Enfim saí o tão aguardado texto sobre Black Panther, só que não exatamente do jeito que eu prometi, enquanto escrevia sobre o Black Panther acabei divergindo tanto do assunto conforme ia lendo e pesquisando sobre o filme, que o texto virou sobre outra coisa, e agora o filme vai dividir o espaço dele dentro dessa chaminé com os filmes dos X-Men, com Hunger Games, com a nova trilogia de Planet of the Apes com V for Vendetta, com One Piece e com um tiquinho de Star Wars, além de obras que eu provavelmente não vou citar, mas que vocês lembrarão enquanto leem. Eu vou citar os exemplos que eu estou mais familiarizado para falar com propriedade, mas esse assunto se aplica a mais obras do que sou capaz de exemplificar sem meu texto triplicar de tamanho. E eles já são grandes o suficiente, esse em particular vai ser bem grande, mas vai valer a pena (espero).
Por outro lado, o foco principal ainda vai ser Black Panther, e precisamente a parte de Black Panther sobre a qual nós realmente queremos falar. Que é o grande N’Jadaka, também conhecido como Erik Stevens, ou Killmonger, ou Erik Killmonger nos quadrinhos. O vilão do filme. E um dos poucos filmes do MCU, em que o vilão é a melhor parte do filme. Digo, desde o Homecoming os vilões começaram a ficar bons, presumo que agora eles vão manter o ritmo.
Estou desde o fim de 2017 tentando montar um texto aqui sobre porque demorou pro MCU acertar a mão nos vilões, e eventualmente vai sair um aqui, espero, mas por hora eu digo que o MCU acertou só quatro vilões em todos os seus quase 20 filmes. Loki (e esse eles acertaram mais ou menos), Vulture, Thanos e Killmonger. E isso pegou todo mundo de surpresa.
Killmonger não pegou todo mundo de surpresa só por ser o personagem mais interessante do filme, e por ser muito mais carismático do que personagens de seu estilo costumam ser, tem mais coisa. Um comentário muito comum feito por muita gente após o filme é a de que apesar dele ser o vilão, ele meio que… estava com a razão durante o debate. Ele era o lado certo. Ele era o herói do filme. E sua razão é confirmada com o fato de que T’Challa muda sua perspectiva após seu confronto com Killmonger, então, ele convence o herói.
E esse tipo de comentário era logo cortado com a crítica que outras pessoas faziam de que não. Killmonger estava errado, porque apesar de bem-intencionado, seu plano terminava com ele estabelecendo uma ditadura cruel e fazendo exatamente o que seus inimigos fazem. E por causa disso, Killmonger não estava certo, ele estava errado e era hipócrita.
E bem, vou falar a verdade. Esse tipo de comentário cortando a diversão de quem está do lado do Killmonger está coberto de razões. Mas espera, não vai pros comentários ainda defender o Killmonger e me xingar de otário. Faz isso daqui a pouco, espera eu explicar antes. Enfim, Killmonger era um hipócrita, que queria colonizar o mundo nos moldes do império britânico, porém com uma inversão de papéis, com os negros no topo e os brancos na merda em um mundo com hierarquias claras de superioridade.
Não só isso, Killmonger falava de ajudar o povo negro, mas seduziu e manipulou sua namorada negra, para assassiná-la a sangue frio no momento em que ela deixou de ser útil pra ele. Assumidamente ajudou a genocidar o próprio povo sob o pretexto de que os fins justificam os meios, e a primeira coisa que ele fez ao tomar o poder da maior nação Africana foi destruir parte fundamental de sua tradição e herança cultural, pois ela era inconveniente pra manutenção de sua ditadura. Suas ações não correspondiam seu discurso. E isso torna ele errado. Desculpa aí galera do “Killmonger Was Right”.
E a pergunta central aqui é: Por que caralhos o Killmonger queria isso? E a resposta é: Pra ninguém falar que o Killmonger estava certo, apesar de seus ideais puxarem identificação com muitos membros da audiência. Porque era importante pro filme, que um homem com a ideologia de Killmonger não tivesse a razão ou a superioridade moral. O que leva a pergunta: Por que era fundamental que Killmonger estivesse errado? Porque o filme construiu o personagem de maneira que atos de vilania desnecessários fossem parte de sua jornada ideológica?
Para falar disso eu vou ter que primeiro falar um pouco sobre o que é um dos maiores medos do homem branco: O racismo reverso. O racismo reverso, assim como o Chupa-Cu de Goianinha, a conspiração para deixar seu filho autista com vacinas e as bombas que o governo norte-americano deixou dentro do World Trade Center pra implodi-lo e pôr a culpa no Bin Laden, não existe. Mas mesmo assim, muita gente apostaria o próprio braço como é algo real e palpável. E isso é um medo real que acorda pessoas brancas de noite.
O racismo é aquela coisa que vocês sabem, né, ele está inserido e enraizado na sociedade de uma maneira profunda que reflete não só nos nossos conceitos e no quanto julgamos pessoas sem conhecê-las. Eles refletem nossos hábitos, nossa visão de mundo, a maneira como somos ensinados a pensar, a reagir a situações, a retratar o mundo. Ele é mantido pelas nossas instituições, pelas nossas leis, e pelo nosso modelo de sociedade. O racismo é um problema coletivo, da sociedade no geral e um problema estrutural. Que vai desde a cumplicidade da mídia quanto ao assassinatos de negros que ocorrem dando indícios de que a vítima mereceu o assassinato por sua cor, até a maneira como os estereótipos negros permeiam o imaginário brasileiro fortemente em pleno 2018. Vai de um sistema de justiça que prioriza alta punição crimes que tenham mais chances de serem cometidos por pessoas negras, À completa falta de apoio da sociedade para uma pessoa negra quebrar o ciclo da pobreza e conseguir posições de status, sob o argumento falacioso de que dar qualquer apoio seria quebrar a “meritocracia”, como se todos os brancos não recebessem apoio por default nessas horas.
Enfim, apesar de tudo isso, propaga-se muito a ideia de que nada disso é real. E de que racismo é um problema individual e de caráter. Ou seja, de que pessoas são ruins, porque são ruins, é um fato da vida, algumas pessoas são ruins, e vão odiar negros por odiar, e não tem nada que a gente possa fazer quanto a isso, porque a sociedade em si está funcionando perfeitamente. É só um ou outro gato pingado que não tem uma bússola moral ajustada e está queimando o filme do bom homem branco. E sendo um problema puramente individual, cria-se esse segundo mito, de que o negro pode praticar esse ódio individual da exata mesma forma e no exato mesmo nível que o branco, pois estamos em pé de igualdade.
E a isso dá-se o nome de racismo reverso. E é algo que não existe, justamente porque não tem como existir, porque o problema é estrutural, e os negros vão ter que controlar a mídia, as instituições sociais e ditar o estilo de vida dos brancos por séculos para culminar em uma real inversão de papéis. Mas deixemos quem entende do assunto explicar isso muito melhor do que eu. Aqui , aqui e aqui.
Mas apesar de todas essas explicações. O racismo reverso é um medo real. Que se baseia na ideia de que a gente sabe, a gente sabe como o negro é tratado no Brasil, a gente sabe das injustiças que eles sofrem, a gente sabe dos assassinatos e das prisões de inocentes, e dos estupros, e dos estereótipos. A gente sabe de tudo. E a gente sabe que se um dia eles acordarem putos e saírem atrás de vingança, isso não vai ter sido algo que surgiu do absoluto nada. Então a gente tem medo, medo de que um dia chegue o dia em que os negros resolvam pegar armas e acertar as contas e sobre pra você, o branco que nunca foi racista, mas se fodeu junto porque foi generalizado. Afinal, é assim que o branco resolveu todos seus problemas, é assim que a burguesia solucionou o problema da aristocracia. É assim que os EUA resolveram o problema da colonização. A gente pensa “caralho, se eu fosse negro, eu ia querer matar todo mundo. Então só pode ser nisso que eles estão pensando.” E isso acorda as pessoas a noite e não deixa elas dormirem de novo.
Um bom exemplo de um personagem que exemplifica perfeitamente esse pensamento é Eric Cartman, o maior arrombado de South Park. Que em diversos episódios revela que tem muito medo de ser prejudicado em uma guerra racial. E sua atitude para impedir a explosão de um conflito entre as raças, pode alternar em atacar primeiro e destruir os negros ou em puxar o saco dos negros para acalmá-los, mas apesar de suas ações variarem, a motivação e o medo do Cartman da vingança das minorias é uma constante em muitos episódios da série. O que mantém o tema, que não importa as consequências de suas ações, o Cartman sempre está sendo um escroto.
Enfim, eu não sou cientista social, eu não sei dizer onde o medo do racismo reverso reflete em diversos campos da sociedade. Não sei dizer que ações do cotidiano são guiadas por esse medo. Eu também não estudo raça, tem um limite muito visível do quanto está ao meu alcance analisar relações raciais na sociedade.
Mas eu estudo ficção e narrativas, e eu sei dizer onde o medo do racismo reverso reflete em muitos, mas muitos vilões fictícios, a personificação do cara que fez seu ativismo cruzar a linha e perdeu a habilidade de distinguir seus aliados de seus inimigos. Em especial em filmes de racismo fantástico, mas nem sempre contido nesse subgênero. O cara que por ser oprimido se tornou em uma pessoa tão horrível quanto os opressores. Monstros que criaram monstros.
Sabem o que é curioso em histórias de monstros que criam monstros? Que geralmente o monstro que foi criado é o que é um perigo imediato que precisa ser detido instantaneamente. O Batman do desenho mesmo entendendo o cenário geral da situação, ainda prendeu e espancou o Mr. Freeze, e não fez nada além de direcionar um olhar de ódio pra Boyle, o empresário que gerou o contexto para que o Mr. Freeze nascesse e contar que a culpa do Mr. Freeze era dele. Os dois eram monstros. Os dois eram criminosos. Mas um merecia um soco e o outro merecia desprezo. Fica implícito que Boyle talvez seja julgado, enquanto Freeze vai instantaneamente pra cadeia terminando o episódio com ele em sua cela. Um é uma vítima, mas é perigoso demais para ficar longe do encarceramento, o outro é o culpado, mas deve ser protegido de suas vítimas.
Para o branco se sentir confortável com a noção da companhia de negros, ele precisa ter certeza de que não será vítima da vingança quando a eventual guerra racial estourar, mesmo sem ter feito nada. E por isso, a mídia cultiva a ideia da minoria que está de boa, feliz, satisfeita, zen e relax, como uma ideia ideal, enquanto a minoria raivosa, que quer lutar, que quer se defender, que não quer ser passiva enquanto apanha, que quer fazer protestos não pacíficos, que quer tomar o poder, que quer alterar a estrutura da sociedade… essa nos assusta, essa parece com alguém que pode cruzar a linha tênue entre certo e errado, e começar a odiar os brancos. E a ficção claramente vilaniza esses personagens.
E tem diversas simbologias que a ficção usa para exemplificar esse desejo, de que os negros se acalmem e de vilanização da revolta negra, mas nenhuma é tão didática e abrangente quanto a dictomia entre Malcolm X e Martin Luther King Jr.
Uma história pessoal aqui: Eu aprendi sobre esses dois pela primeira vez na aula de história do segundo ano do colegial, e aprendi de maneira mega resumida. Eu aprendi que o Malcolm X era um cara revoltado e violento que falava de ideias radicais de não-reconciliação com o homem branco que era inimigo do negro. E que queria “dar o troco” nos brancos. Luther King por outro lado era um pacifista, e um amor de pessoa que queria reconciliar o homem negro e o homem branco em um mundo de igualdade e harmonia. E quando a gente houve o resumão nesses termos, é obviamente muito fácil achar que “porra, gosto dessa visão de mundo que o Luther King idealiza. Esse Malcolm X aparentemente está indo longe demais, não, não, preferi o Luther King.”, na época foi exatamente o que eu pensei, e é tudo contado de uma maneira que nos ajuda a pensar assim.
Claro que a trajetória de militância e ativismo desses dois homens foi muito mais complexa que esse resumão que foi como tudo me foi ensinado na escola. Claro que eles não concordavam em muita coisa e tinham métodos opostos de solucionar os problemas raciais dos EUA. Mas eles mesmo assim, perdiam um tempo muito pequeno brigando entre si, faziam críticas aqui e ali obviamente, mas davam muito mais foco no fato de que ambos lutavam pela mesma causa e eles se respeitavam muito por isso. E estudiosos já afirmaram que no fim de suas vidas, eles estavam se aproximando de um meio termo entre as duas visões, e o Malcolm X ficando muito menos “todo branco é o inimigo” do que a mídia vende, assim como o Luther King ficando muito menos passivo do que a mídia vende.
O que nos leva a maneira como essa narrativa de que nos anos 60 houve um grande odiador de brancos que incitou ódio aos negros, mas aí surgiu esse grande pacifista que incitou o amor entre as raças e devíamos nos espelhar no pacifista, culminou nessa grande dictomia presente em diversas obras de ficção: a do pacifista e do racista reverso, que diferente do Malcolm X com o Luther King, que não se dedicavam a destruir a carreira um do outro, na ficção, esses personagens meio que tem que lutar no fim do filme, porque eles não tem um inimigo em comum, o inimigo deles é um contra o outro.
Literalmente, essa dictomia é tão forte, que na minha aula de história usaram o exemplo do Magneto e do Professor X pra me explicar Malcolm X e Luther King. Geralmente é o oposto, as pessoas usam Malcolm X e Luther King para explicar que existem analogias ideológicas de X-Men, mas comigo foi invertido, usaram o Magneto como referência pra me explicar quem foi Malcolm X. O que fazia sentido, afinal tinha filme do X-Men em cartaz naquele ano.
Foi uma aula marcante. Tão marcante que 12 anos depois estou descrevendo ela no meu blog, mas sério, foi marcante porque foi a única vez no meu colegial que pegaram filme de herói pra trabalhar conceito em sala de aula, e essas coisas triplicam a atenção do jovem. Me pegou de surpresa.
Enfim. Então vamos falar um pouco do Magneto. Magneto assim como Killmonger é um hipócrita, no sentido de que ele quer usar seu ódio, sua luta contra a opressão e uma causa justa para se transformar em um ditador maligno que vai ser essencialmente um novo Hitler. Além de defender abertamente o genocídio de todos os não mutantes. E portanto ele não está certo. Ele é um vilão, um inimigo dos direitos humanos, e um aspirador a tirano. Assim como Killmonger, que é o Malcolm X para o Luther King de T’Challa.
Porque é assim que funciona, quando temos na ficção a dictomia entre Luther King e Malcolm X, o Malcolm X é o vilão. Existe uma tentativa de usar a ficção para passar a ideia de que Malcolm X estava do lado errado da história. E uma ilusão de que precisamos derrubar Malcolm X pra concordar com Luther King ou derrubar Luther King pra concordar com Malcolm X e nada disso é verdade. A verdade é que independente de com qual dos dois você concorde mais, Malcolm X foi uma figura fundamental para a luta contra o racismo nos Estados Unidos e e a última coisa que ele precisa se tornar é inspiração para vilão de super-herói.
Mas ele vira. Caralho, como ele vira. O Static, icônico herói negro, notório justamente por ser um dos poucos heróis negros a ter o próprio desenho animado e sendo bem popular na nossa geração justamente por causa desse desenho. Pois é.
Ele tem esse vilão chamado Commando X, que é um supremacista negro, que começou sua carreira de militância matando membros da Ku Klux Klan e outros supremacistas brancos, mas terminou perdendo a bússola moral e virando um assassino de judeus. E todos sabemos a qual ideologia associamos assassinatos de judeus. Sim, sim, você começa lutando contra uma causa legítima, mas quando vê você virou Hitler, é isso que aconteceu com Commando X. Agora, dou um saco de balas para o leitor que adivinhar porque ele tem um X no fim do nome?
E o Muhammad X, inimigo do Superman que acredita que o Superman sendo branco, não é capaz de ajudar as comunidades negras, e portanto é um inimigo. Sendo incapaz de se convencer de que o Superman possa ser uma pessoa boa, por ser branco. Adivinhem porque ele tem o X no nome?
Ou o Black Manta, que afirma querem conquistar Atlantis do Aquaman, para transformar o país em uma nação onde os negros possam se refugiar do domínio e opressão dos brancos. Mas isso na verdade é um mero pretexto pra ele virar um ditador cruel e tiranizar Atlanta.
Ou o Remake de 12 Angry Men, que resolve diversificar o elenco original de doze homens brancos, fazendo com que sejam 11 brancos e um negro. O negro agora é o jurado nº10, que era o mais detestável, e racista de todos, chegando ao ponto de ser por unanimidade expulso do debate pelos outros onze, só que agora, ele é um supremacista negro e um racista reverso.
Conceitos que possam ser associados ao Malcolm X, viram material para vilões. E sabemos o nome disso, não sabemos? É espantalho o nome disso. Criamos um personagem que seja fácil de comparar com o Malcolm X, para colocar na boca dele coisas que o Malcolm X nunca disse, e facilitar nossa completa aversão ao discurso do Malcolm.
Curiosamente, metade dos exemplos que eu citei vêm de quadrinhos de herói. Que é um mundo que tem uma linguagem narrativa onde a violência e a luta sempre são a solução. E esse é precisamente o meu ponto. Não estou aqui pra entrar o mérito do quão válido é ou não dar soco em nazista ou membro da KKK, na vida real. Não estou aqui pra falar que atacar racista é errado. Nem que perdoar racista é errado. Isso é a vida real, e eu tenho minhas opiniões e sensos éticos como todo mundo, mas não acho que esse seja o espaço para eu te falar se você deve ser mais agressivo ou mais passivo. Acho que o objetivo do blog não é o de te explicar qual lado do espectro político você tem que estar, o que não me impede de apontar que esse espectro existe. Repito, não sou um cientista político.
Eu estudo ficção, e como ela representa mensagens através de um mundo fictício e passa essas mensagens ao expectador. E como essa representação carrega mensagens que essas sim te falam qual deve ser a sua postura sobre o racismo. E sobre essas mensagens eu falo sim. Afinal filmes são ideológicos, até mesmo os mais imbecis do mundo são ideológicos, e te passam mensagens e visões de mundo. Então eu estou aqui entrando no mérito de que quem são os super-heróis, pra falar que se um negro lutar contra seus inimigos pela violência eles vão virar os vilões? Por que em um mundo onde a violência é a norma, uma pessoa agressiva contra o racismo é o vilão? O que me leva a pergunta: na ficção, quem é que pode fazer a revolução?
O Superman pode bater no Lex Luthor por ser um lixo de pessoa. Mas se um negro socar o Lex Luthor, porque ele destruiu uma comunidade negra pra fazer uma construção escrota, então esse negro está se tornando tão ruim quanto o próprio Lex Luthor? Porque num gênero que romantiza tanto a luta, e a violência como solução, usa o tema da raça como ponto de partida pra traçar a linha de “mas cuidado com seu ódio. Ou você vai virar o racista reverso.”
Mas agora é a parte que vocês me falam. “Não, não tem nada a ver. Pois as causas sociais que o Magneto defende servem para fazer a gente simpatizar com ele e considerá-lo menos vilanesco. Ele não está vilanizando a ideologia, pelo contrário, a sua ideologia está redimindo ele.”. Isso é de fato verdade, e ainda completo, essa backstory deixa tanto Magneto quanto Killmonger personagens complexos pra cacete, e isso tá uma tridimensionalidade boa e bem-vinda. Mas nada disso muda o fato de que literalmente todos os filmes com o Magneto ele não tem a permissão de triunfar, sem seu triunfo ser considerado um final infeliz. A perspectiva moral do filme é sempre contra o Magneto, não importa quanta simpatia ele gere. É exatamente o mesmo caso do Thanos, com seu neomalthusianismo. Ele tem um objetivo nobre, que quer alcançar por uma mentalidade torta, e caso ele triunfe, isso significaria um final infeliz e trágico ao filme, portanto ele e seus ideais estão sendo vilanizados. Magneto e Killmonger são a mesma coisa. Se Killmonger vencer, o filme acabou em tragédia. Magneto e Killmonger não possuem o direito de fazer a revolução. Por outro lado, se o Capitão América declara guerra aberta contra o governo e contra outros heróis, o filme não o desmoraliza, nem trata uma possível vitória do Capitão como tragédia, mantendo a mesma simpatia e tridimensionalidade comentada, portanto tanto nos quadrinhos quanto no filme de Guerra Civil, Steve Rogers não é vilanizado, e é por isso que ele pode fazer uma revolução. É um direito que cabe a ele e não cabe a Killmonger e Magneto.
Enfim, um ano depois de Malcolm X ser assassinado, surgiu esse grupo político nos Estados Unidos chamado Partido dos Panteras Negras, que tinha muita inspiração em Malcolm X. Panteras Negras por incrível coincidência é o nome também do super-herói que é o ponto de partida desse texto. Pois é, eu geralmente uso incrível coincidência como forma de ironia nesse blog, mas aqui eu falo sério, o herói surgiu alguns meses antes do partido político, então o nome ser igual é uma genuína coincidência, e o herói não é feito para representar os ideais do partido.
Enfim, alguns elementos dos Panteras Negras chamavam muito a atenção, em especial pra sua luta para que negros pudessem andar armados livremente. E a associação de muitos membros ao Marxismo e ao ideal revolucionário. Existiam membros que acreditavam que se os grupos negros se armassem eles poderiam derrubar o governo americano, e derrubar junto dele a estrutura do racismo da qual todo o sistema que forma o país é cúmplice. Ou seja, armando os negros, uma revolução e tomada de poder aconteceria. Esse plano soa minimamente familiar?
Ah sim, e novamente reforço, eu não poderia reforçar o suficiente, eu estou resumindo e simplificando tudo para os pontos que evocam a semelhança come os personagens, pois são meus pontos de interesse. Mas os Panteras Negras foram muito maiores do que eu estou dizendo, e sua importância vai muito além de sua relação com armas ou marxismo. Vale uma pesquisa real para os interessados. Eu citei só o mínimo necessário para explicar por que o Killmonger e seus ideais dialogam diretamente com uma das facetas dos Panteras Negras que mais assustava as pessoas e permitia que fossem chamados de terroristas e faziam brancos compararem o grupo à Ku Klux Klan como o meme lá no começo do texto provou. E por que no filme o primeiro herói negro do cinema mainstream, com o nome de Black Panther, matou um personagem que ecoava os ideais dos Panteras Negras. Percebem a ironia? Ela não foi acidental.
Killmonger queria fazer uma revolução, ele não acreditava em entrar no sistema e mudá-lo aos poucos. E ele não só não acreditava que ele entrou no sistema, sendo parte da CIA e nunca tentou usar seu poder de “homem negro dentro da CIA” para ver se fazia a diferença e plantava sementes. Não, ele não achava que o sistema estava quebrado, ele achava que estava funcionando perfeitamente, e que o sistema faz com os negros é o objetivo do sistema, e a prova de que ele funciona, com a única solução sendo destruir o sistema completamente. Magneto pensa exatamente a mesma coisa, ele não confia que os humanos vão dar espaço aos mutantes sem uma revolução radical reestruturando a sociedade. Ele não acredita que é questão de paciência e apanhar em silêncio até os humanos mudarem. E é por não acreditarem que a sociedade vai gradualmente ficar melhor, que eles não podem fazer a revolução.
Porque a mensagem que importa pro expectador é a de que esperar a sociedade gradualmente ficar melhor, dando o melhor exemplo, sem fazer nenhuma mudança radical no sistema não só é uma solução, como é a mais ética e decente das soluções. E é a solução que todo mundo deveria priorizar sempre. É a solução que T’Challa toma abrindo uma instituição de troca cultural em Oakland.
Uma aliança com os governos que sustentam a opressão dos Negros no ocidente, envolvendo aumentar o acesso deles ao vibranium, capaz de produzir as maiores armas do mundo, parece para T’Challa uma solução melhor para os problemas dos negros, do que lutar contra os opressores, pois isso seria errado.
Lutar contra o governo é errado. É moralmente errado.
É resolver na violência. A violência é sempre errada e nunca soluciona conflitos em filmes de super-heróis. Só a paciência, diálogo e dar a outra face que resolvem conflitos.
Magneto e Killmonger não têm permissão de fazer sua revolução, porque ela é moralmente errada. E mesmo se você achar que a base ideológica deles é certa, você é obrigado a encarar o fato de que ao entrar nesse mundo eles viraram tão malignos quanto as pessoas que eles enfrentam. Se eles fizerem sua revolução eles vão virar ditadores cruéis e sanguinários nos moldes de Stalin e Hitler. E por isso, terem sua revolução tratada com bons olhos pelo cinema é mais um em uma longa lista de direitos que eles não possuem.
Eles são extremistas que perderam a noção e esqueceram a importância da paz.
Em One Piece temos a exata mesma coisa. A dictomia Luther King e Malcolm X se personifica em dois homens-peixe, uma raça de peixes antropomórficos que por séculos foram sequestradas e escravizadas pelos humanos aristocratas. Pois bem, a resistência contra os homens-peixe tiveram duas grandes lideranças que lideraram de lados ideologicamente opostos: Otohime e Fisher Tiger. A Rainha Otohime, que é o Luther King, e que lutava para que os homens-peixe fossem aceitos nas reuniões de governo para negociar o fim da escravidão inclusão de seu povo no governo e a paz entre os povos. Para isso ela fazia um grande baixo-assinado. Ela era pacifica, e nunca revidava, e um dia um aristocrata escravista caiu na ilha dos homens-peixe ferido, e ela o ajudou e o curou, mostrando compaixão até com um inimigo direto de seu povo. Quando este aristocrata foi curado, ela o convenceu a contragosto a levá-lo até a sede do governo onde ela poderia falar com alguma autoridade sobre sua causa, mas antes que ela pudesse ir, ela levou um tiro na multidão e morreu assassinada. Seu assassino era um admirador de Fisher Tiger que deu o tiro só para poder culpar um humano e aumentar o ódio contra humanos. Porém a atitude de Otohime em nunca odiar ou considerar os seres humanos como seus inimigos inspirou uma geração de seguidores pacíficos que mantém seus ideais vivos.
Por outro lado. A outra liderança, Fisher Tiger, era um rebelde violento, que atacou nobres para libertar os escravos. Ele montou um bando pirata que atacava humanos envolvidos na escravidão. Tiger não acreditava na integração de humanos e homens-peixe. Porém um dia um grupo de humanos abordou Tiger e pediu para que ele levasse uma menininha chamada Koala pra casa. Koala era humana, mas era escrava mesmo assim e havia sido pessoalmente libertada por Tiger no passado, e foi pedido que ele a reunisse com seus pais, em vez de abandonar um escravo que ele libertou a própria sorte, e Tiger concorda, mesmo sentindo desconforto com o fato dela ser humana. Tiger criou laços com Koala durante a viagem, e a ajudou a lidar com o trauma da escravidão, ele ensinou a menina a chorar, e expressar seus sentimentos genuínos (em sua vida de escrava, ela era punida fisicamente caso não estivesse sempre com um sorriso servil), ele tatuou um símbolo de liberdade em cima da “marca de escravo” de Koala, e foi pessoalmente até a vila dela entregá-la a sua família. Porém era uma emboscada, e o governo estava esperando Tiger na vila e Tiger foi baleado.
Os médicos da tripulação de Tiger poderiam tê-lo salvado com uma transfusão de sangue de um humano, mas Tiger se recusou, porque ele admitiu que seu ódio contra os humanos era tão grande que ele não aguentaria viver com o sangue de um nas veias. Ele chora de vergonha por não ter superado seu próprio ódio, e fala que pessoas como Koala, a nova geração, são o único futuro da causa, desde que eles não herdem o ódio dos mais velhos. Em resumo o ódio que Tiger criou tirou a vida de Otohime, e impediu o salvamento da própria vida, foi um ódio letal aos dois lados da causa. Após sua morte, o legado de Tiger é carregado por dois notórios vilões da série: Arlong e Hody Jones. Dois racistas que praticam o ódio aos humanos de maneira cruel, sádica e não-ideológica, como uma vingança pelo que fizeram ao Tiger. Arlong chegou ao ponto de escravizar os humanos, enquanto Hody Jones admitiu que nunca teve uma má experiência com humanos, ele só foi educado pelos seguidores de Tiger a disseminar o ódio gratuitamente.
Então Tiger em si não foi um vilão, pelo contrário, ele é uma figura que desperta muita simpatia e heroísmo ao público, e não recebeu o tratamento de Killmonge e Magneto. Mas apesar disso sua luta era uma que só poderia terminar em vilania, e a única luta que poderia gerar o bem é o pacifismo de Otohime. Tiger, assim como Magneto e Killmonger não tinha o direito de fazer a sua revolução, e o mero fato dele ter tentado, fez com que apesar dele ter feito mais o bem do que o mal, ele tenha inspirado o mal muito mais do que inspirou o bem.
Agora, isso significa que One Piece é um mangá que não pode ter uma revolução. Pelo contrário, a Koala literalmente cresceu para fazer parte de um grupo chamado “Os Revolucionários” que lutam para acabar com o governo. Mas ironicamente, a série (ainda) não fez uma única conexão ideológica entre Koala e os demais homens-peixes que lutam para derrubar o governo e uma herança ao legado de Fisher Tiger. É possível que faça no futuro, mas por hora a associação não foi feita. E mesmo tendo sido escrava do governo na infância, sua personalidade eternamente risonha e bem-humorada não permitem que associemos suas ações à vingança ou ódio (diferente de Tiger, Arlong e Jones que eram carrancudos e visivelmente rancorosos). Mas isso pode mudar, estou colocando aqui o disclaimer que o futuro do mangá pode desmentir tudo isso, e não ponho a mão no fogo nessa parte aqui.
Mas mesmo assim quero comentar: O único homem-peixe que vemos nos revolucionários, é notório por não ter a tatuagem do símbolo de Fisher Tiger, que a maioria dos homens-peixes tatuaram em si em algum ponto de suas vidas.
O protagonista de One Piece derruba governos na violência constantemente, inclusive no recente arco de Dressrosa, onde um governo de mais de uma década foi derrubado porque o rei foi espancado pelos heróis. Então o Luffy tem o direito de fazer a revolução, e o Dragon também tem, quem não têm é o Fisher Tiger, pois o Luffy e o Dragon não fazem ninguém se lembrar do Malcolm X. Luffy está resolvendo problemas pessoais (fizeram seus amigos chorarem), não está resolvendo problemas de segregação racial, e portanto a violência dele é legítima e a de Fisher Tiger não é.
E esse é um ponto fundamental. Apesar da revolução de Killmonger, Magneto e Fisher Tiger ser extremamente vilanizada, e vista como um extremismo que só pode gerar uma reprodução fiel do inimigo, isso não significa que a ficção vilanize revoluções em geral, a ficção vilaniza ESSA revolução, uma revolução que nos faça pensar em Malcolm X ou nos Panteras Negras. E principalmente, uma revolução que os brancos olhem e pensem “mas gente, se essa galera começar a fazer isso, vão acabar batendo…. em mim!” Mas se pegarmos por exemplo um filme como V for Vendetta ou Hunger Games para pegar exemplos bem populares, esses filmes romantizam a revolução pra cacete. Glorificam, e fazem a revolução armada e a destruição do governo parecer uma enorme necessidade.
Então, qual a diferença entre o Killmonger derrubar o governo dos Estados Unidos e a Katniss derrubar o governo de Panem? Pois é, agora é que fica interessante.
A diferença é que nem a Inglaterra fictícia de V for Vendetta, nem Panem são democracias. São governos totalitários. Que nem o império de Star Wars é um governo totalitário. E sabe como se dialoga com governos totalitários? Não se dialoga, a única solução é matar todo mundo.
Tem que explodir a Death Star. Tem que meter bomba no parlamento, e dar flechada em soldado do governo sim. Derrubar todos que lutam a favor do governo na bala. O Snowpiercer não pode continuar, tem que acabar completamente, não importa o custo. Até não sobrar vestígios de totalitarismo. E a gente romantiza isso pra cacete.
Aí você vai me falar que não. Que a gente não romantiza o V for Vendetta, porque o personagem é claramente um anti-herói. Ele é amoral. Está em uma escala de cinza, e não deve ser admirado. E portanto como ele pode ser romantizado?
E a resposta é simples. Envolve a administração da catarse. Catarse, uma palavra que pode significar “purgação”, é um termo usado no cinema para descrever uma cena ou momento que descarregue nossas emoções. Em resumo, é o momento em que espera-se que a audiência deleite-se com todas as emoções que estão saindo, e isso geralmente se deve ao fato de que é o final do filme, e tudo o que o filme fez até aquele momento culminou naquela cena magnífica. Provocar a catarse no terceiro ato, costuma ser um dos objetivos de um roteirista de um filme. É esse sentimento de liberação de nossos sentimentos que nos arrepia quando vemos o Tim Robbins abrir os braços na chuva em Shawshank Redemption. Ou quando ouvimos a resenha de Anton Ego sobre o restaurante em Ratatouille, ou não precisa ser no fim do filme, catarse é ver a Diana entrar na terra de ninguém em Wonder Woman. E principalmente, catarse é ver as bombas explodirem o parlamento ao som da Abertura 1812 de Tchaikovsky.
A catarse é provocada por uma empatia que te coloca ao lado do personagem, independente da moral dele, pois o cinema e a televisão eles tem esse poder. Eles geram e exercitam sua empatia, e te fazem sentir empatia pelos personagens, mesmo que eles sejam diferentes de você. Quando esse exercício de empatia falha, é bem difícil você mesmo assim gostar do filme. E provavelmente você vai xingar o personagem na hora de criticar o filme.
Os crimes e destruição e mortes do V são catárticos, e te libertam, da mesma maneira que os crimes e destruições e mortes do Walter White. Walter é um péssimo ser humano, mas Breaking Bad direciona sua empatia a estar do lado dele e se sentir liberado ao lado dele conforme ele se sente bem e livre por entrar em uma vida de crimes. E como eu já disse aqui antes, durante 90% da série, não apesar das atrocidades, nossa inclinação é na maioria das vezes tomar o lado do Walt, pois seus inimigos são ainda piores. Ele é uma pessoa horrível, mas não assume o papel de vilão, pois sempre tem outro personagem sendo o vilão.
E por isso o anti-heróismo de V não faz com que questionemos seu direito de explodir o parlamento. Pois somos cúmplices de V, assim como Evey é. Assim como o povo inglês é. E isso é romantizar a revolução sim. Assim como somos cúmplices de Katniss Everdeen. E de Luke Skywalker. Mas nós nunca somos cúmplices de Magneto. Quando ele vira as bombas pros barcos, o filme está do lado do Xavier, não do Magneto. O filme nunca está do lado do Magneto, como está do lado de Walter White.
Se o Kurt Vagner tivesse assassinado o presidente, não seria catártico, não nos aliviaríamos de nossas emoções. E não somos cúmplices de Killmonger quando este luta. Talvez você seja cúmplice dele na cena do museu, mas em todo o resto do filme, ele está em posição de anular sua cumplicidade. Ver ele matar a namorada, ou jogar T’Challa do abismo servem pra distanciar você do Killmonger, porque ele está errado, e você não pode ficar do lado dele do jeito que você ficaria do lado de V. Ver ele queimar as plantas sagradas de Wakanda é uma atitude inútil com o único objetivo de te fazer perceber o quão errado o Killmonger é e desejar sua derrota.
Em Hunger Games, se debate sob o risco do governo que suceder o governo do presidente Snow de Panem ser uma reprodução do governo do presidente Snow. Mas a solução para isso é a de que: A Katniss está certa. E os membros da revolução que são tão ruins quanto Snow vão morrer junto, na flechada da própria Katniss. Não existe uma crítica à violência, ao método, ao assassinato, é uma revolução carai, tem que matar mesmo. A crítica é só em relação a que tipo de ideologia vai ascender, mas a violência está liberada.
Na trilogia recente de Planet of the Apes, a dictomia se repete. Temos Caesar, o Luther King, e Koba, o Malcolm X. Reparem por favor no fato de Koba ser o nome de revolucionário de Stalin, antes dele ser ditador, reforçando o tema de “se seguir nesse caminho, se tornará um dos maiores tiranos da história.”. Enfim, Caesar apesar de ser o menos passivo representante-de-Luther-King-em-racismo-fantástico que eu já vi, lutou até o final para que humanos não fossem machucados em contextos que não sejam de auto-defesa, e que as espécies não tivessem mais atritos que o necessário. Enquanto Koba queria exterminar a raça humana, pois ele queria se vingar dos humanos. Ao final de Dawn of the Planet of the Apes, Caesar mata Koba. Quando Caesar é lembrado que a regra de honra máxima dos macacos é “macaco não deve matar macaco.” ele simplesmente responde que Koba não é um macaco e o assassina.
No terceiro filme, tendo falhado em impedir a guerra de começar, Caesar tem seu filho assassinado e resolve se vingar, para o desgosto de seus aliados que afirmam que ele enfim está se tornando tão ruim quanto o inimigo. Apesar disso, Caesar poupa o assassino de seu filho no final, nunca cruzando a linha moral que seria assassinar um humano por ódio. Apesar disso, o assassinato de Koba nunca é tratado como uma linha moral que foi cruzada, Koba era o Stalin. O racista reverso. Ele merece morrer e isso não é um dilema moral que com equivalência ao Caesar matar o assassino do seu filho em um ato de vingança.
Assim como a ética de Luke Skywalker assassinar uma população imensa ao explodir a estrela da morte nunca foi questionada. Mentira, foi sim, nos anos 1990, pelo Kevin Smith no filme Clerks, mas só a moral de explodir a segunda estrela da morte, mesmo nesse contexto, concluí-se que os Stormtroopers mortos no primeiro filme mereciam morrer, pois Luke Skywalker tinha o direito de fazer a revolução.
O próprio T’Challa, que perdeu o trono no processo legal de Wakanda, recupera o trono atiçando uma revolução, e declarando guerra contra o governo de Wakanda. Houve mortes, e ele pessoalmente assassina Killmonger para poder trazer o “bom governo” de volta. Sabem porque? Porque o Killmonger era a Alma Coin e o T’Challa era a Katniss. O problema não é o método, o problema é a ideologia. Killmonger não estava errado por ser violento e agressivo, pois os Jabari eram e saíram de heróis no filme, pois foram violentos e agressivos do lado certo da guerra. O problema de Killmonger era sua ideologia.
Inclusive Killmonger tomou o poder em Wakanda no filme de maneira legítima. Ele tinha o direito ao desafio, e as leis de Wakanda permitiam que ele matasse T’Challa. A luta deveria ser um contra um, mas T’Challa só sobreviveu por interferência externa, ele foi mantido vivo por pessoas de fora da luta. E isso foi usado como tecnicalidade para ele afirmar que o duelo foi anulado, pois ele não morreu. Quando personagens como Nakia deixavam bem claro que Killmonger precisava ser derrotado porque ela não gostava dele. Independente de sua legitimidade.
O Wolverine não é exatamente a pessoa mais adversa a violência e a se render ao ódio. Mas é muito mais fácil estar do lado do Wolverine do que do lado do Magneto, pois o Wolverine não é o Malcolm X. O que não signifique que ele não saia matando geral, ele só não faz isso por ideologias raciais.
Mas não precisa ser só a perspectiva racial. Killmonger e Magneto davam a perspectiva racial. Mas não precisa ser o Malcom X. O importante é não ser algo que diga que a sociedade atual é a inimiga. Por exemplo. O Bane em Dark Knight Rises, lidera uma revolução que é essencialmente um ocupy wall-street e uma revolução anárquica em Gotham, tirando a cidade de políticos e dando-a ao povo. Mais do que vilanizado, a revolução de Bane é retratada no filme como mero pretexto para fazer o caos de sua ideologia destruir a cidade completamente, o que era seu objetivo, uma vez que Bane não tem ideologia e só mentiu que tinha, para fazer essa ideologia matar gente. E isso dialogava diretamente com um movimento social que estava rolando naquele exato momento, fazendo o papel de espantalho de fazê-lo soar vazio e falso.
Da mesma forma que Bane, temos o Amon em Legend of Korra, querendo trazer igualdade para as pessoas oprimidas, tirando o poder dos privilegiados. Isso também era um mero pretexto para a prática de vilania causados por um homem cujo extremismo o corrompeu. Amon mentia sua identidade e na verdade não era parte do grupo oprimido que ele criticava, e buscava só o poder.
A revolução boa é a que luta contra uma sociedade cujos problemas não são o da nossa sociedade. Racismo, desigualdade social, opressão, esses são os temas ruins. Um ditadorzão gerando fome e miséria como consequência direta de ser um ditador, isso sim é um tema bom. Não importa quantos Stormtroopers tenham que morrer. Aliado do inimigo não é gente. A revolução boa é a que luta contra problemas que não só não são os problemas do EUA, como o totalitarismo, mas que são os problemas dos países em que os EUA acham pretexto para praticar guerra e matança. Problemas também que hipoteticamente se tornarão problemas dos EUA, se pessoas demais começarem a lutar contra o racismo, desigualdade social e opressão.
A revolução ruim é a que luta contra os EUA. As que lutam por reparação racial. As que lutam contra a manutenção do status quo. As que lutam contra as consequências do capitalismo e por igualdade. As que acham que a sociedade ocidental nos moldes em que vivemos, é estruturada de uma maneira insustentável. As revoluções que presumem que o mundo atual tem problemas que precisam de soluções. As revoluções que dão a entender que nossa sociedade atual precisa de mudanças.
Essa revolução ameaça a gente. E por isso, não só o Killmonger, o Magneto e o Bane perdem o direito de matar seus inimigos da maneira que a Katniss matou os seus inimigos. Eles perdem o direito de ter sua causa legitimada. Eles necessariamente precisam concluir sua linha de pensamento com “e no fim eu vou praticar o mal.” ou “e vou atingir isso através de genocídio e crueldade gratuita.” Hollywood, e os arquétipos comuns da ficção atual deram a eles permissão de expor seu ponto de vista, mas sempre enquadrando esse como “o ponto de vista do psicopata.”, um tratamento que os heróis de filmes que deixam pilhas de cadáveres para trás nunca receberão. Tudo para poder fazer o bom espantalho pro expectador.
A mensagem é clara. É a de que uma vez que nós não somos totalitários, e esse é o único problema estrutural numa sociedade. A nossa sociedade não requer nenhuma alteração radical. Pelo contrário, alterações radicais trazem o risco de totalitarismo. Vivemos em um mundo bom, e se rebelar contra o mundo como ele é agora, é moralmente errado. Qualquer mudança que você ache necessária deve ser obtida com paciência e esperando as melhorias vindo aos poucos.
O Killmonger deve ser combatido com violência. Mas o governo americano deve ser combatido com uma ONG. Pois o Killmonger é ideologicamente deturpado, mas os EUA tem solução, se tivermos paciência. No fundo é o que a gente quer ouvir no cinema. Que nós temos solução se tiverem paciência conosco, que não merecemos ser odiados. E como para a população dominante nos EUA “nós” são os brancos, filmes sobre como a situação racial tem solução se tiverem paciência e perdoarem o branco são muito populares.
A fúria do Killmonger assusta mais do que a fúria do presidente dos Estados Unidos. Pois seja Bush, Obama ou Trump: se todo mundo começar a imitar o Trump, a minha vida em si não é ameaçada. Mas a gente caga de medo de todo mundo pensar como o Killmonger. Tanto medo, que ninguém que se pareça com o Killmonger tem o direito de ficar puto, a sociedade fica mais confortável com todo mundo que tem alguma insatisfação a respeito de relações raciais nos EUA de boa. Zen e relaxado. Dando a outra face e esperando com paciência o problema melhorar.
Fechando com uma dica de vídeo aqui. Quero recomendar a todos a fantástica análise do Pop Culture Detective sobre a banalização da morte de Stormtroopers, como se não fossem pessoas. Gosto muito dessa análise e quero compartilhá-la com vocês.