Game of Thrones e o Incesto

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Alerta: no mundo da ficção, incesto as vezes aparece como uma forma de “amor proibido”, como um fetiche ou com alguma dose de romantização. Mas na vida real, incesto é uma forma de abuso e de violência sexual. E qualquer caso de amor-proibido-com-parente hipotético que possa um dia ter ocorrido, ocorreu em número pequeno demais de casos para ser estatisticamente relevante. Incesto é um abuso não importa o quanto histórias fictícias possam romantizar. Esse texto vai falar dessas duas facetas, e fica aqui o Aviso de Gatilho, que o tema do incesto exige.

Dito isso, eu mesmo nesses oito anos (que se completam no dia de hoje feliz aniversário pro blog) dentro dessa chaminé tenho evitado encarar o tema de frente. Eu fiz um texto inteiro sobre Domestic na Kanojo, um mangá que é essencialmente sobe incesto, e embora eu não tenha negado que o mangá é um grande romance incestuoso, a parte que eu queria pegar pra conversar era claramente a outra…. apesar de eu ter declarado em outro texto que seus protagonistas apesar de tudo eram bons irmãos. Da mesma forma eu escrevi quatro textos sobre Game of Thrones já, cinco com o que um amigo escreveu e eu publiquei. E mesmo assim, a parte incestuosa dessa história, que chama a atenção só vem a tona agora. Dito isso eu coloquei George Michael e Maeby na minha lista de casais que eu shippo, reconhecendo como um shipping incestuoso.

E isso é porque incesto é um assunto de fato que as pessoas não se sentem confortáveis conversando sobre… E embora ninguém queira falar sobre, muita gente quer contar histórias sobre, aparentemente. Pois embora a gente ache pouco em nossas conversas, o que a gente acha de personagens fictícios que se envolvem em relacionamentos incestuosos é uma quantidade muito grande. Sério, é maior do que parece. Muitos personagens famosos, de histórias grandes tem incesto no centro de seu personagem. Não é como se o tema estivesse longe das histórias que queremos assistir e contar, é só um tema que nós não queremos bater de frente.

Preferimos eternamente fingir que a Disney vai tornar um pai da Nala canônico, em vez de admitir que o Mufasa provavelmente é pai da Nala. E o pior, se um dia admitirmos que o Mufasa é pai da Nala, imediatamente vamos desumanizar os personagens “mas são leões, na natureza isso acontece”, para não olhar para o que acontece.

Depois nós acusamos os autores de qualquer uma dessas obras de ter um fetiche por incesto e de querer comer a própria irmã, pois se o autor em si não for um pervertido, por que outro motivo alguém descreveria uma situação assim em uma história. É tão normal não querer falar no assunto, que quando alguém fala a gente imediatamente presume que a pessoa tem um fetiche bizarro. O que é projeção nossa, pois não queremos olhar pro assunto na sua cara.

Mas eu quero olhar de frente pro assunto. Primeiro, porque pessoalmente, eu acho o assunto interessante. De verdade gente, o incesto é o único tabu universal da humanidade. Toda cultura humana, todo povo, toda civilização, em todo continente concordou em um grande assunto: ninguém deveria comer um parente (embora essas culturas discordem muito da definição de parente). E para fins de contraste, coisas que não são proibidas em todas as culturas incluem o canibalismo, e incluem o assassinato, pois muitas culturas concordam com as autoridades assassinando quem viola as leis. Nós, enquanto uma espécie que vaga por aí faz 2,5 milhões de anos e se espalhou por todos os continentes e se dividiu em centenas de nações e etnias e grupos e identidades, não conseguimos concordar com muita coisa. Mas concordamos com uma: é proibido pegar a sua irmã. Concordar com isso é a grande marca da humanidade e o que nos separa dos animais. E eu acho que esse enorme consenso torna o tema fascinante.

Para algumas pessoas, essa é a única coisa que eles tem em comum com o Adam Sandler.

Afinal, porque todo mundo em algum ponto do passado concordou que essa era a regra de convívio mais básica em sociedade, e que todas as outras questões, algumas de vida ou morte, poderiam vir depois só. De onde vem essa regra? Muita gente acredita que são nossos instintos de sobrevivência querendo evitar o nascimento de bebês com problemas de formação. Eu do fundo do coração não acho que os bebês com má-formação sejam a origem do tabu. E quero falar um pouco sobre isso nesse texto, que vai falar um pouco sobre esse tabu, na perspectiva de como ele é aplicado na série de livros A Song of Ice and Fire, assim como em sua série Game of Thrones e seu spin-off House of the Dragon, franquia que eu vou chamar coletivamente de Game of Thrones nesse texto. Quero analisar três casos de incesto que ocorrem nas séries e observar o que a série diz sobre o espaço que o tabu ocupa na sociedade.

Antes de entrar de fato na análise quero falar sobre o Dentro da Chaminé. Eu sou Izzombie, e esse blog é um projeto que eu toco essencialmente sozinho já tem oito anos. Faz um pouco mais de um ano esse blog passou a aceitar ajuda de seu público em um financiamento coletivo no apoia.se, e eu peço que se você gosta do que eu faço aqui e do trabalho que eu ponho nos textos, que por favor considere se tornar um apoiador contribuindo com o valor que achar justo. Tem me ajudado bastante, ajudou 2022 a ser um dos melhores anos do blog em produtividade, e isso tudo ajuda muito esse site. Deem uma lida na página do apoia.se, temos recompensas discretas, mas são o que está em meu poder oferecer. Se não quiser fazer um apoio mensal, você pode ajudar o Dentro da Chaminé fazendo um pix de qualquer valor para a chave franciscoizzo@gmail.com que vai receber uma homenagem abaixo da mesma maneira, assim como toda a minha gratidão.

Pois a melhor parte é aumentar e ganhar um contato mais direto com meu público. Por isso esse texto é feito em homenagem a quem já me apoia. Pessoas que tornaram 2022 um ano muito melhor pro blog, pessoas que eu espero do fundo do coração que gostem do texto.

Um texto sobre todo esse incesto que tem em Game of Thrones. É muito né? E é logo no primeiro episódio. Então temos que começar do começo.

O que é incesto?

Segundo o dicionário Oxford, que aparentemente é o que aparece no google, incesto é a relação sexual entre parentes, sejam eles consanguíneos ou não, que possuam um nível de parentesco que faz a lei, a moral ou a religião proibir o casamento. A palavra vem do latim incestus, que significa impuro, mas também significa não-casto.

Em qualquer povo no mundo existe o conceito de unir duas pessoas como uma união romântica oficial que marca essas pessoas como família e de onde se espera que elas vão fazer filhos que futuramente irão se unir a alguém e manter esse ciclo vivo. Eu não sei se em todos os povos do mundo a palavra casamento se aplica ou se ela terá implicações que não necessariamente serão cumpridas, mas esse processo é bem universal.

Mas calma lá. Universal não significa natural. E eu vou voltar nesse assunto mais tarde. Todo povo pratica um ritual desse tipo, mas isso não prova que o ser humano tem uma pré-disposição natural ou instintiva para se casar. Isso só significa que essas culturas têm algo em comum. Se formos entrar nesse assunto é importante desapegar da noção de “a natureza humana dita que temos tendência a tais atos”, dita nada. Somos regidos a cultura demais, para querermos usar instinto pra justificar cultura e rituais.

Lembrem-se crianças, Natureza Humana, e Instintos Básicos de Ser Humano, são o que se manifesta quando uma criança é abandonada na floresta e criada por animais. Nas sociedades nós temos cultura.

Dito isso… existe no ser humano uma trava anti-incesto. Independente de leis, proibições e tudo o mais, a verdade é que a grande maioria das pessoas não quer fazer sexo com membros de sua família. Tanto que a maioria realmente não faz. Existem algumas hipóteses a respeito dessa trava, mas nenhum consenso. A hipótese mais famosa é o chamado Efeito Westermark, descrito pelo antropólogo Edvard Westermark, que propôs que as pessoas não são capazes de sentir atração sexual por pessoas com quem conviveram até os seis anos. Ele estudou exemplos de culturas em que se criavam crianças juntas, que poderiam por ter crescido juntas criar laços que virassem casamento. Como os kibutzim israelenses, ou os casamentos sim-pua chineses.

Nos casamentos Sim-Pua, uma família adota uma menina ainda criança, para criá-la junto do filho com quem eles pretendem casá-la. A grande maioria dos casamentos se tornou infrutífero.

Existem críticas a hipótese de Westermark, que está longe de ser considerada um estudo que provou coisas, mas os exemplos que ela dá são bem concretos, e imprinting sexual reverso que ele aponta é algo fácil de notar na sociedade. Reforço, exemplos de incesto consensual entre parentes próximos, como irmãos ou pais-e-filhos, em que o casal de fato cresceu junto, se apaixonou mutualmente e enfrentou o tabu, são essencialmente inexistentes. Se existir uma ou outra exceção, eles foram muito bons em se esconder e não serem vocais a respeito.

Quando o cara na Alemanha foi preso por engravidar a própria irmã e tentou fazer uma força para legalizar o incesto, sabe quantos outros casais parecidos surgiram para apoiá-lo e falar que ele não estava sozinho? Literalmente nenhum! A comunidade incestuosa é composta por 0 membros e sua bandeira não existe. E assim, isso tem pouco a ver com a legalidade ou aceitação moral da questão, uma vez que a comunidade para legalizar a pedofilia existe. Estamos em 2023 e todos sabemos que uma ideia não ter que ser não-condenável nem respeitar o básico da decência para um grupo na internet se juntar e defendê-la. Todos os outros crimes sexuais têm algum cara indo a público tentando normalizar a questão, menos o incesto. Pois a gente de fato tem uma trava, mesmo se ela não operar nos termos de Westermark.

Lembra o episódio de South Park em que um grupo de homens escrotos aparece tentando normalizar a pedofilia e se afirmarem vitimas de um amor proibido? Pois bem, esse grupo existe de verdade. O mundo é um lugar horrível e todo dia podemos descobrir um fato que o torna menos redimível, mas é assim que funciona.

Dito isso, embora sexo consensual entre parentes próximos tenha essa raridade que eu disse. Violência sexual entre parentes próximos infelizmente é comum. Uma porcentagem muito grande da violência sexual que ocorre no Brasil e no mundo é cometido por familiares, pais, irmãos ou tios. De acordo com a ONDH(Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos), 40% das denuncias de violência sexual no Brasil tem o ato cometido por um pai ou padrasto. E se você acha que isso contradiz o que eu disse acima de termos uma trava, isso não contradiz. Porque estupro não é causado por atração sexual. Violência sexual não ocorre porque o agressor sentiu tesão. Estupro, abuso e violência sexual são sobre poder. E isso é algo que nunca é demais enfatizar! São sobre o agressor exercendo poder e controle sobre as suas vítimas, e não são sobre obter prazer sexual. E quando ele ocorre dentro do ambiente doméstico, mais vezes do que não é por um parente mais velho que exerce autoridade sobre o parente mais novo que é a vítima do abuso.

Link da matéria.

Incesto não é algo com o qual as pessoas conseguem consentir. Ninguém se apaixona pela irmã. Reforço que se existem casais de irmão mutualmente apaixonados em um relacionamento saudável, eles estão escondidos demais para virar exemplos práticos disso.

Inclusive, na maioria dos países o incesto nem sequer é de fato ilegal. O casamento é ilegal, mas tem vários países em que dois irmãos não poderiam ser presos por serem pegos na cama em um ato consensual. E mesmo assim não acontece. Reforço, não é assim que proibição funciona, não funciona assim com drogas, não funcionou assim com outras proibições sexuais, tanto inocentes quanto as problemáticas, não funciona assim com assassinato, não funciona assim com nada que lide com as emoções humanas.

Incesto é um crime real e deve ser denunciado. Pois não é denunciado o suficiente. Muitas vítimas são pressionadas a não denunciar, para não dividir a família. Muitas vítimas são crianças e são linchadas pela direita quando tentam abortar um filho de incesto, a gente vê isso acontecendo o tempo todo. E isso é um problema grande. Reforço, abusos sexuais cometidos por parentes acontecem muito. As vezes o parente é biológico, e as vezes o parente é adotivo. E tem gente de má-fé que tenta falar que “mas se o parente não for biológico, então não é incesto”, quando inúmeras garotas foram abusadas pelos seus padrastos. Gente, é o mesmo problema, um padrasto que abusou da enteada não é objetivamente uma pessoa melhor que um pai biológico que abusou da filha, é o mesmo problema, são dois canalhas iguais, homens abusando de meninas sobre as quais eles exercem autoridade.

A cultura do estupro é um problema.

Enfim, apesar disso. No mundo da ficção, existem muitos casais incestuosos consensuais. Em que os personagens estão de fato apaixonados, e não estão lidando com nenhuma trava que faça eles não terem atração sexual. E o amor deles é legítimo, pois é escrito pra ser.

Pois bem, na ficção, qualquer personagem pode consentir a qualquer coisa, pois eles não são pessoas, eles vão ter a maturidade pra fazer escolhas que seu autor der pra eles. Esse é o poder da ficção, qualquer um pode desenhar uma criança, por um balão de fala nela e fazer falas soarem maduras demais. O Brian de Family Guy não pensa como um cachorro, nem o Scooby-Doo. E essa maturidade não é dada a eles por motivos sexuais. A Mafalda e o Calvin falam com muito mais sabedoria e maturidade que suas idades propõem e isso não foi feito pros seus autores poderem falar que eles podem tomar decisões responsáveis sobre relacionamentos.

Quando o Brian de Family Guy beija uma mulher, não é uma questão de abuso ao animal. É só o Seth McFarlane sendo estranho.

Porém, com isso a ficção tem o poder de fazer relações que dificilmente seriam consensuais ou saudáveis na vida real, serem escritas de maneira consensual ou saudável, pois o autor tem o controle disso. Então na ficção o incesto pode ser usado para descrever o amor proibido. E nem todo personagem incestuoso de uma obra de ficção está sofrendo abuso ou se apaixonando por um estuprador. Apesar da vida real não funcionar que nem na ficção.

Por causa isso, é fácil pensar que o motivo real pelo qual o incesto é proibido é justamente esse. Que o tabu foi criado pra desencorajar e prevenir o abuso sexual. Mas cá entre nós, querido leitor. Você realmente acredita que aquilo que toda cultura humana tem em comum é que a gente nunca permite que nada que facilite abuso sexual se torne a norma? Eu não. Eu acho que a gente normaliza abuso pra cacete no cotidiano ao redor de todo o globo, e dá poder demais para abusadores interferirem nas leis ou estarem acima delas. Dito isso, acho que o problema de abuso é um excelente motivo para o tabu continuar nos enojando. Porque é tenso.

Então falemos sobre o tabu.

O tabu.

A coisa mais famosa sobre o incesto, é que se ele porventura produzir bebês, os bebês têm altas chances de nascerem com defeitos genéticos. Um bebê de pais incestuosos pode nascer prematuro, com má formação óssea, abaixo do peso, com problemas cardíacos, entre outros problemas. O mais famoso, por ser o exemplo mais observável é o Queixo de Habsburgo, uma má formação na mandíbula que os membros da família nobre Habsburgo tinham, devido ao excesso de casamentos entre familiares, que ocorriam por motivos de: nobreza. O Queixo de Habsburgo era mais que um queixo feio, ele causava problemas para mastigar a comida e dores, e era um inconveniente.

E isso tudo tá provado, todo mundo sabe que familiares próximos tem chances altas de ter um filho que perde a loteria genética e cresce levando porrada do próprio corpo e lidando com um monte de problemas. Por isso um número muito grande de pessoas presume que o incesto é um tabu como uma maneira de prevenir doenças genéticas na população…. um número muito grande mesmo.

E a percepção oposta funciona. Lembram em Midsommar, quando inventaram que a cultura Harga incentiva o incesto precisamente para poder ter filhos deformados, acreditando que havia algo especial nas deformidades. Quando se acha que o motivo do tabu são os defeitos genéticos, logo se acha que se uma cultura quebrar a proibição será para criar defeitos genéticos.

E é importante pararmos de achar isso. Porque não tem outra maneira de descrever: isso é a mais pura eugenia. Não existe base ética para proibir qualquer casal de se formar, por conta a possibilidade de defeitos de nascença de um filho hipotético. Afinal incesto não é a única forma de se criar um filho com imperfeições genéticas. Muita gente no mundo carrega doenças hereditárias, e propor um controle social para que essas pessoas não possam entrar em relacionamentos pelo bem genético da população seria uma violação de direitos humanos colossal. Não tem base ética para achar que uma pessoa que vá passar “genes ruins” adiante não tem o direito de se casar ou se relacionar, muito menos depois de 1945. 

Além é claro, de que uma linha de raciocínio como essa sugeriria que incesto não encontraria problemas práticos sociais caso fossem relacionamentos entre pessoas incapazes de se reproduzir, seja por ser um relacionamento homossexual, entre pessoas estéreis ou outras opções. Além de livrar a cara de famílias adotivas. E não, nenhum desses casos está impune. Incesto que ocorre na vida real que não pode produzir um bebê com defeitos de nascença ainda é abuso sexual! Ainda causa trauma e quebra de cofiança. Ainda é um problema! Ainda é um ato de violência! E tem gente que de fato usa falta de consanguinidade como defesa. Como se o problema fosse genético.

link da notícia

Incesto não é um problema genético! Infelicidades genéticas são uma consequência de alguns tipos de incesto, não de todos, não o problema central.

Inclusive, o antropólogo Claude Levi-Strauss questiona em seu livro As Estruturas Elementares do Parentesco a ideia de que o ser humano poderia ser desmotivado por isso. Uma vez que o ser humano tem experiência com cruzamentos incestuosos dos animais que ele cria, sabem das estatísticas de defeitos de nascença, e toma controle desse fato. A gente sabe cruzar porcos irmãos entre si para gerar uma ninhada com o mínimo de filhotes com problemas manipulando as variáveis desde antes de sabermos o que é genética. É parte do ato humano de domar a natureza pra nossa conveniência. Se houvesse uma sociedade muito interessada em casar os irmãos constantemente, eles teriam aceitado o desafio de como driblar essa questão. Dito e feito, existe hoje em dia acompanhamento médico para minimizar a chance de um casal de primos que queira ter filho de ter um filho com problemas. Assim como existem acompanhamentos para mulheres acima dos 40, que queiram engravidar. A gente tem pesquisa para combater esse tipo de questão, pois reforço, não é só incestuoso que tem bebê nascendo com uma genética não ideal.

Incesto não é um problema genético. E incesto é um problema de abuso, mas as sociedades fazem menos caso do que deviam com abuso. Então por que as sociedades tratam incesto como um problema? Pois é um problema político.

Rei Chulalongkorn 5º Rei do Sião e uma de suas irmãs-esposas. Reinou de 1868 a 1910.

Eu espero que os leitores mais atentos se lembrem que ali no começo, eu enfatizei, que a definição de incesto se restringe ao sexo com os parentes com os quais você não pode casar. Espero que lembre também que eu disse que as diversas culturas do mundo não exatamente concordam em como definir parentesco. E espero que tenham notado que apesar de eu dizer várias vezes que casais incestuosos consensuais são surgem espontaneamente como se isso fosse normal, que mesmo assim existem muitos relacionamentos entre primos que são completamente consensuais, inclusive eu citei dois parágrafos acima casal de primos como exemplo de algo que a sociedade tem os meios de lidar. Ou seja, como funciona? Dormir com primo é incesto? Pois um número absurdo de primos já transou. São todos incestuosos? São todos caso de abuso? Bem, casamento entre primos é legalizado na maior parte do planeta, então em muitos casos, relacionamento entre primos não é incesto. Mas em outros… Depende literalmente do quão unida sua família é ou não. Tem famílias em que os primos são praticamente indistinguíveis de irmãos, e outras em que o cachorro do vizinho da namorada é mais parte da sua família que seu primo.

No meu texto sobre casais que eu shipo eu marquei George Michael e Maeby como incestuosos pela maneira clara como os Bluths operam como um grande clã do qual seus membros não podem escapar. Mas não acho que todos os primos do mundo vivem nesse contexto.

Pois é, se incesto envolvendo pais, irmãos, tios ou avós fossem as vogais. Incesto envolvendo primos seria o Y, em uma área cinza ambígua em relação a quando encaixar ou não. E o motivo disso, é que incesto é político. Sabe quem comete incesto? Uma caralhada de espécies animais. Como os Mamonas Assassinas já descreveram.

Animais não fazem política. Animais não se casam. Animais não fazem rituais que incorporam a comunidade deles quando eles escolhem um potencial parceiro com quem ter filhos. Isso é tudo política. O controle de quem pode casar com quem é um controle político, e isso é uma das nossas grandes marcas enquanto ser humano. E o tabu do incesto é uma questão de controle de casamentos.

Afinal, como eu já falei. Em literalmente nenhum país do mundo um irmão e uma irmã podem se casar. Mas em muitos países, o ato sexual entre irmãos em si não é crime, caso seja consensual. O controle está em casamentos. O Estado lida com a questão através do casamento.

E o que é um casamento? Casamento é o ato de transformar uma pessoa que não é da sua família, em sua família. Simples assim. Você deu uns beijo numa menina e decide que quer que o Estado reconheça que ela é sua família, para que todos os direitos que a sua irmã tem, essa menina também tenha. Essa menina tem os próprios pais e irmãos que agora também são sua família, você ganhou sogros e cunhados. Através do casamento grupos que não são parentes, se tornam conectados por laços de parentesco.

Walt e Hank passam Breaking Bad inteiro reforçando que o que conecta eles é eles serem família e parentes e que espera que tenham a devoção de família um pelo outro, sendo que ambos são cunhados conectados pelos seus respectivos casamentos.

E esse é o ponto do casamento! Formar laços, formar alianças. Formar uma nova família que conecte duas outras famílias na mesma mesa de Natal ou de seja lá qual é a festa anual que reúne a família em determinada cultura. Quando um homem casa com a sua própria irmã, ele não move ninguém para dentro de sua família, a irmã não ganha direitos legais que ela já não tivesse, e nenhuma aliança foi feita. Ele não aumentou a família e nem sequer mudou a dele.

Sempre que uma série com incesto estoura, surge junto uma variação desse meme e a piada é sempre a mesma. Que uma série grande de papéis que deveriam estar sendo exercidos por pessoas diferentes são todos os mesmo cara.

Colocando de uma maneira melhor, pela maneira como um arapesh, estudado pela antropóloga Margaret Mead respondeu quando ela questionou a relação do povo dele com o incesto. Em um dialogo depois estudado por Levis-Strauss e transcrito no livro As Estruturas Elementares do Parentesco, o arapesh respondeu:

O que? Você quer casar com a sua irmã? Qual é o seu problema? Você não quer um cunhado? Você percebe que se você casa com a irmã de outro homem e outro homem se casa com sua irmã você tem dois cunhados, mas se você casar com a sua irmã você não tem nenhum. E aí? Com quem você vai caçar? Com quem você faz a colheita? Quem você visita?

Com base nisso, entre outras coisas, Levi-Strauss afirmou que o que o tabu realmente faz é incentivar a exogamia, proibindo a maior forma de endogamia imaginável. Exogamia é o ato de relacionar-se com pessoas de fora de seu grupo social. E endogamia é o ato de relacionar-se com pessoas de dentro de seu grupo social. E relações exogâmicas são boas para uma sociedade, pois elas permitem que grupos diversos achem alianças, e aumentem a convivência. Embora exista interesse em pessoas de impedir que grupos se aliem e em praticar a endogamia. Mas a forma mais exagerada de endogamia que é o incesto é proibida, para forçar alguma dose mínima de exogamia na sociedade.

Neytiri rompeu o noivado dela com um membro de seu grupo para casar com Jake Sully. Isso incorporou Jake no grupo e trouxe um forasteiro para lutar e defender o grupo do qual agora faz parte. Esperava-se e pressionava-se que Neytiri fosse pelo caminho da endogamia, mas ela praticou a exogamia, achando um parceiro forasteiro.

O mundo é dividido em muitos grupos dos quais uma pessoa faz parte. A sua família é o primeiro grupo que você conhece e se reconhece como membro. Mas os alunos da sua escola são um grupo, a sua etnia é um grupo, a sua religião é um grupo. Casa-se dentro do grupo não é só incesto. Uma sociedade endogâmica pode ser uma sociedade em que casamentos interraciais não existem. Endogamia pode ser a pressão para se casar com alguém da sua religião, ou o preconceito para que você não case com um imigrante, com alguém de outra classe social, de outra região do país….

E a sociedade se beneficia de pessoas rompendo as bolhas de seus grupos e se apaixonando com quem vem de fora. Por isso histórias de Romeu e Julieta são tão populares. A expectativa de que o romance dos dois façam os seus pares perderem preconceito e ódio é sempre narrativamente explorada em todas as homenagens a Romeu e Julieta que existem, pois esse é o ponto, quando você casa com uma Capuleto, você vai ter que dar presentes pros seus sogros Capuletos no Natal. Nessas histórias um único casal sempre tem o poder de obrigar dois grupos grandes a conviverem.

Fica aqui minha recomendação sincera pra Kishuku Gakkou Juliet, o meu favorito desse tipo de romance inspirado nos jovens de Verona.

Daí que vem a ambiguidade dos primos. O quanto seu primo é membro do seu grupo? Depende muito do primo. Assim. Os primos de dentro da família Madrigal, de Encanto definitivamente são parte do mesmo grupo familiar, e seria um ato endogâmico se dois primos Madrigal começassem algo. Seguraria o milagre dentro da família e afastaria eles da comunidade que eles servem.

Por outro lado, os Shinomiya e Shijos em Kaguya-Sama Kokurasetai são primos, mas suas famílias são tão separadas que são instituições políticas rivais e a parte, e um casamento entre dois primos é proposto no mangá como uma possível solução para fazer as famílias começarem a se tolerar novamente. Casamentos formam alianças, e as vezes, o seu primo nasceu seu aliado, e outras, a única forma da sua prima visitar sua casa seria casando com seu irmão e criando um laço onde não existia. Varia muito.

Kaguya e MIkado possuem parentesco e consanguinidade, mas socialmente eles não só são vistos como membros de famílias diferentes, mas como famílias inimigas.

Mas o importante é que quando está determinado que é absolutamente inaceitável você transar com alguém que mora dentro de sua própria casa, você tem que sair de casa pra transar, você frequenta espaços de socialização, você vai em festas, vai na faculdade, se junta a grupos, você sai da sua bolha e se expõe a ao que existe fora da sua bolha.

Parece ridículo pensar que o tabu do incesto é uma literal motivação para a gente sair da própria casa e conhecer gente e integrar a sociedade, mas o oposto é um fenômeno observável.

O Japão tem um problema grande com jovens que deixaram de sair de casa e participar na sociedade, os assim chamados hikikomoris. Eremitas modernos, que não vão pra escola, não trabalham, minimizam todo o contato social e podem passar seis meses presos na própria casa. Estima-se que o Japão tenha um milhão de Hikikomoria atualmente, e um milhão de jovens se recusando a entrar no mercado de trabalho obviamente pesa na economia e é algo que o governo luta para tratar, pois o país não consegue se sustentar em uma nação de eremitas. Apesar disso, muitas empresas tiram vantagem deles, oferecendo entretenimento direcionado a hikikmoris, que ficam muito tempo na internet e consumindo entretenimento que incentive o seu isolamento. Entre esse entretenimento diretamente direcionado a hikikomoris está justamente, romances e pornografia que romantizem o incesto. E para um jovem incapaz de conversar com alguém fora da casa dele, com muita fobia social para conhecer novas pessoas, vocês conseguem ver porque esse jovem fantasiaria com uma irmã imaginária que ele conhece desde que ele nasceu e com quem ele não tem que aprender a conversar?

Existe todo um subgênero da fetichização do incesto no entretenimento japonês, em que um dos protagonistas é um hikikomori e/ou uma pessoa excessivamente obcecada com games, animes e mangás que já não consegue mais funcionar socialmente. E elas tentam oferecer escapismo da pressão de sair de casa e integrar a sociedade. O incesto é parte desse escapismo que esse entretenimento oferece.

Tem um mangá só para romantização e fetichização de incesto como forma de escapismo, chamado Siscon Ani to Brocon Imouto ga Shoujiki ni Nattara, em que os protagonistas são dois irmãos que começaram a fingir que namoravam só para poderem jogar videogames em casa o dia inteiro podendo evitar os amigos e parar de ir em encontros com o pessoal da classe dele. Eles acharam esse modo de vida tão conveniente que a mentira virou verdade. E para alguém pra quem sair de casa e conhecer pessoas é tortura, isso se torna escapismo.

A vida em sociedade depende que a gente faça pactos, alianças e contatos com pessoas diversas, de fora de nossa bolha. Todo brasileiro está conectado em uma rede de pessoas que ou são família, ou trabalham juntas ou bebem juntas, e essa rede é longa. O ponto onde eu estou nessa rede pode ser muito longe da em que você está, leitor, mas eu garanto que esses pontos eventualmente se encontram na rede. Mas o casal incestuoso se desconecta dessa rede.

Uma das teorias de porque a nossa trava anti-incesto existe é justamente a de que lá atrás, as pessoas que achavam a mera ideia de ficar com a própria irmã impensável, ficaram com as irmãs dos outros e criaram grupos de troca, e comunidades que puderam se estabelecer. Pessoas incestuosas, não participavam dessas trocas, e ficavam isolados com suas famílias, até o dia em que um dos filhos não teve descendentes, e o grupo se extinguiu. Todos nós somos descendentes dos que resolveram viver em sociedade, e herdamos essa trava conosco.

Agora, para entender a importância de que a busca por pares românticos serve de motivação para sairmos da zona de conforto que são as relações familiares, é preciso de fato largar mão do “incesto é errado, pois o filho nasce com 11 dedos nos pés”. Até porque, cá entre nós, isso faz algumas histórias se esforçarem pra resolver o problema genético e não o social. Em Percy Jackson and the Olympians, eles falam que os deuses não tem DNA, e que portanto não tem problema nenhum os semideuses se pegarem entre si, mesmo que por conta de serem filhos de Deuses Gregos todos eles terem parentesco. Porém isso ignora o fato de que o Acampamento Meio-Sangue é um local onde os semideuses se isolam do resto do mundo e onde os não semideuses não tem acessos. O romance dentro do Acampamento Meio-Sangue é endogâmico, e mantém os semideuses próximos somente dos seus em um lugar onde outros grupos não tem acesso. Foda-se se Deus não tem DNA, o tabu do incesto serve para motivar o ser humano a não fazer exatamente isso.

E bem. Muita obra de ficção fala sobre incesto. Muitos mangás e animes romantizam e fetichizam como eu mencionei. Muitas obras, como Oedipus Rex, retratam como uma tragédia. Algumas obras mostram como um sintoma da alienação da aristocracia. Ou como um ato de extrema perversidade para enfatizar que os vilões não têm redenção. Mas eu quero aqui falar sobre como Game of Thrones, que coloca um foco imenso da série na maneira como o incesto dos personagens afeta suas alianças, sua relação com a sociedade e o incesto é tratado como um problema da ordem política.

Game of Thrones:

Na série Game of Thrones, o filho de uma casa nobre se apaixonou por sua irmã, e por causa disso o reino caiu na maior guerra civil de sua história uma que talvez consiga extinguir algumas das mais tradicionais famílias nobres do reino. Não foi só por causa disso, mas foi bastante por causa disso. George R. R. Martin se inspirou muito na história da Europa para escrever os livros, e se inspirou muito em como o incesto era praticado em cortes e entre a nobreza, e o tipo de consequência que isso tinha. E ele tomou a muito sábia decisão de não descrever Joffrey ou Daenerys como pessoas feias, com problemas cardíacos nem queixos tornos. Isso é bom. Pois permite que a gente julgue as consequências do incesto sem se distrair achando que o problema é o Joffrey ter o queijo torto. Em especial em uma série onde personagens que nasceram com problemas genéticos já comem o pão que o diabo amassou, seria muito difícil separar o ódio contra o incesto do ódio contra os deformados. Mas não. Joffrey e Daenerys são ambos lindos, de boa saúde e portadores de genes desejáveis, mas o incesto na história segue retratado como errado.

Um desses dois nasceu de uma violação moral e política de seus pais, e tem a estabilidade de sua posição no reino dependendo da narrativa que fazem por trás de seu nascimento. O outro nasceu com problemas genéticos e é amplamente desprezado e considerado uma aberração por sua aparência física. Um roteirista mais amador poderia misturar esses dois assuntos em vez de constastar duas pessoas odiadas por motivos muito diferentes e que se contrastam em inúmeras perspectivas.

Em Game of Thrones temos essencialmente três casos de incesto para ser observados. Na real são muito mais, mas dá para diminuirmos para três exemplos, pois eu vou pegar um exemplo que poderia ser no mínimo 4 exemplos diferentes e concentrar em um só: O primeiro exemplo é: todos os Targaryens. Sem precisar fazer a distinção clara de cada casal de irmãos que rolou nos Targaryen, e observando como a família como um todo lida com o ato. O segundo exemplo é o de Craster com suas flhas. E o terceiro é claro, Jaime e Cersei Lannister, o casal incestuoso mais relevante de todos os livros.

“Ah, mas e o Theon passando a mão dentro das calças da Asha?”, é teve isso. Mas isso é outra coisa, eles não têm um relacionamento. Isso foi só uma zoeira hiperbólica que a Asha pregou no Theon pra chocar os leitores. Theon e Asha não são um casal, apesar do ato. Os exemplos que valem a pena de se comentar são esses três. Inclusive, o fato de que Asha deu corda sabendo que Theon ficaria enojado quando descobrisse, só mostra como o tabu é de fato forte mesmo entre os nascidos do ferro. Ela tirou vantagem da obvia repulsa que o irmão teria ao incesto pra passar um trote nele. Irmãos se pregando preça para se zoar depois, só que hardcore.

O Caso Targaryen:

Os Targaryen são um caso curioso em Game of Thrones, pois eles são pra todos os efeitos uma das famílias mais importantes da história. Em ordem de prioridade são os Starks, os Lannisters e os Targaryen. E enquanto os Starks e os Lannisters estão em uma rivalidade muito ativa, os Targaryen estão essencialmente extintos quando a história começa, exceto por dois irmãos, e um dos irmãos não passa da metade do primeiro livro.

Os Targaryens são apresentados muito por sua história e reputação. O que sabemos sobre a família? Sabemos que eles cuidavam de dragões, sabemos que eles foram reis dos Sete Reinos por 300 anos, e sabemos que eles tradicionalmente cometiam incesto entre irmãos para manter o poder em Westeros. E quando vemos Daenerys e Viserys no começo do primeiro livro, eles não tem mais dragões, não tem mais a coroa, e Viserys está sendo obrigado a casar sua irmã para um chefe de uma cultura que ele não entende nem respeita, pois ele não tem mais poder.

Afinal, os Targaryen são uma família tradicionalmente incestuosa, mas não são uma família com fetiches particularmente fortes…. assim, obviamente temos histórico por causa do número grande de Targaryens históricos que deixaram seus podres nos livros de história, mas num geral, a chance de um Targaryen ser particularmente pervertido ou ter gostos sexuais fora da caixa é tanto quanto qualquer outro nobre de Westeros. Eles não casam com suas irmãs pois essa é a tara deles, e sim, pois esse casamento é político.

Afinal, a cena do pack do pezinho é um dos momentos de House of the Dragon em que justamente, não tinha nenhum Targaryen envolvido.

Se um casamento é uma forma de transformar duas famílias na mesma família e gerar laços de parentesco novos e alianças, então obviamente a aliança mais desejável do mundo é com a família real. A gente viu muito bem em House of the Dragon que casar-se com Rhaenyra era um caminho claro em direção ao trono. Você não precisa ter tesão pela Rhaenyra, um nobre gay poderia desejar esse casamento sem a menor intenção de dormir com ela, mas ainda querer todo o resto que vem com o casamento.

E quando os Targaryen casam entre irmãos é exatamente isso que eles negam: essa aliança. Eles impedem que as demais famílias possam ser consideradas parentes dos Targaryen. Nos limites de que eles as vezes casavam com outras famílias, a gente viu com clareza os Hightowers casando com os Targaryen em House of the Dragon, e sabemos dos casamentos históricos com Velaryosn, Baratheons e Martells, mas é só de vez em quando, e é feito com cautela. Viserys e Alicent poderiam ter casado Aegon com qualquer jovem nobre de Westeros e o pai dessa jovem teria um lugar de direito na mesa de refeições onde Viserys reuniu todo mundo na reta final da série. Mas eles casaram Aegon com sua irmã, e todos esses nobres foram posto em seu lugar, longe dessa mesa, com acesso limitado ao poder real. Na dança dos dragões, ambos os candidatos ao trono são incestuosos casados com um parente de mesmo sobrenome, o que significa que não importa quem ganhar, o rei e a rainha serão dois Targaryens. Não tem a menor chance de sair um rei Hightower ou Velaryon desse conflito, por mais que eles estejam brigando e se sacrificando por poder indireto que receberão….

Não faz diferença quem vai ganhar a guerra, uma dessas bandeiras já ganhou e as outras duas não vão ter seu símbolo como sigilo do rei.

A cena em que Viserys deixa bem claro para os Velaryons, que todo filho de Rhaenyra poderia adotar o sobrenome Velaryon, exceto por aqueles que fossem herdar o trono de ferro é marcante pra mim. Ele pode aproximar os Velaryons do poder, mas não vai deixar o sobrenome deles brilhar.

Acho que em algum momento a série falou “manter o sangue puro”, mas não. Isso é endogamia, e o que isso mantém puro é o circulo social deles. Não dever nada pra outra família, e tornar o espaço que eles ocupam na sociedade inacessível. Lembrar que não importa o quanto as outras famílias cresçam em influência, que é muito difícil entrar nesse grupo. E esse é o motivo pelo qual os faraós do Egito casavam irmão e irmã também. Endogamia, manter os grupos separados, realizando casamentos somente dentro e um grupo é ruim pra sociedade, mas é desejável para muitos grupos que estão no poder e querem manter esse poder exclusivo. Afinal, é por isso que nobre vive casando os primos, e por isso que sempre que um príncipe inglês casa com uma plebeia é uma notícia de jornal.

Agora, uma coisa curiosa da universalidade do tabu do incesto, é a maneira como a gente tem também uma dose cavalar de mitologias e religiões politeístas em que os Deuses cometem incesto. Os deuses gregos, egípcios, nórdicos, japoneses, astecas, chineses, incas, havaianos… a quantidade de deuses que se casam e se reproduzem com membros da própria família é imenso. E isso é porque o incesto é um tabu humano. Os animais podem, e os deuses podem, quem não pode somos nós. Isso sempre foi bem claro. Os Deuses estão acima de nós, e nós temos que nos preocupar com excessos com os quais eles não têm. E isso traz a segunda razão política por trás do incesto Targaryen. A de criar essa distinção.

E isso é importante, pois se tem algo que os Targaryens, especialmente o Aegon I entendia é de fazer política por atos simbólicos. Aegon I, o fundador dos Sete Reinos não só se casou com sua irmã. Ele se casou com suas duas irmãs. Ele com suas duas irmãs-esposas conquistou aquela terra e se tornou rei de todos que moravam lá. Naquela terra tanto o incesto quanto a bigamia não eram práticas legais. Ele tornou essas práticas legais? Não! Ele não precisa. Ele é um Targaryen, a lei dos homens não vale pros Targaryens. A família real aceitou que as leis tradicionais continuassem pro povo e pros nobres, enquanto deixava claro que se veria como exceção desde o princípio.

Alguém pode achar que o que Aegon I fez foi estabelecer que a lei do país não vale pro rei, mas é só ver que a Cersei foi punida e julgada pelo crime de incesto mesmo sendo a rainha regente pra ver que tem como fazer um rei pagar por cometer incesto. Mas não um Targaryen. Os dragões estão acima dos nobres, e podem fazer o que nem os nobres podem. E continuar praticando incesto na frente de todos os vassalos os lembrava disso.

Quando Tywin propôs um casamento entre Cersei e Rhaegar, para reaproximar suas famílias, Aerys afirmou que Cersei estava abaixo dos Targaryen e que a proposta era insultante.

Essas duas razões políticas servem o mesmo propósito. Permite que os Targaryen tratem os Lannisters, Starks, Tyrells e Tullys da mesma forma que essas famílias tratam os camponeses, os cozinheiros e os servos. Mas existe uma terceira razão ainda. A família Targaryen é muito pouco unida e constantemente precisa fazer as pazes consigo mesma. No segundo episódio de House of the Dragon, Otto Hightower afirma que todo o conflito seria evitado de Rhaenyra se casasse com Aegon, e isso impedria que os dois passassem anos lutando e sacrificando vidas lutando pelo espaço que poderiam ter dividido desde o princípio. Seria um casamento incestuoso que teria impedido uma guerra civil de proporções enormes.

Da mesma forma. O casamento de Rhaenyra com Daemon, reaproximou Daemon de seu irmão, que o havia deserdado publicamente. Ele foi expulso da família, mas entrou novamente nela através de seu incesto com a sobrinha.

E temos o caso de Daenerys e Jon Snow em seu romance que só existe na série que eles não sabiam que era incestuoso na época, mas que foi um romance que uniu o Norte com os Targaryen e encerrou a rivalidade deles que durava por episódios. Então, os Targaryen estão constantemente precisando fazer as pazes internamente, e o casamento interno deles serve a esse propósito também.

O que nos volta a Viserys, que em sua primeira aparição está oferecendo sua irmã em casamento, em troca de uma aliança com os Dothraki. Viserys não tinha nada além de desprezo pelos Dothraki, e saber que isso era a melhor aliança que ele tinha era humilhante.

Daenerys por outro lado foi quem mais tirou benefícios desse ato de extrema exogamia. A cultura Dothraki fez mais bem pra ela do que ela em si fez bem pra cultura Dothraki, e a vez ver o mundo de formas diferentes. Nem Khal Drogo nem Viserys saíram vivos dessa aliança desastrosa, mas Daenerys saiu renovada, com uma nova noção do que significa liderança, com um grupo misto e intercultural de aliados e soldados, e sem ver o mundo sobre o prisma dos Sete Reinos.

O Caso Craster:

Lembra quando eu falei que a gente descende das pessoas que não cometiam incesto e por isso formaram uma sociedade. Pois bem, Craster é exatamente o oposto do que eu falei. Ele é um homem que rejeitou completamente o conceito de sociedade para poder estuprar, casar e engravidar suas filhas, vivendo sozinho com suas inúmeras filhas numa cabana no meio da neve fora dos limites do reino..

Craster não é parte dos Sete Reinos. Ele também não é parte do grupo que Mance Ryder uniu. Ele não tem afiliação nenhuma além de si mesmo, e vive da maneira mais individualista que alguém pode viver. O senso de coletivo dele não sai de sua casa, onde ele abusa e maltrata suas incontáveis filhas sem dar satisfação a ninguém.

Como todo ser humano, Craster faz política, naturalmente. Ele está em termos amistosos com a Patrulha d Noite, e oferece teto e acolhimento a eles em troca de presentes. Sob a condição de que nenhum chegue perto de suas filhas. E justamente, suas filhas estão fora dos limites, pois é assim que ele mantém a troca com a Patrulha da Noite a uma distância aceitável. No instante em que ele achar conveniente ele desfaz a troca e ninguém ali será pai do neto dele e portanto alguém pra quem ele deve satisfação. Uma aliança muito mais sólida que ele tem é com os Outros. De acordo com a série, e fora do alcance do que os livros podem confirmar ou negar, os filhos homens ele entrega aos Outros em troca de proteção, e com isso ele tem uma aliança com os Night Walkers de nunca ser vítima de seus ataques, e seus filhos se tonam Night Walkers também. A entrega de um filho a outro grupo torna ele imune aos ataques desse grupo e em uma posição de aliança.

Já da Patrulha da Noite ele não tem proteção nenhuma. Ele termina assassinado por um grupo de amotinados que toma sua casa, sua comida e suas filhas-esposas. Pouco tempo depois cerca de metade desses amotinados morrem. E sabe-se Deus o que vai acontecer com as filhas ou com o local. Mas o ponto central é: conforme as gerações, o único vestígio de que um homem chamado Craster existiu que será contado e lembrado dependerá de  Gilly sobreviver os livros e conseguir se estabelecer com Sam nos Sete Reinos e depois disso seguir falando sobre seu pai. Craster escolheu viver sem comunidade, morreu em uma violação de um tabu social forte em Westeros (a lei da hospitalidade), que o infrator justificou de boa, por estar em terra sem lei afastada dos pactos sociais, e será esquecido pela comunidade. Ele não marcou pessoas, ele não se integrou a nada e ele não deixou legado. A chance da história nunca ficar sabendo que ele existiu daqui a 300 anos é muito maior do que a chance da história não deixar registros sobre Ned Stark ou Jeor Mormont.

Agora tanto os Targaryen quando Craster se separaram da comunidade central onde a história do livro ocorre: da nobreza de Westeros. Os Targaryen se colocaram acima de todo mundo, e ficou claro que se alguém cuspisse neles o cuspe cai de volta em sua cara. E Craster é isolado de Westeros no geral, de todas suas leis, pactos e bom-senso, vivendo somente em torno de si. Vamos falar agora de dois personagens completamente inseridos na nobreza de Westeros e no centro ativo da comunidade em que essa história se foca.

O caso de Jaime e Cersei Lannister:

A história começa quando Jon Arryn é assassinado enquanto investigava a linhagem dos príncipes herdeiros ao trono e descobre que são todos filhos do incesto da rainha Cersei com seu irmão e guarda-costas do rei, Jaime. Ele não foi assassinado por descobrir esse segredo, foi uma relativa coincidência, mas assim, o timing bateu tão bem que eu não sei nem se os próprios Jaime e Cersei sabem que os Lannisters são inocentes desse assassinato. E portanto a investigação a respeito do incesto de Jaime e Cersei se torna o ponto central do primeiro livro, e o primeiro dominó de uma série de dominós que terminam na maior guerra civil que o reino enfrentou desde a dança dos dragões, uma que pode potencialmente extinguir algumas das mais tradicionais famílias nobres de Westeros.

E tudo começou porque Jaime e Cersei se apaixonaram entre si.

E é importante ressaltar aqui. Jaime e Cersei estão de fato apaixonados. Eu não quero falar que não tem nada abusivo na dinâmica deles por que…. bem, porque a Cersei é complicada na maneira como ela trata o Jaime as vezes. Eu passo metade dos livros pensando “Puta merda Cersei, por que você é assim com o Jaime?”. E teve uma cena de estupro que a série de tv fez o desfavor de incluir com Jaime estuprando a Cersei na frente do cadáver do filho deles. Que cena desnecessária e que atrocidade pra por na carreira do meu personagem favorito. A série tem um problema pesado com a maneira como eles usam estupro pra chocar a audiência, eu ainda tenho problemas de como conduziram a primeira noite de Daenerys e Drogo mas essa conversa é pra outro dia. O ponto é, que apesar de Jaime e Cersei terem problemas mútuos de serem péssimos parceiros, no fim das contas eles ainda estão genuinamente apaixonados, e juntos por opção e por amor, apesar de terem seus pontos baixos enquanto gente decente.

Quero estabelecer isso porque tipo, tá, temos o caso da Rhaenyra e o Daemon que também estavam apaixonados. Mas o que o Craster faz com as filhas é abuso e violência, e está extremamente claro que o que conecta Craster com qualquer uma de suas filhas não é amor vindo de nenhuma parte. É só abuso. O casamento de Aegon com Helaena também, ela menciona em House of the Dragon sobre apanhar de Aegon, e é óbvio que o casamento arranjado deles não se sustenta em nenhuma noção de romance. Viserys não amava Daenerys, e qualquer assédio sexual por parte dele não tinha nada sequer próximo de romance em nenhum nível do subtexto. E eu presumo que inúmeros outros Targaryens que casaram com suas irmãs não estavam de fato apaixonados.

Mas Jaime e Cersei estão. Por mais que eu pessoalmente prefira que ao longo dos próximos livros, caso saiam mesmo, Jaime se apaixone por Brienne e definitivamente dê um pé na bunda da Cersei. Já chega dele babando por essa mulher horrível. Dormir com a irmã é uma coisa, mas dormir com a psicopata que destruiu o reino do jeito que ela destruiu, ah, é outro tipo de frieza que esse segundo ato exige, e eu espero mais do cara que matou o Rei Louco.

Enfim, em Westeros, na perspective de todo lorde dos Sete Reinos, seus filhos são uma gigantesca moeda de troca. Eu falei em cima que casamentos são formas de famílias fazer alianças, e Westeros, tal como muitas outras sociedades de antigamente, leva isso ao extremo. Com os pais mediando os casamentos dos filhos em prol do interesse da família. Exercer essa prática está completamente enraizado na maneira como os nobres atuam em Westeros, e nesse ponto Tywin Lannister não é uma pessoa pior do que os Starks ou os Tyrell por ver no casamento dos filhos a chance de fazer alianças estratégicas.

Porém no caso de Tywin, tudo foi pro saco. Jaime pra garantir que jamais dormirá com uma mulher que não seja Cersei, entra na Guarda Real só para poder jurar castidade e não ser obrigado a casar. Tywin consegue casar Cersei com o Rei Robert, mas ela odeia seu marido, e evita ao máximo transar com ele, tentando realizar o ato só em momentos em que Robert estivesse bêbado o suficiente para não entender o que eles fizeram ou não e abortando os filhos de Robert. Cersei e Jaime querem ficar juntos, mas seu desejo de ter os filhos de Jaime e não de Robert faz com que a relação da família Lannister com a Baratheon seja danificada.

Quando começa a guerra dos 5 Reis, as principais famílias tiveram quem era leal a eles ou não definido pelos seus casamentos, não a toa, no terceiro livro, quando a guerra está no auge, existem três casamentos rolando ali. Robb promete casar-se com a filha de Frey, quando ele descumpre seu trato ele tenta fazer as pazes com outro casamento e é traído. Renly se casa com Margaery pela aliança com os Tyrell, que após a morte de Renly se casa com Joffrey que após morrer se casa com Tommen. Melisandre ganha um cargo na corte de Stannis manipulando a sua esposa, usando o casamento de Stannis para transformar sua aliança com sua esposa em uma aliança com ele. Os Martell mandaram Quentyn pra Essos pra tentar casar com Daenerys. E Tyrion se casa com Sansa, até Petyr Baelish arranjar um casamento melhor pra Sansa depois que Tyrion foge do país.

E nisso, a reputação de Cersei como incestuosa, que correu os Sete Reinos, faz com que ela seja uma péssima moeda de troca. Cersei e Jaime são gêmeos, e a série constantemente sugere que a atração sexual intensa que eles tem um pelo outro é um reflexo de narcisismo, e com isso Jaime e Cersei se estabelecem como pessoas que só amam a eles mesmos. Mas Tywin precisa convencer os demais de que Cersei é capaz de se integrar a outra família e ter os filhos de outra família e que portanto Tywin pode fazer aliados entre os demais nobres.

Cersei e Jaime tornam a vida de Tywin bem difícil nesse quesito. E na série vezes demais a Cersei paga o preço de uma vida sem aliados. Ela vê um mundo em que o único pacto que ela faz é com a sua própria família e onde seus únicos aliados são com seu irmão e seus filhos. E vemos com muita clareza o quanto na reta final da série, Cersei não tem ninguém o lado dela pois ela lutou contra a ideia de ter uma rede de aliados. Nos livros eu não acho que está muito longe disso, mas a série foi mais longe.

Dito isso, diferente de Jaime, Cersei não transou só com Jaime. Cersei ofereceu sexo em troca de favores diversos. Desde como recompensa pra Lancel após ele matar Robert, até transar com Osney Kettleback para que ele seja cúmplice dela em desgraçar Margaery Dito isso, a verdade sobre Cersei, e isso é especialmente verdade nos livros, é que ela vê no sexo menos uma forma de fazer alianças, conexões e pactos e mais uma forma unilateral de negociação. Em que homens vão seguir a obedecendo enquanto ela seguir transando. E isso se volta contra ela, Lancel e Osney os dois traem Cersei e a acusam ao Alto Pardal. E mesmo Jaime nos livros, ao descobrir que Cersei não foi fiel a ele, e dormiu com outros homens, se recusa a ir ajuda-la em seu julgamento. Ela acha que somente o ato sexual, sem nenhum noção de parceria manteria os homens presos e não manteve.

Com Jaime seu grande ato de redenção e o ponto de virada pro público começar a acha-lo uma boa pessoa veio da relação que ele forma com Brienne. Relação essa que eu vejo sob o prisma romântico, mas que não precisa ter ainda. Funcionará se eles nunca passarem da amizade. Mas é na jornada com Brienne que Jaime sai da bolha Lannister narcisista e começa a olhar pro mundo com outros olhos e reavaliar sua relação quanto a ser um cavaleiro, ser um Lannister ou ser pai do Joffrey. Se conectar emocionalmente com um não-Lannister e dividir altos momentos de intimidade, fez que Jaime se transformasse, enquanto que Cersei intensificar seu narcisismo após a morte de Robert, com seu filho incestuoso no trono fez ela seguir em um ciclo vicioso.

No fim o que esses dois realmente precisavam era sair de casa. E o Jaime saiu. Ele conheceu gente do lado de fora. E eu sinto que isso é o que muitos personagens de Game of Thrones precisam. Seja os que estão presos em relacionamentos incestuosos, ou seja os que estão presos no próprio mundo de outras formas.

Conclusão:

O George R. R. Martin é famoso por e se gaba de aplicar pragmatismo político em sua obra. No sentido de que os personagens estão constantemente tentando fazer política, e fazer a coisa certa nem sempre é retratado como fazer aquilo que funciona. Em que decisões maquiavélicas são recompensadas, e idealismo e honra pode ser punidos as vezes. Os personagens são recompensados ou punidos pelo quão bem eles sabem jogar o Jogo dos Tronos e entendem como o mundo funciona. E jogar bem ou mal ter pouco a ver com ser herói ou vilão. Cersei e Ned são péssimos no jogo, Tyrion e Petyr são bons.

E nessa perspectiva pragmática, a exogamia é mais vezes do que não mostrada como um caminho eficiente em comparação com a endogamia, que muitas vezes é mostrada como um vicio a ser superada. E o incesto é uma das formas do autor explorar isso.

Casar com Drogo colocou Daenerys em uma perspectiva muito mais favorável do que se ela casasse com Viserys, onde nada mudaria e ninguém ganharia nada. A única filha de Craster com alguma perspectiva de futuro é a que que abriu o coração para um homem que não fosse seu pai. E Jaime ter se conectado emocionalmente com uma mulher feia de uma ilhota nas Stormlands permitiu que ele fizesse a transição de vilão a herói. Viserys e Craster foram mortos pela sua incapacidade de incluir pessoas de fora de sua bolha em seu modo de fazer política. E Cersei está sendo punida por isso enquanto falamos, isolada e sem aliados, por nunca ter aberto o coração pra alguém que não fosse Lannister.

O Martin usa incesto pra falar isso. Mas não usa somente incesto pra falar isso. Jon Snow ter se apaixonado por uma selvagem foi não só um ponto de virada pessoal pra ele, mas a longo prazo para toda a história entre o pessoal da Muralha e o resto do Povo Livre. O Jon Snow voltu pra Muralha com perspectivas que fez ele um dos líderes mais radicais em como foram conduzidas as relações dos dois povos. Viver com os Starks e ser tratado como membro da família por Ned, deu a Theon perspectivas de como viver fora da bolh Greyjoy que afetaram ele pra cacete.

Tanto os livros quanto a primeira série de Game of Thrones no que diz respeito a jornada dos personagens é essencialmente sobre choque cultural e bolhas se quebrando. O Martin escreveu uma quantidade muito vasta e diversa de culturas que habitam Westeros e quase todo personagem precisa sair de sua zona de conforto e ser julgado pelo quanto eles conseguem dialogar com outra maneira de agir. Isso vai desde Ned saindo do Norte, até Arya vivendo entre os plebeus, passando por Sansa saindo dos privilégios de menininha alienada pelo convívio com Sandor e Petyr, até Bran descobrindo a magia. Muitos personagens têm que se deparar com pessoas que pensam diferente deles e vivem vidas muito diferentes deles e lidar com a diferença cultural.

E cada personagem tem uma vida sexual diferente, uma sexualidade diferente, e uma relação diferente com desejo. Mas sexo é parte disso. Como eu já disse, o casamento é de maneira explicita uma moeda de troca da nobreza. E pra cada lorde dos Sete Reinos, os filhos sempre são objetificados a algo que pode ser dado a outra família em troca de algo. Mas além disso, existe o sexo em si.

Muitas instituições de Westeros obrigam seus membros a jurar castidade. E isso é dito de maneira explicita, quebrar a castidade pode gerar afetos, e afetos geram lealdade. E por meio do sexo um membro da instituição pode perder a lealdade a instituição de maneira neutra. Um membro da Patrulha da Noite, ou da Cidadela não pode transar com ninguém, sob o risco de criar laços com alguém que não seja seu dever vitalício.

Mas os personagens evoluem e avançam criando esses exatos laços. Explorando o mundo fora de suas bolhas, e essa exploração pode ser sexual. Quando os Targaryen decidiram se abrir para casamentos com os Martell eles enfim conquistaram o último reino que precisavam via casamento e alianças com a cultura mais diferente de Westeros que tinha.

O nome original da série de livros A Song of Ice and Fire fala justamente sobre isso. Sobre o contato entre opostos e sobre a suposta conexão entre Rhaegar Targaryen e Lyanna Stark que se ela foi positiva ou negativa pra Westeros eu acho que ainda está ambíguo, mas ela provavelmente representa um Rhaegar mais iluminado.

Muita gente fala do George R. R. Martin como se ele tivesse algum fetiche com incesto. Mas acho que pouca obra critica o incesto da maneira como o Martin critica. Pois ele não está falando que o incesto é ruim, pois seu filho vai nascer uma aberração. Pelo contrário ele está mostrando com muita clareza, que o Tyrion é um herdeiro muito melhor e mais digno que o Jaime e que não ser capaz de entender/aceitar isso é o defeito de Tywin que eventualmente lhe custou a vida.

Em vez de usar o incesto como uma precaução contra o nascimento de gente com o queixo torto, o Martin expõe o incesto como o que é: alienação. Uma maneira de se fechar do mundo e não conseguir olhar além da própria casa. E essa habilidade é importantíssima, para fazer política, mas para a sociedade melhorar.

Mesmo os Targaryens, que supostamente eram os que mais conseguiam manter Westeros sob controle praticando incesto, está aí lançando um Spin-off sobre como eles transformaram um problema inteiramente familiar em algo que nobres e plebeus de todos os Sete Reinos vão pagar com a vida, para ver qual casal incestuoso vai governar.

O texto foi esse. O texto foi grande, e eu limitei muita coisa que eu queria falar, me limitando a focar só em como Game of Thrones trabalha o tema. Mas se quiser que eu olhe sobre como outras séries trabalham o tabu do incesto e o que elas trazem a tona mostrando-o, comentem aqui ou nas redes sociais, pois eu de fato queria poder falar mais sobre incesto em Rick and Morty, Arrested Development e especialmente em como mangás japoneses de romance tem esse arquétipo da irmãzinha como interesse amoroso, e esse arquétipo tem uma intersecção estranhíssima e complicada com o muito-mais-socialmente-aceito arquétipo da amiga de infância. Se tiver alguma série que te faça se perguntar “Por que o autor meteu incesto na história? Qual o problema dele?”, jogue nos comentários, pois eu provavelmente quero descobrir o problema dele.

Feliz aniversário ao Dentro da Chaminé. Blog completando oito anos firma e forte Não esqueça de checar nosso financiamento no apoia.se, de compartilhar o texto, e eu vejo vocês texto que vem.

Sobre o autor

Izzombie

Sou um cara chato que não consegue ver um filme sossegado sem querer interpretar tudo e ficar encontrando simbolismos e mensagens. Gosto de questionar a suposta linha que separa arte de filmes comerciais, e no meu tempo livre pesquiso sobre a história da animação.

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Alertas

  • – Todos os posts desse blog contém SPOILERS de seus respectivos assuntos, sem exceção. Leia com medo de perder toda a experiência.
  • – Todos os textos desse blog contém palavras de baixo calão, independente da obra analisada ser ou não ao público infantil. Mesmo ao analisar uma obra pra crianças a analise ainda é destinada para adultos e pode tocar e temas como sexo e violência.

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