro, e se tem uma coisa que vemos muito muito muito pouco no mangá é saque.

Os piratas lutam por poder, por controle de ilhas, por terem alianças, por controlarem os mares, por títulos como Shichibukai e Imperadores, por supremacia bélica. E dinheiro quando faz parte dessa equação é mais um meio de obter coisas que uma finalidade ou um fator importante.

Mas isso é na Grand Line, e é o que marca a Grand Line como o mar em que os fracos não sobrevivem. Um pirata com olhos só para o dinheiro é um pirata deslocado na Grand Line, e mesmo o Buggy, que é o mais ganancioso de todo o mangá precisou reinventar sua identidade ali e posar que é um grande e influente homem para manter seus seguidores leais.

Pra ser justo temos Bakkin, a mãe de Weevil, motivada por fortuna. Mas assim, o Weevil é um dos personagens menos levados a sério no mangá por um motivo, não é só por ser feio.

Mas no East Blue, o mar fraco, vemos vilões sedentos por dinheiro e por riquezas. Buggy, Kuro, Nezumi e Arlong, sendo esse último sedento tanto por riquezas quanto por construir um império. Sintoma de ter crescido na Grand Line e ido ao East Blue fazer negócios.

O mangá realmente vende que o dinheiro só tem valor no instante em que você quer comprar algo específico e precisa dele, mas é isso. E o dinheiro em si não é nada pelo que se apegar, ele vale o que ele pode te comprar, seja um barco, despesas, ou em uma emergência, sua vida, e é pra isso que ele serve. Ele não enche tua barriga, e ele não te faz alguém maior. Ele por si só tem tanto valor quanto você tem acesso a usá-lo, o que pode ser valor nenhum.

A menos que você seja a Nami.

Eu acho super estranho que depois de todo o arco da Nami ter enfim perdido a necessidade de juntar dinheiro ela tenha continuado incrivelmente gananciosa só pelo humor. A impressão que passa é que o Oda não quis desapegar dos maneirismos que ele tinha dado pra personagem desde o começo, apesar do contexto desses maneirismos ter mudado.

Nesse quesito, um trabalho bem superior feito com a Robin, que sempre que vejo ela tendo pensamentos engraçados, eu me pergunto “onde foi parar aquela garota que só pensava coisa sombria e o humor dela era sempre derrubar o clima com um comentário mórbido, pois a vida era uma tragédia sem esperança nenhuma?” e aí eu lembro que ela foi salva e agora pode se dar ao direito de se soltar e florescer um outro senso de humor.

Sobre o autor

Izzombie

Sou um cara chato que não consegue ver um filme sossegado sem querer interpretar tudo e ficar encontrando simbolismos e mensagens. Gosto de questionar a suposta linha que separa arte de filmes comerciais, e no meu tempo livre pesquiso sobre a história da animação.

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Sou um cara chato que não consegue ver um filme sossegado sem querer interpretar tudo e ficar encontrando simbolismos e mensagens. Gosto de questionar a suposta linha que separa arte de filmes comerciais, e no meu tempo livre pesquiso sobre a história da animação.

Alertas

  • – Todos os posts desse blog contém SPOILERS de seus respectivos assuntos, sem exceção. Leia com medo de perder toda a experiência.
  • – Todos os textos desse blog contém palavras de baixo calão, independente da obra analisada ser ou não ao público infantil. Mesmo ao analisar uma obra pra crianças a analise ainda é destinada para adultos e pode tocar e temas como sexo e violência.

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