Um texto sobre os vários Sasukes que existem nos mangás:

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Uma coisa que sempre nos chama a atenção nos mangás é a presença dos rivais. Provavelmente um dos elementos mais fundamentais para se contar uma história, em especial nessa mídia, é o da rivalidade. De que o protagonista possui uma figura que quer o mesmo que ele, e com quem ele disputa seus objetivos. Uma figura que pode ser vilanesca, ou pode ser amistosa, mas que é o obstáculo definitivo para o protagonista atingir seu sonho. E que é com quem o protagonista irá evoluir, o protagonista ficará progressivamente mais poderoso, e seu rival também.

Você pode encontrar essa figura em Battle Shonens o tempo todo, é onde mais se encontram, mas eles existem com muita força nos mangás de esporte também. Eles existem nos romances. Eles existem nos shoujos tanto quanto nos shonens. E eles existem faz um tempão. Uma figura que disputa com o protagonista em pé de igualdade. Geralmente frequentando os mesmos espaços, dividindo os mesmos títulos e tendo as mesmas chances.

Mas apesar da figura do rival ser velha, em 1999 foi criado um personagem que ia codificar esse tropo milenar. Que ia se tornar um símbolo do que significa ser um rival, uma referência para todos os rivais que viriam depois, e uma eterna comparação. Eu falo de Uchiha Sasuke, o deuteragonista de Naruto. Eu constantemente falo que na rivalidade entre One Piece e Naruto, One Piece venceu a batalha por sucesso, se tornando o mangá de maior sucesso da história, mas Naruto venceu a batalha por impacto, tendo gerado uma onda enorme de mangás imitando Naruto em número muito maior do que os que imitam One Piece.

E bem, sempre que eu falo de Naruto aparece esse mesmo cara aqui nos meus comentários fazer a mesma crítica. Sobre como todo mundo passa o pano pra Naruto, ignora o teor altamente problemático do mangá, e não inclui Naruto como um mangá problemático. E esse cara já postou uns dez comentários aqui. E eu mal sei do que ele está falando. Então sabendo que eu voltei pro tema quero aproveitar que temos outro texto de Naruto (na real o meu terceiro, nem é um mangá que eu visito muito), e convidá-lo a escrever o próprio texto problematizando Naruto e dividindo nos comentários, em vez de vir aqui exigir uma opinião que eu nem sequer entendo qual é. Tenho curiosidade em aprender mais sobre os pecados do mangá, e imagino que talvez alguns leitores tenham a mesma curiosidade.

Eu nem gosto tanto assim de Naruto. Eu era do Time One Piece na minha adolescência de levar rivalidade otaku a sério.

Mas o meu time não fazia diferença nenhuma, pois Naruto explodiu no ocidente muito antes de One Piece, e sua explosão foi uma das maiores portas de entrada do jovem pros males de ser otaku nos anos 2000.

E eu insisto que o maior legado de Naruto é em como ele afeta a distribuição de arquétipos de personagens de battle shonen até hoje. Vocês notaram que dois dos maiores sucessos de battle shonen recentes são ambos protagonizados por duas variantes do Time 7? E isso sem nem falar de como veio uma leva de obras tentando fazer uma cópia do Rock Lee receber a dignidade que o original não recebeu.

De todas essas influências eu acho que o Sasuke é uma das mais fortes. Então quero olhar de perto nesse tipo de personagem. Quem são os diversos Sasukes? O que eles comem? Onde vivem? O que define um Sasuke? E se os mangás são melhores por usarem esse arquétipo.

Antes de começar quero lembrá-los que esse é um blog financiado pelos seus leitores, e que se você tiver interesse em ajudar o blog, pode apoiar o site na nossa campanha de financiamento coletivo no apoia.se. Significa bastante para mim, e faz uma diferença enorme. Quem não quiser se comprometer a um apoio mensal, pode também fazer uma doação de qualquer valor fazendo um pix para a chave franciscoizzo@gmail.com que vai ter a minha gratidão e será homenageado aqui igualmente.

Esse texto é feito em homenagem aos que já apoiam o blog, uma galera legal e firmeza que são os verdadeiros heróis do Dentro da Chaminé. E eu espero que gostem do texto.

Quero também fazer um ALERTA DE SPOILER, não só de Naruto, mas também de ChainsawmanShokugeki no Souma/Food Wars, Enen no Shoboutai/Fire Force Beastars.

E eu quero começar definindo, afinal, quais são as marcas de um Sasuke?

O que é um Sasuke:

Para definir o que marca um rival que seja igual um Sasuke, eu acho interessante olharmos para o Sasuke mais icônico da história: o próprio Uchiha Sasuke.

Uchiha Sasuke é o segundo personagem mais importante de Naruto e serve constantemente como um espelho para Naruto. Naruto segue aquilo que o Tv Tropes chama de “Enredo Ampulheta”, que é quando temos dois personagens começam em posições conflitantes de status e ao longo da série a evolução individual deles faz com que um assuma a posição do outro, e aí eles se reencontrem com a dinâmica invertida, e isso é Naruto.

Naruto é sobre uma criança rebelde e delinquente, odiada por todos da vila e que todo mundo achava que um dia ia ser a perdição da vila. E Naruto odiava Sasuke, o seu oposto. Sasuke era brilhante e admirado, e todo mundo achava que ele seria o herói da vila. E com o passar da história conforme Naruto cresce mais e mais se provando um herói, Sasuke se aproxima mais e mais de um vilão. Naruto gradativamente para de achar que infrações e delinquência vão ajuda-lo, e Sasuke se afasta mais e mais das regras. E então eles se reencontram, com Sasuke tendo se tornado tudo aquilo que a vila achou que Naruto seria, e Naruto sendo o Ninja que todos acharam que Sasuke seria.

Para essa história funcionar, Sasuke tem que estar bem definido como a antítese de tudo o que é o Naruto.

Naruto era um garoto que apesar da sua circunstância trágica era energético, otimista e amigável. Sasuke era frio, fechado e inemotivo. Naruto era burro, então Sasuke era um gênio. Naruto era esforçado, então Sasuke representava o talento natural. Naruto era íntegro e Sasuke foi tentado pelo lado negro. Os dois eram perfis diferentes de pessoa, e a personalidade do Sasuke deixava ele cool aos olhos dos fãs, mas deixavam ele dessensibilizado demais para tomar as decisões corretas.

Da mesma forma, eu acho que um Sasuke deve ser definido muito pelo seu contraste com o protagonista. Não dá para termos um Sasuke sem um protagonista. Um personagem não é um Sasuke em um vácuo.

Então um Sasuke deve ser do mesmo time do protagonista. O Sasuke e o protagonista devem ser personagens que são forçados a lutar lado a lado mesmo não se dando bem.

Um Sasuke deve rivalizar com o protagonista em força, eficiência e pelo status de número 1 de seu grupo.

Mas um Sasuke também deve brigar com o protagonista por bosta! Por qualquer coisinha insignificante, só pelo senso de competição mesmo. Ele não aceita ficar atrás em força, então ele não aceita ficar atrás em nada. Então ele entra em desafios e comparações em contextos que são nada a ver.

E importante, seja com esse elemento partindo do protagonista ou de seu Sasuke, os primeiros sinais de aliança devem ser rejeitados como indícios de amizade. O momento em que o protagonista e seu Sasuke passarão a se considerar amigos deve ser merecido. Em algum momento, por tsunderismo, ou por não ter resolvido o rancor, eles devem enfatizar que não são amigos.

Um Sasuke precisa ser um personagem mais dessensibilizado. Seja por frieza emocional, por pragmatismo, ou por experiência. Os aspectos negativos da carreira que o protagonista e seu Sasuke seguem abalam seu Sasuke de maneira diferente do que abala seu protagonista. Quando alguém morre por consequência do plot, o protagonista acha aquilo horrível, mas mesmo o mais benigno dos Sasukes sabe que aquilo é normal e é parte daquilo que eles estão fazendo.

O Sasuke é arrogante e prepotente. Ele raramente é mais papo do que ação, e geralmente tem as técnicas para mostrar que ele de fato é excepcional em sua área, mas mesmo assim diversas vezes sua arrogância será trabalhada como um defeito. Não um defeito social, embora também, mas como algo que pode impedir o personagem de ter perspectiva de suas limitações e da escala do mundo em que ele vive.

O Sasuke é também uma figura veterana. Ele tem pedigree, ele está naquele mundo, pois o pai dele era daquele mundo, ele cresceu ali desde bebê, ele não é um forasteiro, e se o protagonista for um forasteiro, ele vai ser o primeiro a criar um sentimento de inadequação ao protagonista por cair de paraquedas em um território onde famílias definem toda a sua identidade.

E apesar desse pedigree, o Sasuke foi moldado por tragédia e por trauma. Ele é foda, determinado, frio e calculista, porque ele passou por cima da tragédia, e ele é definido por seu sofrimento.

E um Sasuke precisa existir no espectro da tentação pelo lado negro da força. Ou seja: a ideia do personagem virar a casaca e ir pro lado inimigo é forte. Não importa se o personagem de fato se alia ao inimigo, se ele só fica tentado, mas não troca de lado, ou se ele cospe no convite por ter sua convicção intacta. A sondagem do Sasuke como alguém que pertenceria ao lado do mal é parte da ideia.

E vamos lá, se for um battle shonen, então tem também a promessa dele e o protagonista eventualmente saírem na porrada.

Esses são os elementos fundamentais que definem o Sasuke. Com alguns elementos extras que ajudam a definir o Sasuke superficialmente, que não indicam a natureza da relação com ele, mas você vai encontrar em vários dos exemplos, como ser um espadachim, ou especialmente, ser parte de um triangulo amoroso. 

Todos os Sasukes vão ser tudo isso ao mesmo tempo? Não, pelo contrário, nenhum vai. Somente o Uchiha Sasuke vai ser tudo isso ao mesmo tempo. Nenhum exemplo que eu darei preenche todos os pré-requisitos. Mas muitos vão preencher várias categorias.

Pois são essas as categorias que definem os termos da rivalidade. Se for uma rivalidade muito amistosa, tipo Asta e Yuno, dois irmãos de criação que se amam mais que tudo, mas querem a mesma coisa, respeitando e torcendo pelo outro sempre, aí não tem a natureza de um Sasuke. Ser um Sasuke é ter um conflito, e é sobre qual o estilo do conflito.

Exemplos de Sasukes identificados:

Os Sasukes foram nomeados em homenagem ao Uchiha Sasuke, mas eles existem desde bem antes. Existem desde antes do exemplo mais velho que eu listarei. Nem eu sei quem foi o primeio Sasuke. Um grande exemplo de um Sasuke, bom mesmo até porque não é de um battle shonen é o Kaede Rukawa de Slam Dunk. Inclusive nada me convence que Naruto não foi diretamente inspirado em Slam Dunk, trocando basquete por ninjas e trocado os EUA pelo Orochimaru. Rukawa inclusive dividia a exata mesma dinâmica de triângulo amoroso que é a primeira impressão do Sasuke. De herói gosta da menina, menina gosta do rapaz edgy, rapaz edgy gosta de nada.

Além do Rukawa, e obviamente do Vegeta de Dragon Ball, temos em Hibiki Ryoga outro caso de um Sasuke que precede o próprio, inclusive precede o Rukawa e o Vegeta, sendo o Sasuke mais antigo que eu vou citar.

O Ryoga inclusive vem de um lugar interessantíssimo. Pois se a bronca do Rukawa, do Vegeta e do Sasuke vem da crença de que eles são talentos natos superiores, incomodados com esse completo palhaço ameaçando alcançá-los, a bronca de Ryoga vem do local oposto. De seu senso de inferioridade e constantes fracassos na vida que fazem ele ressentir Ranma por ser o denominador comum de suas derrotas. Por isso quando Ryoga é seduzido a dominar uma técnica proibida e destruir Ranma, é uma técnica que transforma baixa-autoestima em arma.

Dos Sasukes modernos, o mais notável é atualmente o Bakugo, o Sasuke de Boku no Hero Academia que rivaliza como protagonista Deku. Bakugo é um herói agressivo e violento que flerta com noções de anti-herói, mas que para a surpresa de todos, quando os vilões tentaram seduzi-lo, ele se mostrou leal ao herói que ele admira: All Might. Apesar disso sua relação com Deku é de rancor, de seu senso se superioridade sendo ameaçado e da vergonha que ele tem de ter sua superioridade ameaçada por um mané que não tinha poderes até a adolescência.

Atualmente, o personagem Aki Hayakawa é um trabalho curioso quanto ao Sasuke. Ele é introduzido como parte de um Time 7 fazendo a comparação mais óbvia, e como parte de um triangulo amoroso. Porém existe algo trágico no fato de Aki ser uma gigantesca rima com Sasuke. Aki é um personagem motivado pela vingança, e com um ódio imenso por demônios que faz ele tomar por decisões impulsivas para obter poder rápido. Não muito diferentes de Sasuke aceitar o selo do Orochimaru. Porém as decisões de Aki são auto-destrutivas, cobram mais do que ele é capaz de pagar. Ele sacrifica mais e mais por poder e no final todo o poder pelo qual ele sacrificou mais da metade da vida foi inútil. E seu corpo termina controlado por um vilão, obrigando Denji a matá-lo.

Em mangás que não são de luta, é muito comum os Sasukes serem introduzidos em um contexto em que eles sofrem uma derrota marcante. Em Yu-Gi-Oh, Seto Kaiba se torna obcecado com Yugi após ser derrotado por ele. Ele não exatamente entra pra turma do Yugi, mas se torna um eterno “terceiro lado” em todo conflito no qual Yugi se envolveu, e seu papel é sempre atrapalhar mais do que ajudar, por seu rancor contra Yugi, mesmo que ele tecnicamente seja um dos personagens bons. Na mesma veia do Kaiba, Shokugeki no Souma introduz um raro Sasuke Mulher, com Erina Nakiri, que fica obcecada por Souma após ser humilhada por ele em um desafio culinário. Ela passa a disputar e desafiar e atrapalhar Souma sempre que pode, mas quando seu pai tenta convencê-la a entrar em um grupo do mal, ela volta contra o convite pra ser vilã e se alia a Souma, em uma aliança que segue marcada por birra e mesquinhez.

Louis de Beastars é um exemplo curiosíssimo de um Sasuke, pois o seu rival, Legoshi não tem absolutamente nada de Naruto nele. Mas Louis é hostil com Legoshi, que apesar de um passado trágico gozava de ter os holofotes em si quando Legoshi vivia atrás dos holofotes, dividia um interesse amoroso com Legoshi, e que se une a um time de vilões para lidar com seus problemas. É o Sasuke Furry

Grey de Fairy Tail nunca foi tentado pro lado negro da força, mas cumpre muitos dos demais pré-requisitos em sua dinâmica com Natsu, assim como Yu Kanda de D. Gray Man e Arthur de Enen no Shoboutai (Fire Force no ocidente), o Arthur inclusive é meu exemplo favorito aqui, por ser o primeiro Sasuke que é burro. Que se destaca por ser muito burro, enquanto ser mais inteligente que o protagonista é uma marca da maioria dos exemplos.

E temos Law em One Piece, Ishida em Bleach, Yamato em Digimon Adventures, Shigeru (Gary) em Pokémon. Além de Syaoran Li do shoujo Card Captors Sakura e Nishi do seinen Gantz para mostrar que isso não está preso somente a shonens.

E Diana Cavendish de Little Witch Academia, outro exemplo interessante de Sasuke mulher. Mas como a protagonista dela também é mulher, o subtexto homoafetivo por trás da rivalidade que tinha entre Sasuke e Naruto estava forte em Diana e Akko também.

E como eu insisto na tese de que Death Note é um shonen normal da Jump, contado pela perspectiva do vilão, então o Mello é definitivamente o Sasuke de seu protagonista, Near.

Importante lembrar, porém que nem todo mangá shonen tem um Sasuke. Megumi de Jujutsu Kaisen e Yuno de Black Clover, miram em algum reconhecimento do arquétipo, especialmente pela estética, mas não são personagens que se marcam pelo eterno bate-boca, e são muito mais visivelmente amistosos sem a promessa de um inevitável embate ideológico entre eles. Aí não são Sasukes, são só personagens sérios de cabelo preto mesmo.

Mas qual é a desse bando de Sasuke? Por que esse é um arquétipo que flui tão bem e que segue sendo usado?

Os Sasukes nas narrativas:

Os mangás vendem muito a lição de moral de que a competição te faz crescer como pessoa. Muitos protagonistas de shonen tem um sonho que é o sonho de um número grande de personagens, mas que só uma pessoa realizará o sonho e todas as demais não realizarão. Mas o índice de 99% de fracasso não é apresentado como um problema a ser consertado no worldbuilding, nem como um problema de acessibilidade de uma vida legal. Pois o ato de tentar e dar o seu melhor tentando é o que tem valor, e o rival é o que te motiva a dar o seu melhor. A ideia é que todos tentem, só um consiga, mas todos se tornem pessoas melhores por terem se envolvido na competição e permitido que seu esforço os fizessem crescer Por isso a relação de rivalidade é essencial para mostrar essa relação, para mostrar como a competição é um caminho natural para a evolução pessoal.

Nos mangás o título de “meu rival” ganha um espaço forte na vida do personagem, algo que pode até ter intersecção com “meu amigo”, mas tem um papel forte e é igualmente íntimo e pessoal. E os mangás promovem isso de uma maneira que obras ocidentais fazem em escala muito menor.

E dentro da importância que é a figura do rival, que foi criado esse perfil de personagem: O rival que não é exatamente um vilão, mas que carrega uma noção forte de birra pra relação. De estender a competição para locais onde ela não é necessária. E estender a competição para um lado ideológico. O Sasuke e seu protagonista não veem o objetivo final deles como a mesma coisa, eles têm noções bem diferentes do que significa atingir aquela vitória.

A ficção funciona por contrastes. E para explicar bem o que significa ser o Hokage o ideal é termos alguém do lado do Naruto que entenda de maneira distorcida o que significa ser o Hokage. Para vermos o que significa ser um herói pra Deku o ideal é ele estar perto de gente que tem visões mais toscas do que é ser um herói.

O Sasuke também serve para criar inevitáveis noções de status na obra. Mais vezes do que não, o contraste entre o herói e seu Sasuke é o contraste entre um personagem que está caindo de paraquedas naquele mundo e está aprendendo como as coisas funcionam agora, com alguém que nasceu naquele mundo, sabe sobre como tudo funciona desde que o protagonista comia terra, e que não dá as boas vindas a uma pessoa de fora para o seu mundo. Que serve pra lembra-lo de seu baixo status na hierarquia.

Existe definitivamente um fator de classe muito visível em pelo menos dois terços dos exemplos que eu mencionei acima. Do Kaiba, empresário rico que sai se gabando de ter uma maleta com uma infinidade de cards raros que ele acumulou em uma vida inteira de entusiasmo por card games contra o Yugi, lutando com o Deck do avô. Vegeta é o príncipe da elite e Goku é o Sayajin rejeitado por ter nascido inferior. Erina uma gourmet da alta classe que não admite que gosta da comida de um cozinheiro de restaurante popular como Souma. Bakugo se achava superior a Deku por seu poder diferenciado e se sente humilhado que Deku seja de sua classe em uma escola tão prestigiada. Syaoran nos primeiros encontros ressalta o status de forasteira de Sakura em um assunto que é o assunto de sua família. Seja por tradição, por dinheiro, por cultura ou por nascença, o Sasuke vê parte de sua visão de mundo pelo protagonista meramente existir em seu mundo tendo vindo de fora.

O que é o que puxa o arco de personagem deles. Que é o de amolecer o seu coração. A maioria dos Sasukes começa o mangá como um gigantesco pé afundado no saco do protagonista, e termina como um parceiro. Se não um grande amigo, no mínimo alguém com quem o laço de respeito e confiança mútua são muito fortes. E é um caminho de duas vias, o protagonista tem que melhorar também, mas o destaque é sempre pro Sasuke se tornando menos canalha.

E se tornar menos canalha significa admitir que eles têm algo a aprender com alguém que veio de fora, uma perspectiva completamente nova.

Mas mesmo que o Sasuke vá abaixar a guarda e se tornar gradativamente mais amistoso com o passar do tempo, o personagem meio que existe em torno de uma grande promessa.

A Grande Luta:

Eu quero começar mencionando um filme que não tem nada a ver com mangá. É um filme Disney. Um do qual eu gosto bastante: Mulan. Pois tem um elogio que eu faço bastante a Mulan, já fiz em textos anteriores e sigo achando que é um dos grandes exemplos para explicar meu ponto.

Eu acho que um dos maiores méritos narrativos de Mulan, é não ter feito nem os hunos em um geral, nem seu líder Shan Yu particularmente demonstrar nenhum ato de misoginia ou de desprezo para Mulan por ser uma mulher. O desprezo que Mulan recebia vinha de seu próprio país, e por mais que eu duvido que os hunos fossem todos progressistas, Mulan não caiu na armadilha fácil de fazer um vilão externo personificar os problemas estruturais da sociedade dele.

Mulan tinha duas batalhas. Ela precisava vencer Shan Yu para salvar a China. E ela precisava se provar digna para seus colegas de exército para quebrar suas percepções sobre o lugar de uma mulher. Ela tinha que vencer ambos, sem fundir ambos no mesmo problema. Pois o problema de Shan Yu era que ele era um conquistador, sua visão sobre lugar de mulher não era um fator. O ruim era ele estar destruindo cidades e matando crianças.

Pois bem, os personagens no arquétipo do Sasuke, muitas vezes chegam com a promessa de uma luta. E essa luta é um embate de verdade. O Naruto tava ali saindo no pau com o Obito, o Madara e a Kaguya em algumas das piores e mais cansativas batalhas de arco final de um battle shonen, mas sabíamos, que quando tudo acabasse, ele tinha que se acertar com o Sasuke. Que os dois tinham uma conta pra acertar.

E essa conta tem tudo a ver com o motivo deles terem se desentendido de cara. Os dois não viam o mundo da mesma forma, e não importa o que o vilão pensa, existe uma briga interna ali quanto a quem teria a razão. O protagonista tem sempre duas batalhas. O Deku tem uma visão de mundo para passar para os vilões, sobre como não é necessário ser vilão, mas o Deku tem outra visão de mundo para passar pro Bakugo, sobre o que significa ser um herói.

Souma tinha uma conta para acertar com o pai de Erina, essa conta era sobre salvar a culinária mundial e impedir uma improvável conspiração de impedir que restaurantes inventem receitas…. Shokugeki no Souma tem um plot imbecil. Mas ele também tem uma conta a acertar com Erina, que é fazê-la admitir que um cozinheiro da ralé é bom o suficiente.

Esses protagonistas geralmente têm uma luta contra um grande vilão que é sobre salvar o mundo, mas tem a promessa de uma luta contra seu Sasuke, que é sobre provar seu próprio valor. Existe fazer o seu Sasuke reconhecer o seu valor.

E esse tipo de batalha é tão anunciado que quando veio pra Chainsawman veio corrompido como uma grande tragédia, em que não existia nenhum orgulho na vitória e ninguém mostrou seu valor naquela situação que deveria ter sido evitadao. É parte do que torna Chainsawman bom, e do que torna o Aki uma versão tão trágica do arquétipo.

Alguns Sasukes nunca lutam com seus protagonistas. Outros lutam por motivos bestas. Mas isso gera um conflito interessante nas obras, que é o do herói precisar se provar não pro seu vilão, mas pros seus pares. De não caber ao Freeza, ao Cell ou ao Majin Boo determinar que Goku era ou não era um guerreiro digno, que cabia ao Vegeta.

Mas no fundo eu acho que é isso. Existe a luta contra o vilão. Se ele não for detido ele vai destruir o mundo. É isso que está em jogo. E existe a luta completamente esportiva pela luta, quando os personagens vão em um torneio, tudo só pelo espírito esportivo. Mas quando o protagonista luta com seu Sasuke vem um meio termo interessante. O mundo não vai acabar se o herói perder, mas parece que tudo está em jogo. Que aquele é o momento em que ele vai mostrar do que ele é feito, não para salvar o mundo, mas para mostrar qual é a diferença entre ele e a elite prepotente que o excluí. E muitas vezes isso é mais importante que salvar o mundo.

Afinal a maioria das histórias do mundo são sobre identidade, são sobre os personagens lutando pra ser eles mesmos. Essa é a história primordial a ser contada sempre em qualquer cenário. E muitas vezes um rival ajuda o roteirista a pensar nessa jornada mais do que um vilão.

Conclusão:

Bom, eu citei um monte de exemplos aqui, mas a maioria dos exemplos não cumpre tudo o que faz um Sasuke. Eles cumprem a maioria dos itens, mas com alguns pontos faltando, e tá certo, pois nada disso é uma regra. É só uma tendência no ar. Algumas pessoas inconscientemente vão atrás do arquétipo, e mesmo quem vai atrás conscientemente tem a própria interpretação sobre o que é o arquétipo.

Mas eu faço esse texto principalmente, pois eu sinto que as vezes, a gente está lendo um mangá novo e logo identifica uma semelhança com Naruto, e acha isso um problema. E aí em resposta um fã do mangá novo vem e rejeita a semelhança com Naruto para validar a originalidade e falar que você está forçando, mas nada é parecido com Naruto.

Eu quero questionar a nossa resistência natural de falar que a coisa daora que nós começamos a acompanhar não tá imitando Naruto. Porque Naruto de fato se tornou uma espécie de referência para muito mangá que veio depois. E isso não é demérito do mangá que veio depois.

E embora Naruto tenha muitos deméritos… e são muitos mesmos. Embora Naruto tenha muitos defeitos, eu acho que a caracterização inicial de seus personagens não é um deles, é o grande ponto forte de Naruto. O grande motivo para se envolver com a obra são os personagens. Suas personalidades, dinâmicas, motivações todas funcionam…. funcionam melhor do que a trama, se for perguntar pra mim.

E o Sasuke funciona. Funciona tanto que em duas votações do mangá ele era o personagem mais popular da série, mais popular que o próprio Naruto.

Talvez o grande legado de Naruto tenha sido mesmo codificar esses arquétipos, dar uma forma reconhecível e reproduzível pro protagonista gritão hiperativo, pro rival sombrio, para o mestre calmo e de boa, para o jovem esforçado sem poderes que compensa na força de vontade, pra garota tímida demais… qualquer shonen sai hoje em dia com pelo menos um personagem que nos lembre de um personagem de Naruto, e são clichês que Naruto não inventou, mas fez a sua forma mais reconhecível.

E quando eu vejo um personagem que me lembra o Sasuke, eu não penso nisso como um defeito, e sim como uma oportunidade. Como uma nova maneira de se trabalhar esse tipo de rivalidade podem dar. O Aki é uma das melhores coisas em Chainsawman precisamente pelo quanto ele dialoga e subverte as impressões iniciais Sasuke. A cena do Bakugo trabalhando a expectativa dos vilões de corrompê-lo, e a sua luta com Deku talvez sejam os melhores momentos do personagem em um mangá que tá em falta de bons momentos. Ver a corrupção do Louis em Beastars foi uma das melhores coisas do mangá. E eu termino esse texto apreciando a Erina Nakiri 30% mais do que eu apreciava antes de escrevê-lo, só por lembrar da personagem sob esse filtro.

Pois seja como um potencial de corrupção, e de alguém que flerta com se tornar um vilão, seja como um representante de um elitismo que exclui o protagonista, seja como a outra ponta de um triangulo amoroso ou seja só como o cara que está constantemente querendo superar o protagonista em tudo, eu acho que todos esses aspectos do arquétipo têm a agregar em uma narrativa. Todos permitem tirar do protagonista algo que nem um melhor amigo, nem um vilão tirariam. Que precisa de alguém no meio termo.

Ao mesmo tempo, no caminho oposto, eu vejo muita gente querendo determinar quem é parecido ou não com o Sasuke sem sair do espectro do “cabelo preto”, e eu acho isso reducionista, tanto com o personagem comparado quanto com o próprio Sasuke. Por isso eu quis aproveitar para fazer um texto enumerando o que é na minha perspectiva as características do Sasuke que realmente valem a pena de se procurar nos demais rivais dos mangás. Pois a preguiça do Otaku em olhar além de cor de cabelo é complicada. E vale tanto pra quem acusa o Ray de Neverland de ser um Sasuke, quanto pra quem fala “mentira, o Sasuke que é cópia do Hiei”.

Reparem que eu não citei nenhum desses nos meus exemplos. Quero matar um pouco essa percepção que o lance é o cabelo preto.

Tem algum mangá que fez algo diferente ou interessante com o seu Sasuke que eu ignorei? Querem falar bem do seu Sasuke favorito? Quer falar mal dos Sasukes? Os comentários estão aqui pra isso, para continuarmos essa conversa, somando a visão do leitor com meus pontos cegos. E é isso, até o texto que vem, meu leitores.

Sobre o autor

Izzombie

Sou um cara chato que não consegue ver um filme sossegado sem querer interpretar tudo e ficar encontrando simbolismos e mensagens. Gosto de questionar a suposta linha que separa arte de filmes comerciais, e no meu tempo livre pesquiso sobre a história da animação.

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Sou um cara chato que não consegue ver um filme sossegado sem querer interpretar tudo e ficar encontrando simbolismos e mensagens. Gosto de questionar a suposta linha que separa arte de filmes comerciais, e no meu tempo livre pesquiso sobre a história da animação.

Alertas

  • – Todos os posts desse blog contém SPOILERS de seus respectivos assuntos, sem exceção. Leia com medo de perder toda a experiência.
  • – Todos os textos desse blog contém palavras de baixo calão, independente da obra analisada ser ou não ao público infantil. Mesmo ao analisar uma obra pra crianças a analise ainda é destinada para adultos e pode tocar e temas como sexo e violência.

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