Um texto sobre parar de se preocupar e amar os filmes de terror.

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Olá. Eu sou o Izzombie, e antes de ser um blogueiro eu trabalhei por alguns anos na videolocadora do meu bairro, onde o trabalho principal era recomendar filmes para os clientes. Depois, quando eu já tinha esse blog eu consegui um emprego em outra videolocadora, essa que foi na minha opinião a melhor videolocadora da cidade, e uma das que mais resistiu a extinção desse tipo de mercado, mas que eventualmente fechou. E ali o meu trabalho principal também era recomendar filmes para os clientes.

O emprego era ruim, pois trabalhar no comércio é sempre ruim. Ganhar mal, pra ficar seis dias por semana em um emprego em que você não pode se sentar. É um absurdo. Mas hoje eu sinto que poder de fato receber para conversar com pessoas sobre filmes e ajudá-las a achar um filme do qual irão gostar foi a melhor coisa que eu já fiz profissionalmente, e gostaria que eu ainda pudesse trabalhar em algo semelhante de novo.

Enfim, o que eu tirei dessa experiência? Muita coisa, como uma grande reflexão a respeito de gênero cinematográfico

E em grande resumo é. Locadoras tem um hábito muito grande de misturar gênero e subgênero e linguagem, e com isso elas pifaram a cabeça de todo mundo sobre como gênero funciona. Sim, os gêneros foram um grande golpe que as locadoras deram em você. E agora que elas acabaram os streamings vão atrás, continuando esse golpe. Colocando palavras como western, animação, ação como se delimitassem classificações da mesma natureza isso é um absurdo.

Animação não é gênero! Animação é linguagem. Assim como musical não é gênero. Você pode ter musical de terror, musical de romance, musical de comédia. Você pode ter animação de terror, animação de romance, animação de comédia. Palavras como animação e musical somente descrevem um caminho narrativo escolhido. Mas não delimita o gênero.

Esses três filmes são de animação. E mais do que de animação, esses três filmes usam a mesma técnica de animação, que é o stop-motion. Mas esses filmes não são do mesmo gênero.

Western é subgênero. Que nem guerra, noir, bíblico, etc… se você tem muito estabelecido em que tipo de ambiente essa história se passa e as convenções narrativas de como esse tipo de história funciona, que tipo de herói, que tipo de vilão e que tipo de conflito ela tem. Então ela é um subgênero. É algo específico. E os subgêneros, obviamente estão definidos por estarem dentro de um gênero maior, mas como eles são definidos por convenções, eles podem migrar de gênero depois que as convenções forem bem definidas. Então westerns são um subgênero dentro do gênero de ação. Pois eles foram criados como um tipo específico de filme de ação. Mas uma vez que a noção do cenário do filme, da ambientação do saloon, do arquétipo do cowboy tudo isso se tornou algo que expectador reconhece, passou a ser transportável para outros gêneros. Passou a ser possível fazer western de comédia, western de drama ou western de romance. Slasher é a mesma coisa. É um subgênero do terror, mas Happy Death Day é um filme primariamente de comédia que é indiscutivelmente um slasher. E aí é foda, pois tem gente que acha que ser de comédia significa ser a paródia de um slasher. Não é. É um slasher de verdade, mas é um filme de comédia.

E aí sai um filme como Rango, que é uma animação, western de comédia, e a galera acha que: “Nossa, mas isso tá misturando os gêneros”, não tá, quem misturou a definição na sua cabeça são as locadoras te dando golpe. Pois elas queriam mostrar que elas tinham 20 prateleiras para classificar filmes de 20 maneiras diferentes com os 20 adesivos coloridos delas. Sweeney Todd: The Demon Barber of Fleet Street é um musical de terror. Blade Runner é um filme de ação, que é um noir de ficção científica.

E ficção científica não é um gênero! Nem um subgênero! É um tropo! É só uma palavra que dita que tipo de liberdades o autor pode dar para construir o cenário e a construção de mundo. 2001: A Space Odissey, Roboop e Star Trek não tem em comum o suficiente para falarem que tem o mesmo gênero. Só usam o mesmo tropo. Fantasia, a mesma coisa.

O que é gênero? Gênero é simples! Gênero é Ação, Comédia, Romance, Drama, Terror. Esses são os gêneros. Guarda-chuvas enormes que abrangem uma infinidade imensa de subgêneros, e tropos, mas que são amplos o suficiente para não serem limitados por eles. Eu juro! Os gêneros são esses! Não são muitos e são abrangentes.

Aí você vai falar que seja lá qual site que você viu classifica diferente. E sim, obviamente muita gente fez muita classificação, mas são todas corrompidas pelo golpe da locadora! Eu estou reclassificando aqui e agora! Usando meu poder de blogueiro para redefinir essa palavra para uma definição que tenha o básico da utilidade!

É sério gente, olhem pra essa picaretagem. Brasileiro é gênero agora? Brasileiro é nacionalidade. Independente é maneira como o filme foi produzido. Para a família toda é demografia. Isso aí ser chamado de gênero é tudo golpe.

Já viram o filme Inside Out? Lembra das emoçõezinhas dentro da Riley? Alegria, tristeza, raiva, desprezo e medo? Os filmes existem para manipular suas emoções. E os gêneros são divididos de acordo com como eles trabalham reações emocionais de você.

Filmes de romance te deixam com o coração batendo mais forte e te fazem acreditar no amor. Filmes de ação de enchem de adrenalina e te fazem arrepiar enquanto você se projeta no protagonista descarregando sua raiva em gente que merece. Drama te deixa triste em teoria, embora usem a palavra como um genérico para filme sério. Comédias te fazem rir de pessoas que você despreza (que as vezes pode ser você mesmo). E terror explora seus medos, sua repulsa e seu desconforto.

Claro, que os filmes somente trabalham com essas emoções, mas no final a reação de cada pessoa vai ser única e as vezes inconsistente com o que o filme tentou provocar, e isso não é um problema necessariamente.

É é isso…. é mais complexo que isso, naturalmente, mas não é mais complexo o suficiente pra deixar de ser isso. Histórias se constroem manipulando suas emoções, e elas se classificam em seu primeiro nível pelo tipo de emoção com a qual elas querem trabalhar, e só no segundo nível que elas se classificam pelas estruturas bem definidas de cenários e tropos em que essas emoções são exploradas.

E é claro que gêneros se misturam. Quando eles se misturam as pessoas gostam de chamar de épico. “Uau, tem romance, mas tem ação, mas tem drama, mas tem comédia. Uau! Que filme completo, isso aí é um épico!” Ben-Hur é um épico! Mas mesmo os filmes da Disney são feitos para distribuírem igualmente o romance, a comédia, o drama e a ação. Pega os principais filmes da Disney tem uma dose grande dos 4.

Notou que alguém ficou de fora? Ele mesmo, o assunto do texto de hoje! Eu queria começar com uma recapitulação do que se consideram gêneros hoje em dia e denunciar o golpe da locadora deseducando as pessoas e fazendo elas acharem que “bíblico” é gênero. Mas eu vim aqui falar só de filmes de terror.

Porque convenhamos, ele é o gênero mais desrespeitado que tem. E ele não merece metade das cuspidas que ele recebe. Ele merece ser amado. E eu amo filmes de terror. Então eu quero vir aqui defender meu amigão que e o gênero terror de tudo que falam dele. Esse texto não vai ser pra explicar porque esses filmes que misturam todos os gêneros não misturam terror também, até porque muitos épicos não misturam, mas eu falei da Disney também, e  Disney não tem receio nenhum de interromper tudo para tentar assustar criancinha.

Mas o que eu vou fazer é passar por cima de algumas coisas que eu ouço falar de filmes de terror que parecem servir para diminuir e limitar o gênero como um todo, para abraçamos o completo potencial dos filmes de terror.

Então venham comigo nessa, e se você gostar desse texto, ou gostar do trabalho que eu eu faço nesse blog, peço que considere se tornar um financiador dele, e me ajudar a valorizar o trabalho que eu faço aqui no blog no financiamento coletivo que o Dentro da Chaminé tem no apoia.se, com o valor que você achar justo. As recompensas são simples, mas existentes, e a minha gratidão é eterna. E aos que não quiserem se comprometer com uma contribuição mensal, podem ajudar também fazendo uma contribuição por pix de qualquer valor para a chave franciscoizzo@gmail.com que também ajuda pra cacete e ganha a minha gratidão.

Por isso eu tiro esse espaço aqui para homenagear e agradecer de coração aqueles que já ajudam o Dentro da Chaminé e fazem o meu trabalho melhor.

Agora, vamos defender os filmes de terror. Começando com a principal questão.

Que porra é um filme de suspense?

Pergunta retórica gente. Eu sei o que é um filme de suspense. Ou melhor dizendo, eu sei o que as pessoas querem dizer quando elas tentam afirmar que filmes de suspense e filmes de terror são diferentes. As pessoas vendem que suspense é menos visual e mais psicológico, menos sobrenatural e mais realista, menos sobre não dormir a noite e mais sobre ficar preso na cadeira… pois bem, suspense é o cacete! Suspense é o maior trambique que já inventaram nessa brincadeira de inventar gênero. Não é subgênero, não é linguagem, nem tropo, nem demografia, nem bastidor da produção, nem época, é só uma palavra bonita que inventaram para falar “terror bom”.

Porque o maior obstáculo que o filme de terror enfrenta desde sempre é que ele por meramente existir é instantaneamente classificado como filme trash, filme b, filme menor, ou qualquer outro adjetivo que faça parecer que não é um filme de verdade. Geralmente associados mais do que não a atuações ruins, efeitos especiais que envelhecem como leite e com todo mundo tendo que fazer um uso muito grande de suspensão da descrença.

E no instante em que um filme de terror ganha alguma notoriedade e se destaca, imediatamente alguém vem e fala: “mas aí não é terror, é suspense.” ou “mas aí não é terror, é thriller.”, ou “mas aí não é terror, é fantasia sombria.” ou “mas esse daí é o pós-terror” ou “mas esse é o terror elevado” ou qualquer outra merda que em grande resumo significa: “mas é diferente dos filmes de terror normais, pois esse é bom.”

O principal motivo pelo qual Se7en é considerado um thriller psicológico, mas Saw é um filme de terror, sendo que os dois são incrivelmente parecidos em tom, é o fato de Se7en ser um filme de prestígio com atuações elogiadíssimas e o outro é um filme de prestigio menor que foi lembrado pelo gore (embora não tenha mais gore do que Se7en), e que desencadeou 8 sequências.

Filme de terror é porcaria que vira franquia interminável, filme sólido com final é suspense, é thriller, é psicológico, é algum nome bonito que diga: “não me compare com a merda que é Saw”.

E isso na locadora era um inferno, porque entrava o cliente, me pedia um filme que fosse bem psicológico e eu indicava Shutter Island, que no Brasil ficou como Ilha do Medo. O cliente olhava o medo no título e falava: “mas é terror?” com a pergunta implícita sendo “mas é uma porcaria?” e eu falava que não era um terror, que era um Scorsese e o cliente levava…

E aí vem uma dessincronia do comércio querer muito não vender o filme como terror para um público mais elitista, mas a distribuição mudar o título justamente só pra fisgar fã de terror….

…mas agora que esse não é mais meu emprego. Por que não seria um terror? Claro que é. Bagulho te deixa com o coração na boca o filme inteiro, mexe com o psicológico, entra em temas pesados. Panic Room era a mesma coisa, pois liam o “pânico” no título e presumiam que era uma merda… O que? David Fincher e Martin Scorsese não mexem com terror por que são diretores de verdade? Me soa como se a implicação fosse essa. Os dois fizeram terror.

Parece que todo mundo tem uma noção muito negativa do fato de que esses filmes brincam na mesma caixinha de areia do que umas franquias que não acabam mais de filmes caça-níqueis, como The Conjuring, Child’s Play, Halloween e afins. Além de filmes de baixo orçamento como filmes de zumbi, filme de bolha assassina ou de verme que rouba corpos e toda essa trasheira. Ninguém quer falar que é do mesmo gênero do que os Corpse Eaters. “Que vergonha, olha essa porcaria. Eu sou diferente.” Por isso é importante pra alguns deixar claro que não tem nenhuma maneira que Silence of the Lambs seja um filme do mesmo gênero que isso.

Aí forçam essa separação.

Mas acho que legal primeiro tirar o estigma do filme trash b. Porque assim, todo gênero de cinema tem a sua porcaria. Temos os romances melodramáticos piegas, temos a comédia besteirol temos o filme de ação do careca bombado atirando em todo mundo. Mas o filme de terror de baixo orçamento é algo que parece ser sempre considerado uma bosta por unanimidade. Incapazes de serem consumidos sem ser de forma irônica. Como se eles fossem feitos para ser estúpidos.

Gosto de The Blob bastante, e não acho vergonha nenhuma os outros filmes citados nesse texto ganharem o exato mesmo rótulo que The Blob.

Eu lembro inclusive quando eu fui ver Tusk, um filme trash do Kevin Smith sobre um cara sequestrado por um cientista louco e transformado em uma morsa, que a sensação foi justamente isso. De que o filme poderia ser um trash bom, se ele não tivesse sido feito com tanto desdém pela própria ideia. Os créditos do filme são justamente o próprio Kevin Smith narrando os eventos do filme enquanto ri debochadamente do quão estúpido é o próprio filme. E eu não acho que esses filmes devem ser feitos de fato levando muito a sério, mas devem ser feitos com o coração. Não tinha como o filme ser assistível se o próprio diretor não respeitava o próprio filme.

O segredo de Evil Dead, de seu status cult atual, e do ícone que é o personagem Ash Williams é que o Sam Raimi fez esses filmes com o coração. Não quer dizer que ele levou a sério nenhum dos elementos campy. Mas ele fez o filme tendo carinho pelas suas criações, o Ash é um personagem de extremo carisma. E filmes trash podem ter carisma por seus próprios méritos.

Inclusive filmes trash podem ser políticos.

Filmes de terror e a política:

A gente agora está na era do pós-terror. Em que a galera acha que está vindo uma leva superior de filmes de terror que são melhor escritos, que são leváveis a sério e que agora eles tocam em pautas importantes e relevantes. Como Get Out falando de racismo, ou Babadook sobre as dificuldades de ser uma mãe solteira. E Lighthouse sobre a masculinidade tóxica autodestrutiva e a falácia de se achar que empregado negocia com patrão. Ou Midsommar sobre conseguir se livrar de um relacionamento tóxico. E olha, eu não vou tirar o mérito de nenhum desses filmes.

Mas a noção de que um filme de terror possa ser socialmente relevante não é nova. As pessoas só fazem parecer que é nova para prestigiar filmes novos como se tivessem inventado a roda. Naturalmente, pautas relacionadas a representatividade e dar voz a minorias são relativamente recentes no terror, tanto quanto são novas no cinema inteiro, o que não é o mesmo que dizer que os filmes de terror de antigamente não possuíam relevância ao tratar de assuntos contemporâneos sociais e políticos.

Em 1956 o filme Invasion of the Body Snatchers se tornou um dos maiores clássicos do gênero. O filme retratava uma pacata cidade americana cujos habitantes são pouco a pouco substituídos por alienígenas que usam cópias de seus corpos, mas sem emoções. O filme foi um sucesso e foi muito influente. Inclusive com a gíria pod people surgindo nos EUA, para descrever pessoas sem emoções, por causa do filme. Pois bem, o grande sucesso do filme veio justamente da maneira como ele capturava o clima de paranoia que se instaurou nos EUA durante o macartismo, e que as pessoas eram instruídas a duvidar de vizinhos e entes queridos por medo de comunistas. E todo mundo era um suspeito de ser um espião comunista infiltrado.

Em 1931, no começo da história do cinema o livro Frankenstein ou The Mordern Prometheus, de Mary Shelley, escrito mais de um século antes, é adaptado no que até hoje é um dos filmes mais famosos de todos os tempos: Frankenstein. O filme estabeleceu todos os tropos que até hoje associamos ao cientista louco, em especial sua arrogância em tentar desafiar Deus. E nesse período do entre as duas guerras mundiais, em que a humanidade tinha acabado de ver a maneira como os avanços tecnológicos podem ser usados para atrocidades desumanas. E um filme que cobrava a responsabilidade de cientistas e criticava sua prepotência dialogava com ansiedades de sua época.

Em 1985, o filme de terror The Stuff surgiu, a história era sobre um produto vendido como o mais delicioso e desejável produto industrializado que existia, mas o que ninguém sabia é que esse era um creme alienígena que transformava as pessoas em zumbis. Em uma critica nem um pouco sutil quanto a maneira como até hoje somos convencidos pela mídia a ingerir produtos que são altamente danosos para o nosso corpo, e para a maneira como indústrias não assumem responsabilidade por isso.

Em 1975, Stepford Wives conta a história de uma mulher que se muda com seu marido para a vizinhança de Stepford, um subúrbio onde todas as mulheres são submissas, ótimas cozinheiras, interessadas em afazeres domésticos e sem vidas pessoais. Ela se assusta com o quanto ela não tem nada em comum com aquelas mulheres até descobrir que na real elas todas eram pessoas independentes e menos submissas antes de se mudar pra Stepford, mas foram mortas e substituídas por réplicas idealizadas delas, para melhor atender seus maridos. Assim como em Invasion of the Body Snatchers, o impacto desse filme afetou o vocabulário estadunidense, onde até hoje a palavra stepford é sinônimo de “falsa harmonia” e de “falsa felicidade”.

Stepford Wives teve inclusive uma gigantesca influência em Get Out, como já falei nesse blog.

Em 1975 também, saiu o filme Jaws, que honestamente? Metade do filme é a mesma coisa que Don’t Look Up.

Enfim, em qualquer época que você pegar para assistir filmes de terror, você vai encontrar mensagens no conflito. E é um dos gêneros mais fáceis de se colocar e identificar política nos filmes, e o motivo disso é simples. Quais monstros ou fenômenos nos causam mais medo está diretamente ligado com quais as nossas ansiedades sociais.

Medo de comunismo, medo de machismo, medo de ser manipulado por corporações, medo de racismo, medo do governo te abandonar em momentos de necessidade. Todos esses medos se manifestam em filmes de terror.

E ansiedades sociais vale pro bem e vale pro mal.

Stepford Wives é sobre uma mulher com medo de que seu marido, aliado de um senso de comunidade masculina remova completamente sua agência até ela deixar de se tornar um indivíduo e se tornar um produto. Rosemary’s Baby, é sobre uma mulher tendo a gravidez controlada por um grupo de conservadores e sofrendo gaslight. Os dois filmes entram na onda do movimento feminista desencadeado nos anos 1960, e de que como atitudes masculinas naturalizadas na sociedade são assustadoras. Uma mensagem progressista. Mas ao mesmo tempo, na mesma época, The Exorcist, associa que quando crianças passando pela puberdade começam a ter comportamentos inapropriados, isso é o sinal do demônio, e quando a ciência não tem uma explicação satisfatória do que fez sua filha de 12 anos começar a falar palavrão, a igreja tem uma explicação, em um filme completamente conservador, mas que certamente dialogou com pessoas que viam em seu dia a dia, meninas no começo da adolescência demonstrando atitudes que chocavam os mais velhos. O movimento desencadeou meninas de 14 e 15 anos que não falavam e se comportavam como suas mães faziam na mesma idade, e isso gerava ansiedade entre os conservadores.

Tanto o medo que a mulher independente sente do machismo. Quando o medo dos machistas de que a feminilidade como eles conhecem esteja mudando são ansiedades sociais, e ambos os medos são políticos, e falam do mesmo assunto, só que de lados diferentes.

E sério. Todo adulto sabe que monstros não existem racionalmente. Para os horrores de um filme de terror te pegar, é porque eles dialogam com seu inconsciente. Michael Myers, Freddy Krueger e Jason Voorhees explodiram em popularidade entre um público primariamente adolescente, por serem não só assassinos de adolescente, mas por terem uma clara preferência em punir os jovens por serem jovens, por usarem drogas, por beberem, por transarem e por darem festas. Esses filmes explodiram na fase em que um presidente particularmente conservador combatia o uso de drogas e a liberdade sexual e existia um conflito geracional claro entre os conservadores e a juventude. O Jason era essencialmente uma manifestação de um republicano descarregando seu ódio por adolescentes, e isso dialogava com a sua época e com seu público.

The Ring é sobre como nossa relação com tecnologia e desconexão a natureza nos afasta dos valores que importam e dão meios do anti-cristo ter acesso a nós… sério gente, eu juro, a Samara é o anti-cristo. Tanto quanto o Damian.

E querem aqui um bom exemplo de política em filmes de terror? Vai lá quantos filmes de terror vocês conhecem que se o protagonista tivesse escutado um especialista falando “não faça isso”, nada de mal teria acontecido? Em quantos filmes existe um anúncio pedindo pro protagonista não fazer merda e ele faz?

Agora em quantos desses o aviso vem no formato de “15 anos atrás uma criança morreu nessa casa.” ou “Foi no natal passado, houve um terrível assassinato aqui.”, mas ninguém tinha interesse em ouvir a história? Pois é. Tragédias são evitadas quando a gente se interessa em estudar história, pois quando sabemos história, nós evitamos repeti-la. E olha… graças ao subgênero slasher, existe uma legião imensa de filmes de terror que giram em torno de feriados e dias muito específicos pro assassino atacar, justamente porque se as pessoas locais soubessem o que o dia significa, teriam tomado outras decisões e ficado vivas.

Isso tem viés político. Heredtary não inventou a ideia de filme de terror ter conteúdo. A noção de que vivemos em um pós-terror atualmente em que os filmes carregam mais significado, é falha. E serve para apagar o fato de que o gênero sempre carregou significado.

E para tentar desassociar filmes como Heredtary de filmes como Night of the Living Dead. O que não deviam, pois Night of the Living Dead é um excelente filme, e socialmente relevante também.

Outro lance da galera que tenta afirmar a existência de um pós-horror, é que eles gostam também de afirmar uma outra narrativa que me incomoda. A de que filmes como Hereditary, Midsommar, The Witch ou Babadook não foram pro Oscar pois a Academia odeia filmes de terror e tem uma perseguição específica com o gênero que faz esses filmes recentes pagarem o pato.

Esse mito me incomoda. Então vamos falar sobre ele.

Filmes de terror e o Oscar:

Ah, o bom e velho Oscar. Aquele prêmio brocha que até hoje não incluiu a categoria de atuação não-presencial que eu insisto tem 7 anos. Pois bem, o Oscar é um prêmio que sabe muito bem o que quer premiar e o que não quer. Sabe tanto que eu já fiz aqui a lista de quais são os perfis de filme que conseguem a indicação.

E o Oscar tem uma tendência forte a rejeitar tudo o que não é um filme de drama, romance ou um épico. Mas mesmo assim cria-se um mito de que os filmes de terror são particularmente perseguidos e desprezados pelo Oscar, quando na verdade eles são os filmes que mais tem sucesso em quebrar a barreira do filme de Oscar e aparecer na cerimônia.

O único filme de Terror na história a vencer o Oscar de melhor filme foi Silence of the Lambs, que também venceu todos os cinco principais prêmios da cerimônia. Melhor filme, melhor diretor, melhor ator, melhor atriz e melhor roteiro. Pegou tudo o que importava, o que faz Silence of the Lambs ser até hoje um dos grandes vencedores do Oscar, pois pode não ter levado 10 prêmios, mas monopolizou os prêmios mais relevantes.

E é justamente nessas horas em que algumas pessoas insistem muito na diferença que a palavra suspense faz, para explicar que esse filme sobre um Serial Killer arrancando pele de mulheres pra vestir não é um filme de terror. Claro que é, só ver o quanto o Hannibal Lecter é constantemente lembrado como um grande ícone do terror. O filme foi considerado imensamente assustador quando saiu, e tentam separar ele do gênero para poder colocar o filme pra cima e o gênero pra baixo.

Além de Silence of the Lambs que venceu. Os seguintes filmes de terror foram indicados para o Oscar de melhor filme: The Exorcist (1973), Jaws(1975), Fatal Atraction(1987),The Sixth Sense(1999), Black Swan(2011) e Get Out (2018).

E eu queria tanto que esse filme tivesse ganhado.

E indo além da categoria principal da noite, se nos focarmos nos prêmios importantes. Como melhor diretor, os 4 prêmios de atuação, melhor roteiro e melhor fotografia, a gente aumenta ainda mais a lista de filmes que foram indicados ao Oscar. Psycho(1960), Misery(1991), Portrait of Dorian Gray(1945), Dr. Jekyll and Mr. Hyde (1931), Cape Fear (1991), Carrie (1976), Sweeney Todd: The Demon Barber of Fleet Street (2006), Whatever Happened to Baby Jane(1962) e Rosemary’s Baby (1968) todos conseguiram indicações nos prêmios mais relevantes. E alguns conseguiram vitórias.

E acho importante não diminuir esses filmes pelo que são. Terror. Pelo amor de Deus o poster de Carrie é uma menina ensanguentada, e mesmo assim é filme de Oscar.

E um dos motivos pra isso é justamente que como eu disse no texto sobre Oscar-Baits, o Oscar prioriza muito atuação nos filmes. E filmes de terror são filmes capazes de retirar performances memoráveis. Hannibal é definitivamente o papel mais renomado da carreira do Anthony Hopkins, e Kathy Bates explodiu em Hollywood por sua atuação em Misery. Mesmo se olharmos em filmes que não foram indicados ao Oscar, notamos que protagonizar The Shining foi um marco na carreira de Jack Nicholson.

Inclusive, talvez você esteja até pensando de que se não houvesse um bias contra filmes de Terror talvez The Shining tivesse sido indicado ao Oscar, então que essa é uma prova de que eu eu estou errado. E assim, obviamente tem vários filmes de terror, e de todos os gêneros que já foram injustiçados em falta de indicações. Mas The Shining foi um filme redescoberto posteriormente, ele foi odiado quando saiu, a crítica massacrou o filme, por não ser assustador, ter um ritmo lento e ser um filme de terror mal feito. Sendo inclusive a única indicação do Kubrick à Framboesa de Ouro.

The Shining foi o mother! de sua época.

Então não foi um bias com o gênero e sim o filme que foi escolhido para ser o linchado de sua temporada. Para só depois olharem pra trás e falarem: “Ei, isso é um bom filme.”… que nem vocês vão fazer com mother! daqui a 10 anos.

E o grande motivo pelo qual filmes de pós-terror tem dificuldade em serem indicados para o Oscar é outro. É porque a maioria deles sai pelo estúdio independente A24. E a A24 não faz a política necessária para ir pro Oscar, de passar meses puxando saco e fazendo campanha de premiação. E isso passa dos filmes de terror. É o motivo de Uncut Gems ter sido ignorado em seu ano.

Mas gente que vende a ideia de que os filmes que ganharam o Oscar não são de terror, ou de que existe um pós-terror, ou que suspense não é terror e tal não são a única coisa que invalida um filme de terror. Ah não. Tem mais acusações das quais eu quero defender esse gênero maravilhoso.

Terror e Comédia: um relacionamento saudável.

Pra esse eu faço um mea-culpa, eu mesmo já fiz nesse blog aquilo que eu vou criticar. Eu não pensava nisso na época. Mas quando escrevi meu texto sobre Scream, eu falei sobre a maneira como um filme de terror se arruína quando ele cai pra comédia.

Eu disse isso no passado, mas não é verdade, eu estava errado. Mas essa opinião não é incomum. Muita gente, acham que quando o terror e a comédia se misturam, a comédia é o agente dominante do filme e ele anula a noção de filme de terror.

Na locadora mesmo, muita gente me perguntava se Scream não era mais comédia do que terror, e além do fato de que existe um fenômeno muito bizarro de pessoas que misturam as memórias e tem dificuldade de separar Scream de Scary Movie, existe a percepção de que o estilo meta de Scream fazendo humor das convenções do gênero anulam o aspecto terror do filme.

Mais que isso. Cabin in the Woods, é um grande exemplo de filme cujos aspectos cômicos fazem as pessoas questionarem se o filme é um filme de terror de verdade, afinal, tem comédia neles.

Eu, eu quero falar um pouco do fenômeno que eu acabei de mencionar, eu ponho a culpa disso parcialmente no sucesso estrondoso de Scary Movie.

Scary Movie, conhecido no Brasil como Todo Mundo em Pânico, é um filme de 2000 que parodia os filmes Scream e I Know What You Did Last Summer, que desencadeou além de 4 continuações, uma série de outros filmes que parodiavam filmes de Hollywood. Um filme que liderou uma leva de muitos e muitos filmes por trás.

Scary Movie é diferente da maioria das paródias. Pois quando a gente vê filmes de paródia costumamos ver subversões nos clichês e tropes clássicos dessas obras. Mas em Scary Movie, não são exatamente os clichês típicos de filmes de terror que são zombados. O filme se sustenta em combinar as cenas mais icônicas e reconhecíveis de seus filmes, e adicionar um twist cômico ao fim da cena, geralmente baseado em humor cartunesco, contendo slapstick.

Gags visuais.

Ou cenas extremamente longas que não terminam.

Todas piadas de Looney Tunes substituindo cenas clássicas dos filmes. Tanto que como eu disse, Scary Movie não é uma paródia de filmes de terror, é uma paródia de Scream e I Know What You Did Last Summer, pois esses são os filmes de onde eles tiram a base do plot.

E as principais paródias fora desses dois filmes nem são com filmes de terror, é coisa como Matrix, The Usual Suspects ou comerciais de Budweiser.

E o que Scary Movie acabou fazendo, e isso distingue essa franquia de praticamente toda outro filme-paródia de filme de terror. É que ele acabou tendo um papel substitutivo. Ou seja, ele faz muitas pessoas substituírem a cena original pela cena parodiada na sua memória, e perde a capacidade de levar as cenas originais a sério. E com isso o humor do filme é um humor antagonista ao filme que eles deveriam homenagear, e o filme-paródia serve pra desarmar o filme original.

Praticamente funciona que nem a magia ridiculous de Harry Potter quando usada contra um bicho-papão.

E isso é normal em várias comédias que envolvem recriar não somente as cenas, mas que envolvem recriar a storyline. Tem muitas memórias de Dragon Ball que eu sinceramente quando vou pensar na cena, penso na cena da Versão Abridged no lugar, como se os diálogos de Dragon Ball Z Abridged estivessem substituindo o original na minha cabeça. E eu amo Dragon Ball Z Abridged, espero escrever um texto ainda falando tudo o que eu amo na série, mas esse efeito é observável, inclusive na maneira como a percepção dos fãs da personalidade dos personagens parece ser mais pautada na personalidade deles no Abridged do que no mangá e anime originais.

Mas enfim. A franquia mais popular de paródia de filme de terror do mundo, usa seu humor para desarmar os elementos do terror. E isso ajuda a gente a ter uma associação forte hoje, que não tínhamos nos anos 1980, de que comédia e terror se anulam.

Pelo contrário, o Freddy Krueger ser um monstro piadista não tornava nenhum dos filmes menos filmes de terror. E o terrir, nunca foi uma experiência de invalidar as partes assustadoras do filme, só por terem momentos engraçados.

Humor não costumava ser um problema. Até começar a ser, e agora as pessoas têm um pé atrás, só ver como o Chucky flopou quando tentou migrar para um misto de humor e terror, e teve que abandonar o humor para voltar ao seu auge, mesmo que os filmes tenham momentos de morte e gore excelentes, e mesmo que o Chucky sempre tenha sido um vilão slasher bem mais galhofento e sarcástico, que combinava com essa retomada.

A real é que não é nem que terror e humor não sejam inimigos. Eu acho que eles são, na real, aliados.

Os dois gêneros podem coexistir muito bem. Muito filme é terror e comédia ao mesmo tempo em proporções iguais. Os que são mais de terror se beneficiam de sua comédia, e mesmo os que pendem mais pra comédia, se benefciam dos momentos de terror. Eu mencionei lá em cima do Happy Death Day. Esses dois gêneros tem muito a ver entre si.

Um bom diretor de comédia e um bom diretor de terror, não um medíocre, um bom, precisam dominar essencialmente os mesmos princípios. Que é a gestão da expectativa de sua audiência.

Uma boa cena de comédia e uma boa cena de humor, ou se baseiam no inesperado. Te fazendo baixar a guarda e jogando em você algo que você não imaginava.

Ou se baseiam no esperado, te fazer imaginar uma situação absurda que deveria ser evitadae te fazendo ver aquela exata situação, que não vai ser evitada, é aquilo mesmo.

Sejamos sinceros, não era segredo nenhum pra que servia a serra, não é?

Nas duas situações, o que importa é menos o que você vê, e sim como o filme te induz a imaginar o que você vai ver. E aí se o filme vai te entregar o que você imaginou depende do filme. Mas ele faz uma promessa. Em Halloween, você sabe que Michael Myers vai matar as meninas, mas o filme te guia lentamente fazendo você antecipar por um tempão a pior situação possível que você imaginou até ela vir e ser exatamente isso. Isso é o mesmo princípio de ver o Michael Scott tomar uma decisão horrível e passar 15 minutos vendo ela desencadear em uma situação que é exatamente o que qualquer um sabia que ia acontecer.

Vocês gostam de mágica? Eu adoro. Agora imaginem que um mágico pede para vocês pegarem uma carta, memorizarem, e colocar de volta no baralho. O mágico então embaralha e tal, e aí ele pede pra você puxar a carta do topo. E colocar em cima da mesa sem revelá-la. Nesse momento existem duas opções. Ou a carta na mesa é a sua carta. E esse é o truque, ou a carta na mesa não é a sua carta, é só uma distração e a sua carta na verdade está no seu bolso. Independente de qual dos dois desfechos o mágico use, uma coisa é certa, ele vai se esforçar para fazer você concluir sozinho que quando você virar a carta, o que você esperava ver era a outra coisa.

Comédia e terror os dois se baseiam no mesmo princípio. Deixar a carta na mesa virada a cena inteira e então desvirá-la e te dar uma surpresa. Se a surpresa for engraçada foi uma punchline, se a surpresa for assustadora foi um susto. Mas o trabalho do diretor foi o trabalho de um mágico, o de fazer você tirar conclusões sobre o que ia acontecer sozinho. Fazer a gestão de sua expectativa.

Não é coincidência que um comediante que fez uma vida na comédia como Jordan Peele tenha se encontrado de repente nos filmes de terror.

Nem que o Edgar Wright, cujo gênero principal é comédia, tenha feito um filme de terror ano passado.

Ou que alguns episódios de Halloween dos Simpsons realmente deixem as pessoas assustadas.

É tudo sobre te deixar esperando algo e aí te entregar ou algo diferente ou exatamente o que você esperava, a depender do que você precisa agora. E ter esse controle de saber como fazer você esperar algo e saber qual dos dois deve ser entregue é o que marca um excelente filme de terror ou de comédia.

Mas esse não é o único ponto em que terror e comédia são irmãos.

Comédia e terror são os dois gêneros que tem mais liberdade de quebrar qualquer noção de realismo, só que mais do que isso, que tem liberdade de explorar os limites das convenções cinematográficas.

Quebra de quarta parede funciona tanto pra terror como pra comédia, algo que eu já disse aqui também.

Pegar uma convenção narrativa de “isso aqui tem que acontecer pro filme funcionar” e fazer o oposto gera um choque, esse choque é engraçado ou te assusta, dependendo do que o diretor quer fazer. Por exemplo, matar um personagem vendido como o protagonista na primeira cena.

Subversões iguais para o plot de “Guess who’s coming for dinner“, um assustador e outro cômico.

Existe todo um sentimento de procurar por transgressões e não-familiaridade na hora de se escrever terror, que existe também na comédia.

Esse sentimento de transgressão é um dos motivos pelo qual se associa tanto sexo a filmes de terror. Pela longa história de proibição de conteúdo sexual em Hollywood entre os anos 30 e 60, em que os filmes de terror foram pioneiros em enfrentar a proibição e testar até onde a água dava pé. Psycho por exemplo foi o primeiro filme um homem e uma mulher não-casados seminus na cama. Dando a entender que os personagens transam fora do casamento. E tinham regras claras (porém perdendo a rigidez) sobre mostrar esse tipo de conteúdo no cinema na época.

E comédias fazem a mesma coisa e é por isso que esses dois gêneros casam.

The Apartment é uma comédia de 1960, mesmo ano de Psycho, sobre um homem apaixonado por uma mulher sendo sexualmente explorada pelo chefe de ambos, e que testou os limites do código Hays.

E que nenhum filme de terror perde o título de terror, se tem umas piadas no meio.

E para fechar.

Medo é só uma das partes da brincadeira:

O principal motivo pelo qual eu acho esse gênero subestimadíssimo. É que o filme muitas vezes é desqualificado com uma crítica que na real é uma crítica até que justa. Mas é simplista. Que é: “Esse filme é uma merda, pois eu não fiquei com medo.”

Assim, falando pessoalmente tem três filmes de terror que me deixaram de verdade com medo na vida. Child’s Play 3, que eu vi criança demais, The Ring, e mother!. E não só o Chucky e a Samara são obsessões minhas que só podem ser explicadas com o impacto que eles tiveram na minha vida assombrando meus pesadelos, como mother! é um dos meus filmes favoritos. Então eu obviamente entendo o papel que você sentir medo tem em fazer você sentir que o filme é bom. Mas ao mesmo tempo eu tenho uma lista colossal de filmes de terror que estão entre meus filmes favoritos, e que eu poderia ver a meia-noite sozinho e dormir feito um bebê.

Mas para muita gente, medo é mais que uma consequência do filme de terror, é seu único propósito. Então a pessoa pode voltar pra mim na locadora, devolver The Shining e soltar um “Mas isso é terror mesmo? Por que eu não fiquei com medo.” e eu sou obrigado a falar: “É, tá mais pro suspense, né?”, mas o obviamente nem todo mundo tem medo das mesmas coisas.

Tem gente que tem medo do diabo! Tem gente que tem medo de ter um ladrão na sua casa. Tem gente que tem medo de aranha. E tem gente que tem medo de conspiração do governo. Tem gente que tem medo do patriarcado. Eu pessoalmente tenho medo de que as pessoas em que eu confio coloquem pessoas na minha casa que não respeitem meu espaço e nem minha intimidade e que esse desconforto não seja notado, pois a pessoa em quem eu confio realmente se conecta com esses filhos da puta.

…disso e da Samara.

Mas o ponto é que filmes de terror são filmes normais. Assim como tem drama que não me fez chorar, e filme de romance que não me fez acreditar no amor. Isso tudo não só é subjetivo, como é contextual. Tem comédia que não me fez rir, pois me pegou em um dia ruim.

Mas esses sentimentos são o caminho, não o destino. O filme de terror usa seu medo para poder falar de alguma coisa, e muito filme não vai te assustar, mas ainda é legal ouvir o que ele tem a dizer.

Eu não me assustei com Get Out, mas voltei pra casa e escrevi um texto com o que o filme me fez pensar.

Só que mais importante que isso. É sair do ponto do medo mesmo. Do lance de “Me dê um pesadelo ou some da minha frente.” Pois o número de sentimentos que o terror invoca vão muito além do medo.

Envolvem nojo, angústia, aflição e principalmente desconforto. O central é serem coisas desconfortáveis de se assistir. Esse é o mais importante. E se pudéssemos resumir todos esses sentimentos em um único conceito, seria o de que “O filme de terror quer te mostrar o que você não quer ver.”

Na icônica cena de Scream, Randy está tendo uma reação grande ao filme Halloween, mas não está com medo.

As vezes o que você não quer ver é uma cena de gore.

As vezes o que você não quer ver é uma cena aflitiva pra cacete de tortura.

As vezes o que você não quer ver é uma cena de abuso psicológico.

As vezes você não quer levar um susto em um jumpscare

As vezes é um monstro.

As vezes é a personificação da sua mortalidade.

As vezes é face do patriarcado.

Mas os filmes de terror sempre mostram algo que um grupo significativo de pessoas (que as vezes não inclui você especificamente) prefere fechar os olhos por uns segundos antes de continuar.

E é por isso que é bobeira achar que só nos anos 2010 descobriram que dá para colocar mensagens relevantes nisso.

Pois tem tanto tema e tanta mensagem relevante escondido naquilo que não queremos ver. Pois tem tanta coisa que precisa ser falada, para as quais a humanidade não quer olhar.

Temos tantas proibições ainda, de para onde não devemos olhar.

E esse gênero é sobre isso.

E ele é excelente nisso. E é um gênero, o que significa que ele é amplo e abrange uma possibilidade infinita de subgêneros e estilos dentro de si.

De tão amplo, certamente existem centenas, senão milhares de filmes de terror que você odiaria, mas, ao mesmo tempo, definitivamente existe um que é tão específico que parece ter sido feito sob medida para você.

E viva o terror!

Sobre o autor

Izzombie

Sou um cara chato que não consegue ver um filme sossegado sem querer interpretar tudo e ficar encontrando simbolismos e mensagens. Gosto de questionar a suposta linha que separa arte de filmes comerciais, e no meu tempo livre pesquiso sobre a história da animação.

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Izzombie

Sou um cara chato que não consegue ver um filme sossegado sem querer interpretar tudo e ficar encontrando simbolismos e mensagens. Gosto de questionar a suposta linha que separa arte de filmes comerciais, e no meu tempo livre pesquiso sobre a história da animação.

Alertas

  • – Todos os posts desse blog contém SPOILERS de seus respectivos assuntos, sem exceção. Leia com medo de perder toda a experiência.
  • – Todos os textos desse blog contém palavras de baixo calão, independente da obra analisada ser ou não ao público infantil. Mesmo ao analisar uma obra pra crianças a analise ainda é destinada para adultos e pode tocar e temas como sexo e violência.

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