Provavelmente a característica mais poderosa de South Park é que seu humor funciona em camadas. À primeira vista, parece que um episódio inteiro foi feito para ridicularizar X, mas depois olhando bem, podemos ver que esse episódio ridiculariza X para enfatizar o quanto Y é escroto. E assistindo uma terceira vez o episódio podemos ver que a ridicularização de X e Y é para nos mostrar a verdade, de que Z é um problema atual na sociedade.
Sempre parece muito óbvio quem é a vítima primária do humor ácido de Trey Parker e Matt Stone, mas após uma análise séria ser feita no episódio, percebe-se que muitas vezes não se resume ao mais evidente. Embora se prestarmos atenção, podemos ver o padrão de que a grande crítica é sempre contra os habitantes de South Park, que por sua vez simbolizam a sociedade americana e o expectador.
Assim, o episódio em que os professores começam a dar aula de educação sexual e deixam a própria ignorância em relação ao sexo impedirem eles de deixarem claro para os alunos do que aquilo se tratava. A crítica não é contra os professores, e sim contra os pais que delegaram aos professores a tarefa de falarem sobre sexo com as crianças, pois eles não queriam. Da mesma forma o episódio Margaritaville, mostra os habitantes de South Park temendo a economia americana como quem teme a um deus, enquanto a moral da história era de que eles faziam a economia funcionar, e o ato de não consumir por medo de uma crise só agravava essa crise. Não era um Deus a quem eles serviam ou eram punidos e algo sobre o que eles deviam saber que tem controle e recuperar o controle Mas o povo ignorante de South Park não faz isso, eles raramente aprendem a lição e seguem sendo ignorantes. No episódio que mostra como o Wall-Mart é uma empresa do mal que causa mais danos que benefícios, termina concluindo que a culpa do poder do Wall-Mart é da sociedade que consome nele e sustenta sua existência.
Agora, a culpa é sempre da sociedade na maioria dos episódios de South Park, mas a série nunca separa a sociedade de seus personagens. A sociedade é formada por todos os habitantes de South Park, então eles tem que enquanto uma comunidade mudar seus hábitos e deixarem de ser ignorantes, por isso a culpa é sempre dos personagens, e não da sociedade como uma instituição separada dos habitantes da cidade.
Enfim, na 19ª temporada, South Park fez algo diferente. Embora eles tenham aumentado a sua continuidade gradualmente a cada temporada já tem alguns anos, essa foi a primeira temporada que foi inteira conectada por um tema maior, em um grande arco de história. Não é mais ambicioso como já foi na década passada para uma série animada fazer isso, mas foi a primeira vez que South Park fez e o que mais chamou a atenção nessa 19ª temporada é que praticamente todos seus episódios abordaram o politicamente correto.
South Park sempre foi uma série de humor negro, que nunca teve a menor hesitação em colocar minorias em suas piadas e até agora a única vez que não se safaram foi quando tentaram zoar com Maomé, mas o episódio não foi ao ar, graças às ameaças de bomba feitas por fanáticos religiosos.
Por conta disso, a série sempre esteve muito confortável em avacalhar completamente com o politicamente correto. O que é de se esperar. Mas diferente de outras animações adultas, eles nunca explicitaram o politicamente correto como seu inimigo jurado. Da mesma maneira que Family Guy já fez.
O politicamente correto costuma se apresentar na série sendo personificados em dois personagens. O primeiro é Kyle Broflowski, melhor amigo de Stan Marsh. Embora South Park tenha um quarteto de protagonistas (que foi organicamente promovido a um quinteto depois da sexta temporada), é evidente que Stan é o protagonista da série. E ao lado de Kyle, é através de Stan que os autores falam o que eles pensam. Cartman pode ser o personagem mais famoso, mas ele é um escroto, um personagem maligno e tudo o que ele faz é cruel, o que, como já falei aqui no passado, funciona muito bem para um personagem central em uma comédia. Mas o ponto de vista dos autores é sempre Stan e Kyle. Stan se manifesta como grande voz do bom-senso em toda a cidade de South Park. Enquanto Kyle se manifesta como grande voz de fazer o que é certo. Por conta disso, Kyle está em um permanente conflito com Cartman, pois ele é o oposto de Cartman. Se o Cartman dá a fama politicamente correta para South Park, Kyle defende tudo o que é politicamente correto, e que se faça sempre a alternativa mais decente.
O segundo personagem que personifica o politicamente correto na série é Wendy Testaburger, a namorada de Stan. Ela é engajada politicamente e constantemente se manifesta em prol de minorias e das causas mais comentadas do momento que o episódio é escrito. Assim como Kyle ela é um dos personagens mais próximos do protagonista, Stan, e antagonista de Cartman. Ela odeia Cartman, inclusive já tendo dado uma surra nele em um episódio em que Cartman fez uma piada sobre câncer de mama.
E agora na 19ª temporada foi introduzido um terceiro personagem. PC Principal (traduzindo literalmente como Diretor PC, sendo PC uma sigla para “politicamente correto”.)
PC Principal é o novo diretor da escola de South Park, e a primeira cena do primeiro episódio da temporada já mostra ele chegando colocando o pau na mesa. Ele recapitula o quão racista e intolerante a cidade inteira é, citando exemplos de diversos episódios das temporadas passadas. Ele veio para consertar South Park e tinha certeza de que é o que faria.
E como Kyle e Wendy já fizeram no passado, ele espanca Cartman. Logo no primeiro episódio, por ter cometido duas microagressões, uma contra italo-americanos e outra contra mulheres. E é assim que PC Principal resolve seus problemas.
Sim, PC Principal é um bully que está pronto para humilhar e ferir fisicamente qualquer homem branco hétero cis que não esteja ciente de seus privilégios. Mas ele fará isso sozinho?
Claro que não! Ele monta uma fraternidade cheia de adolescentes homens brancos héteros e cis para ficarem bebendo e dando festas entre eles enquanto desconstroem preconceitos e problematizam a fala dos outros. Praticamente igual às faculdades de humanas da USP, só que nos moldes dos frat boys americanos que todos amamos ridicularizar
Sério, frat boy é um conceito muito zoado, tá entre o que a cultura americana tem de pior.
E como eu disse, nenhuma minoria nesse grupo que luta por minorias. PC Principal além de um bully e um hipócrita da porra. Por isso logo no primeiro episódio muitos devem ter pensado que a temporada seria uma crítica a ele e ao que ele representa. Mas o que ele representa? Ele é uma paródia dos Social Justice Warriors que estão na internet, frequentando suas redes sociais e desconstruindo os paradigmas em tudo o que você posta. É com isso a crítica? Não. Isso é simplista demais. Ele paródia os Social Justice Warriors, mas a temporada não veio pra criticar os Social Justice Warriors. Veio criticar a hipocrisia.
PC Principal traz mudanças à cidade. A primeira é que seu lado politicamente correto traz a tona o lado escroto das pessoas escrotas. Um exemplo é o Sr. Garrisson, um péssimo ser humano, que constantemente é usado na série para ser um antagonista menor. Ele é racista, intolerante e cuzão. E é também um dos professores de South Park, então nessa temporada ele é obrigado pelo PC Principal a dar aula aos refugiados imigrantes, e por ele odiar imigrantes ele briga com PC Principal, se recusa e passa a militar contra os imigrantes na cidade, se tornando uma paródia de Donald Trump, que atualmente está tentando se tornar um candidato à presidência para as eleições de 2016.
Garrisson se torna um candidato à presidência e logo vira uma grande piada nos EUA, afinal ele é tão babaca e intolerante que seu slogan de campanha é uma grande apologia ao estupro, e por isso todos nos EUA começaram a achar que todos os que vêm de South Park devem ter as mesmas ideias que ele, o que despertou na cidade a necessidade de se provar tolerante. Eles tinham que provar para o mundo que eles não eram um bando de racistas. Então liderados por Randy Marsh, pai de Stan e membro da panelinha politicamente correta do PC Principal, eles decidem que vão ter um Whole Foods na cidade.
Whole Foods é uma cadeia de supermercados nos Estados Unidos que é especializada em comidas orgânicas, usa sacolas biodegradáveis e é cheia de panfletos de quanta energia eles economizam e em geral um lugar muito adorado pelos americanos que tem uma grande consciência ambiental, e que podem pagar pelos produtos caros que vendem no Whole Foods, que são bem mais caros que a média. Um público mais refinado e mais tolerante e que aceita a “cultura pc”. Claro que o Whole Foods é uma grande cadeia de supermercados, muito lucrativa e um bom exemplo do quanto o desejo de alguns brancos de classe média provarem que eles não são intolerantes e sim bons exemplos de pessoas que respeitam as minorias, é um desejo lucrativo.
Mas o Whole Foods, sendo um símbolo de uma boa vizinhança e sendo associado a espaços bem frequentados por uma galera descolada que prefere os produtos da Apple, e que tomam seus cafés no Starbucks, não vai abrir em qualquer vizinhança, somente em uma que corresponda com a imagem de publico que eles desejam. E para dar essa imagem à cidade, Randy lídera a cidade em gentrificar a área pobre da cidade, onde fica a casa de Kenny. Em uma região que eles chamam de Sodosopa (South of Downtown of South Park).
Todos gostam da gentrificação, agora eles tem um point para boa comida, apreciação de cultura e lazer, onde os habitantes de South Park podem se sentir bem em relação ao quão descolados e tolerantes eles são. Mas isso é escroto, pois a gentrificação tornou o local muito pior para se viver para a família de Kenny, que não pode pagar pelos preços altos dos restaurantes abertos. Mas Kenny rapidamente mata Sodosopa liderando uma gentrificação do centro de South Park, que passa a se chamar CtPa Town (The City Part of Town), o plano funciona, o Whole Foods abre no centro da cidade, e agora todos os habitantes de South Park podem viver bem consigo mesmo. Afinal todos sabem que eles, diferente dos americanos toscos que votam no Sr. Garrisson, são diferentes, são parte de uma comunidade tolerante e descolada que vive em bairros gentrificados e compram no Whole Foods.
Mas claro que isso vem com seu lado negativo. Randy começa a se sentir desconfortável com o fato de que no caixa, constantemente pedem para ele doar dinheiro para crianças famintas na África, e quando ele se recusa ele é exposto e pelo homem no caixa.
A gentrificação e o Whole Foods aumentam o preço de toda a economia local e deixam a região da cidade inabitável pelos mais pobres, mas causa uma sensação forte de bem-estar e de ser parte de uma comunidade que se importa. Doar dinheiro para uma instituição que combate a fome é um jeito bem mais direto de realmente ajudar quem precisa, porém Randy não quer ter que realmente fazer algo pelos outros, ele quer se sentir bem por ser pc e por ser tolerante e por viver em uma sociedade onde ele vê essa tolerância nos olhos de todos os outros habitantes.
Ele aproveita que PC Principal estava obrigando Butters, a criança sensível, ingênua, inocente e pura de South Park, a filtrar todos os comentários negativos das redes sociais de Cartman e outras celebridades que sofriam de body shaming (críticas por não estarem nos padrões de beleza), e começa uma campanha contra charity shaming (críticas por não praticar caridade), afinal, assim como todos deviam ser capazes de se sentir confortáveis consigo mesmo, independente da aparência, elas também deviam ser capazes de se sentir confortáveis consigo mesmas, independente da atitude.
Claro que a campanha contra o body shaming acaba quando Butter é hospitalizado pelo choque de realidade que ele sofreu lendo tudo que a internet tem de mais cruel no mundo concentrado somente nele. Por isso Randy resolveu ajudar Butters fazendo as crianças na África filtrarem os comentários negativos na internet, em vez de Butters, e passou a pedir doações para essa causa no Whole Foods.
Pois o sofrimento de Butters choca mais Randy do que o das crianças na África. Todo esse episódio é uma grande crítica às prioridades de Randy, em como ele compara a exposição que ele sofre no supermercado como igual a que celebridades sofrem na internet. E enfatiza que o seu objetivo em tudo que ele tem promovido de politicamente correto na cidade, é se sentir bem consigo mesmo, e não realmente ajudar ninguém.
E essa é a crítica da temporada. Não contra o politicamente correto em si, contra o uso do politicamente correto como arma para o próprio bem-estar em contraste com o uso do politicamente correto para efetivamente melhorar a vida de alguém. Ninguém ali luta pelas minorias, eles vivem em um ambiente predominantemente branco e hétero, e só querem não ser taxados de racistas ou homofóbicos por não incluírem minorias em seu cotidiano de comidas orgânicas caras.
O episódio seguinte é sobre como a cidade confundiu Tweek e Craig com um casal gay, e já ganhou o próprio post nesse blog, e o episódio logo após esse é sobre como, agora que Kenny matou Sodosopa e a área da casa dele não é mais um local badalado de South Park, sua vizinhança passou a ser rodeada por mendigos.
Mas Kenny não se abala e faz todas as crianças de South Park se tornarem um grupo ninja que afugenta os mendigos da região. Sem poder dormir perto da casa do Kenny, onde eles vão dormir? No centro da cidade gentrificado.
Para o horror de Randy e dos outros adultos.
Eles rapidamente recorrem à polícia para tirar todos os mendigos da região deles na base da porrada. Porém em um incidente recente, um policial foi expulso da força por ter atirado em uma criança latino-americana, e a polícia, que no próprio episódio admite que o grande prazer deles no trabalho é ser violento com minorias, ficou puta e se recusou a fazer qualquer trabalho na cidade até estarem liberados para bater nas minorias novamente.
Então eles fazem o pacto com a polícia, e prometem fazer vista grossa para toda opressão feita contra negros e mexicanos, desde que os mendigos continuem fora de sua zona revitalizada da cidade e do Whole Foods.
Novamente, apesar de todo o discurso da cidade, todos eles deixam de se importar com as minorias, no minuto em que o sacrifício delas impede que eles tenham que lidar com mendigos, eles também obviamente não se importam nem um pouco com os mendigos. Eles só se importam no bem-estar social que seu discurso promove.
O importante é que até aí, o personagem do PC Principal não foi forte em nenhum episódio exceto no primeiro. Ele chegou na cidade e começou a influenciar Randy, e foi Randy quem começou a fazer as mudanças hipócritas na cidade. E a hipocrisia de Randy, sendo Randy uma metonímia para toda a população adulta de South Park, é a grande crítica da temporada. O quão vazio é o discurso politicamente correto quando suas atitudes ainda promovem todas as coisas que você crítica. PC Principal foi o gatilho que começou tudo, mas ele virou um personagem secundário nessa primeira parte da temporada, até o arco de história da temporada começar com força.
Ele volta com tudo quando Jimmy, um personagem deficiente físico e muito carismático da série, aprova o uso da expressão “retardado” no jornal da escola, que ele promove. E PC Principal tem problemas em como lidar com isso, pois ele não pode ser violento com um deficiente da mesma maneira que ele foi violento com Cartman. Ele dá uma calma bronca em Jimmy, mas este ignora seu diretor.
Jimmy é um comediante e pretende ser um comediante profissional, como um comediante e um jornalista ao mesmo tempo ele valoriza muito a liberdade para usar em seu jornal o termo que ele julga mais apropriado para descrever o que ele pensa, e no caso o termo foi “retardado” e ele não dá a mínima para o que seu diretor acha disso. PC Principal tem dificuldades lidando com isso, e chama Jimmy e os outros alunos deficientes do colégio para uma festa na sua fraternidade pc, para fazer Jimmy entender o quanto ele se importa com os deficientes e talvez assim fazer as pazes com o garoto.
Porém é na festa que Jimmy vê a verdade. Ele vê os colegas de PC Principal, ignorando os deficientes, e fazendo discursos vazios em prol dos deficientes para tentar levar garotas pra cama. Ele se revolta com isso, e coloca isso no jornal para todos verem, para o pânico de PC Principal.
O importante é que PC Principal proíbe Jimmy de distribuir seu jornal no colégio, e Jimmy começa a distribuí-lo fora do colégio, chamando a atenção dos adultos para o jornal. O jornal logo se torna popular entre os adultos por não ter propaganda. E eis o verdadeiro vilão da temporada, as propagandas.
Atualmente toda mídia é recheada de propagandas, e de propagandas disfarçadas de conteúdo, e de propaganda disfarçada de notícias de jornais, e com a internet a invasão da propaganda em nosso cotidiano está cada vez mais intragável. E Jimmy em seu jornal luta contra isso, e faz questão de não ter nada disso.
Claro que agora que seu jornal é popular, graças a censura de PC Principal, os publicitários tentam fazer Jimmy ter propagandas, quando Jimmy se recusa, ele é ameaçado com uma arma e resgatado pelo ex-policial Barbrady, o mesmo que atirou na criança latino-americana, e levado a um grupo de jornalistas dedicados a combater as propagandas.
Nessa reta final da temporada, a guerra contra as propagandas é narrada como uma grande paródia da guerra do homem contra a máquina retratada em diversos filmes como Matrix ou Terminator. Tem uma organização de jornalistas, que estão abismados com o fato de que Jimmy é tão contra propagandas, que ele é capaz de diferenciar qualquer artigo na internet entre um artigo genuíno e uma propaganda. E esses jornalistas usam Jimmy para confirmar que uma garotinha chamada Leslie é uma propaganda.
Leslie é uma estudante introduzida nessa temporada para ser parte de uma piada. Toda cena de palestra no colégio nos episódios anteriores, era interrompida do nada para PC Principal violentamente mandar essa garotinha chamada Leslie calar a boca e escutar. Sempre com a mesma garota. Até eventualmente mandar a polícia tirar ela da escola para servir de exemplo com o que acontece com quem conversa em vez de prestar atenção em palestras importantes sobre diversidade.
Porém Leslie era desde o começo uma propaganda. Ajudando a manipular a cidade para conseguir o que as propagandas querem. E o que elas querem? Gentrificação.
O plano maligno das propagandas é gentrificar todas as cidades do mundo até todas serem caras demais para o consumo de seus habitantes, e com isso elas criariam um mundo onde a humanidade não poderia habitar e venceriam a guerra do homem contra as propagandas.
Para isso as propagandas manipularam toda a “cultura pc” e a geração de social justice warriors para criarem uma demanda de uma população mais politicamente correta e poderem ter uma desculpa para gentrificar as cidades.
Porém, o artigo de Jimmy abre os olhos para PC Principal perceber que o artigo era verdade, que seus colegas só estão interessados em usar a cultura pc para comer mulher, e que ele é o único que não entrou nesse rolê atrás de sexo. Isso e o fato de que ele viu um anúncio de seguros com ele e Leslie, fez ele questionar que talvez ele esteja sendo manipulado pelas propagandas. E por isso PC Principal parte em uma jornada para descobrir quem ele é, e o que está acontecendo.
Com PC Principal em sua jornada, e Jimmy e Leslie nas mãos dos jornalistas, a escola logo percebe que o diretor desapareceu ao mesmo tempo em que os dois alunos com quem ele tinha mais conflito desapareceram também. E os cinco protagonistas, Stan, Kyle, Cartman, Kenny e Butters, logo vão investigar isso. Mas suas investigações constantemente são interrompidas pois eles se distraem vendo propagandas..
Leslie manipula Jimmy e depois Kyle para conseguir escapar e colocar os habitantes da cidade um contra o outro. Ela é uma propaganda, logo ela mente e manipula, mas ao final, PC Principal volta de sua jornada, onde ele visitou dezenas de zonas gentrificadas e matou dezenas de propagandas antropomórficas, ele volta para South Park e mata Leslie e salva a cidade, por enquanto.
O que coloca o PC Principal como o herói da temporada. A chegada dele começa a criar um conflito, ao perceber que ele é o causador do conflito ele entra em crise, vai em uma jornada de autodescobrimento, volta e destrói o vilão enquanto os protagonistas mal perceberam a dimensão do que ocorria de verdade.
Com Leslie morta, a última ponta solta que falta para a cidade, é se livrar do Whole Foods que trouxe status para a cidade, mas não trouxe nenhum bem.
A temporada encerra com PC Principal fazendo um discurso. Ele fala que mesmo que ele tenha sido manipulado para se tornar o diretor da escola, ele vai continuar sendo o diretor. Ele faz um discurso sobre como as propagandas são um inimigo perigoso, mas que eles podem derrotá-los se todos forem politicamente corretos. Ao que o Stan só responde “isso será difícil.”
Enfim. Embora a temporada não tenha hesitado em fazer suas piadas às custas de todos os Social Justice Warriors, é fácil demais interpretar ela como uma grande crítica ao excesso de politicamente correto nos dias atuais, mas não é o caso. PC Principal como representante do politicamente correto, não foi responsável pelo que ocorreu em South Park. A hipocrisia foi, e embora PC Principal também seja um hipócrita da porra em suas primeiras aparições, foi a hipocrisia de Randy Marsh, representando a população média de South Park que por sua vez representa o povo americano, que gentrificou e vendeu a cidade para as propagandas. PC Principal reviu a própria hipocrisia, abandonou seus amigos frat boys que só queriam comer mulher, e foi usar o politicamente correto para enfrentar as propagandas e virou um herói. Tanto virou um herói que o discurso final é justamente o de que mesmo depois de tudo o que ocorreu, os personagens não devem abandonar o politicamente correto. Ele é a arma contra as propagandas.
Ao final a temporada fez duas grandes críticas, uma mais vaga e que já foi alvo de muitos episódios de South Park, que é a crítica à hipocrisia, ou seja, contra gente que vomita um discurso quando é conveniente, mas não a prática, o PC Principal é alvo disso no primeiro episódio e seus amigos pcs na fraternidade são culpados disso enquanto personagens, mas a temporada não trata a atitude politicamente correta e a hipocrisia como sinônimos. Todos os habitantes da cidade começam a dar dessas quando criticam a polícia por sua violência contra minoria, mas fazem vista grossa quando percebem que a polícia é conveniente para deixar os mendigos longe de sua área da cidade, permitindo a violência contra minorias. Todos na cidade vomitaram discursos que não praticaram, e o problema não está no discurso e sim no fato de que eles eram vazios sem a atitude dos personagens. A segunda grande crítica foi contra a gentrificação. O plano maligno das propagandas era gentrificar todo o mundo até não ser mais possível viver nele. E as propagandas usavam o politicamente correto para gerar discursos vazios na população para convencê-los a gentrificar. O personagem Nathan, afiliado aos vilões inclusive faz um discurso comparando o politicamente correto a gentrificação.
Gentrificar é pegar uma região para pisar no calo de todos os moradores até eles serem obrigados a sair da região por não conseguir se sustentar nela, devido à alta valorização dos imóveis e de tudo na região, e geralmente é encabeçada por uma galera descolada querendo revitalizar uma região da cidade. E é isso que South Park critica mais que tudo.
O politicamente correto e a galera pc? Eles podem ser chatos e inconvenientes, mas quando PC Principal abandonou seus colegas de fraternidade, ele se tornou o grande herói da temporada, pois o discurso não é o problema. O problema é a suposta falta de ação que ele carrega. O politicamente correto não serve para você se sentir bem com você mesmo, e poder dizer que é melhor do que os outros, por ser mais consciente e tolerante. O politicamente correto deveria ser sobre ser literalmente mais consciente e tolerante, é justamente sobre se tirar do centro de tudo.
Lá atrás, na décima temporada, nove anos antes do PC Principal chegar na cidade, a série havia feito um episódio sobre carros híbridos. Segundo episódio da décima temporada para ser bem preciso. Chama Smug Alert Sobre como os donos tinham tanto orgulho de ser parte de um grupo de pessoas que se importam com o meio ambiente e não poluem, que toda a cidade de São Francisco (para onde os donos de carros híbridos eventualmente sempre se mudam) começa a ficar infestada de uma poluição letal feita da presunção de todos os habitantes (em um trocadilho com a palavra smog [poluição] e smug [presunção]. E essa 19ª temporada foi basicamente Smug Alert alongado em vários episódios e aproveitando para explicitar o quão escrotas são as gentrificações.
Mas e quanto ao politicamente correto em si? Acho que ainda vamos ver o PC Principal chutar muitas bundas intolerantes na 20ª temporada. E estar errado algumas vezes, pois ninguém é realmente protegido em South Park. Mas definitivamente do lado dos heróis.
Finalizo com a observação de que no primeiro episódio PC Principal chama a atenção para a ausência de personagens latino-americanos na série, e nessa temporada, eles introduzem o primeiro da série em 19 anos, Davi. Um garoto filho de pais mexicanos. PC Principal fez uma exigência e os criadores a cumpriram.