The Simpsons – Como os seus personagens funcionam?

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Olha gente, depois do meu texto de primeiro de abril com sobre The Simpsons, eu fiquei muito envergonhado de não estar acompanhando The Simpsons e só ter os episódios pré-HD no meu repertório. Então eu me dei um desafio, o de ver todos os episódios de Simpsons e assistir da primeira temporada até a atual. E eu fiz isso. Assisti 728 episódios. Da maior sitcon da história da televisão estadunidense. Da série roteirizada mais longa de toda a televisão estadunidense.

A propósito esse blog defende completamente a pirataria, não vai dar dinheiro pra Disney pra assistir Simpsons não. Isso daí não foi cancelado por 30 anos, e não vai ser a sua falta de assinatura pra um império do mal que vai cancelar os Simpsons. Não quero que divulgar os Simpsons soe como propaganda pra Disney+ não.

É muita coisa. É muito grande. É grande demais. E isso me faz pensar em muita coisa.

Em especial em um texto que eu escrevi no primeiro ano do blog, essencialmente falando que Simpsons tinha que acabar…. e aí The Simpsons durou mais 7 anos depois do texto.

Sim, então vocês vão ver aqui o seguinte fenômeno: eu vou escrever um texto pra discordar de um texto meu…. mas não muito. Eu fiz algumas críticas a série que eu concordo, mas no geral eu estava escrevendo de uma perspectiva com a qual eu não concordo mais. E é uma perspectiva que eu tinha absorvendo muita osmose do fandom de animação no geral. Não só de The Simpsons.

Que é a de que The Simpsons tinha a obrigação moral de ser digno de seu passado. E isso é algo que eu vi muito no fandom de Simpsons, e não é algo com o qual eu concorde depois de ver a série inteira.

A reputação de The Simpsons de uma série que começou revolucionária e definindo a televisão estadunidense e sucumbiu a mediocridade é uma reputação forte que já dura mais de vinte anos. E que a série tinha que acabar justamente porque ela superou seu auge, e eu com o tempo passei a ter mais e mais desgosto por esse tipo de argumento no geral.

8º episódio da 30ª temporada, Krusty the Clown.

Especialmente quando vemos como esse tipo de pensamento existe em praticamente toda série de animação que se estende bastante. Eu quero falar dos episódios recentes de Archer e tá lá o reddit cheio de gente falando “Uau, parece Archer clássico” ou “Ah, nunca mais foi a mesma coisa desde a sétima temporada”. Ou você quer falar de Rick and Morty e também tem várias pessoas comparando a um suposto “Rick and Morty clássico”, e tentando traçar a partir de que ponto o auge acabou.

E eu vejo no youtube, muitos canais em inglês que focam muito em tentar achar os momentos de virada das séries, quais são os episódios em que as séries enfim colocaram todas as peças no lugar e justificaram seu status de clássicos, ao mesmo tempo que tentam identificar quais episódios que oficializaram que a série não funciona mais. Fazem isso com The Simpsons, mas fazem isso com muita série de comédia como The Office ou Community. E assim… eu já fui esse cara. E eu era esse cara sete anos atrás. Mas hoje eu acho na real é o oposto: eu acho que enquanto você continuar existindo, você tem chances de contar boas histórias. Que uma série de comédia não tem que existir só quando for revolucionária. Essa síndrome do “você tem que saber quando parar para nunca fazer algo abaixo da média” me soa um preciosismo de buscar perfeições que honestamente? Nem são perfeitas. Se os Beatles tivessem feito mais cinco álbuns talvez eles fossem os cinco piores, e talvez eles ainda tivessem espaço no mundo. Talvez eu tivesse algumas dessas músicas hipotéticas em uma playlist. Talvez eu gostasse mais de uma música no álbum pós-auge do que eu gosto de Octopus Garden.

Então eu vim aqui falar que os Simpsons perderam algo de sua qualidade. E… tá tudo bem. Perderam mesmo. Mas a série ainda tem algo a oferecer e é sobre isso que eu quero pensar.

O episódio The Itcy & Scratcy & Poochie Show, é o 14º Episódio da 8ª temporada. Tecnicamente isso coloca o episódio na fase clássica dos Simpsons e antes da série se perder. Porém o episódio inteiro é um comentário e uma resposta ao quanto a série já está em conflito diretos com seus fãs constantemente linchando as decisões tomadas e declarando a série decadente.

Não exatamente no “O que os Simpsons têm a oferecer mesmo quando são medíocres”, mas especificamente, em “O que os Simpsons têm a oferecer, por terem 33 anos de idade”, o que 33 anos de idade fazem com uma série? Só que a série tem 33 temporadas. Aliás, a 34ª já estreou enquanto eu escrevia esse texto. Então eu quero fazer vários textos, espalhados pro futuro focando em vários aspectos de Simpsons sob essa perspectiva, do que eles têm a oferecer pelo seu tamanho. De como sua longevidade os torna diferentes de outros desenhos. E do que podemos apreciar na série quando largamos essa mentalidade de “não é digno da fase clássica”.

Esse texto específico eu quero focar nos personagens. E em como os personagens de Simpsons tem sido trabalhado nas últimas três décadas.

No episódio My Octopus and a Teacher, o 18º Episódio da 33ª temporada, eles introduziram a mais nova personagem recorrente de Springfield, a Sra Peyton. Mostrando que eles ainda não pararam de crescer o elenco.

Mas antes vou me justificar, pois não gosto de ser confrontado por mim mesmo, de que eu fiz altas críticas a como a publicidade da série tenta vender grandes eventos pra chamar público e falar “agora o Home e a Marge divorciam” e esse tipo de publicidade é uma merda, e deixa tudo feio sim. E o episódio do divórcio é uma merda colossal. E que muitas das críticas que eu fiz ainda valem.

O episódio em questão é Every Man’s Dream, 1ª episódio da 27ª temporada. O divórcio inclusive foi só uma desculpa para dar uma namorada Hipster pro Homer e falar sobre o choque entre gerações em um relacionamento entre Homer e uma jovem.
Eu acho que dava pra explorar essa ideia sem o sensacionalismo de falar “venham ver o grande divórcio” (e com um roteiro melhor).

Só que em outro contexto.

Contexto de quem quer paz. De quem não quer ver série sendo cancelada só porque “não cumpriu a cota básica de subversão”. Honestamente, um episódio ruim de The Simpsons ainda é melhor que um episódio bom de Family Guy.

Mas antes de ir a fundo na reflexão, tenho algo a dizer: Muita gente me para na rua e me pergunta “Izzombie, como eu posso ajudar o Dentro da Chaminé? Esse blog tão legal.” E eu sempre respondo “Você pode apoiar o blog na nossa campanha de financiamento coletivo no apoia.se. Com doações mensais no valor que achar justo. É a maneira oficial de ajudar a remunerar o trabalho que eu faço aqui e ponho nos textos, mas se não quiser se comprometer com doações mensais, pode fazer também uma doação única no pix de qualquer valor para a chave franciscoizzo@gmail.com que você será igualmente homenageado e apreciado”. E é sério, ajuda bastante.

Mas também lembrando que compartilhar, comentar e interagir com o texto também ajuda muito, pois é o que mantém essas conversas vivas. Eu escrevo textos procurando começar assuntos, mas nunca esperando terminá-los, e quero ver os leitores continuando as conversas, agregando com a perspectiva deles.

E esse texto é feito em homenagem a todos os que já apoiam o blog. Essa turma que cada vez mais cresce e que são os verdadeiros heróis do blog. E eu espero que gostem desse texto.

E vamos começar justamente no ponto central de sempre que alguém quer falar de Simpsons.

A Era de Ouro dos Simpsons:

Gráfico mostrando a nota no IMDB de cada episódio. Supostamente, não existiu um único episódio ótimo nos últimos 20 anos. E essa é uma opinião muito validada na internet.

Os Simpsons têm uma Era de Ouro, que no geral é entendida como tudo até a 8ª temporada. Dependendo da pessoa, podem dizer que a Era de Ouro começa na segunda ou terceira temporada, pulando a fase em que a série está se descobrindo, e acho que já vi gente falar que dura até a 9ª ou a 10ª.. geralmente eu vejo muita gente usando até a décima para dividir a série em três blocos. Temporadas 1-10 como um bloco, 11-20 como outro bloco e 21 até o presente como um terceiro bloco. Essa divisão funciona, pois no meio da vigésima temporada os Simpsons passam a ser exibidos em HD e mudam a abertura. E aí seria uma Fase Clássica, Fase Intermediária e Fase HD.

Mas a maioria traça a linha na 8ª temporada.

E se forem perguntar pra mim. Eu acho a Fase Clássica a melhor sim. De verdade, se eu tivesse que escolher os 100 melhores episódios de Simpsons, 50 dos episódios escolhidos estariam entre a 1ª e a 8ª temporada. E os demais 50 estariam entre a 9ª e a 33ª. É desigual. Eu postaria essa lista aqui, pois eu de fato fiz a lista, mas não quero distraí-los com os meus takes de quais episódios tidos como ruins eu acho ótimos nem com quais episódios amados eu não coloquei na lista. Não quero chamar muita atenção pra isso.

Então eu concordo que existe uma quebra de qualidade forte.

E se eu tivesse que apontar uma causa, eu definitivamente apontaria para o fato de ser quando o Matt Groening se afastou da série e foi fazer Futurama que foi melhor que Simpsons. Falo com tranquilidade o melhor episódio de Futurama é melhor que o melhor episódio de The Simpsons.

Mesmo em sua melhor fase, Simpsons nunca superou a maestria de Luck of the Fryish.

Também teve o fato de que na 9ª temporada a série teve a sua 5ª das sete mudanças de showrunner, foi quando assumiu o Mike Scully, que cuidou da série até a 12ª temporada. E como toda mudança de showrunner em qualquer série, trás algumas mudanças que aqui foram identificadas como as mudanças que mataram os Simpsons.

E é aqui que vem a parte que me interessa.

A 9ª temporada de Simpsons e o começo da sua tão debatida queda de qualidade foi em 1997, 25 anos atrás. O Brasil estava no primeiro mandato da presidência do FHC, a Princesa Diana tinha acabado de falecer, Titanic era o filme do ano, 700 crianças japonesas tiveram ataques epiléticos vendo um episódio de Pokemon com o Porygon e ninguém nos Estados Unidos achava que escolas poderiam um dia ser palco de tiroteios, o palco tradicional de tiroteios nos EUA eram os correios. Isso faz muito tempo, alguns leitores desse blog imagino que nem fossem nascidos. E desde essa época já tem gente xingando os Simpsons por ter ficado e passado do seu tempo.

Sunday Cruddy Sunday, 12º episódio da 10ª temporada, exibido quatro meses antes do massacre em Columbine oficialmente começar a era em que os tiroteios em massa deixaram de acontecer primariamente em agências de correios e passaram a acontecer em escolas.

E faz 25 anos o debate sobre porque os Simpsons ficaram ruins giram em torno dos mesmos pontos.

A série deixou de ser realista e virou mais palhaçada, o Homer ficou burro demais, eles pararam de fazer finais emocionantes e eventos não-realistas de desenho animado começaram a ganhar muito espaço.

It’s a Mad Mad Mad Mad Marge, é o 21º episódio da 11ª temporada. É frequentemente mencionado pelo seu péssimo final, e eu adoro esse episódio.

O Homer virou um completo babaca, devidamente apelidado de “Jerkass Homer”. E várias histórias começaram a girar em torno de seu lado mais antipático e hostil, de maneira que o fã não torcia por ele.

The Cartridge Family, 6º episódio da 9ª temporada.

Muito episódio acabando do nada sem bons motivos.

The Great Money Caper, 7º episódio da 12ª temporada.

Episódios que desmentiam ou retconavam informações apresentadas em episódios anteriores.

The Principal and the Pauper, 2º episódio da 9ª temporada.

E o principal, os personagens continuavam estagnados em suas vidas. Com poucas mudanças de status quo.

E eu não quero entrar no mérito de se essas reclamações têm razão ou não. Quero primeiro ir pro ponto do que está no subtexto de todas elas: A série deveria ter finais realistas, deveria ter finais emocionantes, deveria fazer o Homer ser mais identificável e menos babaca, deveria fazer finais que amarram o plot central, deveria manter uma consistência com a backstory dos personagens e os personagens deveriam ter arcos de história que mudassem com o passar das temporadas. Existe uma estrutura fixa e clara sobre como um episódio de Simpsons deve ser, e sobre como foi um erro se afastar dessa estrutura. E como se tornar um tipo pré-concebido de desenho animado tornaria a série boa novamente.

E você vê no youtube muito vídeo justamente dando exemplos de “Se fosse na fase clássica essa piada aqui seria feita de jeito X, mas aqui foi feita de jeito Y”. Eu sinto que é realmente difícil explicar por que os Simpsons da 9ª temporada em diante são ruins, sem ser pelo contraste das temporadas anteriores serem boas. Sinto que não é fácil falar que “Se o primeiro episódio da 11ª temporada fosse o primeiro episódio da série, a série seria uma abominação que mereceria ser cancelada em uma temporada.”

Embora eu ache Beyond Blunderdome ruim, não sei porque eu dei logo esse de exemplo. Maldito Mel Gibson.

Quando os Simpsons estrearam a série foi considerada subversiva, inovadora e diferente de tudo o que existia na televisão. Era uma série que desafiava o formato típico de séries de televisão e era uma série que foi considerada uma má-influência. Tudo isso é mérito. Mas eu sinto que The Simpsons é uma série que desde o seu nascimento foi presa ao seu contexto. A série se destacou por ser revolucionária, a revolução dos Simpsons funcionou e eles mudaram a televisão para uma no molde deles. Mas aí eles já não eram mais revolucionários porque eles próprios viraram a instituição da televisão. E começaram a ser punidos por não terem mais a vibe do passado.

E como a série satiriza o próprio impacto que eles tem na sociedade, eles fizeram mais de um episódio sobre como eles ficaram aceitos demais para serem subversivos. Cena de Bart Gets Famous, 12º episódio da 5ª temporada falando sobre o fenômeno.

O objetivo do texto não é fazer shaming em quem tem a opinião de que a Era de Ouro é um tesouro da televisão e o resto é ruim. Longe disso. Mas é observar esse fenômeno, pois depois disso se passaram 25 anos e a série fez mais de 500 episódios constantemente sendo comparados com seus anos de revolução.

Até os episódios apreciados não saem da sombra de episódios feitos duas décadas antes.

O objetivo do texto é falar sobre o que a série The Simpsons é, e por isso eu começo fazendo essa passagem para focar que eu não tenho um genuíno interesse no que a série devia ser. Nem em atribuir o adjetivo de “genuíno” ou “autêntico” à Era de Ouro. The Simpsons é as suas 33 temporadas, não existiu uma fase que representa o “verdadeiro espírito do que a série é” e uma fase que representa “a distorção dos valores essenciais da série”, eu quero esse tipo de narrativa longe do meu texto. Pois já faz 25 anos desde que os Simpsons romperam com sua fase clássica, tem um quarto de século, a série já é a própria coisa, e ela tem que ser analisada fora da sombra das primeiras temporadas.

O que é The Simpsons?

2º episódio a 33ª temporada, Bart’s in Jail, que aborda as diversas maneiras como golpes por telefone se tornaram uma indústria nos EUA.

The Simpsons é uma série de sátira social, no formato de sitcon, centrada na família Simpson, criada para representar a típica família estadunidense. Através das situações em que a família entra, a série pode apontar e fazer chacota das instituições, mentalidades e hábitos que moldam a cultura estadunidense do presente.

Episódio Steal This Episode, o 9º da 25ª temporada.

Algumas pessoas acreditam que o valor de The Simpsons com sátira social se enfraqueceu depois que séries mais ácidas e com críticas mais diretas surgiram inspiradas em The Simpsons. E que com South Park ou Family Guy apontando o dedo pros EUA, que a voz contida e sem-uso-de-palavrões de The Simpsons não tem mais relevância. Talvez não tenha a percepção de relevância, de fato, mas eu ainda acho que é no que se sustentam a maior parte dos episódios e que a série ainda tenta dizer coisas tanto quanto dizia 30 anos atrás.

22º episódio da 15ª temporada, Fraudcast News.

The Simpsons se passa na cidade de Springfield, uma cidade estadunidense, cujo estado é omitido, pois a cidade representa todas as cidades estadunidenses ao mesmo tempo. Springfield é em várias perspectivas um microcosmo de todos os Estados Unidos. Nessa cidade, a Família Simpson interage com várias situações, personagens, convidados especiais e eventos que expõe como a cultura estadunidense lida com determinadas coisas, pela reação de seus habitantes.

No 8º episódio da 13ª temporada Sweet and Sour Marge, Springfield é declarada a cidade mais obesa dos EUA, em um paralelo claro com a declaração de que os EUA eram o país com maior crise de obesidade do planeta.

The Simpsons tem um elenco muito vasto de personagens, com mais de cem personagens regulares, que tornam a cidade de Springfield um lugar muito vivo e rico, a cidade inteira tem uma atmosfera muito envolvente e imersiva, pois conhecemos um número muito grande de seus habitantes. Inclusive, muitas vezes a série coloca seus secundários em posições que deveriam ser de figurantes, de uma maneira que torna a cidade viva, pois nós sabemos quem são as pessoas que preenchem os espaços, mesmo quando elas não são parte da cena.

As pessoas escutando esse sermão sobre maneiras alternativas de se expressar a fé, dado no episódio duplo Warrin’ Priests, 19º e 20º episódios da 31ª temporada, não são cidadãos aleatórios. São o chefe de polícia, o reorter, o atleta, a corretora de imóveis, a professora, o caipira, o médico… conhecemos essa gente.

Agora os personagens de Simpsons, a maioria existe para representar instituições ou grupos sociais. E isso significa que a sua caracterização é fluída. Eles têm alguns traços fixos de personalidade, mas eles têm uma parte não fixa de caracterização que pode mudar a cada episódio para melhor retratar a opinião de determinado roteirista sobre aquele grupo.

A xenofobia de Moe não é parte fixa de sua caracterização. É algo que rolou só nesse episódio, pois o ponto era mostrar espaços como o bar do Moe como ambientes que poderiam ser hostis quando o sentimento anti-imigração está forte. Cena do episódio Much Apu About Nothing 23º da 8ª temporada.

Então o Dr. Hibbert por exemplo. Ele é uma pessoa bem-humorada, e sua marca registrada é a risada inapropriada que ela dá em todo diagnóstico. Isso é fixo nele. Porém ele é também um representante do sistema de saúde privado estadunidense. E o quão profissional ou ético ele será dependerá muito de como o roteirista vê a situação da saúde nos EUA. Além é claro de depender da época em que o episódio se passa. Em alguns episódios ele pode ser mais elitista que em outros. Em alguns episódios ele pode aceitar fazer operações ilegais por debaixo dos panos. Em alguns episódios ele pode ser incrivelmente conservador, mas em outros ele pode recomendar maconha medicinal pro Homer. Pois não importa. Ele representa os médicos de todos os EUA, e o contexto de quando o episódio está sendo escrito e por quem muda muito o que podemos esperar da visão geral dos médicos.

Uma sátira com o Health Maintenance Organization, um serviço de plado de saúde dos EUA, que aparece no episódio The Last Temptation of Homer, 9º episódio da 5ª temporada.

Quando Hibbert aparece como membro ativo do partido republicano, ou como um defensor do armamentismo nos EUA, a série fala mais sobre o papel da comunidade médica em pautas conservadoras estadunidenses, do que está expondo uma característica de Hibbert enquanto indivíduo. Por isso que quando ele se torna um defensor da maconha medicinal, a suposta contradição, de que ele deveria ser mais conservador, não é importante. Se a comunidade médica não é uma coisa só, então Hibbert vira um homem de contradições.

Partido republicano, composto pela igreja, pela máfia, pela direita hollywoodiana, pelos donos de terra, pelos grandes empresários, pelos vampiros e pelos médicos. A maioria desses personagens não foi escolhido em função de sua personalidade e sim de seu status.

Da mesma forma Krusty vive e respira pelo contraste constante, dele ser um apresentador de um programa infantil, que é uma figura depressiva, fumante, e altamente pecaminosa, se envolvendo com álcool, drogas ilícitas, apostas e mulheres de maneira excessiva e hedonista. Em alguns episódios a piada é como no instante em que a câmera para de gravar ele sai do personagem completamente. Em outros a piada é que ele solta no ar mesmo pras crianças mais detalhes sobre sua vida pessoal do que deveria. Esse é o cerne de seu personagem e algo fixo. Mas o Krusty também é um constante comentário sobre cultura de celebridades, sobre como é o cenário da comédia nos EUA e sobre o quão cruel a indústria da televisão vai ser. Se fizerem no futuro um episódio sobre como o tapa do Will Smith no Chris Rock trouxe discussões a tona sobre limites da comédia e que piadas podem ser ditas em que espaço, então tenham certeza de que o Krusty vai ser quem vai fazer a piada ofensiva e representar o Chris Rock no episódio.

O Reverendo Lovejoy representa a instituição da igreja, e o quanto ele pessoalmente leva a bíblia a sério é algo que vai variar de acordo com o ponto do episódio sobre religião organizada. Embora seja consistente que ele é um fã de trens.

Episódio Bart Sells His Soul, o 4º da 7ª temporada.

Então os personagens têm direito a ter alguma caracterização pessoal. Terem seus próprios hobbies ou identidades fora do estabelecimento que eles representam. Mas eles primariamente representam seus estabelecimentos. Kent Brockman é a face da mídia. Wiggum é a face da polícia. Skinner, Chalmers e os professores representam a educação pública do país. E como o ponto das críticas feitas a essas instituições não é sempre o mesmo, então tem aspectos dos personagens que serão inconstantes.

O episódio The President Wore Pearls, o 3º da 15ª temporada não é sobre como nenhum desses personagens é ruim a nível pessoal. Esse episódio é sobre a situação da educação pública que não prioriza seus alunos. Existe uma contradição em Edna manipular Lisa, sendo que ela já defendeu os alunos da escola no passado e no futuro. Mas nesse episódio a figura do professor que ia ficar do lado do estudante não encaixava na sátira.

Porque mesmo se os Simpsons forem criticar a polícia. As críticas feitas em 1989 não serão as mesmas feitas em 2022. O contexto muda, nossa percepção muda. Os roteiristas mudam, mas mesmo a nossa opinião sobre algumas pautas e alguns debates mudam em 30 anos.

21º episódio da 11ª temporada. It’s a Mad Mad Mad Mad Marge.

Para isso o exemplo mais fascinante é Ned Flanders. Fascinante, pois foi baseado nele que o Tv Tropes cunhou o termo “Flanderização”. Flanderização é quando uma única característica de um personagem fictício vai ganhando mais e mais foco conforme passam os episódios ao ponto em que ela se torna a identidade inteira do personagem e ele soa como uma paródia de um personagem menos caricato nas primeiras aparições.

A palavra “Flanderização” é uma palavra de cunho negativo e raramente é usada pra elogiar o trabalho feito em um personagem. Apesar da prática ser absolutamente natural em qualquer comédia, e ser uma constante em séries de comédia. Quando apontamos um caso de Flanderização queremos apontar que a série está perdendo a sua qualidade e seus personagens estão progressivamente ficando mais rasos.

No caso do Ned Flanders, a flanderização original, isso se refere ao fato de que ser um cristão era uma parte pequena de sua personalidade, e que o propósito de Flanders era o de ser o bom vizinho. O cara com a grama sempre mais verde que deveria causar inveja no Homer. Mas com o passar do tempo sua religiosidade foi exagerada ao ponto em que o personagem existe primariamente para ser um comentário sobre o fanatismo religioso.

Trilogy of Error, o 18º da 12ª temporada saiu no auge da associação de Harry Potter com satanismo. E nove meses depois desse episódio ir ao ar, teve um grande evento de queima de livros organizado pela igreja no Novo México para queimar cópias de Harry Potter. A internet chamaria isso de The Simpsons lendo o futuro. Mas isso é The SImpsons lendo o presente.
Essa cena não é sobre o Flandes, o Flanders é um boneco para expor o que estava rolando.

Mas entender por que Flanders passou a ser definido pela sua religião de onde eu vejo tem muito menos a ver com a caracterização de Flanders e sim com a nossa imagem do papel da religião nas nossas vidas.

O episódio que revela que Flanders é um homem religioso é Dead Putting Society, 6º episódio da 2ª temporada. Esse é o primeiro episódio que dá o mínimo de foco pro Flanders, e é o 4º episódio em que o personagem aparece no geral. E nesse episódio sua relação com a bíblia já era parte grande de sua vida. E esse episódio já começa a piada recorrente de que ele leva a bíblia mais a sério do que o próprio pastor de que ele acorda o pastor de madrugada para perguntas insignificantes, e reforça que ele reza antes de um evento importante.

Isso porque a ideia era que a família Flanders fosse melhor que a família Simpson. Eles tinham mais dinheiro, mais funcionalidade, mais felicidade e eram exemplos melhores do bom cristão. Flanders era a perfeição, e ele ser um cristão devoto era parte da perfeição. Afinal de contas, Homer envergonhava a família por ser um cristão meia-bomba, e Marge cobrava de Homer mais devoção a igreja nessa época. Então um vizinho devoto a igreja servia para fazer esse contraste em que ele não tinha aquilo que tornava Homer uma pessoa condenável.

3º Episódio da 4ª Temporada, Homer the Heretic. Inclusive, já vi gente na internet falando que depois que a Maude morreu, o Flanders herdou os defeitos dela. E isso tem um fundo de verdade. Com a morte da Maude, o papel do vizinho hiper-moralista foi pro Flanders por default, mas o fato do Flanders e da Maude serem introduzidos como um casal super em comum, já torna verossímil que ele tivesse isso em comum com ela desde o princípio.

Pois a série tinha uma relação bem menos crítica de religião lá atrás.

Tem esse episódio que me marca bastante, Lisa vs the 8th Commandment, 13º episódio da 2ª temporada, em que Homer começa a roubar televisão a cabo, e Lisa entra em pânico que seu pai violou um dogma da igreja e vai pro inferno. A série mostra com clareza “piratear é moralmente errado, pois está na bíblia” como seu centro moral. Nessa época, pra série, seguir a bíblia era um sinal de virtude.

Com o passar dos anos, a série ganhou muitas críticas a serem feitas a maneira como os cristãos de portam. E quando isso aconteceu, o Flanders era o representante do cristianismo e ficou com a posição ingrata de demonstrar as más posturas de uma pessoa que segue os dogmas de sua religião organizada sem questionar nada. Quando Flanders vira diretor da escola no episódio 100, ele não é um inimigo da educação, apesar de ser demitido essencialmente por não ter feito a separação entre igreja e estado, e isso ter irritado muito o superintendente, que é um profissional. Porém quando na vida real, as igrejas começaram a ganhar muito destaque por atacar o ensino de Darwin nas escolas públicas, aí Flanders passou a ser quem fez esse ataque na série. Isso foi em 2005, quando houve uma briga judicial nos EUA sobre se poderiam ou não proibir que ensinassem sobre o criacionismo em aulas de ciência sob a perspectiva da separação entre igreja e estado. Esse debate rodou o país por um ano. E entre 2005 e 2006, The Simpsons, South Park e Harvey Birdman todos fizeram episódio sobre o papel da religião em determinar o que deve ser ensinado nas escolas.

21º episódio da 17ª temporada, The Monkey Suit.

Flanders ficou mais fanático conforme The Simpsons ficou mais cínico que o papel do cristianismo na sociedade não era só o positivo, tinha uma parte ruim, que Flanders como o mais cristão de toda a cidade, passou a representar.

Quem disser que esse debate não existe na vida real e que esse debate não podia ser trazido pros Simpsons estará mentindo. A questão é se valia a pena criar um personagem novo pra ser o “Flanders com defeitos” quando o Flanders já existia. O episódio é o 20º da 31ª temporada Warrin’ Priests Part 2.

Tem um contraste muito grande entre Homer the Heretic, da 4ª temporada, e entre She of Little Faith, da 13ª. Em um Homer decide abandonar a igreja, e no outro Lisa decide abandonar a igreja. Porém quando Homer abandona a igreja isso é visto como um ato hedonista e amoral de Homer, que é punido por Deus tendo sua casa incendiada. E Flanders na sua tentativa de reconectar Homer com a fé, é um personagem amigável no episódio. No outro, Lisa abandona a igreja, e o episódio fica do lado de Lisa. As tentativas de Flanders de reconverter uma criança e não deixar ela explorar outras espiritualidades é marcada como errada. E as críticas de Lisa a igreja são marcadas como válidas. Mas o Flanders faz a mesma coisa, a diferença é o tom que o episódio dá pra essas ações.

She of Little Faith. 6º episódio da 13ª temporada.

O que mudou nesses 9 anos? A relação dos roteiristas com o cristianismo como pilar moral da sociedade estadunidense. Mas o Flanders ter ficado mais desagradável em sua jornada, não quer dizer que ele ficou mais religioso do que ele era, só que a série resolveu comprar algumas brigas que não compraria na 3ª temporada.

Com o passar a série, as comunidades lgbtqia+ ganharam mais a simpatia da mídia, e mensagens de inclusão e diversidade passaram a ser a norma de uma maneira que não foram por muito tempo (mesmo que o processo seja gradual, e muitas mensagens de respeito e inclusão viessem junto de piadas homofóbicas), e nessa mudança da mídia, refletindo uma mudança social em quais são os valores básicos da sociedade, grupos religiosos se tornaram um centro de homofobia, o que é algo eu caiu nas costas de Flanders também.

Threehouse of Horrors XIV, 1º episódio da 15ª temporada.

Então nos primeiros episódios, a homofobia de Flanders (o cristão fanático) tornava ele um igual a homofobia de Homer (o estadunidense médio), a homofobia dos próprios roteiristas e a do público. Conforme os roteiristas começaram a tentar se afastar de piadas homofóbicas e celebrar a diversidade, o estadunidense médio mudou seu discurso quanto à comunidade gay, Flanders passou a ser um contraste que criticava a mente aberta de Springfield.

14º Episódio da 17ª temporada. Bart Has Two Mommies.

Não foi Flanders quem mudou. Foi o mundo. O papel de Flanders sempre foi ser o do seguidor da bíblia, mas que espaço essa pessoa ocupa na sociedade em 33 anos deixou de ser o “da pessoa que é melhor e mais pura que você”, e passou a ser o “da pessoa que não pratica tolerância com alguns grupos”. O que foi um choque pra muitos fãs do personagme, mas talvez passar as primeiras temporadas da série falando “Quanto mais ele citar a bíblia melhor que ele é que você como pessoa” não fosse um bom ponto de partida para se debater a sociedade estadunidense.

Homer the Heretic, 3º episódio da 4ª temporada.

Isso é porque The Simpsons é uma sátira. E manter Flanders consistente e impedir que o que ele fala contradiga o que ele disse antes, ou o torne antipático não é mais importante do que fazer um comentário sobre fanatismo religioso. Eles não vão criar um cristão fanático novo e fazer o Flanders representar como “nem todo fanatismo religioso vem com intolerância”, pois isso seria quebrar o ponto da sátira. Os seus personagens não representam a exceção, nem a parcela “menos vocal” e nem o “mas se você conhecer o indivíduo, vai ver que não é bem assim”, eles representam a imagem pública de seus grupos. Eles representam aquilo que vai sair nos telejornais.

E isso vale pra todos os personagens. Contradições são o feijão com arroz dos Simpsons. Eles falam algo e se contradizem com frequência.

Eu pessoalmente adoto a regra de 3. Qualquer informação que não seja repetida em no mínimo três episódios, não é oficial. A mãe do Sr. Burns que aparece em Homer the Smithers? Eu nunca mais vi ela ser mencionada, e vi outras backstories do Sr. Burns serem dadas, então ela não existe de verdade. A morte do Frank Grimes? Ela foi mencionada várias vezes, então o Frank Grimes existiu de verdade.

E mesmo fatos que passam da regra de 3 que eu inventei, vão sofrer contradição. Pois os personagens não são nem arquétipos, eles são representantes. Eles falam por um grupo social que a série quer representar inteira em um único personagem. E esses grupos têm contradições dentro deles. Pois na vida real são compostos de pessoas diversas com visões diversas.

O Cara dos Quadrinhos representa toda a cultura nerd, mas essa cultura não é uniforme, e por isso a postura dele em cada episódio não é a mesma. Além disso ele muda conforme a percepção social da cultura muda. Nas primeiras aparições ele tinha muitas piadas sobre ele ser incapaz de seduzir uma mulher, na fase HD dos Simpsons ele acha uma namorada otaku e se casa com ela, pois a percepção de um integrante da cultura nerd como o modelo do adulto virgem não é mais tão forte quanto foi anos anos 1990.

11º Episódio da 32ª Temporada, The Dad-Feeling Limited.

E mesmo o filme dos Simpsons refaz uma piada antiga, contrastando como antes havia uma vergonha em ser nerd e perder a vida, mas no filme havia um orgulho em ser nerd. Reforço, quem mudou não foi o personagem, foi a sociedade que ele reflete.

Treehouse of Horrors VIII, 4º Episódio da 9ª Temporada.
O filme. Que saiu entre as 18ª e a 19ª temporada.

Ah e eu falo que eles “representam grupos sociais”, mas isso não é um trabalho de representatividade. Digo, talvez seja, mas deixo pros membros dos devidos grupos decidirem se eles se sentem bem ou mal representados. Mas o que eu quero dizer é que um personagem como o Smithers não é feito para a comunidade gay que assiste os Simpsons poder se ver na série e sentir que os roteiristas olham pra eles. Ele é escrito para de fato resumir toda piada homofóbica no Smithers até chegar a fase em que eles começam a ter vergonha de fazer piada homofóbica. O ponto é que até hoje, em que a série é consciente em tentar não reproduzir homofobia, quando a série precisa falar de qualquer coisa da cultura Queer, ela ainda fala pela perspectiva do Smithers exclusivamente. É o Smithers quem abre um bar gay na cidade. O Smithers é parte da comunidade de Drag Queens na cidade. É o Smithers que namora um magnata da indústria fashion para passar a mensagem de que o capitalismo encabeçado por pessoas lgbtqia+ ainda é capitalismo e se baseia na mesma exploração que o capitalismo hétero. E o Smithers não é o único não-hétero de Springfield, mas histórias sobre a cultura queer vão ser histórias com o Smithers… exceto a do casamento gay que foi sobre a Patty.

7º Episódio da 30ª Temporada, Werking Mom.

As piadas do Smithers perderam a homofobia com o passar das temporadas, mas não tiraram dele o status de assumir todos os papéis que devem ser assumidos por alguém da comunidade queer. Mesmo os outros personagens não-héteros de Springfield não vão assumir esse papel, ele é pro Smithers. Ele representa todos os gays na perspectiva de como os roteiristas querem encaixar a comunidade gay como um grupo social na hora de fazer uma crítica aos EUA. Mas esse “representa” que eu uso, não é pra significar “ele é The Simpsons trazendo representatividade”, inclusive, é um uso pragmático de tokenismo. E o mesmo vale pra todos os personagens que pertencem a minorias.

11º Episódio da 22ª Temporada, Flaming Moe. No episódio Moe mente que é gay para poder transformar seu bar em um bar gay junto de Smithers, mas a mentira sai de controle quando Moe decide ser o primeiro congressista gay de Springfield e se candidata, o que revolta Smithers que sabe que Moe não representa os interesses da comunidade.

Inclusive, essa questão dos personagens serem representações de grupos sociais sem necessariamente ter representatividade, é o que rolou com o caso do Homer. Que representa o estadunidense médio, e o típico homem branco dos Estados Unidos. Quando ele passou a ser definido por ser burro, ignorante, impaciente, estourado e violento, o público estadunidense passou a desgostar dessa caracterização, na qual é tão difícil de ver alguma redenção. Mas de onde eu vejo, do distanciamento de um cara no Brasil que não tem muita paciência para estadunidense querendo validação, eu acho que ele ainda representa os valores do estadunidense médio. Mas se você assiste os Simpsons pensando que o Homer representa quem você é, a série não soa legal nas temporadas intermediárias. E muita gente acusou o Homer de ter parado de representar o estadunidense médio.

Link pro vídeo.

E não levem a mal. Os personagens da série são o seu ponto de maior carisma. Disparado. A série é imensamente conhecida pelos seus personagens, e eles esbanjam carisma. Mas eles não são personagens que existem para terem arcos e evoluções. Eles são personagens reconhecíveis por ocupar um papel específico que eles vão ocupar pra sempre. Quando Barney deixou de ser um alcóolatra, a série teve altas dificuldades em achar algo pra ele fazer até decidir devolvê-lo ao alcoolismo, para voltar a termos cenas focando nesse aspecto, no do alcoolismo. Pois se tirar isso dele, ele não tem mais um espaço claro de contextos em que eles podem aparecer. A história quase nunca vai precisar que “o cidadão comum sóbrio” apareça e comente sobre uma situação social. Mas se precisar de um ex-alcoólatra, aí o Barney vai estar em recuperação só naquele episódio.

10º Episódio da 16ª Temporada, There is Something About Marying.

O tema por trás do Barney é o do potencial desperdiçado. Se não fosse o álcool, ele poderia ser astronauta, o maior músico do país, um excelente cineasta, um gênio, ou um empresário de sucesso. O Barney tem tudo pra ser um sucesso em qualquer área. Mas ele teve seu potencial tirado dele pelo alcoolismo. Se tirar isso dele, a série teria que de fato fazer o Barney ser um sucesso, e a série preferiu devolvê-lo pra garrafa. E reocupar esse espaço.

18º Episódio da 6ª Temporada, a Star is Burns.

Esses personagens não são muito complexos, nem muito rasos, mas eles são direto ao ponto. Não tem ninguém que você precisa acompanhar mais de três temporadas pra entendê-los. E isso não é ruim. Que conste. Eu não estou falando mal desses personagens.

Mas estou contando só metade da história.

Se eles são extremamente simples a respeito de qual papel eles ocupam em Springfield. E em que parte do país eles representam pra Springfield poder representar uma versão simplificada dos EUA. A complexidade deles vem em suas vidas pessoais. Que se resumem a duas coisas. Relacionamentos amorosos. E relacionamentos familiares.

Os Simpsons e Família:

9º Episódio da 23ª Temporada, Holidays of Future Passed.

50% de Simpsons, são uma sátira social em que através de Springfield eles apontam um espelho para a sociedade estadunidense. Os outros 50% são uma série sobre família. A série explora exaustivamente todas as relações familiares da família Simpson, como não poderia deixar de fazer. Mas os personagens secundários quase sempre que ganham um episódio focado só neles, tem esse episódio dedicado ao tema de família. Seja a busca por uma família, ou seja: a busca por um parceiro, por romance, ou uma exploração dos seus laços.

7º Episódio da 11ª Temporada, Eight Misbehavin’

Personagens como Edna Krabapell, Selma Bouvier e Moe Szyslak se definem muito pela sua solidão, e pelo seu desejo de acharem um parceiro amoroso que curem sua solidão e falta de família. Krusty dedica vários episódios a sua relação difícil com seu pai, e quando Krusty faz isso, sempre dialoga com sua relação difícil com sua fé, uma vez que Krusty é um judeu não praticante e seu pai é um rabino. Porém em dois episódios, foram sobre a relação entre Krusty e sua filha.

6º Episódio da 15ª Temporada. Today I am a Clown.

Skinner é muito definido pela sua relação tóxica com a sua mãe. Os episódios que focam em Nelson sempre trazem destaque pra sua vida familiar complicada e seu complexo de abandono pelo seu pai. Filhos-surpresa de personagens recorrentes são frequentemente usados de desculpa para fazer as crianças da família Simpsons verem a vida pessoal desses personagens. O filho de Fat Tony fica amigo de Lisa, e Bart namora a filha do Reverendo Lovejoy e de Rainer Wolfcastle. A grande maioria dos personagens de Simpsons que ganham seus próprios episódios são pais ou filhos de alguém.

1º Episódio da 18ª Temporada. The Mook, the Chef, the Wife and Her Homer

E relações com pais em Simpsons são sempre complicadas! Mas sempre! Esse elenco é marcado por Daddy-Issues e Mommy-Issues.

11º Episódio da 32ª Temporada, The Dad-Feeling Limited

Mas o maior sinal disso é a própria família Simpson.

Da fase clássica até a fase HD, existe um tema recorrente do ciclo de abuso que ocorre tanto de pai pra filho quanto de mãe pra filha.

18º Episódio da 28ª Temporada. A Father’s Watch.

Marge é uma mulher que se adequa completamente e com muito conforto ao lugar designado a mulheres na sociedade. Ela é uma dona-de-casa, e tem muito orgulho de ser uma. Ela largou a faculdade pra casar-se com Homer depois de engravidar e não vê problema. Ela ama ser mãe. Ama cozinhar. Ama limpar. Isso gera alguns conflitos com Lisa, que as vezes tem muita dificuldade de se inspirar no perfil de mulher que sua mãe representa. E as vezes se pega vendo sua mãe com os mesmos olhos com os quais ela vê elementos da sociedade que ela rejeita.

8º Episódio da 9ª Temporada, Lisa the Skeptic.

Marge é como é, pois, foi educada a ser como é. Sua mãe a ensinou a sempre sorrir, a perdoar abuso, a não ter grandes ambições profissionais e a esconder suas frustrações e sua tristeza. E ela tenta passar essas ideias pra Lisa, que rejeita esse tipo de ensinamento e rebate com outras ideias de como é que ela pretende crescer e ser. E quando Lisa rejeita Marge, ela enfatiza o quanto Marge não rejeitou a sua mãe.

14º Episódio da 5ª Temporada, Lisa vs Malibu Stacy.

O episódio Moaning Lisa da 1ª temporada explora muito esse lado da relação entre Lisa e Marge, com Marge tendo dificuldade pra entender porque Lisa não disfarça sua tristeza com sorrisos falsos que deixam os outros confortáveis da maneira que ela foi educada a fazer. E eventualmente fala pra Lisa “acho que eu vou ter que sorrir por nós duas” quando vê que Lisa vai expressar sua tristeza em seus termos. E o episódio Lisa’s Belly da 33ª temporada também explora bem esse lado, com Marge chamando Lisa de gorda casualmente, e descobrindo que seu comentário literalmente passou a morar na cabeça de Lisa e ela sempre vai lidar com uma palavra da qual sua mãe lhe chamou sem perceber. Marge faz um processo de autodescoberta e percebe o quanto ela própria é moldada por palavras que sua mãe usou contra ela.

LIsa’s Belly. 5º Episódio da 33ª Temporada.

Nós temos um episódio na 22ª temporada em que Lisa ao descobrir que Marge nunca se formou na faculdade faz a declaração de que ela não quer ser que nem a Marge, o que pela maneira como foi fraseada quando Marge descobre, a magoa.

5º Episódio da 22ª Temporada. Lisa Simpson, This Isn’t Your Life.

Em outro episódio, esse bem recente, na 32ª em que Lisa decide que ela não quer fazer faculdade. Pois ela estava decepcionada com o quanto as oportunidades que são dadas para pessoas com diploma não compensam o esforço e prefere pular essa etapa da vida. O que enfurece Marge que projetava em Lisa que completasse uma chance que ela não teve.

E isso é um pouco o que eu estou falando. O episódio Mother and Child Reunion faz um ponto muito forte de como o diploma universitário sendo algo com cada vez menos apelo com os jovens em uma economia em que você se endivida pra consegui-lo e não tem garantias de conseguir uma boa vida com ele. Esse ponto fala com uma geração de 2020 com mais força do que falava nas décadas anteriores, em que ir pra faculdade e ser validada pela Ivy League era o sonho da Lisa. E isso gera uma contradição. Lisa contradisse décadas da série para fazer um comentário sobre a situação da educação no presente.

Mas a origem do conflito entre Lisa e Marge não muda. A dificuldade de Marge aceitar que sua filha possa viver com valores que não foram normalizados durante o crescimento de Marge. E uma frustração de ver Lisa indo pra uma direção que não é a que Marge foi educada pra seguir.

E o ciclo de mães e filhas ideologicamente separadas termina com a dificuldade de Lisa de se conectar com a sua própria filha. Tendo que buscar ajuda para Marge com como lidar com uma filha difícil, sabendo que ela própria é o exemplo.

9º Episódio da 23ª Temporada, Holidays of Future Passed.

No caso de Homer e Bart a relação tem ainda mais camadas, pois os homens da família tem mais protagonismo que as mulheres. Afinal o protagonista original era Bart, e com o passar das primeiras temporadas, ele passou a faixa de protagonista pro Homer.

Homer é um pai duro e cruel com Bart. Marcado pelo abuso-físico-que-é-sempre-mostrado-como-piada do Homer estrangulando Bart. Homer não queria ser pai. E ele reforça constantemente o quanto Bart mudou a vida dele para uma vida que ele não queria ter. Lisa e Maggie não são o problema, pois quando elas vieram, ele já era pai, mas Bart obrigou Homer a fazer a transição, de uma pessoa com sonhos, curtindo o amor de sua vida, para um homem frustrado preso a uma rotina torturante.

No 10º Episódio da 26ª Temporada, Bart’s New Fried, Homer regride mentalmente e acredita que é criança novamente, permitindo que ele e Bart se conectem de verdade quando Homer esquece da sua infelicidade de adulto.

Essa frustração se transforma em decepção quando Bart se mostra uma criança difícil, rebelde, que vai mal na escola e que não vai ser nada no futuro. Bart guarda muita mágoa do quanto ninguém tem fé nele e no quanto ninguém aposta nele. E ele se revolta contra o seu status de criança-não-desejada chamando a atenção com suas rebeldias.

No 15º Episódio da 23ª Temporada, Exit Through the Kwik-E-Mart, Bart se torna um artista do grafitti famoso, por transformar o rosto do seu pai no símbolo de toda a sua revolta. (O “Fur is Murder” é porque a Lisa pediu para ele colocar uma causa dela no meio.)

Homer constantemente reproduz a maneira como ele foi criado ao criar Bart. Seu pai, Abe, foi duro com Homer, emocionalmente abusivo, excessivamente crítico, que fez Home crescer se achando um fracasso. E isso é um ciclo forte que Abe herdou da maneira como ele foi criado, e na linhagem masculina isso vai bem longe em um ciclo grande de pais estrangulando filhos. E Homer se vinga dos seus anos de abuso, torturando seu pai agora que ele é idoso e vulnerável, se recusando a dar qualquer carinho ou respeito para Abe no asilo.

18º Episódio da 28ª Temporada. A Father’s Watch.

Porém Abe e Bart se dão muito bem. Abe não é para o neto, a figura severa que ele foi com o filho, pois seu neto não o estressa nem tira sua paz. E da mesma forma, Bart fica frustrado que Homer é um bom avô para seus filhos, enquanto Bart se tornou um pai distante e pouco inspirador.

9º Episódio da 27ª Temporada. Barthood. Inclusive um dos melhores da série inteira. Se tiver que assistir só um da fase HD, veja só esse.

Existe uma ideia muito forte de que os filhos crescem tentando não se tornar seus pais, e marcados pela maneira como seus pais podem machucá-los. Mas eles eventualmente têm filhos e se tornam seus pais. Milhouse vai crescer mais parecido com Kirk do que ele espera. E Nelson vai abandonar seus filhos da mesma maneira que foi abandonado.

9º Episódio da 23ª Temporada, Holidays of Future Passed.

Lisa vai criticar Marge por casar-se com um homem inútil que arrasta ela pra baixo, mas ela se casa com Milhouse em um dos futuros.

E justamente. Se a série não te dá exatamente dez exemplos de posturas diferentes que celebridades tomam perante uma situação. E nem dez exemplos diferentes de dez cristãos diferentes mostrando maneiras diferentes de exercer a fé. E nem dez personagens lgbtqia+, aliás, nem sequer um pra cada letra, para mostrar a diversidade da comunidade, em contraste a série te dá uns trinta exemplos de como tem várias maneiras diferentes de ser um pai abusivo. Vinte exemplos diferentes de como ser um bom pai. E uns duzentos exemplos diferentes de como tentar o seu melhor e mesmo assim acabar sendo um pai ruim. Ao abordar a complexidade da relação entre pais e filhos, a série aborda todas as perspectivas possíveis, e todas as dinâmicas possíveis.

3º Episódio da 12ª Temporada. Insane Clown Poppy.

The Simpsons é 50% sobre a sociedade e 50% sobre família. Seus personagens têm a faceta social deles, que é o papel que exercem na sociedade, e a faceta pessoal deles que é sua relação com sua família. E a maneira como suas relações familiares te moldaram tem impacto em como você cresce e como você se porta na sua função social.

3º Episódio da 16ª Temporada, Sleeping With the Enemy

E na hora de fazer esses pensamentos, consistência, e fazer seus personagens serem indivíduos notáveis pela sua complexidade é uma trava que impediria muitos personagens de serem reutilizados em novas sátiras.

Eu não quero dizer que os personagens dE The Simpsons são arquétipos. Mas tem uma palavra mais radical que eu quero usar pra descrever como eu os vejo.

Pensemos nos personagens de Simpsons como mitos:

E não mitos no sentido político atual de “palavras que fascistas usam para descrever pessoas que eles acham muito foda”. No sentido clássico mesmo. Mitos como histórias que nós contamos e recontamos de geração em geração, mas que justamente pela interpretação de diversos contadores de história, vão se alterando.

8º Episódio da 10ª Temporada. Simpsons Bible Stories.

Dependendo de onde você ouviu, Perséfone comeu voluntariamente as sementes de Hades pra ficar presa com ele, pois o amava, ou pois enganada por Hades para comê-las. Dependendo de quem conta, Afrodite nasceu ou das bolas de Cronos jogadas no oceano que se transformaram em espuma do mar, ou ela é filha de Zeus com Dione. Dependendo de quem conta Atenas pode ter sido gerada por Zeus sem uma mãe, ou pode ter nascido de Metis que foi devorada por Zeus enquanto estava grávida. Esses mitos foram contados por várias pessoas e suas histórias mudaram quando novas pessoas reescreveram, mas esses detalhes e essas contradições não são o que importa, e não é o ponto de nenhuma dessas histórias.

9º Episódio da 5ª Temporada. The Last Temptation of Homer.

E é nesses termos que eu vejo atualmente os Simpsons. Como contos, que são repetidos e repetidos temporadas a fio, mas conforme as gerações anteriores envelhecem e novas gerações passam a assistir a série, esses contos mudam seus detalhes, mas seguem os mesmos contos.

O conto de Homer e Flanders é um conto de inveja. Homer sente inveja de Flanders. Na segunda temporada ele tinha inveja de sua esposa que ele achava atraente. Depois ele deixou de desejar Maude Flanders sexualmente, embora existisse ainda uma questão sexual na inveja, um medo de que se Homer não se tornasse mais parecido com Flanders, Marge o trocaria por ele. Outra perspectiva, mas o mesmo sentimento de inferioridade. As vezes trabalham a perspectiva de Flanders como uma pessoa que julga Homer, e que acha que Homer vive pior, por viver no pecado. E sabemos que apesar de Flanders ser sempre humilde e sempre gentil, alguns episódios podem mostrar que Flanders é acomodado em sua relação de superioridade e se sentir ameaçado de Homer se tornar uma pessoa boa que nem ele.

12º Episódio da 2ª Temporada. The War of the Simpsons.

Homer rouba as coisas da casa de Flanders, e secretamente tem medo que Flanders roube sua família. Lisa ainda não passou por isso, mas Maggie e Bart já tiveram subtramas só sobre eles preferirem ver Flanders como um pai ao Homer.

O filme.

Flanders é uma pessoa melhor que Homer e todo mundo ama Flanders, mas Homer o odeia, por querer seu status.

Esse conto é eterno e cíclico, qualquer tentativa deles de mudar essa dinâmica vai voltar para essa dinâmica eventualmente. Pois esse é o conto clássico desses dois. Os detalhes mudam. Flanders pode já ter tido Todd, quando ele conheceu Homer pela primeira vez. Ou eles podem ter e conhecido quando Homer e Marge não eram casados. E Homer pode ter sido quem ajudou no parto de Todd.

16º Episódio da 32ª Temporada. Manger Things.

Talvez na 38ª temporada eles reescrevam que Homer não ajudou no parto de Todd, se isso trouxer a tona uma nova perspectiva sobre a rivalidade eterna entre esses dois vizinhos. E se rolar tudo bem. O lore ser consistente não é importante.

Da mesma forma a história de Homer e Lisa é uma história sobre aceitação. Lisa e Homer são opostos. Lisa é inteligente e isso a aliena, torna ela isolada das outras crianças e da própria família. Homer é burro e isso faz ele constantemente irritar os outros, fazer merda e enfraquecer seus laços. De tempos em tempos, a série reconta o conto de como Homer e Lisa se aceitaram. Apesar das morais de Lisa fazerem ela ir contra os hábitos de seu pai, um está disposto a aceitar que o outro vê o mundo sob outra perspectiva.

16º Episódio da 7ª Temporada, Lisa the Iconoclast.

Apesar de serem os membros da família com menos em comum, eles vão repetidamente superar esse desafio e descobrir que eles gostam de passar o tempo juntos, mesmo que seja com um frequentando um espaço pouco familiar.

24º Episódio da 9ª Temporada. Lost Our Lisa.

E temos também o conto do Homer que quase morreu em uma atividade arriscada que ele queria fazer para ganhar o respeito de Bart. E a maneira como ele precisa aprender que ele não precisa ser um fodão para ser um bom pai pra Bart.

24º Episódio da 7ª Temporada.

Os episódios de Simpsons vem em subgêneros. Temos tipos de episódio que se repetem infinitamente faz 33 anos. Tivemos vários quase-divórcios de Marge. Tivemos vários casamentos de Selma. E tivemos várias histórias do Bart arrumando uma namorada que tratava ele mal. E tivemos várias despedidas de Krusty do mundo do entretenimento. E cada vez que elas são recontadas, elas são recontadas em um período diferente no tempo. Cada vez que elas são recontadas, os personagens vivem em outro espaço, com outras referências, outras celebridades e as vezes…. outros valores.

Que é o exemplo que eu trago novamente, de Lisa eventualmente desistindo de fazer faculdade, e mudando sua briga com Marge por faculdade para se adaptar a uma época em que a vida do jovem é consideravelmente pior do que era nos anos 1990.

Conclusão:

The Simpsons é uma série que vive no presente. Claro temos flashbacks e flashforwards como temas de vários episódios, mostrando que eles olham pro passado e pro futuro. Mas sempre da perspectiva do presente. A quantidade de episódios que deixam bem claro em que ano foram feitos não só pelas referências, mas pelo tipo de tecnologia e aspectos culturais que os personagens demonstram….

´No momento em que esse texto está sendo escrito, o episódio mais recente é sobre como a intimidação perante os especialistas empurram pessoas que foram desmentidas para grupos de conspiração que as atraem por um senso de validação. O que é um fenômeno do presente que ocorre agora mesmo.

Um episódio feito em 2018 será feito sob a perspectiva de 2018, sem nenhum medo de datar. Pois a série é uma série de sátira social, e sátira social se faz sobre o presente. A linha-do-tempo da série não faz o menor sentido, e qualquer tentativa de entender os eventos da série linearmente com Bart passando pelo mandato de seis presidentes estadunidenses e continuar com dez anos de idade.

Na 11ª Temporada, a família lida com o medo do Bug do Milênio. Na 33ª Temporada, o medo do Bug do Milênio é uma história da adolescência da Marge. Pois a série é sempre sobre o presente.

E ao longo de 33 anos, a família Simpson já teve a sua disfuncionalidade escrita por 152 roteiristas diferentes, cada um com sua própria maneira de ver e interpretar os personagens.

De certa forma The Simpsons é o desenho animado atual mais comparável com as histórias em quadrinhos de Super-Heróis. Eles são eternos e não pretendem acabar nunca, eles retconam e mudam acontecimentos do passado para se readequar a uma geração nova de um público que se renova constantemente. E eles tem uma linha do tempo flexível constantemente refletir a passagem do tempo exterior sem envelhecer seus personagens.

O que faz sentido quando vemos que Matt Groening veio dos quadrinhos antes de ir pra televisão.

E assim como independente de que mudanças um arco ou outro possam sugerir temporariamente, o Superman e o Lex Luthor nunca serão amigos, e o Bruce Wayne nunca vai aposentar o Batman, os Simpsons também não vão mudar. E assim como alguns chamam os super-heróis de mitologia moderna, eu acho que o mesmo se aplica aos Simpsons.

A falta de evolução dos personagens, seu constante retorno ao status quo, e a sua insistência em fazer os personagens serem estagnados no mesmo papel sempre soa repetitiva, e definitivamente é algo que não oferece aos fãs o sentimento de recompensa que um fã que assiste 728 episódios de algo costuma querer. Pois fã ama ser validado. E a maioria dos fãs que assistem 33 temporadas de uma série gosta de sentir orgulho de notar detalhes, referências e traços de continuidade que quem começou pela 33ª temporada não deveria ter repertório pra notar.

Mas oferecer esse tipo de coisa através dos seus personagens não é o estilo de The Simpsons. Não é uma série que gosta de continuidade. E isso tem sido catastrófico para o carisma da série.

Um dos episódios mais infames da série é o 2º episódio da 9ª temporada The Principal and the Pauper, que eu adorei. É provavelmente a melhor dissecação da natureza tóxica da relação entre Skinner e Edna e um grande episódio sobre noções de identidade. E esse episódio é regularmente reconhecido não só como um dos piores episódios da história, como o momento definitivo em que a série se tornou ruim e pulou o tubarão. Isso porque o episódio supostamente desmentiria o cânon da série e traria contradições com o passado. E também porque o episódio conclui com os personagens reestabelecendo o status quo e negando que a mudança apresentada reapareça em episódios futuros. Veja qualquer pessoa xingando esse episódio ela tocará nesses dois pontos, que estragou o lore, e que no final desfez tudo. E o episódio ganhou o status de não-canônico entre os fãs que deletaram o episódio da memória.

Mas eu acho o episódio bom. E quando o episódio bom briga com o cânon eu começo a questionar que valor o cânon tem… olha só, acho que eu acabei fazendo um texto pra série do Tem que Acabar o Cânon acidentalmente. Eu juro que não notei que eu ia acabar aqui.

Mas eu de verdade acho que quando saímos das amarras do cânon e de entender os personagens da série como pessoas que não estão se tornando complexas e completando arcos, mas como os símbolos da sociedade estadunidense que eles são. Vemos que The Simpsons ainda tem muita coisa pra contar.

Seja falando de cultura do cancelamento, de podcasts de True Crime, de teóricos da conspiração na internet ou sobre os males da Fast Fashion, vemos que a série ainda tem algo pra dizer. E diz isso da maneira como tem dito faz três décadas. Satirizando o presente, refletindo relações familiares e eternizando seus personagens.

Em 2003 Homer Simpson no auge da mudança de personagem que cunhou o termo Jerkass Homer e da sua falta de conexão com os fãs, ganhou uma votação da audiência da BBC e foi considerado o melhor estadunidense da história, vencendo Abraham Lincoln e Martin Luther King Jr. As expressões que os personagens usam entram no dicionário, e até a fase HD, os Simpsons ainda continuam gerando uma grande quantidade de memes na internet. E independente de estar sendo malhada faz 25 anos, a série mostra que ainda veio pra ficar e segue colecionando Emmys.

E eu acho que muita gente acha que The Simpsons consegue esses méritos de permanência no consciente popular apesar de sua estagnação. Mas acho que é precisamente por causa da estagnação. Que a sua simplicidade e estagnação dão aos personagens o poder simbólico para poder permanecer na nossa memórias como personagens mitológicos, cujas histórias serão recontadas por gerações.

Que venham muito mais.

Sobre o autor

Izzombie

Sou um cara chato que não consegue ver um filme sossegado sem querer interpretar tudo e ficar encontrando simbolismos e mensagens. Gosto de questionar a suposta linha que separa arte de filmes comerciais, e no meu tempo livre pesquiso sobre a história da animação.

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Sou um cara chato que não consegue ver um filme sossegado sem querer interpretar tudo e ficar encontrando simbolismos e mensagens. Gosto de questionar a suposta linha que separa arte de filmes comerciais, e no meu tempo livre pesquiso sobre a história da animação.

Alertas

  • – Todos os posts desse blog contém SPOILERS de seus respectivos assuntos, sem exceção. Leia com medo de perder toda a experiência.
  • – Todos os textos desse blog contém palavras de baixo calão, independente da obra analisada ser ou não ao público infantil. Mesmo ao analisar uma obra pra crianças a analise ainda é destinada para adultos e pode tocar e temas como sexo e violência.

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