Claro que podemos politizar filmes infantis. Todos eles!

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Olá! Seguindo aqui mais um texto pra leva de textos que eu queria ter publicado dois meses atrás e perdi o timing. Se quem que esse é um timing que nunca se perde. Pois é? Já foram ver Bacuráu? Filmasso. Um filmão da porra, aí uma galera compara com Tarantino, o que desencadeou uma galerona apontando que essa comparação é superficial, e eu discordo, pois acho uma boa comparação, talvez eu escreva sobre ela no futuro. Mas o ponto é que logo em seguida vem gente dizer que é diferente de Tarantino, pois o Tarantino não faz política….

Pois é, Django Unchained é um filme completamente apolítico. Ultimamente a gente tem tratado política feito palavrão, e esse medo de que alguém aplique política a um filme está tão atual quanto nunca, então acho que no fim das contas esse texto não datou não com os meses que eu perdi.

Mas enfim! The Lion King! Segunda maior bilheteria do ano, perdendo somente pra Avengers: Endgame, e um sucesso estrondoso de público. The Lion King é também um dos meus primeiros textos no blog e um dos mais populares até hoje. Ahh, outros tempos, quando eu abri esse blog, ainda não tinha decidido direito que cara eu queria que os textos tivessem. Me sinto nostálgico relendo. Enfim, já tem cinco anos que eu joguei na internet aquilo que gente mais sábia que eu jogou na internet tem 20 anos. The Lion King é um filme politicamente problemático pra caralho, em que os valores que fazem Mufasa ser um bom rei e Scar ser um mau rei precisam ser questionados. A preservação do Ciclo da Vida soa muito como a preservação das hierarquias sociais como uma ordem natural das coisas. E a necessidade de se excluir as hienas para preservar os recursos naturaliza um conceito de que um bom rei entende que nem todo mundo pode ter direitos.

E bem, com o remake em alta visibilidade, muita gente só foi descobrir agora. Que o ciclo da vida é só uma maneira bonita e naturalista de dizer “quem tá no topo deve ficar no topo e quem tá em baixo deve continuar em baixo ou então a sociedade colapsa.”

Só que a resposta de muita gente, é a de que é um absurdo tentar julgar a mensagem política de The Lion King, afinal é um desenho pra crianças. E bem. Eu podia falar da densidade temática da trama, lidando com morte do pai, assassinato, responsabilidade e passagem pra vida adulta. Falar dos diálogos com Hamlet. E tentar vender o filme como algo que abrande um público maior que o infantil. Eu poderia falar que o filme sabia que ia ser visto pelos pais das crianças e tem que ser encarado como um filme de público adulto. Eu poderia, mas eu não vou.

Vamos vestir essa carapuça, é um filme pra criança. Eu vi com cinco anos e achei do caralho. É 100% infantil. E daí?

Então vamos direto ao ponto: todo filme pra criança pode ser politizado. E eu vou além. Por serem filmes pra criança, justamente, que eles inevitavelmente acabam sendo um caminho para as visões políticas do autor serem veiculadas.

Para falar sobre isso, vamos ter que falar de duas coisas. A primeira é do que é política e a segunda do que é um filme infantil.

Política: Segundo o dicionário é 1. arte ou ciência de governar. 2. arte ou ciência da organização, direção e administração de nações ou Estados; ciência política. Vinda do grego a palavra significa “para a pólis.”

Política é uma parte fundamental de viver em comunidade, pois nenhuma comunidade humana vive sem política. O ser humano é um animal político como disse Aristóteles. E perder a habilidade de ser um ser político é a prova da perda de sua humanidade, como disse o Dr. Seth Brundle.

Decisões que fazemos a respeito de como deve ser uma vida em comunidade, são decisões políticas. A noção de que leis existem e devem ser cumpridas, é uma noção política, justamente por isso, que os políticos fazem elas. O mundo humano é um mundo político, e ser parte da comunidade é um gesto político. Que até mesmo crianças podem fazer.

Claro que o mundo adulto é um caos repleto de merda, e queremos proteger a inocência das crianças que acreditam em um mundo melhor, escondendo um pouco o que o mundo tem de pior, e as forças que o mundo tem de pior também fazem política. Mas a verdade é que de uns anos pra cá as pessoas têm tentado muito transformar palavras como “política” e “ideologia” em palavrões que deslegitimam completamente um conceito.

Você entra no twitter e alguém fala que determinada decisão é errada por conter ideologia, como se alguma decisão séria pudesse não conter, e como se honestamente fosse ruim expressar uma visão de mundo e de ética e de postura em sociedade nas decisões.

Ser apolítico é um gesto político. Ser anti-ideologia é uma ideologia. E transformar essas palavras em palavrão é um ato político e ideológico, e vou dizer, são constantemente usados pelos mais canalhas políticos ideológicos do mundo que se fortalecem com as pessoas comprando essa enorme mentira. E essa falácia precisa acabar.

Agora vamos falar de filmes infantis.

Como eles são diferentes dos adultos?

No fundo no fundo eles não são. Eles tem roteiros, direção, fotografia, direção de arte, trilha sonora, demoram meses pra ficar pronto… Podem ser live-action ou animados. Podem ou não conter música. E a verdade é que se forem bem-feitos eles vão conseguir ser apreciados pelos adultos também meramente pelas suas qualidades enquanto filme. Assim como existem crianças que conseguem digerir filmes adultos.

Quando eu trabalhava numa locadora, tinha essa menininha que devia dez no máximo 10 anos que toda semana alugava um Hitchcock diferente, pois queria ver todos. Faixas etárias, classificação indicativa e público-alvo existem por um motivo e eles não são nossos inimigos, mas um filme bom tem o poder de driblar essas barreiras e se conectar com um expectador que venha de fora.

Mas apesar de filmes infantis serem essencialmente filmes, por conta de seu público eles precisam se adaptar a algumas normas. Pois a gente precisa ter um certo cuidado ao lidar com crianças. Esses cuidados são essencialmente dois.

O primeiro é que filmes infantis tendem a ser mais simples. Diretos ao ponto. Mastigados e exigir pouca reflexão do expectador para entender o que está acontecendo. E isso é simples, a criança ainda está se desenvolvendo, e não que uma criança não possa ser inteligente, mas geralmente a hora dela ir ver o filme dela não é a hora dela ter sua habilidade de resolver o enigma do plot testada. São filmes simples. O que não é o mesmo que dizer que não são densos, mas sim o mesmo que dizer que não são filmes que exploram informações ambíguas, nem que deixam pro expectador mastigar a porra toda.

Em filme infantil você não vê nada parecido com o peão de Inception, vê?

O já mencionado The Lion King é denso pra cacete, lida com mortalidade, responsabilidade, e o contraste entre fuga e aceitação do passado. Mas é um filme simples e linear com uma narrativa que não desafia a capacidade do expectador de seguir o fio da meada.

O segundo cuidado é com os elementos aos quais uma criança não deve ser exposta. Crianças, podem se assustar, se impressionar, e serem diretamente afetadas pelo que elas veem. E por isso tem pontos que em obras infantis não se tocam.

Na classificação brasileira de faixa etária apropriada para filmes, os três elementos que categorizam se um filme pode ou não ser considerado um filme para todas as idades são: 1- Ausência de cenas de sexo ou insinuação sexual. 2- Ausência de cenas de violência não cartunesca. 3- Ausência de personagens falando de ou usando drogas. Sexo, violência e drogas, são esses três elementos que não queremos expor nossas crianças.

Existe um terceiro cuidado opcional que é o de ser um filme educativo. Ou seja, de incluir em sua história uma moral que ensine uma lição que o expectador possa levar para a vida. Crianças estão ainda no tutorial da vida, aprendendo como o mundo funciona, e muitos acham que uma das funções do entretenimento infantil está em dar continuidade a esse aprendizado.

Pois bem, por conta disso. Especificamente por conta do segundo cuidado apontado, existe a opinião muito forte de que como o filme está protegendo as crianças de elementos que podem ser danosos, então esse filme não possui política, pois se tivesse política estaríamos expondo nossas crianças a coisas impróprias.

E isso não é verdade.

Pra começar, porque o segundo cuidado. Ele existir é um ato político. Até porque a decisão de decidir o que é sexo. O que são drogas e o que é violência, são decididas com base em um senso bem relativo do que é normalidade.

Afinal isso não deixa de ser um modo de expressar sexualidade.

Isso não deixa de ser violência.

E isso não deixa de ser drogas.

Mas foram liberados em obras de censura livre, pois obviamente não é disso que estamos falando. Existe um consenso implícito de saber o que nós incluímos e excluímos quando dizemos sexo, violência e drogas. E todo mundo sabe o que pode e não pode, pois todo mundo sabe exatamente o quão conservador o Brasil e os EUA são.

E tem coisas que deliberadamente são excluídas mesmo sem serem danosas. Selecionar o que pode ou não ser incluído e excluído é um ato político do que esperamos que a criança veja como normal ou anormal. Pois sabemos do poder da televisão e do cinema em naturalizar conceitos.

A noção de do que devemos proteger nossas crianças, é uma decisão política, pois afeta o julgamento de como a criança deve ler a sociedade. E muitas vezes as crianças são usadas como bode expiatório, sendo usadas como justificativa para a sociedade atacar um grupo desrelacionado.

Como acontece o tempo todo.

Pois é. Agora, quando convém, crianças podem ser inseridas no meio político. Política não é um dos assuntos incluídos para determinar a faixa etária de um filme. E a separação entre criança e política só existe quando é pra atacar alguém que você não gosta falando que tá se aproximado da criança vulnerável.

Uma coisa que eu acho fascinante por exemplo. É como nenhuma história infantil aceita apontar questões raciais em suas histórias. E o motivo disso é obvio, racismo é uma coisa densa, que vai mostrar um lado negro da sociedade. Mas apesar disso histórias infantis abertamente falam de racismo fantástico. Então onde está essa linha?

Porque é OK mostrar que existem pessoas que discriminam, excluem, matam e até genocidam baseados em raças. Mas não é OK mostrar pra criança que tem gente que ela conhece que pode passar por isso? A ideia de mostrar que o racismo é horrível, mas não mostrar que quem sofre eles são os negros, é uma decisão tomada por um grupo de pessoas, e vem com um interesse político.

Porque filmes infantis têm o caráter educativo neles. E vendo a dinâmica entre personagens, pode-se ver como são as dinâmicas em uma sociedade na qual a criança está se preparando para adentrar.

Mesma energia

E é por conta disso que eu quero defender dois pontos nesse blog.

1- Todo filme infantil, inevitavelmente possui política inserido neles, independente da intenção autoral ou não.

2- Por serem infantis, é mais importante que em filmes adultos de se observar o que esses filmes estão realmente falando.

Em resumo: Podemos politizar sim! Podemos politizar a porra toda! Sem exceção.

É mais fácil uma história infantil ter política que uma para adultos, então vamos politizar isso sim:

Vamos lá. Como eu disse, filmes infantis são simples não são? Eles costumam ser uma história sem a densidade e ambiguidade que cativa o mundo adulto de quem apanha da vida real. E sim um idealismo maniqueísta não-complicado e mastigado para a criança poder digerir facilmente.

Esse formato faz com que uma quantidade imensa de histórias que surjam tenham uma definição clara de bem e mal.

A maioria das histórias infantis vão ter um problema. Esse problema foi causada por uma pessoa. E tem uma boa chance desse problema ter sido propositalmente causado por essa pessoa por que ela é uma pessoa ruim. E no final ela vai ser punida. A base de mais da metade dos filmes infantis que gostamos se resume em crime e castigo, pois isso é simples de entender. É simples resumir a causa de um problema a existência de uma pessoa ruim e acabar com ela.

Isso une o Mágico de Oz ao Homem-Aranha, ao filme da Xuxa contra o Baixo-Astral. Isso é o Shrek, a Princesa Prometida, a Fuga das galinhas. Filmes infantis se destacam pelo conceito de ter um vilão mais do que um filme para adultos. Se pegarmos os 20 filmes infantis mais populares que existem (segundo o Rotten Tomatoes), 14 vão ter um personagem antagonista estabelecido que precisa pagar pelos seus atos no fim do filme.

Agora, vamos lá, quando você cria um vilão, e a gente sabe que ele é mau. Você cria a definição de mal, e ensina para as crianças como identificar o mal. E bem, como nós adultos sabemos, o mal é uma coisa muito mais complicada do que parece de definir e identificar.

Muita gente tem genuína dificuldade de entender como um ato de maldade por exemplo a tortura. Ou se ver que um homem com autoridade aumenta o número de assassinatos de sua comunidade e ver isso como algo maléfico. Essas coisas estão extremamente mal definidas na forma de um consenso na sociedade, e dois adultos podem perfeitamente não concordar se algo é bom ou mal mesmo quando o assunto envolve gente sendo morta intencionalmente.

E é por isso que brigamos tanto por política. Por que não concordamos com o que é bom e o que não é. Porque temos um milhão de variáveis a respeito desse conceito, como “bom pra quem?”, pensamos em sacrifícios, em prioridades, em a quem priorizar. E essa merda é complicada e densa. E dissecamos mil racionalizações de porque uma atrocidade pode ou não ser boa. E quando vemos temos um país colocando crianças em jaulas e multidões de pessoas se recusando a ver isso como um ato maligno.

Mas aí vamos fazer um filme pra crianças e temos que ter um vilão, então temos que explicar quem é mau. E ele tem que ser mau mesmo.

O que significa que um roteirista vai expressar tudo o que ele pensa que é mau em um personagem, e isso é uma visão dele a respeito de bem e mal e de certo e errado. E essa visão dele, é uma visão política, obviamente. Você está dizendo algo com o personagem que você está criando. Você não está criando ele do absoluto zero, ele provavelmente vai parecer alguém.

Quando você faz seu vilão ser um empresário sem escrúpulos que sacrificaria qualquer coisa por dinheiro incluindo um orfanato cheio de criancinhas… você está expondo um tipo de pessoa que você acha um enorme canalha e o colocando em um papel social identificável na vida real. Quando você faz seu vilão ser o rei, a mesma coisa. Quando você faz seu vilão ser um monstro que só tem fome. Também. Você criou um motivo e uma lógica que explica de onde vem essa maldade, e essa lógica é compreensível, pois pensamos em onde ela existe na vida real.

Isso é a brecha para que o expectador. Seja a criança ou o pai da criança faça um paralelo. Com o vilão, e o tipo de pessoa que o vilão é. E porque esse tipo de pessoa é do mal.

Eu me orgulho muito do texto que fiz do Killmonger aqui nesse blog, e porque existe uma tendência enorme em retratar vilões como extremistas em contraste a um herói que tem os mesmos ideais, mas é pacifista, como uma maneira de nos fazer pensar que o papel do pacifista é combater o extremista e não focar no inimigo comum que os dois têm. E uma maneira de gradualmente destruir a memória e o legado de Malcolm X, que por seu contraste com Luther King é uma figura histórica com quem todos esses vilões serão associados.

Um filme de esportes para adultos costuma não precisar necessariamente de um vilão maléfico. Somente um rival antagonista para garantir o climax da final do torneio. Mas os filmes de esporte infantis, costumam envolver alguém que deliberadamente trapaceia, rouba ou sabota os outros competidores pela vitória. Numa tentativa de ensinar que jogar pelas regras sempre é recompensado.

Nisso, você ou faz o trapaceiro parecer o Dick Vigarista, ou esse vilão também vira um alerta sobre tipos de pessoas que cometem atrocidades. Speed Racer usa o arquétipo do empresário canalha. Karate Kid, o original e o Remake são recheados de noções ideológicas de qual é a mentalidade necessária para você querer aprender artes marciais.

Quando Lauren Faust criou o conceito de My Little Pony – Friendship is Magic, ela queria que Equestria fosse governado pela Rainha Celestia, para combater a noção de que Rainhas são más e princesas são boas. Afinal é a rainha má que destrói a vida da princesa por inveja. Mas justamente porque a Hasbro achou que esse arquétipo quebrado ia tirar as crianças da zona de conforto, ela era a Princesa Celestia, mesmo sendo a autoridade máxima de seu reino. E bem, a Disney só foi coroar sua primeira princesa e fazer ela virar rainha em 2014. Em filmes infantis mais do que em adultos, temos títulos que são mais associados a vilania e títulos que são associados mais ao heroísmo.

Quando Zootopia faz um filme anti-racista protagonizada por uma policial, o filme está dizendo que a polícia não é uma instituição fundamental pro racismo poder funcionar do jeito que funciona.

Quando um filme decide fazer o herói ser o Rei de direito retornando ao trono, ele fala sobre monarquia, inevitavelmente.

Quando I M Weasel, faz um episódio em que Weasel e Baboon trocam de cérebros. E por consequência, o Baboon no corpo do Weasel, perde todo seu prestígio e posição social, e começa a ser rejeitado pela sociedade. Enquanto o Weasel no corpo do Baboon com seu espírito de trabalhador honesto, ascende socialmente até uma posição de alto prestígio e autoridade. O desenho essencialmente ensina que nossas posições sociais são resultado direto do nosso esforço, e não tem forças na sociedade que lutam para manter o status quo, pois a meritocracia funciona. Isso é uma moral política.

E bem, nada disso é ruim. Digo, isso pode ser usado para algo ruim, como apontei no meu, não canso de recomendar, texto sobre o Killmonger, mas isso mais do que inevitável, é como deve ser. Histórias devem ser veículos de expressão e um meio pro roteirista, ator, diretor, e demais envolvidos terem algo a dizer. E obras infantis não são exceção.

A gente entende que um desenho animado ensinar a criança que ir pra escola é importante e mentir é feio como algo necessário. Mas depois pira no cu de achar que um desenho infantil pode ter um comentário que faça paralelos com política de verdade. Mas no fundo é a mesma coisa, pois não só política é algo que vai além do governo, e engloba toda uma série de pensamentos que dizem respeito a vida em coletividade, e ensinar uma criança a seguir as regras é parte disso.

Uma história infantil vai ser mais maniqueísta, e o maniqueísmo, justamente por ser algo muito complicado de se aplicar na vida real, ao ser simplificado num filme infantil, vai expor enviesamentos de quem está contando a história, que acredita que o mundo devia funcionar de um jeito e transmite esse pensamento em sua obra, e isso é político.

E nada disso desagrega valor a um filme.

Nem quando a mensagem do filme fica problemática, como a do The Lion King certamente ficou.

Todo filme é potencialmente um diálogo entre o autor e o seu expectador. E todo filme infantil tem como autor um adulto.

Filmes são escritos por roteiristas. Roteiristas são profissionais que comunicam suas ideias e pensamentos para um grande público. Eles são profissionais na área do storytelling, e costumam em sua maioria gostar de conceitos como temas, paralelos e metáforas.

Claro que tem os que não gostam. Mas os resultados do trabalho deles fala por si só.

Produzido pelo homem que disse “tema é coisa de análise literária da oitava série.” pois é, e é por isso que todo mundo ficou satisfeito com o final da tua história, vacilão.

Se você é um adulto e vê um filme infantil, apesar do filme ser infantil o que estabelecesse é um diálogo entre você, um adulto, e o autor um outro adulto, claro se você for capaz de dialogar com o filme.

Tem vários filmes com os quais eu não consigo dialogar, que podem incluir os infantis: eu não consigo fazer essa conexão com os filmes da Barbie. Ou os mega-cult: pois eu também não consegui estabelecer o diálogo com o Goddard vendo À bout de souffle. E não vou mentir, também não consigo realmente entrar nos filmes do Bergman não. Então cada pessoa tem suas limitações. Cada pessoa tem seus filmes.

Mas quando você nota que o autor está tentando falar alguma coisa com aquela história, um diálogo ocorre.

E obviamente nesse diálogo, um autor adulto vai falar de coisas que fazem sentido pra ele, um adulto. Adequando-se a linguagem infantil, pois é o público-alvo do filme. Mas autores falam do que conhecem, e do que vivenciam também, e o que esse roteirista conhece e vivência não se restringe a, porém inclui a vida de um adulto.

E as vezes eles querem expressar essas coisas na obra deles também. É um dos motivos pelo qual os roteiristas estão constantemente tentando aumentar o quanto eles podem falar do tema LGBT nos desenhos animados, lidando com imposições do seu canal. Pois é parte do mundo, e você quer colocar o mundo na sua obra, muitas vezes.

Agora ironicamente. Só existiu na história da humanidade uma única série que foi roteirizada por uma criança e transmitida na televisão normalmente. Axe Cop, foi inspirado em uma Webcomic escrita por um menino de 5 anos e editada pelo seu irmão mais velho para o roteiro se encaixar no formato quadrinhos e foi adaptada para uma série de TV com duas temporadas. Uma série de animação adulta do FX.

Axe Cop não tem sexo, não tem drogas e a violência é completamente cartunesca. Mas é considerado um desenho adulto, porque a completa anarquia de valores lógicos e morais do desenho – Incluindo um policial que odeia as meninas e que acha que seu trabalho é matar a machadada todos os bandidos do mundo. – não é apropriada pra crianças.

O mundo infantil da TV não vem da mente de uma criança. O que sai da mente das crianças é policiais matando bandidos na machadada. A programação infantil é uma ideia adulta, e uma ideia política. Um dos maiores escritores infantis da história dos EUA, era célebre pela alta quantidade de morais de cunho político que eram a base de suas histórias. E não só ele é um lenda no país, como nota-se que existe uma tentativa real de adaptar seus livros pro cinema atualmente removendo a moral de seus filmes.

Filmes infantis têm o propósito de ajudar na educação. A educação é um ato político.

E não tem absolutamente nada errado em apontar que o Mufasa determina quem pode ou não pode se alimentar nas Pridelands com base na espécie, pois é isso mesmo que ocorre. Ou falar que Zootopia é um filme lambe-botas do cacete que se recusa a ver que a instituição policial é parte direta do problema que são as relações raciais nos EUA.

Os filmes e desenhos não estão ficando mais políticos de um tempo pra cá, eles sempre foram, a apolítica não consegue realmente existir na arte do storytelling. O fato deles serem entretenimento, não muda esse fato, e entretenimento e política não são antônimos.

Digo mais. O povo ama chorar que o mundo sofre de doutrinação ideológica. O pessoal da anti-política e anti-ideologia, ama vomitar a palavra “doutrinação” como a consequência natural da maldade que é o conceito da ideologia. Mas assistir ao filme em uma atitude pouco passiva. Em que você busca dialogar com o filme em vez de ser uma esponja que absorve a informação dele passivamente. Esse método é justamente a antítese de ser doutrinado. Pois você filtra o que recebe, separa o que concorda ou discorda, de um julgamento paralelo baseado no que você reconhece como qualidades de um bom filme (motivo pelo qual eu gosto de um monte de filme que eu condeno no espectro ideológico). E sai com uma relação própria do filme, você permite que ele te toque de uma maneira diferente.

Agora. Você, leitor, pode querer não fazer nenhum diálogo com seus filmes. É seu direito absoluto. Sua experiência ao ver um filme é sua e de mais ninguém, e se pra você é mais divertido não pensar em nada disso, ok, é seu direito. Mas como diz o ditado “se você não transa, não destranse os transantes.”. Não existe a necessidade de tomar como ofensa o fato de que pessoas escolhem fazer esse diálogo quando vê um filme. Ou comentarem a respeito.

Não existe motivo nenhum pra se achar que não se pode pensar em política vendo um filme sobre um adolescente não sabendo se vive no mato comendo insetos ou se assume a liderança de seu povo.

De resto, deixo aqui um texto meu sobre Avatar – The Last Airbender, falando sobre como batalha de bem contra o mal pode ser feita sem maniqueísmo, que eu não achei um bom gancho para inserir organicamente no corpo do texto, mas não queria ficar sem mencionar.

Sobre o autor

Izzombie

Sou um cara chato que não consegue ver um filme sossegado sem querer interpretar tudo e ficar encontrando simbolismos e mensagens. Gosto de questionar a suposta linha que separa arte de filmes comerciais, e no meu tempo livre pesquiso sobre a história da animação.

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Izzombie

Sou um cara chato que não consegue ver um filme sossegado sem querer interpretar tudo e ficar encontrando simbolismos e mensagens. Gosto de questionar a suposta linha que separa arte de filmes comerciais, e no meu tempo livre pesquiso sobre a história da animação.

Alertas

  • – Todos os posts desse blog contém SPOILERS de seus respectivos assuntos, sem exceção. Leia com medo de perder toda a experiência.
  • – Todos os textos desse blog contém palavras de baixo calão, independente da obra analisada ser ou não ao público infantil. Mesmo ao analisar uma obra pra crianças a analise ainda é destinada para adultos e pode tocar e temas como sexo e violência.

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