Qual é o poder da ficção?

Q

Ok, teve uma polêmica recentemente na bolha otaku da internet. Que eu não queria me envolver, pois envolvia um anime que eu não vi, nem tinha a intenção de ver, chamado Tate no Yuusha. Que eu ainda não vi e ainda não quero ver. Esse texto não é sobre esse anime.

Mas nessa polêmica, em que um youtuber fez críticas a maneira como o anime retratava entre outros pontos, a relação do protagonista com escravidão, e o sentimento dele por mulheres após uma falsa acusação de estupro, gerou barulho entre os otakus. E foram acusações de lacração, de ver política nas coisas, e incel irritado que foi chamado de incel. Aí o youtuber falou que esse tipo de anime devia ser proibido e veio papo de censura. Essas pataquadas todas e, honestamente, quando tava nesse nível, eu estava pouco me fodendo pra essa briga. Os nerdolas putos porque problematizaram o rolê deles… não é o suficiente pra me fazer querer conhecer o canal no youtube ou vir a público dar pitaco em anime de isekai. Tanto não é o suficiente, que não é o que eu vim fazer. Esse texto não é pra abordar diretamente essa polêmica. Inclusive, última vez no texto inteiro que vou reconhecer a existência desse vídeo.

Eu estou trazendo essa polêmica otaku à tona, pois ela habitou meu twitter por um tempo e em determinado momento apareceu na minha frente o argumento: “Ah, mas eu vejo One Piece e não virei pirata.”, ou “Ah, mas eu joguei GTA e não matei ninguém.” Ou “Ah, mas isso não existe, pois ninguém se transporta pra mundo de fantasia.” Ou “Gente, ninguém tenta martelar gato por causa do Tom & Jerry, pois isso é tudo ficção, é mentirinha.” E daí foi ladeira abaixo. E esse tipo de coisa é algo que aparece nas discussões nerds o tempo todo.

O vice-presidente está errado pra cacete nessa afirmação. Mas esse tipo de resposta caga o debate inteiro. Nivela o debate por baixo.

E foi aí que essa briga pisou no meu pé. E que eu fiquei puto. Especialmente quando começaram a aparecer na minha frente uns otaku comparando tudo isso com a reportagem da Record falando que Death Note incentiva as crianças a quererem matar com caderno mágico. E os otakus que em resposta vieram putos falar que não foram incentivados a querer matar com o caderno mágico. E eu pense “Putz, é mesmo, a Record falou isso, e os otakus responderam isso.”

E aí é que me deixa cabreiro. Pois se tem algo que eu odeio, é quando alguém puxa o argumento de “Se as obras tivessem poder sobre o expectador, as crianças pulariam do prédio imitando o Superman.” E esse argumento é velho, e infelizmente ele pauta o debate sobre o poder da ficção na vida das pessoas, e joga a nota de corte lá embaixo. Em especial porque as respostas respondem na mesma língua “Mas teve sim criança que imitou o Ojing-eo Geim (Jogo da Lula) na escola.”, como se o ponto fosse esse. Como se fosse sobre isso.

A conclusão que essa turma chega é que: Se um número considerável de crianças, se dispõem a imitar um filme ou série ou quadrinho, então é ruim e perigoso. Mas se nenhuma criança diretamente imitou um filme ou série ou quadrinho, então é só uma história, inofensivo. E isso é um jogo entre dois extremos que ignora precisamente qual é a relevância de histórias no nosso mundo.

E aí ei fiquei puto. E quando eu fico puto eu faço o quê? Eu escrevo um texto! Então bem-vindes a esse texto. Eu sou Izzombie, esse é o Dentro da Chaminé, e aqui eu quero falar um pouco sobre como histórias fictícias têm poder. E como esse poder não é sobre quantas pessoas mataram o irmão por causa do Sasuke, nem sobre quantas não mataram. É estúpido achar que influência só opera nesse nível literal. Então quero falar dos demais níveis.

O poder de dar carisma:

E quero começar contando uma história.

Os Estados Unidos são um país que tem uma tradição de muito mau gosto de colocar seus políticos no dinheiro…

Nossa, dessa a gente se safou. O nosso dinheiro homenageia um bando de animal, que ao mesmo tempo que nos lembram da importância da nossa fauna, são todos adoráveis. Mas o dinheiro de muitos países tem gente nele. O que é uma péssima ideia, pois ninguém nunca vai pensar que daqui a 70 anos, o desenho de um mico-leão dourado pode envelhecer mal quando a gente olha melhor para nossa história. Um ser humano por outro lado….

Enfim, e dentre os políticos que tem a “honra” de ilustrar as cédulas de dólar, um bastante debatido é o sétimo presidente dos Estados Unidos, Andrew Jackson, que ilustra a nota de 20 dólares. Um dos presidentes mais controversos que o país já teve. Famoso principalmente por promover limpeza étnica contra os povos nativos, em um crime que diferente do de outros homens da história dos EUA, ninguém nem cogita tentar negar ou relativizar.

Embora os boatos de que ele foi um canibal sejam um exagero para vilanizá-lo mais ainda. Ele ser um genocida do povo indígena já é o suficiente pra condená-lo.

Uma das minhas cenas favoritas em House of Cards é justamente a em que Frank vai ter uma reunião com um nativo americano. E assim que ele entra na sala de reuniões, ele aponta pra Frank um quadro de Andrew Jackson e pergunta: “Andrew Jackson vai estar presente nessa reunião?”. Frank dá aquele sorriso amarelo de quem não observou direito a sala, imediatamente se desculpa, fala um “claro que não.” E manda o quadro ser retirado. Não existe perspectiva em que aquilo não seria desrespeitoso e até mesmo um político conservador vilanesco da ficção entende o quão inaceitável era deixar aquele quadro ali.

Andrew Jackson é um presidente que pega mal. E por isso, em 2016, alguém teve a seguinte ideia: “Ei, e se a gente trocasse a nota de 20 dólares, e colocasse no lugar de um genocida escravista, uma mulher negra? Que tal Harriet Tubman, uma abolicionista que salvou centenas da escravidão? Para passar a mensagem de que essa sim representa algo da história dos EUA do qual o povo pode se orgulhar?”

E a resposta foi: “Calma lá.” Seguido do papinho furado de que não podiam substituir Jackson. E no lugar, eles tentaram empurrar que Tubman fosse colocada na nota de 10 dólares. Substituindo o primeiro secretário do tesouro, Alexander Hamilton. E bem, embora nenhum Founding Father fosse um cara legal na perspectiva de olhar a história dos EUA questionando relações raciais, o Hamilton em si não era o alvo. O projeto tinha um objetivo claro de parar de homenagear o Jackson em específico, como o pior de todo mundo sendo representado no dinheiro. E o Hamilton parecia um alvo menor. Ninguém tinha nada contra o Hamilton. Ninguém criticava as escolas pela maneira como elas falavam do Hamilton. E justamente por isso tentaram dar o migué.

Felizmente. O status de Alexander Hamilton subitamente mudou. De um “ninguém tinha nada contra o Hamilton” para “todo mundo ama o Hamilton”. O que aconteceu? O maior fenômeno da Broadway da década aconteceu. A peça Hamilton recontando a biografia do secretário do tesouro. A peça foi um sucesso de público e crítica, notória pelo seu elenco formado por não-brancos nos papéis dos personagens centrais, e pelo uso de rap nas músicas. E a história desse personagem histórico foi resgatada.

E desencadeou uma campanha pesada para não o tirar da nota de 10 dólares.

E a presença dele no dinheiro não é algo que o musical deixou de mencionar.

O que forçou o governo americano, a desistir de substituir Alexander Hamilton por Harriet Tubman no dinheiro. E no lugar de Hamilton será substituído… Andrew Jackson! Que era quem deveria ter sido desde o começo.

E a substituição está prevista pra 2030, por enquanto. Mais 9 anos até tirarem Andrew Jackson do dinheiro, e até existir uma mulher negra estampando o dinheiro estadunidense.

E eu me alonguei aqui nesse exemplo, pois sou fã dessa história, mas o ponto onde eu queria chegar é: Existia uma tentativa dos conservadores de manter uma homenagem a um homem que não deveria ser homenageado, e essa tentativa só fracassou, pois por uma incrível coincidência, Lin-Manuel Miranda lançou um musical homenageando a vida do bode expiatório que o governo tentou sacrificar pra poupar Jackson. E a questão se tornou uma questão de carisma. Alexander Hamilton tinha pouco carisma, até Lin-Manuel Miranda dar pra ele uma tonelada de carisma, e agora ele tem carisma pra cacete.

Uma peça da Broadway foi quem decidiu o debate. E não é a primeira vez que acontece algo assim.

Aconteceu em Paris, em 1831, quando Victor Hugo escreveu um romance chamado Notre Dame de Paris, sobre um corcunda, que se apaixona por uma cigana que foi infinitamente adaptado pro cinema, teatro e etc… Mas antes de ser adaptado, o livro foi escrito por um motivo, para trazer apreciação para a beleza e relevância que a catedral tinha na cidade. Fazendo-a ser o cenário central de uma história emocionante, e que descrevia pra cacete a catedral.

Quando o livro saiu, a catedral estava cagada e abandonada, tendo sido particularmente danificada pela revolução francesa. E o livro criou uma apreciação e um amor do povo pela catedral que é o responsável por ela ter sido renovada e tombada como patrimônio francês. Além de gerar um novo interesse por arquitetura gótica.

Um livro que se não tivesse sido escrito, poderia ter sido a demolição de um dos maiores cartões postais de Paris. E o livro essencialmente disse: “Tá vendo essa igreja? Mó bonita.” E foi o suficiente.

Isso acontece, pois qualquer história tem o poder de manipular como você se sente a respeito dos personagens. Quando lemos uma história, a narrativa, independentemente de ser as palavras do narrador, o desenho do desenhista ou a câmera do cineasta, toma lados e faz uma gestão de simpatia. Uma história nunca apresenta um ponto de vista neutro.

Então quando você vê, por exemplo, Game of Thrones. O autor quer que você a princípio odeie Jaime Lannister então ele faz isso. Nos lembra de suas vergonhas, e logo no primeiro episódio, mostra ele transando com sua irmã e assassinando uma criança. Com isso ele plantou na nossa cabeça: “Esse cara é um filho da puta.” Ele não tem a maior lista de atrocidades no elenco, mas ele fez as atrocidades que impactam a gente.

Da mesma forma, a série posiciona Joffrey logo de cara como um pedaço de merda que todo mundo quer que morra e nada mais. E a série quer que a gente simpatize com Tyrion. Ao longo da série o autor muda nossa percepção para que passemos a amar Jaime, e sigamos odiando Joffrey. E tudo isso é de propósito. Não é seu take pessoal que fez você repensar o Jaime, o autor armou isso. Ele controla de quem você gosta e de quem você não gosta.

Game of Thrones se vende como uma narrativa que não toma lados e não separa os personagens entre bons e maus, e deixa pro leitor tomar suas conclusões. E isso é verdade, os livros fazem isso mesmo. Mas isso não significa que o autor não tem um controle claro de que personagem ele quer que o público goste e qual não. O autor sabia que ninguém iria simpatizar com a Sansa no primeiro livro e que esse era o rolê da Sansa. Ele controla a sua simpatia, e te faz ter simpatia por personagens que fizeram coisas horríveis. Como o incesto de Jaime, que diferente de seus outros pecados, é muito visível que desse ele não se arrepende.

Claro, a ficção as vezes sai do controle do autor. Coisas como o Bobba Fett estouram em popularidade. E o Zack Snyder não fez seu Superman ser amado. Ou mesmo obras inteiras ficam mais populares que o planejado. Mas o ponto é: a ficção torna coisas populares. Personagens fictícios se tornam amados como se fossem reais. Personagens reais são interpretados pela régua de suas ações fictícias. Muita gente leva a sério o Facebook ter sido criado por uma dor de corno até hoje. E eu falei no texto do American Rage sobre como personagens como o Rorschach se tornam símbolos entre pessoas que gostam do que ele diz. Discursos ganham popularidade. Ideias também.

All The Presidents Men foi um filme importante em fazer o público estadunidense exigir mais transparência no governo, e em fazer os republicanos quererem mais controle da mídia. Blackfish fez o Seaworld parar de criar orcas em cativeiro. E Birth of a Nation aumentou a popularidade da Ku Klux Klan, salvando essa organização desprezível da extinção que merecia.

A correlação entre Birth of a Nation e a Ku Klux Klan é depois deixada explícita no filme Blackkklansman.

O cinema dá carisma para grupos, para causas, para pessoas e para ideias, e pode ser um carisma de impacto positivo ou negativo pra sociedade. Mas o carisma uma vez dado, foi dado. É difícil falar pra galera que se apaixonou pelo Capitão Nascimento, o quanto ele é um bosta e uma pessoa problemática. O filme faz o público criar uma admiração por ele, e uma vez criada, é difícil desfazê-la.

E essa admiração que Tropa de Elite gerou pelo Capitão Nascimento, a ponto da mídia considerá-lo um herói nacional, é muito maior e muito mais perigosa do que o número de pessoas que se alistaram na PM depois de ver o filme. Pois as que não se alistaram foram parte de um fenômeno em massa da normalização do abuso policial que o filme gerou.

E como tudo que normalizou fascismo nesse país, lá tava a Veja pra dar moral e tratar como legal. Isso é importante, a ficção tem esse poder, mas a mídia também tem. Não é tudo só nas costas das histórias.

O que já passa pro próximo ponto.

O poder de normalizar:

As histórias fictícias têm o poder importante de normalizar as coisas, ou seja, de pegar algo que seja alien para você, e por isso, poderia soar estranho e bizarro, mas pela exposição constante a uma história com esse algo, você passa a aceitar que aquilo é normal, mesmo não sendo parte da sua vida.

E isso ocorre, pois histórias são veículos para fazer a gente se sentir transportado para outras vidas que não são as nossas. E por meio delas a gente entende como essas vidas funcionam. Pelo menos a versão ficcionalizada dessas vidas.

Sabem quando você vai ensinar alguém a jogar um jogo novo, e vocês tem uma partida ainda no processo de ensinar as regras, pois “Você aprende mais fácil jogando.”, a vida dos outros funciona assim também. Sejamos honestos, todo mundo teve biologia na escola, mas exceto por quem foi estudar biologia depois, a maioria de nós aprendeu metade do que sabemos sobre comportamento animal vendo animais fictícios na televisão. Muitos de nós aprendem sobre migração das aves, hibernação dos ursos ou sobre tubarões sentindo cheiro de sangue vendo representações fictícias desses animais na tv.

Inclusive, aprendemos mentiras nessa brincadeira. Como o mito de que coelhos gostam de cenouras. Na verdade, cenouras na dieta podem trazer problemas a saúde de um coelhinho. Mas alguns donos de coelho cometem esse erro, principalmente porque na televisão os coelhos comem cenoura.

A televisão tem uma função educativa na sociedade, de nos mostrar situações que não vivemos e nos cria uma imagem de como ela deve ser. Essa situação varia com o grau de realismo e do quanto é uma fonte confiável, mas o lance é… geralmente muitas noções que a gente gera vendo televisão, não vem de um ou outro programa específico cometendo o erro.

Vem de dezenas e dezenas.

Não foi um coelho fictício que fez as pessoas acreditarem que coelhos comiam cenouras…. foram vários, vários, vários.

…embora seja possível rastrear e ver que o primeiro deles foi o Bugs Bunny que usava a cenoura pra substituir o charuto de Groucho Marx, em quem o personagem se inspirou. Mas não é só o Bugs. É ter visto o Bugs, o Snowball, o Peter Rabbit, o Rabbit de Winnie the Pooh, a Judy Hops, o Angel Bunny, a Carrot de One Piece

Sabem, se a pessoa não for ela mesma uma criadora de coelhos, não tem por que esperar de verdade que ela questione “Uau, todo coelho de desenho animado do mundo é uma mentira imensa.” Se ela não manja do assunto, mas vê 20 pessoas diferentes falando a mesma coisa, presume-se que é verdade.

E consolida-se uma noção de normal. “É normal um coelho comer cenouras.” Ao mesmo tempo que “Não é normal uma vaca comer cenouras”. Já viram uma vaca comer cenoura? Tanto na vida quanto na tv? A gente tem noção de que cada animal tem a sua dieta… A gente aprendeu isso bem pequenos…. com livros de historinhas. Geralmente livros pré-escolares sobre falar que cada animal come uma coisa.

Sabem onde mais isso se manifesta?

Já ouviram falar do CSI Effect?

É essencialmente o efeito de que os jurados estadunidenses tendem a querer que os casos girem em torno de evidências forenses. Resultando mais vereditos de inocente, quando o promotor não apresenta evidência forense, mesmo que sejam casos simples com testemunhas. Ou mais vereditos culpados quando o promotor apresenta evidência forense, mesmo que a evidência não seja tão conclusiva assim.

O expectador é educado pela televisão a acreditar que evidência forense é o centro máximo de qualquer investigação criminal, o que não é verdade. E tem gente que se manifesta de que não é possível para CSI deseducar toda uma população sobre em que tipo de informação se pode confiar ou não quando em um julgamento. Mas apesar do nome ser inspirado em CSI, não vem de CSI somente essa noção, vem de muitos e muitos e muitos e muitos programas policiais.

Que por serem muitos, passam uma noção clara de que as coisas que eles têm em comum são normais.

Afinal a maioria das pessoas nunca viu uma cena de crime fora da televisão, mas também a maioria das pessoas definitivamente viu mais de 20 cenas de crime na televisão em séries diferentes, então existe referência.

E na mesma veia, temos o impacto claro que vários filmes, mas em especial a série 24 tem em passar para o público a impressão de que tortura é algo que funciona. E que a tortura que os EUA cometeram na guerra ao terror foi justificada, pois obteve informação relevante…. o que não é verdade. E estudos foram feitos sobre como Jack Bauer ajudou a manter essa percepção.

E o meu ponto é: o CSI comprovadamente inspirou muita gente a se tornar cientista forense, e se decepcionar com o quão monótono é um trabalho que na televisão parece ser cheio de ação. Mas o Jack Bauer, provavelmente não inspirou tantos torturadores assim. Porém, o Jack Bauer mudou a percepção das pessoas a respeito de torturadores.

E os impactos da massiva popularidade de 24 nos EUA, é menos sobre quantas pessoas vão imitar o Jack Bauer, mas é muito sobre quantas pessoas não se sentiriam incomodadas caso um agente da CIA mencionasse que já torturou um preso na sua frente. Por que não se incomodaria? Pois aquilo é normal. Pois a pessoa está disposta a acreditar que tortura é uma parte necessária do trabalho e que produz resultados, então não tem motivo pra julgar.

Notícia aqui.

E isso se manifesta pra todo o tipo de julgamento.

Quando o Pepe LePew foi removido de Space Jam: A New Legacy, muita gente veio defender o gambá, falando que não acha que ver o Pepe LePew faz nenhuma criança crescer e virar estuprador. Mas eu acho que o risco desses personagens não é o de fazer ninguém virar um estuprador. O risco do personagem é o cara ver o melhor amigo dele forçando a barra com uma garota na festa, e em vez de dar esporro no amigo, que ele tá sendo um escroto, racionalizar que “isso é uma dinâmica de flerte normal, ele não está fazendo nada demais, e isso é inofensivo.” E como eu enfatizei no meu texto sobre o caso, os impactos do Pepe LePew são visíveis se a gente olha no quão normalizado é na cultura pop, a noção de que ele e a Penelope são namorados e não inimigos.

E não é o Pepe num vácuo. Que nem com CSI e com a cenoura-do-coelho. É um número muito grande de comportamento abusivo de homens sendo retratado como inofensivo, ou como parte aceitável do flerte. E as pessoas incorporam que é normal paquerar assim, se recusando a ouvir um não.

Blade Runner possui uma cena de violência sexual que é retratada para que o público interprete como romance. E demorou para eu entender que essa cena é uma cena de violência e abuso, pois quando eu vi pela primeira vez, eu não pensei sobre, eu só assisti.

Mas normalizar com quem você não briga, não é só sobre te convencer a fazer vista grossa para conduta policial inaceitável, ou a ser tolerante com assédio. Também serve para a exposição. Mostrar que grupos marginalizados, são pessoas normais. O grande número de personagens não-brancos e LGBTQIA+ aparecendo em filmes e séries mainstream atualmente tem um objetivo claro de trazer mais representatividade para pessoas que não viam as próprias histórias na cultura pop, o que é importantíssimo. Mas também tem a função de normalizar essas pessoas.

E essa normalização é precisamente a parte com a qual os conservadores mais brigam. Quando eles se levantam em fúria que não aceitam que tenham tantas protagonistas mulheres, ou tantos personagens gays, é justamente isso. É um senso de normalidade desse conservador sendo questionado pela série, ele não aceita a normalidade naquelas presenças e reage a isso com a fúria de quem vê o mundo feito um escroto, e teve a cultura pop corroborando sua visão de mundo a vida toda. Quando o cara pira no cu que o filho do Superman beijou um menino, ele teve que encarar algo que ele acha anormal tratado como normal e se revolta. Mas novas gerações que vão crescer com outra visão de mundo na sociedade, espera-se que não tenham esse tipo de reação de ver mulheres, negros ou gays ocupando espaços na vida real. A ficção tem o poder de normalizar isso, o que é um passo importante de uma educação que valorize a diversidade e combata preconceitos.

Por isso que eu pessoalmente acho que tem que aproveitar que colocaram o ovo de colombo de casais de mesmo sexo em desenho animado de pé, e inundar, colocar uns 300 casais canônicos. Não precisam ser os 300 inspiradores e relationship goals, mas precisa vir o suficiente pra criança se acostumar e não achar que os dois ou três que viu foram exceções. E sim que isso é normal.

As chances de uma criança que cresceu vendo pessoas não-brancas em posições de autoridade na televisão, não achar nada estranho ter um professor ou diretor de escola não-brancos é maior. Pois não tem o estranhamento, pois isso já foi normalizado para ela. Pois as histórias que vemos na televisão geram percepções de mundo também.

Por exemplo. A televisão tem um peso importante em fazer o povo estadunidense se acostumar com o conceito de que uma mulher pode ser presidente…. um papel que a ficção não usa tanto assim.

E tanto a questão da normalização quanto a questão do carisma são ambas possíveis, por um detalhe importantíssimo, que a gente pensa pouco sobre.

Histórias não julgam seus personagens por quem eles são:

Sabem por que histórias conseguem dar carisma pra qualquer um, e fazer qualquer coisa soar normal? Pois se você vê um filme ou uma série, os personagens constantemente são julgados, mas raramente pelo que eles são, e sim pelo que eles fazem. Os personagens são julgados, mas não por suas características passivas, e sim por suas escolhas.

Mesmo um filme extremamente racista e condenável como Birth of a Nation, que passa valores racistas o filme inteiro e glorifica a Ku Klux Klan, não conseguia passar a informação de que os negros mereciam algum tipo de ódio, só mostrando que eles eram negros. Não importa o quão racista seja o diretor e o público, se o personagem está de boa, é mais difícil convencer o público de que ele é um problema. Motivo pelo qual os negros de Birth of a Nation são lembrados pelas suas ações, pela sua indisciplina, violência e estupros, que são ações que o filme queria associar a essas pessoas para promover a Ku Klux Klan.

Essa é sempre a fórmula. Pegue um personagem, modele-o de maneira que possa ser reconhecido pelo que ele é. E aí faça ele fazer algo condenável. Sem o terceiro item, a mensagem não realmente vai fazer o público gerar antipatia ou normalizar seu preconceito.

Estabeleça que o sujeito é um representante do governo regulando o mercado. Aí faça ele fazer uma merda colossal, pronto você estabeleceu que o governo regulando o mercado faz merdas colossais.
Mas você precisa mostrar alguém fazendo merda pro julgamento funcionar.

Um filme pode obviamente usar cores, luz, linguagem corporal, e trilha sonora, para caracterizar um personagem como mais ou menos assustador. Mas no final, o voto final é se as ações do personagem ganharam luz positiva ou negativa com o expectador. É o motivo central pelo qual qualquer adaptação de Frankenstein, nós simpatizamos com o monstro, mesmo ele sendo grotesco. Pois a gente pode ver pelas suas ações a pessoa atormentada que ele é por dentro.

É por isso que King Kong funciona. Pois a gente não julga o King Kong por ser um macaco gigante e agressivo. Ele por se expressar e se mover na nossa frente é humanizado. Assim como um carro é humanizado em filmes como Herbie.

Nós, na vida real nunca teríamos a boa vontade ou a disposição de querer entender o lado do King Kong, como temos em um filme. A linguagem cinematográfica permite que em uma história todos os personagens sejam julgados pelo que eles fazem, e não por quem eles são.

Em uma história, como o personagem sente, se comporta e que escolhas morais ele toma, são o guia para a gente simpatizar com ele ou não. Com recursos técnicos sendo usados para dar mais ou menos peso emocional para seu comportamento e escolhas. E depois a gente compara nossa simpatia com a aparência do personagem, se ele não parecia alguém capaz dessa simpatia, a gente se surpreende, se ele parecia, não nos surpreendemos. Mas é assim que a ficção julga os personagens.

Gaston é desenhado nos moldes de um personagem de um filme que em outro tempo seria o herói. Mas a atitude dele faz com que o público nem por um instante simpatize com ele.

E o cinema é tão bom nisso, que os filmes de terror têm uma tradição imensa de não permitir que seus assassinos tenham rosto, falem, ou façam algo além de matar. Pois nós devemos julgá-los só por isso: “Eles matam e eu não entendo mais nada sobre eles.”.

Se o Michael Myers expõe o ponto de vista dele, ele se humaniza aos nossos olhos. O cinema tem o poder de fazer alguém assassinar 30 pessoas e depois repensarmos como ele ainda é um ser humano. Então personagens como Jason, devem ser mudos e sem rosto pra impedir isso.

E se o diretor não tiver um bom controle disso, ele não consegue passar a mensagem de jeito nenhum. O Zack Snyder pode falar um milhão de vezes: O Superman é bondoso e empático. O que o público viu na luta dele contra o Zod não corroborou isso, e o personagem vai ser julgado pelo que ele fez, não pelo que disseram que ele e.

Por isso, quando eu digo que personagens como Pepe LePew serem filmados de uma maneira que não faça a audiência julgá-lo, é um problema. Pois o controle desse julgamento por parte do diretor é o que decide o que vai ser normalizado e o que vai ganhar carisma.

O Zack Snyder não conseguiu normalizar a violência do Superman. Pois ela causou asco no público, que viu e pensou “ok, isso não é normal. Aconteceu o que não devia acontecer.” Porém o Christopher Nolan consegue normalizar a violência do Batman, pois ele gera catarse com ela. O que faz as pessoas terem dificuldade pra ver o quanto os Batmans dos dois diretores são parecidos.

Saber controlar sua repulsa e sua catarse, é nisso que todo bom contador de história em qualquer mídia se baseia. E quando uma pessoa sabe controlar sua repulsa e sua catarse, ela controla suas emoções. E usa sua conexão emocional para te fazer ver com bons olhos ou maus olhos qualquer coisa.

Você julga com base nisso. No quanto o que o personagem faz afeta suas emoções. Mas a gente sempre conhece o personagem antes de julgar na ficção, mesmo pessoas que na realidade seriam julgadas antes de serem conhecidas.

Esse poder é o poder de afetar uma visão de mundo, e esse poder é incrível. E funciona. E pessoas são educadas pelas histórias que consomem a nível consciente e inconsciente.

Mas as histórias têm mais um poder, diferente de tudo o que eu falei agora.

O poder de propor alternativas:

A ficção tem o poder de criar mundos. Às vezes os mundos são o mundo como ele é. Às vezes são um mundo mais cagado que o nosso. Às vezes é um mundo mais aventureiro, com mais fascínio e mais perigo… e às vezes, é o mundo como ele devia ser.

Na ficção qualquer coisa é possível. Qualquer coisa mesmo. Até mesmo as coisas darem certo no final.

Histórias são famosas pelos seus finais felizes. No final tudo dá certo. O problemão na vida do herói se resolve. Como? Simples, o herói entendeu a moral da história. Ou seja, o livro ao mostrar o herói resolvendo os problemas, espera que o leitor aplique aquela lógica e aquela lição em sua vida.

Ou seja: quando os monstros de Monsters Inc, prendem o CEO, e passam a fábrica pros trabalhadores, tomando os meios de produção, e isso impede crianças de serem sequestradas e torturadas, a lição que o filme ensina são os benefícios sociais do proletariado eliminar a burguesia.

Eles propõem uma alternativa a maneira como a fábrica estava sendo conduzida no começo do filme. No começo ela era igual no nosso mundo, no final os trabalhadores eram os donos da fábrica.

Agora falando sério. Ficções muitas vezes são usadas como exemplos de como um mundo alternativo poderia funcionar. E pessoas que levam esses exemplos a sério redirecionam suas vidas por conta disso. É conhecido o caso da filósofa russa Ayn Rand, que escreveu um livro chamado Atlas Shrugged, que descreve uma distopia em que a intervenção do estado na economia destruiu o mundo, e no final os heróis individualistas, que acreditam em um capitalismo livre, começam um movimento para reformar o capitalismo para um capitalismo mais individualista que valorize produtividade.

Esse livro é um exemplo prático da filosofia cunhada por Rand, o objetivismo. Rand, enquanto filosofa, acredita que o “egoísmo ético” é a única conduta verdadeiramente moral e condena o altruísmo. E seu livro é um exemplo desse pensamento e olha só… ele é essencialmente a bíblia do partido Republicano. O livro, mesmo sendo uma ficção, e mesmo vendendo ideias canalhas, foi um sucesso em vender e conquistar as pessoas para caminhos ideológicos que são fortes nos EUA até hoje.

E a filosofia pau-no-cu dela ainda pode ser encontrada influenciando obras modernas, como Bee Movie.

O que não é realmente surpreendente. Vários filósofos escrevem livros de ficção onde eles ilustram seus ideais com exemplos em narrativas.

E fora do campo da filosofia, Isaac Asimov, ao escrever o livro de ficção científica The Foundation, ao criar a ciência fictícia da psico-história, que permitia prever os rumos da história com matemática e estatística, inspirou muitas pessoas a procurarem algo semelhante a isso em suas vidas. Entre eles, o vencedor do Nobel de economia de 2008, que virou um economista, pois considerou a carreira mais próxima de psico-história possível de se achar na vida real.

Algumas pessoas gostam de acusar que a ficção “prevê” o futuro, mas isso é uma profecia que se concretiza sozinha. Mais do que adivinhar o que vai acontecer, muitas histórias dão os rascunhos para as pessoas que vão fazer a mudança se inspirarem. Muitas pessoas creditam Julio Verne como tendo previsto grandes avanços tecnológicos, mas prever não é bem a palavra, quando tantos pioneiros que foram e fizeram os benditos avanços, foram diretamente inspirados pelos livros de Julio Verne. Entre eles, quero destacar o ícone nacional Santos Dumont.

As vezes não é sobre quantas pessoas que leram seu livro, vão virar pioneiros na construção de foguetes. As vezes só precisa que um punhado pequeno vire, pois essas pessoas vão se juntar a outras e mudar o mundo.

Aliás, e isso é importante. O talento de uma história de imaginar como o mundo pode ser, as vezes é uma maneira de criar naturalizações para o expectador, com base no que a história escolhe não imaginar.

Por exemplo. Quando os Addams em qualquer uma das releituras de The Addams Family, são famosos por quebrar todas as convenções sociais do que é aceitável e inaceitável. Com piadas de assassinato, tortura e admiração pelo macabro se misturando com as práticas sexuais deles, que são obviamente fãs de sadomasoquismo, e muito amorosos em público sem vergonha de deixar claro o quão ativa é sua vida sexual…. os Addams questionam tanto a noção do que é apropriado ou não para chocar seus vizinhos, que aquilo que a obra não questiona se destaca. Por exemplo os Addams serem monogâmicos e heterossexuais, pois esses dois valores faziam nos anos 1960, os Addams com todas suas loucuras continuarem sendo uma “família exemplar”. E com isso a série normaliza esses conceitos de que os Addams quebram convenções de normalidade, mas a monogamia e a heterossexualidade serem a base de uma família, não são convenções, isso é simplesmente o mundo como é.

E notem aí, quantas vezes apareceu um planeta em Star Trek, em que apesar de valores completamente aliens serem parte da cultura do planeta, monogamia e heterossexualidade ainda são coisas que eles têm em comum com os humanos, firmando esses conceitos como algo natural.

E pessoalmente nada contra roteirista que escolhe não questionar monogamia em mundos fictícios, mas notem justamente a dificuldade que séries tem de desnaturalizar esses conceitos quando escrevem personagens que desnaturalizam tantas outras coisas na nossa cultura. Isso nem é proposital, muitas vezes, o roteirista de fato vê esses conceitos como naturais demais, e que quebrá-lo é tipo fazer um personagem que não respire e isso vai pra obra. Mas assim, Gomez e Morticia não fizeram nada errado. Eles são o melhor casal de toda a ficção.

Mas na mesma pegada, muitas obras distópicas, não conseguem imaginar questões capitalistas desaparecendo do mundo, depois que a civilização desaparece. Naturalizando uma noção de que o capitalismo é resistente e natural o suficiente para seguir sendo a norma depois que o mundo entrou em completo colapso.

E eu falei aqui no meu texto das anti-monster corps, como o alto número de mulheres em cargos de alta-patente e na linha de frente dos exércitos nos mangás são um bom indicativo de que esses mangás não retratam exércitos como eles são. E sim como eles poderiam ser em outra lógica. Por isso, quando um mangá desses retrata outros tipos de opressões que também poderiam não existir em outro mundo, passa a impressão de que as bases dessa opressão não são heranças culturais do nosso mundo, e sim as coisas sendo como elas são.

Conclusão:

Histórias fictícias tem poder. E a arte pode mudar o mundo.

Na obra-prima do terror In The Mouth of Madness já analisada dentro dessa chaminé, um autor consegue criar um horror lovecraftiano, fazendo as pessoas acreditarem na sua ficção. A tese é que se a maioria das pessoas acredita que o livro descreve a realidade, então o que o livro descreve é a realidade e quem ainda se apegar na realidade anterior é o louco.

Vocês sabiam que o sucesso do filme Jaws aumentou a popularidade da caça ao tubarão. E que isso diminuiu a população de tubarões no mundo, e que isso motivou o autor do livro que inspirou o filme, Peter Benchley, a virar um dos maiores defensores de tubarões no mundo, quando ele percebeu os danos que ele causou. Inclusive investindo o dinheiro que ele ganhou com o livro na causa.

Obras podem convencer pessoas a acreditarem que algo é normal, ou pode convencer alguém a mudar de atitude, ou podem inspirar alguém a tornar um sonho de outra pessoa realidade, ou podem no mínimo empoderar um autor a poder ter prestígio e recursos o suficiente para investir seu tempo e dinheiro em causas importantes.

E em todos esses exemplos, isso pode ser usado pra fazer o bem, ou pra fazer o mal. O poder da ficção é neutro e cada obra tem seus efeitos.

Eu falei do cara de Jaws, mas todo mundo sabe que a J. K. Rowling investe o dinheiro dela em causas contra a causa trans, e se tornou um dos grandes rostos da transfobia no mundo. E tudo isso financiado por Harry Potter.

Link pra matéria.

Um livro, um filme, uma música, um mangá, uma peça de teatro, um quadro. Tudo isso tem o poder de transformar o mundo. E de fazer a diferença na sociedade. E isso pode ser porque a obra dá literal poder pro autor, pode ser porque a obra faz uma denúncia relevante. Mas o principal mesmo é porque a obra tem o poder de disseminar ideias. A ideia de que certas pessoas, prédios ou eventos merecem a sua admiração, que é algo que você não pensaria sozinho até ver uma versão ficcionalizada. A ideia de que existem coisas que podem ser feitas quanto a problemas que enfrentamos. E principalmente a ideia de que algumas coisas são normais, pois aconteceram um milhão de vezes vão acontecer mais um milhão no futuro e tá tudo bem, pois é aceitável que seja assim.

E esse é um dos motivos pelo qual debater e conversar sobre ficção é importante. Pois conversar sobre entretenimento e sobre os meios de comunicação de massa é importante.

E pelo qual é importante estar atento as informações que você recebe quando consome entretenimento, e não ser uma esponja passiva que absorve tudo e evita questionar aquilo ao que é exposto.

E claro! Obras de ficção produzem imitadores. Mas o texto não é sobre imitadores. O fenômeno da caça de tubarões incentivado por Jaws, não era um bando de gente querendo recriar as cenas do filme. É uma resposta social, a um medo que o filme alimentou. Medo de tubarão ou do mar não é imitar o filme.

O poder da ficção vai além de quantas crianças querem ou não ser ninjas quando crescer porque viram Naruto. O poder é mais sobre quantas crianças cresceram, lembram de Rei Leão, e acham que a filosofia do Mufasa de preservar o ciclo da vida é uma filosofia sábia e não-problemática.

O que é tudo um lembrete para o que realmente importa.

Politizem tudo!

Politizem filmes!

Apontem tudo o que acharem problemático!

Apontem até mesmo se for em uma obra que você gosta! Não tem que parar de gostar, pode defender, e pode andar com a camisa da obra. Mas aponte! Reconheça que existe e que existir faz parte da conversa!

Vocês viram Lovecraft Country? A série é feita por pessoas negras em todas as etapas da produção. E é uma série homenageando a mitologia criada por um autor muito famoso por seu racismo condenável. E a série não tem receio em apontar e denunciar o racismo do autor, enquanto homenageia suas criações.

Gostar de um livro e notar o quão ruim é a visão de mundo que o livro defende não é uma contradição na arte. Mas é um problema se as pessoas acreditarem que como fãs eles tem o dever de esconder a parte problemática. Pois aí faz ela ficar escondida. Ela deve ser debatida, e deve ser debatida por quem gosta apesar disso e por quem não gosta por causa disso.

Pois é no ato de esconder a parte feia, que a gente naturaliza ela. Nada é natural se é questionado. Quando a criança aponta que o rei está nu, as pessoas percebem que o desfile do rei não era normal

Pessoas que escrevem histórias transformam a humanidade de maneira sem precedentes. E a gente tem que reconhecer esse poder.

Se alguém voltasse no tempo e matasse o Verne antes dele escrever, o mundo seria drasticamente diferente.

Imagina só como seria a timeline em que não deixaram nenhuma das histórias da bíblia serem escritas? Literalmente impossível calcular o tamanho desse efeito borboleta. Um livro que alterou a humanidade de maneira significativa.

E da mesma forma, muito roteirista hoje pode estar escrevendo agora mesmo a obra que vai engatilhar as mudanças sociais dos próximos séculos. Ele tem esse poder. Todo roteirista tem esse poder.

A ficção tem poder! Vamos reconhecer isso!

Sobre o autor

Izzombie

Sou um cara chato que não consegue ver um filme sossegado sem querer interpretar tudo e ficar encontrando simbolismos e mensagens. Gosto de questionar a suposta linha que separa arte de filmes comerciais, e no meu tempo livre pesquiso sobre a história da animação.

Sobre o autor

Izzombie

Sou um cara chato que não consegue ver um filme sossegado sem querer interpretar tudo e ficar encontrando simbolismos e mensagens. Gosto de questionar a suposta linha que separa arte de filmes comerciais, e no meu tempo livre pesquiso sobre a história da animação.

Alertas

  • – Todos os posts desse blog contém SPOILERS de seus respectivos assuntos, sem exceção. Leia com medo de perder toda a experiência.
  • – Todos os textos desse blog contém palavras de baixo calão, independente da obra analisada ser ou não ao público infantil. Mesmo ao analisar uma obra pra crianças a analise ainda é destinada para adultos e pode tocar e temas como sexo e violência.

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