A Era do Reboot: Como afeta o cinema e como afeta os mangás.

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Atualmente quatro dos meus cinco textos mais lidos de todos os tempos são sobre mangás. O que não é estranho, pois eu gravo um podcast de mangá com o qual eu divido boa parte do meu público, e de onde eu herdo muitos leitores. Então se você é fã do blog, tem boas chances de você gostar de mangás também, imagino eu. Enfim, eu sou um fã de mangás e parte da comunidade Otaku desde a adolescência… e isso significa desde 2004, aproximadamente, eu sou velho, porém eu pessoalmente sempre me identifiquei como um nerd de filmes primeiro e um nerd de mangás depois. Afinal o cinema é a paixão da minha vida. É a minha formação acadêmica. Foi o meu sonho profissional por um bom tempo, até meus sonhos serem esmagados pelo fracasso. Eu adoro cinema mais que tudo…

Porém, lá em 2019, eu mudei de time. Hoje eu me considero um fã de mangá primariamente, e um fã de cinema depois. Eu tive a maior broxada do mundo com ir atrás de filmes, e preenchi esse vácuo nos meus hobbies lendo mais mangá do que já li na minha vida toda. O que mudou? O cinema mudou. Tá cada vez mais difícil respeitar ou empolgar com Hollywood, quando as principais estreias comerciais do ano tem sido regurgitação de franquias todo ano. É continuação, prequela, reboot, requels. E agora está na moda máxima aquilo que os Simpsons cunharam como o deboot. Eu gostei dessa palavra, acho que ela deveria ser mais usada.

E sabe onde eu não tenho que lidar com uma inundação de prequelas, reboots e requels dominando o mercado do entretenimento? Lendo mangás. Me caiu essa ficha quando Kimetsu no Yaiba explodiu em 2019 e o mangá tinha somente 3 anos. E eu pensei: “Como que um personagem demora só três anos entre o dia que ele foi criado para o momento em que ele é a propriedade intelectual que mais vende no país?”, afinal nos EUA, os personagens que são as verdadeiras galinhas dos ovos de ouro todos tem décadas de vida. E isso me deixou pensativo… me deixou pensativo por 3 anos.

E sabe o que aconteceu nesses 3 anos? Deu tempo de Chainsawman estrear, se tornar um dos meus mangás favoritos, render dois textos aqui no bloh, virar sucesso absoluto e em três anos criar hype o suficiente para derrubar o crunchyroll no dia em que seu anime estreou. E entre o Denji de Chainsawman e a Anya de Spy X Family, o fenômeno de Tokyo Revengers e Jujutsu Kaisen como sucessos extremos de vendas, dá para ver que essa mídia ainda tem o mainstream dominado por novidades.

É sério, se você pegar a Shonen Jump, que é a maior revista de mangás do Japão… e é sério, a Jump é a Número 1 faz décadas e tem uma tiragem que é mais que o dobro da Número 2. E nessa revista não temos nem um único spin-off, continuação, prequela ou derivativo de outro mangá de sucesso. Temos 20 obras 100% originais… e dessas 20 obras, 16 estrearam faz menos de 5 anos.

Para fins de comparação, a revista número 2 é a Shonen Magazine, nela temos 27 séries, Dessas 27 duas são uma continuação de uma série anterior e um é uma adaptação de uma Light Novel e as outras 24 são originais. Não é uma zona completamente livre, mas é um número baixo o suficiente.

E você pega os rankings de mangás mais vendidos do Japão e você não encontra nenhum tipo de spin-off ou reboot ou continuação ou nada.

E agora você deve estar falando: “Que gigantesca mentira, os mangás tão fundo na nostalgia tanto quanto todas as outras mídias. Olha só Boruto e Dragon Ball Super e o sucesso que eles fazem. Sakura Card Captors ganhou continuação outro dia. A Era do Reboot não poupou ninguém.” E justamente esse é o meu ponto. Boruto, Dragon Ball Super ou Sakura Card Captors: The Clear Card Arc não estão aparecendo nos rankings de mais vendidos, eles não dominam as vendas de maneira que se comparem com as novidades da Jump.

E esse fenômeno me intriga. Porque assim. As HQs mais vendidas do ocidente até hoje ainda são as HQs da Marvel e da DC reimaginando heróis criados décadas atrás que já trocaram de roteirista mil vezes. Os games se safaram que esse ano em que eu estou escrevendo a lista o jogo mais vendido foi o Elden Ring que não é parte de uma propriedade intelectual já existente, pois os rankings costumam ser dominados é por inúmeros Call of Duty, além de sequências como GTA V e Red Dead Redemption II.

Quanto as séries? Honestamente, se tornou impossível medir quais foram de fato as mais assistidas do ano, pois o streaming eliminou completamente a transparência na hora de se analisar audiência. Eu adoraria falar que House of the Dragon e Better Call Saul foram as séries mais assistidas do ano só pra provar meu ponto, mas eu não tenho ideia de quais foram. Tenho curiosidade de saber qual gerou mais acessos. Sei lá como que eu comparo Rings of Power ou She-Hulk em sucesso com um Sucession ou Severance da vida. Eu queria ter acesso a números antes de falar. Mas que o mercado está invadido pelas franquias está, só ver a chuva de séries da Disney no universo Marvel e Star Wars. Eu só não sei qual o tamanho do pedaço da torta que eles tiram, mas eles definitivamente são pesos grandes no mundo da série.

E isso me deixa pensativo. Em por que a maior revista de mangás do mundo pode se dar ao luxo de por a continuação de Dragon Ball em uma revista com um décimo da tiragem para manter seu carro chefe completamente original. Pois eu não quero só chegar a conclusão de “ah ninguém mais quer fazer coisa original”. Para chegar a essa conclusão, qualquer um chega. Você vai na internet e tá todo mundo falando “Ah, ninguém mais quer ser criativo hoje em dia”, e tá fácil dar esse take. Eu quero pensar, em se mais do que ninguém querer, se está difícil ser criativo hoje em dia, por razões práticas e financeiras. E se sustentar em propriedade intelectual original.

Por isso eu quero fazer algo que nunca deve ser feito. Comparar a indústria cinematográfica Hollywoodiana com a indústria japonesa de mangás. Eu estou ciente de que elas estão de lados opostos do mundo, são de culturas diferentes e são mídias diferentes, então operam diferente. Mas eu quero entender por que a diferença permite que os mangás apostem tanto em coisa nova enquanto todo o resto quer apostar no já conhecido. Afinal de contas Chainsawman poderia ter sido um filme? Ou ele nunca teria sido produzido se o Fujimoto fosse pra Hollywood com a ideia dele.

Até porque, sejamos sinceros. Já tem uns bons anos em que os filmes japoneses que mais explodem vieram de mangás. O impacto dos mangás no entretenimento ali domina a televisão pelos animes e doramas que geram, mas também dominam o cinema.

Único país no mundo em que Endgame não foi a maior estreia quando foi lançado, pois perdeu em bilheteria no Japão para um filme de Detetive Conan, adaptado de um mangá famoso. E isso é admirável. Pois o Japão é um dos poucos países que tem um mercado de entretenimento interno consolidado o suficiente pra Marvel não predar na maneira como eles consomem a produção local.

É sobre isso que eu quero refletir aqui.

Ah sim, e uma coisa precisa ser dita. Esse texto aqui se interessa muito em entender o mainstream. Aquilo que está em maior visibilidade comercial, e aquilo que é o maior destaque entre as massas. Mas em todas as mídias, não só os mangás, não só os cinemas, qualquer mídia, sempre existe a cena fora do mainstream. Sempre existem as áreas alternativas, sempre existe a produção independente, sempre existe galera criativa e foda se autofinanciando em operação de guerrilha. E sempre vale a pena checar o que essa gente faz. Esse texto quer se focar no mainstream justamente porque consumir coisa mainstream também é divertida. Eu adoro a cena independente de quase tudo que eu consumo, mas eu não quero chegar na conclusão fácil e estereotipada de “tudo que é popular e pras massas é naturalmente merda”. Não é. E eu gosto de gostar de coisas que tá todo mundo curtindo de vez em quando. Então a reflexão é sobre como o mercado está operando justamente em suas obras mais comerciais e que mais vendem. Obviamente tem centenas de filmes fora desse circuito que desmentem o que eu digo.

Mas antes de pensar nesse fenômeno, quero reforçar, que esse blog aqui é sustentado pelos seus fãs. E que você pode contribuir com ele fazendo uma contribuição mensal do valor que achar justo na nossa campanha de financiamento coletivo no apoia.se, que vocês vão me ajudar muito no trabalho que eu dedico a esse blog. Se não quiser se comprometer a uma contribuição mensal, pode fazer um pix de qualquer valor também para a chave franciscoizzo@gmail.com que igualmente terá minha gratidão e será igualmente homenageado aqui no blog.

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E esse texto é feito em homenagem a todos os que já me apoiam. Agradeço pela ajuda, mas também pelas ideias, e pelas conversas. Esses são os verdadeiros heróis por trás desse blog. Inclusive quero me desculpar aqui por esse texto ter demorado tanto. Eu não fiquei com a cabeça legal nesse mês de outubro. A maneira como o segundo turno das eleições tá operando tá destruindo minha cabeça. Mas apesar da demora, consegui organizar meus pensamentos nesse texto aqui, espero que gostem.

Agora vamos lá, primeiro eu quero falar da Era do Reboot. Que pros fins desse texto é a fase em que o Hollywood se encontra desde o meio dos anos 2000s focado muito em nostalgia e em fazer novos filmes de clássicos amados. E para isso, falar de franquias.

Franquias:

Bom, se a gente vulgarizar o conceito o máximo possível só pra forçar o ponto dá para argumentar que o mais longe que a gente consegue observar a habilidade humana de contar histórias a gente já acha sequências… sério, pois a Odisséia literalmente é uma sequência de A Ilíada. Peças gregas faziam trilogias o tempo todo. E fazer sequências e continuações de suas histórias nunca foi nada fora da caixa ao se falar de literatura, peças de teatro ou histórias da tradição oral.

Mas nada disso é uma franquia. Franquia é um conceito do capitalismo, e envolve concentrar um número plural de obras de ficção na mesma propriedade intelectual e por uma marca comercial nelas. Uma franquia é um conceito do capitalismo, e por mais que livros que sejam continuação de outros livros existam desde sempre, eles não são franquias necessariamente. As peças de Shakespeare que são sequências uma da outra não são uma franquia, pois são domínio público. E essa definição é completamente comercial.

Snow White and the Seven Dwarves não era parte de uma franquia, pois a Disney em si não é uma franquia, é só uma corporação do mal tentando dominar o mundo. Porém, 63 anos depois que o filme já havia sido feito, a Disney criou essa franquia chamada Disney Princesses e determinou que os filmes Snow White and the Seven Dwarves, Cinderella, Sleeping Beauty, , The Little Mermaid, Beauty and the Beast e Aladdin passariam a ser parte da mesma franquia, ou seja, que todos esses filmes eram juntos uma única propriedade intelectual que teria a sua própria linha de produtos, livros e jogos relacionados a esse nome: Disney Princesses.

E isso deriva da criação de conceitos como copyright e propriedade intelectual, que foram conceitos legais que só se estabeleceram no século XIX. E o que eu quero dizer é que enquanto artes como o teatro e a literatura somente se adaptaram a maneira como o capitalismo mudou a relação entre criador e produto pela criação da propriedade intelectual, outras artes como o cinema e os quadrinhos nasceram completamente imersos nesse modo de produção capitalista. Sem ter tido uma pré-vida fora dessa percepção de arte.

Em resumo, eu não sei dizer em que momento rolou a transição entre um autor escrever um segundo livro com seus mesmos personagens e isso passar a ser chamado de franquia. Não sei qual foi o ponto de virada, minha pesquisa não cobriu essa transição bem para a literatura. Mas no cinema? O cinema opera com base em franquias desde seus primórdios.

Na década de 1910, o cinema era mudo, a linguagem cinematográfica estadunidense estava se consolidando ainda, o primeiro longa-metragem estava sendo filmado (e é um dos filmes mais racistas de todos os tempos), o cinema estava nascendo e se descobrindo em inúmeros níveis. E os estúdios de cinema já controlavam o bagulho. Ainda não eram os nossos estúdios. Digo, a Universal já existia… mas a Warner e a Disney só seriam fundadas na década de 1920… não é um tempo muito grande de diferença.

Enfm, na época os estúdios já tinham uma noção muito clara, de que o que chama as pessoas pro cinema é ver aquilo que elas já conhecem. E o grande dinheiro dessa época estava nos seriados. Seriados eram filmes de mais ou menos vinte minutos, em que cada filme era uma parte de uma história maior composta da soma de todas as suas partes (que podiam ser de 10 a 100 partes, era bem versátil isso), e você ia no cinema assistir um filme, o filme acabava com um grande cliffhanger, e então alguns dias depois você ia no cinema ver o filme seguinte.

É louco pensar que o cinema inventou a série de televisão 30 anos antes da televisão surgir.

Pois bem. E quem aparecia nesses seriados? Os grandes heróis da literatura e do imaginário popular da época. O Sherlock Holmes, o Tarzan, o Fantômas, personagens não só protagonizaram séries de vários livros, como essas séries de livros estavam sendo publicadas na década de 1910.

Então, só porque é natural não ter essas décadas decoradas é importante pensar que os primeiros sucessos do cinema vieram pegando as grandes séries literárias que estavam vendendo que nem água entre todos os jovens e transformando em uma série de filmes que todos juntos contam uma grande história… ou seja, exatamente igual fizeram com Harry Potter e Hunger Games. Esses não eram clássicos da literatura na década de 1910, eles eram a moda do momento. Os estúdios pagavam grande dinheiro para ter direito exclusivo de uso dos grandes heróis da molecada e monopolizar suas adaptações pro cinema. Isso não é ideia moderna, essa ideia é mais velha que o cinema falado.

Mas claro que existiam os seriados originais. E nesse começo de tudo dos primeiros seriados mudos, tinha o subgênero claro dos seriados da Donzela em Perigo. Você já viu a enésima paródia de um homem mau amarrando uma donzela no trilho do trem e se perguntou “Eu já vi zoarem essa cena mil vezes e não sei quem está sendo zoado”?, pois bem, estão zoando a Helen de The Hazards of Helen, que era amarrada no trem. E quando um seriado de Donzela em Perigo chegava ao fim o que eles faziam? Produziam um segundo seriado. O The Exploits of Elaine ganhou uma sequência depois que acabou em 1915. Chamava The New Exploits of Elaine. E the Exploits of Elaine já era derivativo do sucesso imenso de The Perils of Pauline, reutilizando mesma estrutura e mesma atriz para fisgar o público que ficou sedento por uma continuação.

O cinema antigo tem muito mais em comum com o cinema moderno do que parece.

Pois as décadas passaram, o cinema falado veio, e os seriados que não pararam começaram a adaptar então os super heróis pro cinema. Vieram os seriados do Superman e do Batman. A Universal pegou os filmes dos monstros clássicos da literatura e fez um monte de crossover com eles. Chuvas e chuvas de crossovers.

E aqui, é onde o meu ponto é mais importante. Tudo controlado por estúdios. Os Monstros da Universal são da Universal. Por isso eles tem esse nome. Os filmes tinham uma noção muito clara de que personagem era propriedade de qual estúdio, e quais estúdios tinham o direito de fazer filmes de qual personagem.

É famosa a briga do Disney pelo Oswald, the Lucky Rabbit, que ele perdeu, por não ter os direitos, e o substituiu pelo Mickey que compensou tento tanto copyright que o personagem estragou as leis de domínio público até hoje, não tendo entrado e segurando uma caralhada de literatura que não entra em domínio público pelas leis que o Mickey cagou.

Enfim, cinema era um bagulho caro. E era caro desde essa época. Se ajustássemos o valor para a inflação então não teria mudado tanto e os filmes estariam trabalhando na casa dos milhões desde a época do cinema mudo. E desde a sua Era de Ouro produtores não gostavam de apostas, e precisavam de garantias mais confortáveis de retorno, apostando no carisma de personagens consagrados, seja dos quadrinhos, ou de filmes anteriores.

Por que eu estou falando isso? Para estabelecer duas coisas. Uma que é da natureza do cinema enquanto mídia lidar com quantias exorbitantes demais de dinheiro para que os produtores se sintam confortáveis apostando no desconhecido. E segundo para falar que o cinema dominado por propriedades intelectuais estabelecidas não é um fenômeno recente, é onde o cinema nasceu. O cinema não está ficando dominado por esse tipo de conteúdo, ele está voltando a ser dominado por esse tipo de conteúdo.

O que gera a pergunta quanto ao que aconteceu nesse meio tempo.

Rolou um movimento chamado New Hollywood. Que foi uma onda no cinema estadunidense que durou da metade dos anos 1960 até os 1980. E em grande resumo o que foi isso: isso foi um bando de cineasta da nova geração tirando vantagem que o poder dos estúdios foi pro ralo por regulamentações do governo tornarem ilegal a maneira predatória e visando monopólios com as quais os estúdios produziam filmes. Isso somado ao surgimento da televisão, e aos filmes europeus e independentes começarem a ser exibidos no cinema sem serem barrados por estúdios, diretores autorais e criativos tomaram as rédeas da mídia e traçaram rumos menos quadrados e menos baseados em serem derivativos e em apostas seguras.

Não são filmes que a gente intuitivamente pensa como filmes que representaram todos o mesmo movimento artístico em Hollywood, mas representaram. Todos eles vinham da mesma rebeldia.

Foi a ascensão de figuras como Martin Scorsese, Frans Ford Coppola, Steven Spielberg, Brian de Palma, David Lynch, Ridley Scott, Stanley Kubrick entre outros gerando uma era em que diretores tomavam as rédeas. Em que as ideias e o abrir espaço pra criatividade foram os motores que guiaram Hollywood.

E bem, esse ímpeto eventualmente foi perdendo o gás e os estúdios conseguiram transformar essa turma em franquia. Coppola foi convencido pela Paramount a fazer Godfather III depois de uma crise financeira, depois de 16 anos desde que o segundo filme foi feito. Wes Craven e John Carpenter fizeram filmes de terror revolucionários, que simplesmente continuaram sem seus diretores e fizeram infinitas sequências sem o envolvimento de seus criadores nos anos 1980. Alien virou uma franquia separada do Ridley Scott também. Grease e Chinatown ganharam sequências nos anos 1990 sem o retorno de seus criadores.

O filme da esquerda é parte de um movimento de revolução no cinema pautado em dar poder pro diretor, em testar ideias novas, em não se guiar por fórmulas do passado e em ser autoral e contra interferência dos estúdios…. o filme da direita não é nada disso.

Essencialmente, depois que Star Wars e Jaws inventaram o conceito de Blockbuster, e fizeram os produtores redescobrirem o poder do cinema de fazer uma chuva de dinheiro, eles pegaram as propriedades intelectuais criadas pela New Hollywood e voltaram a estabelecer o jogo deles, e usar o sucesso desses filmes autorais para pegar impulso neles em filmes encomendados para virar mais dinheiro.

E isso foi crescendo ao ponto em que está hoje, esperando por uma nova lei de regulamentação de monopólio para impedir que a Disney canibalize toda a indústria.

O resumo todo é esse.

E a moral dessa história é: as vezes um personagem é uma marca registrada tão poderosa e simbólica que as pessoas vão fazer fila para ver qualquer merda com os personagens que aparecer. Mas as vezes o criador é essa marca, e ele cumpre esse papel.

Diferente do que o Selton Mello e o Seu Jorge queiram te convencer, quando uma pessoa vai ver um filme novo do Tarantino, elas não vão lá para rever personagens dos quais já são fãs. Mas vão lá, pois a assinatura do Tarantino é uma coisa que chama dos fãs. Grupos de histórias que não são relacionadas por um mesmo universo ou mesmo personagem ou até mesmo tema, podem se relacionar pela mesma equipe produzindo, e isso faz o fã ver elas como se fossem uma franquia, mesmo não sendo.

O que é um sentimento que muitas obras originais usam para ganhar visibilidade. Eu mencionei Elden Ring ali atrás como um videogame que é uma propriedade intelectual completamente nova que se tornou o game mais vendido do ano. O que vem muito do quanto o jogo é feito pela galera da Franquia Souls. Além é claro do George R. R. Martin.

A A24 usa muito disso para promover seus filmes. Seus filmes não são uma franquia em si, mas eles dividem o status de um grupo de filmes que tem valor em serem vistos por serem da A24. Não é só a assinatura de um diretor que faz isso. Aliás, a própria Disney faz isso, e é o único estúdio grande que consegue fazer isso. Ninguém vai ver um filme da Universal ou Paramount só por confiança na Universal ou na Paramount, mas animações da Disney e da Pixar, como Encanto ou Turning Red conseguem trazer público por esse princípio.

Então existe esse loophole, em que após um diretor, uma equipe ou um estúdio conseguem consolidar seus nomes, eles mesmo ganham um interesse do público grande o bastante, que o filme é divulgado como se fosse de franquia, mesmo sendo uma ideia original.

Afinal, filme é muito caro, você precisa ter retorno, e ter retorno significa ser amado por muita gente. Não basta ser um filme de nicho que vai agradar 10 milhões de pessoas nos EUA, se ele custou 400 milhões de dólares pra ser feito. Pra esse dinheiro se multiplicar ele tem que agradar todo mundo, e pra ele agradar todo mundo, ele precisa apelar pra uma propriedade intelectual que chame as pessoas, não tem como correr o risco de oferecer coisas novas.

E o cinema está meio que preso nesse estado atualmente. O que é triste. Pois estamos em um ponto tão grave que nem propriedades intelectuais estabelecidas diminuem o risco. Tão cancelando o filme da Batgirl pois abater esse filme do imposto de renda é menos arriscado que apostar que esse filme consegue público o suficiente pra se pagar. E qualquer Cruella da vida já precisa logo ter sequência, como se todo sucesso de público fosse uma oportunidade e não fazer a sequência seria desperdício.

Enfim. Isso é o motivo pelo qual acompanhar quais filmes estão pra estrear se tornou mais broxante em 2022 do que era em 2000.

Vamos falar agora de mangás:

Sobre mangás:

O mundo do entretenimento japonês não é um mundo que repele a tendência atual por nostalgia, por propriedade intelectual estabelecida, por minimizar riscos jogando seguro e por tentar tirar cada yen que conseguirem de suas franquias. Nem de longe. Quem vê anime da temporada sabe que a maioria absoluta dos animes novos toda temporada são adaptações de mangás e light novels. Com uma visual novel aqui e ali, um game aqui e ali e um punhado pequeno de animes originais. E que os animes agora estão na onda de fazer remake de Urusei Yatsura, e de ressuscitar Bleach. E de procurar em grandes animes do passado a chave pra trazer mais obra requentada pro público.

Quero focar especificamente nos mangás, e antes de falar sobre os mangás de maior sucesso eu quero olhar pra como os mangás são feitos.

Diferente de quadrinhos estadunidenses da Marvel ou da DC, em que os personagens têm seus próprios títulos mensais e você compra um gibi do Superman pra ler uma história do Superman sem ser obrigado a pagar pelo dobro de páginas e ler uma história do Aquaman junto, os mangás são publicados em revistas contendo um capítulo de vários mangás. A Shonen Jump publica semanalmente 1 capítulo de 20 mangás diferentes. A segunda revista mais vendida do Japão, a Shonen Magazine, publica 1 capítulo de 27 mangás diferentes toda semana. A Bessatsu Shonen Magazine que é a revista que publicava Shingeki no Kyojin publica mensalmente 1 capítulo de 21 mangás diferentes. A Ribon é uma das mais vendidas revistas de Shoujo publica mensalmente 1 capítulo de 17 mangás diferentes. Então o número pode ser pequeno ou alto, mas é sempre coletivo. Eventualmente os capítulos que saem nas revistas são compilados em uma versão encadernada com vários capítulos do mesmo mangá que são os volumes, o formato que a gente compra no Brasil. Mas na revista, onde o capítulo sai primeiro, ele nunca vem sozinho, sempre vem junto de outros títulos diferentes.

Capa da Shonen Sunday Nº16 de 2021, contendo todos os protagonistas dos mangás da revista na época.

E falo diferentes mesmo, essas revistas se dividem por demografia, ou seja, por todos seus mangás terem o público-alvo do mesmo gênero e idade, mas fora isso, um capítulo de Domestic na Kanojo sobre o drama de dois irmãos incestuosos namorando em segredo vinha lado a lado de um capítulo de Fire Force sobre bombeiros com super-poderes em um mundo pós-apocaliptico ou que Blue Lock sobre um técnico de futebol insano conduzindo uma batalha real para formar o melhor atacante de futebol do mundo. Ia vir um de cada na mesma revista, de brinde ainda vinha uma narrativa sobre uma criatura imortal preservando a memória de seus entes queridos com o passar dos séculos em Fumetsu no Anata E. Os mangás não tem o mesmo gênero, nem o mesmo estilo, só são publicados juntos.

O rapaz é um herói em um mundo pós-apocalíptico combatendo um Estado Teocrático. A menina é de um romance escolar sobre um casal de nacionalidades diferentes em uma escola xenofóbica pra cacete. Eles não tem o mesmo público necessariamente, mas ambos vendem a mesma revista.

Esses exemplos que eu dei eram a Shonen Magazine de 2019, mas é isso quem compra a Magazine hoje para ler o mangá de delinquentes viajando no tempo Tokyo Revengers, também compra simultaneamente um capítulo de uma história de sentai contada da perspectiva de um capanga do vilão em Sentai Daishikkaku e compra junto uma comédia sobre um jovem mantendo um relacionamento poliamoroso com duas garotas ao mesmo tempo, vem tudo no mesmo pacote.

Então revistas podem ser diversas em relação a gênero narrativo. E outro ponto curioso é que essas revistas têm alta rotatividade. A Shonen Jump acabou de cancelar, enquanto eu escrevo esse texto, seu mangá de mistério sobre usuários de um super-google tentando descobrir a identidade um do outro Sugoi Smartphone. O que vai estrear no lugar? Eu não tenho ideia, mas provavelmente não vai ser nada parecido com isso.

E essas revistas também têm alta rotatividade de títulos. Em 2021 a Shonen Jump começou 12 séries novas, o que isso significa é que em 2021 a Shonen Jump encerrou 12 séries para abrir espaço para suas séries novas. A Jump é um lugar bem competitivo, onde quem não faz sucesso imediato é eliminado para dar espaço para uma série que tenha potencial de sucesso.

Entre cancelamentos, histórias que acabaram naturalmente e transferências para outras revistas, esses são os mangás que sairam da Shonen Jump para abrir espaço para a revista lançar série nova nos últimos 12 meses

E é competitivo mesmo. As séries são ranqueadas por popularidade e as não populares são canceladas sem piedade nenhuma. Já escrevi texto sobre um mangá da Shonen Jump que é um dos meus favoritos e não passou do volume 3…. não foi a primeira vez e não será a última. Para durar os mangás tem que conseguir público e conseguir rápido.

Mas felizmente na perspectiva da Jump, mangá é algo de produção relativamente barata. E não importa se é um mangá simples ou um mangá muito ambicioso, as revistas pagam seus autores por página recebida e o custo de produção, materiais, tablets, assistentes, tinta e o escambau quem cobre é o próprio artista. Por causa disso, investir em qualquer mangá novo é o mesmo investimento. Eles não precisam filtrar as ideias, e temas, e tipos de história por custo de produção e podem fazer apostas diversas.

Ou seja, o faro dos editores para procurar coisa nova, diferente ou pessoal pode ser maior que o faro pra procurar familiaridade. Página de um mangá cancelado da Jump que durou só 14 capítulos, inclusive, chama Time Paradox Ghostwriter.

Em grande resumo. Se a produção de um filme, cada filme é um investimento grande demais para o filme poder se dar ao luxo de ser um sucesso mediano sem fazer muita perder muito dinheiro, no mundo dos mangás existe uma liberdade maior de poder jogar um monte de ideia diferente no público e ver qual é a que engata.

O que é muito parecido com um fenômeno que rolou nos desenhos animados no passado, que eu descrevi com detalhes em um texto já, mas vou resumir de maneira breve: nos anos 1990, quando a animação estava em uma crise criativa, em que os produtores não sabiam em que tipo de obra era viável investir milhões de dólares em uma temporada sem conseguir só usar dados de “isso fez sucesso antes” para garantir retorno. Então um produtor teve a ideia de fazer incubadoras de desenhos, que seriam, séries de curtas animados abertos para animadores novatos e veteranos igualmente cada um fazer um piloto, em que as crianças pudessem assistir vários pilotos de uma vez só, e o piloto que fizesse mais sucesso era o que receberia o investimento pra virar série.

Desses curtas: 3 viraram série. Dessas 3 séries uma virou uma franquia que já teve seu 3º e seu 4º reboots anunciados pro futuro próximo. Mas ninguém ia fazer essa aposta cega e só um dos oito, era necessário um espaço em que essas 8 ideias pudessem ter espaço para ver qual ia explodir.

E o número de animações dos anos 1990 e 2000 que ganharam financiamento por esse método não é brincadeira.

A Shonen Jump anualmente faz uma competição de one-shots em que o vencedor recebe uma serialização na revista como prêmio. Além de publicar one-shots frequentemente e testar o sucesso de certas ideias ou certos autores. E a própria ideia de “vamos estrear 4 mangás diferentes ao mesmo tempo e ver qual deles decola” segue uma linha de pensamento muito parecida.

Em 2017 a Shonen Jump bateu seu recorde de estreias novas com 6 novas serializações… delas 2 foram sucessos medianos e 4 não foram sucessos. A quantidade alta de opções ajuda a obra de qualidade a ganhar visibilidade.

Pois o que se tira disso, é simples: fazer uma aposta muito alta no que é novo é muito arriscado. Pois não é difícil demais saber o que a galera vai curtir ou não com antecipação. Mas se você aposta em uma coleção de novidades, essa aposta é segura, pois até a pessoa mais cricri do mundo, ao ver 10 tentativas diferentes vai gostar mais de uma.

E isso é algo do qual os serviços de streaming aparentemente poderiam brincar, mas não brincam, o que nos passa pro próximo assunto.

Curadoria vs Algoritmo.

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O contar-de-histórias é uma arte subjetiva. O que é bom e o que é ruim depende das pessoas. E pessoas são contraditórias, movidas a emoções não-racionalizáveis e diversas. A indústria do entretenimento passa anos estudando e tentando descobrir a fórmula para fazer sucesso fácil, e constantemente falha em ter carisma. Mas existe uma classe de pessoas responsáveis por investir em histórias que quer muito só um grande computador que diga o que vai virar uma mina de ouro e o que vai fracassar.

Por isso eles amam algoritmo. Em especial em serviços de streaming em que quais filmes valem a pena de ser disponibilizado nos serviços e quais filmes eles agrupam juntos e recomendam, são todos decididos por algoritmo. E isso é um enorme fracasso. Filmes são subjetivos, e uma inteligência artificial nunca vai ser um substituto para o contato humano que tem o poder de entender a subjetividade.

E falo de um lugar enviesado. Já que eu trabalhava falando pro cliente da locadora qual filme eles deveriam alugar em seguida. E a locadora fechou pela concorrência dos streamings, e eu não fui contratado pela Netflix para recomendar filmes pros usuários… então é: estou falando do robô que substituiu meu trabalho.

Mas justamente. Eu sabia que meu trabalho não era falar: “Ah, você gostou de The Dark Knight, é uma releitura do Batman adulta, sombria em que ele mata gente e tem um pé forte no fascismo. Você vai gostar também de Batman v. Superman”, como se esses dois filmes tivessem o mesmo fandom. Eu converso com o cliente, descubro do que ele gosta para além de tags para recomendar um filme do qual ele goste.

E eu podia não gostar tanto assim de trabalhar. Pagava mal e eram 8h que eu ficava de pé. Mas eu gostava quando o cliente voltava no dia seguinte agradecer a recomendação. Pois eu levava a sério, achar algo ali do que ele gostaria. E bem… vou falar mesmo: o algoritmo da Netflix é uma bosta. Em que filmes que eu já vi e acho ruins frequentemente aparecem nas “recomendações especialmente pra mim”.

Eu literalmente tenho um texto aqui falando do quanto eu não gosto de Once Upon a Time in Hollywood.

Enfim. Algoritmo não é algo que devia ter espaço na produção e distribuição de mídias que contam histórias. Sabe o que deveria ter? Curadoria.

Curadoria é o trabalho de selecionar, organizar e apresentar alguma coisa a partir da ideia, tese, tema, conceito ou narrativa determinado por seu curador. É colocar a subjetividade humana por trás da maneira como uma coleção de produtos é apresentada. Por exemplo, o serviço de streaming MUBI é notável justamente por conter exatamente 30 filmes escolhidos a dedo e colocar e remover diariamente um filme do serviço, permitindo que todo dia você veja um filme novo recomendado diretamente para estar em sintonia com os demais filmes do serviço… o MUBI não me paga por essa propaganda positiva. As únicas pessoas que me pagam são meus leitores. Mas eu faço de graça mesmo assim, pois é um bom serviço.

Festivais de cinema possuem curadoria. Não é aleatória nem gerada por computador a seleção de quais filmes vão passar no festival, nem de quais filmes vão passar em quais dias. O curador não é necessariamente um profissional na produção de filmes, mas ele com certeza é alguém que estuda cinema para além de números e matemática. E é a chance de alguém com uma visão aprofundada poder ajudar a guiar o leigo a descobrir algo novo e diferente.

Sabe onde tem curadoria? Nas revistas de mangás. A própria noção de que tem alguns capítulos de mangá que vão ter página colorida e outros que não vão. De que os mangás vão sair em uma ordem não-fixa que muda toda semana. De que as estreias estreiam em ordens pré-definidas. Nada disso é gerado por computador, por fórmula ou por gente técnica escolhendo a maneira mais fria de obter sucesso. Embora eu admita que para esse último eu estou usando como referência os mangás Bakuman e Hitman que são o mais próximo que eu tenho de uma visão de como os bastidores da Shonen Jump funciona.

E por ser uma escolha pensada por alguém, ela pode ser questionada. Não é uma fórmula errada, pautada só em “vende mais/vende menos”, é uma ideia, e existem outras ideias a serem debatidas. Essa é a essência de ser uma decisão humana.

Mas já que toquei nesse assunto, com a margem de erro de pessoas que querem promover sua indústria e só puxar saco existirem. Mangás que visitam os bastidores de mangás costumam dar muita ênfase para o quanto a subjetividade afeta os editores de mangás e as noções do que eles querem que seja publicado. O quanto os enviesamentos coletivos deles se misturam com a sua visão de indústria. Nenhum dos dois é um documento sobre como as indústrias funcionam, mas é curioso ver como os artistas da indústria a descrevem. 

E isso contrasta bastante os filmes que visitam os bastidores de Hollywood, pois filme meta de Hollywood abraça completamente a maneira como produtores não tem o menor interesse em ver ou entender os próprios filmes, só em cortar custos, e ver os rios de dinheiro jorrar. E do conflito entre roteiristas/diretores contra produtores ser sempre o conflito entre arte e comércio.

Mangás metalinguísticos podem tratar esse conflito, mas o editor do mangá raramente representa o lado sem alma do comércio.

Uma exceção considerável porém foi o mangá Hitman, em que o editor-chefe é o antagonista-central do mangá, por estar tentando forçar a revista a parar de se importar com conteúdo e começar a tomar decisões pautadas em estatísticas. Ele é apresentado como uma mudança de ares na revista para piorar a situação do artista, além desse discurso vir junto de falsidade, pois usava estatística para racionalizar que ele só desgosta de alguns mangakas.

E isso não quer dizer que mangás não são feitos por uma indústria capitalista medonha, claro que são. Mas existe mais subjetividade humana determinando quais títulos compõe uma revista de mangás. Claro que isso tudo se soma com percepção de mercado, e que ninguém tenta encher uma revista só do que gosta. Mas a seleção não é feita jogando tudo numa calculadora e vendo o que sai.

Mantendo no exemplo da Shonen Jump, temos atualmente a série High School Family que é a série que vende pior na revista já tem um tempão, e ela não parece estar perto de ser cancelada. E eu não sei que magia a série tem com os editores, mas por mais influenciados por vendas que eles sejam, e eles são muito influenciados por vendas, no fim é a decisão deles, não uma lei da física. E o mangá segue firme e forte. Phantom Seer vendia melhor que High School Family vendia e foi cancelado. Essa decisão é absurda. Phantom Seer era bem melhor. Mas são humanos tomando essa decisão, e estão levando mais coisa em consideração do que números. Infelizmente essa coisa só não é bom gosto.

Mas a produção audiovisual não decola sem o fator humano. E se o fator humano é normalizado na indústria do mangá, mesmo na hora de leituras frias, no cinema ele é uma luta. Uma luta constante. O Scorsese falou sobre como a insistência em usar algoritmos desumaniza a produção de filmes, e foi taxado de elitista. Porque sempre que o Scorsese faz algum debate sobre o estado do cinema atual, tentam transformar em uma conversa das elites contra as classes baixas, e as classes baixas são os representantes do maior conglomerado do entretenimento estadunidense, só porque eles não têm estudo real sobre cinema.

Vocês não sabem a raiva que eu tenho dos Irmãos Russo por ter pegado a raiva bairrista anti-nova-york que os EUA tem pra invalidar as críticas do Scorsese.

Mas uma figura como o Scorsese, ao ser validada como figura essencial ao cinema. Não é porque ele dirigiu Taxi Driver, Goodfellas ou Wolf of Wall Street não. Isso não é sobre os filmes dele. E não é sobre ele ter estudado cinema em Nova York também. É sobre ele falar tanto sobre o que o cinema significa pra ele, em palestras universitárias ao redor do globo, em inúmeros discursos, que na Coreia do Sul, tem estudante do cinema se inspirando pela maneira como o Scorsese descreve essa profissão. É sobre o esforço imenso que o Scorsese faz em investir em preservação de mídia, em proteger filmes de virarem mídia perdida e em dar acessibilidade ao cinema estrangeiro as pessoas. Quando o Scorsese fala que vive pelo cinema, ele não fala que vive pelos próprios filmes, mas que ele vive por essa mídia. E quando qualquer campo de produção chega em um ponto, em que a pessoa que é estudada nas faculdades, que guia os novos profissionais, que preserva o que foi feito, e que tem o histórico de ter feito parte do maior movimento autoral do cinema estadunidense, passa a se tornar uma figura do passado que intimida os executivos. É porque as coisas estão indo pro ralo na indústria.

Conclusão:

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Bom, esse não é um texto propondo soluções, nem achando que uma indústria tem de fato algo para se basear na outra, nem nada disso. É um mero pensamento em voz altas, de como no momento atual do entretenimento, em que a dominação do reboot é tão forte, existem indústrias que tem mais facilidade de não depender de reboots e regurgitação de propriedades intelectuais estabelecidas enquanto outras parecem imersas demais nessa lógica pra escapar.

Ruri Dragon surgiu do completo nada, lançou 6 capítulos leves e sem nenhum grande twist, foi colocado em Hiatus pela saúde do autor, e esses seis capítulos foram compilados na melhor estreia de volume dos últimos oito anos, superando enfim Boku no Hero Academia.

E acaba sendo um reconhecimento de como a maneira como uma indústria se estrutura afeta diretamente que tipo de história pode ser contada. Nós acreditamos que os filmes chegaram a um ponto tecnológico em que já podemos contar absolutamente qualquer tipo de história se a gente injetar o orçamento de Avengers: Endgame no filme. Qualquer coisa pode ir pra tela com dinheiro o bastante. Mas não é qualquer coisa que recebe esse dinheiro. É só o que pode prometer a esperança de um retorno, e pra fazer essa promessa, é necessário uma relação de regurgitação, reconhecimento, nostalgia que faça o público se emocionar pelo que ele lembra, e não pelo que ele está conhecendo pelo filme.

Cinema é uma indústria cara demais para qualquer história ser feita. One Piece para passar 11 consecutivos anos sendo o mangá mais vendido do mundo, não precisou de nada exceto um jovem talentoso mostrando seus one-shots para editores que confiaram nele. Mas para a mesma história virar uma série de televisão, ela precisa antes ter se tornado a terceira história em quadrinhos mais vendida do planeta, para ter um apelo que justifique o orçamento imenso que a série demanda.

E cá entre nós, eu acho que o cinema tem se tornado caro demais. Assim. Star Wars IV: A New Hope em 1977 foi um filme que simplesmente revolucionou o cinema. Um divisor de águas imenso. E ele custou 11 milhões de dólares. Ajustado para a inflação, seriam 54 milhões de dólares hoje. O Episode IX: The Rise of Skywalker custou 275 milhões de dólares. Dava para ter feito cinco Episódios IV com o dinheiro do Episódio IX… e eu acho que justamente. Se nunca tivessem feito Star Wars em 1977, nunca teriam feito, pois seria uma ideia inviável de ser bancada hoje sem uma franquia dos anos 1970 validando. Naquela época esse tipo de investimento era viável só com a garra do George Lucas, mas hoje… quanto filmes de aventura espacial separados de franquias dos anos 1970 vocês viram saindo no cinema esse ano? Eu vi uma, mas precisou se validar pela propriedade intelectual de um filme com o qual não tem nenhuma relação pra ser financiado.

The Lion King custou 45 milhões de dólares em 1994. Ajustando pra inflação, isso seriam 90 milhões de dólares atualmente. Mas para refazer o exato mesmo filme em 2019, foram gastos 260 milhões de dólares. Para contar a exata mesma história de maneira 30% menos emotiva. A escala cresceu demais.

E vão dar uma prequela pra esse novo Lion King. O verdadeiro ciclo sem fim é a maneira como eles não param de estender essas ideias.

Será que a indústria não ficou cara demais? Será que é por isso que as principais tentativas de começar novas franquias cinematográficas nos últimos cinco anos, foram protagonizadas por personagens criados no século passado?

1965, 1991, 1939, 1920 e 1981 respectivamente.

Felizmente temos Knives Out tentando emplacar algum personagem novo no mundo, e mostrando que uma faísca ainda existe. Sou grande fã do detetive Benoit Blanc.

Eu acho que o mundo tem nostalgia demais pelos anos 1970 e 1980 no que diz respeito ao cinema, mas presta pouca atenção no que estava acontecendo nessas décadas no cinema. Em porque tanta coisa muito criativa estava saindo nessa época. Digo, são também as décadas em que a Disney quase faliu, e será que uma década em que a Disney não prospera, é o sinal de que temos pessoas com ideias sendo valorizadas? Não. É só coincidência. Mas é uma curiosa.

Mas eu estou com isso na minha cabeça já tem um tempão. E um pouco cansado do que isso virou. E acho que esse texto é na real um desabafo que eu precisava fazer do quanto a Era do Reboot me broxa. Felizmente ser otaku é bom demais, e permite que eu esteja em um ritmo bom de constantemente ser apresentado a novos personagens, novos universos, novas histórias em uma mídia em que a novidade está sempre vindo. Assim, eu estou ciente de que eu estou falando do sucesso desses mangás, mas eu também nem sequer posso ignorar que eles só atingem o nível surreal de sucesso depois que a indústria da animação usa eles como base para fazer um dos maiores animes do ano. Então tem essa, o sucesso deles não é desconectado na Era do Reboot, eles são só a parte que não reboota, por serem o primeiro passo para uma eventual adaptação que será o real sucesso. Mas funciona para suprir o desejo por novidade.

Nostagia tem seu apelo. Mas novidade é bom demais! Nada mais gostoso que conhecer algo completamente novo.

Sobre o autor

Izzombie

Sou um cara chato que não consegue ver um filme sossegado sem querer interpretar tudo e ficar encontrando simbolismos e mensagens. Gosto de questionar a suposta linha que separa arte de filmes comerciais, e no meu tempo livre pesquiso sobre a história da animação.

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Sou um cara chato que não consegue ver um filme sossegado sem querer interpretar tudo e ficar encontrando simbolismos e mensagens. Gosto de questionar a suposta linha que separa arte de filmes comerciais, e no meu tempo livre pesquiso sobre a história da animação.

Alertas

  • – Todos os posts desse blog contém SPOILERS de seus respectivos assuntos, sem exceção. Leia com medo de perder toda a experiência.
  • – Todos os textos desse blog contém palavras de baixo calão, independente da obra analisada ser ou não ao público infantil. Mesmo ao analisar uma obra pra crianças a analise ainda é destinada para adultos e pode tocar e temas como sexo e violência.

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