Ok, nesse texto eu quero começar fazendo uma declaração forte aqui: Chucky é o mais bem-feito de todos os ícones do terror. Ele pode não ser sinistro que nem o Michael Myers, poderoso que nem o Jason, ou simplesmente não ser o meu xodó que nem a Samara Morgan, mas nossa, ele é disparado o que eu sinto que é melhor trabalhado em seus filmes. E o que mais se destaca enquanto personagem e não enquanto conceito.

Eu não tinha realmente tocado na franquia Child’s Play até recentemente. Eu tinha visto Child’s Play 3 na televisão quando era muito criança e cagado de medo do conceito do brinquedo assassino. Depois eu vi também na televisão só umas partes do The Seed of Chucky e achado galhofa demais, e aí deixei a franquia quieta. Isso é, até estrear a série de televisão, que chamou a minha atenção. Por isso eu maratonei os sete filmes e fiquei positivamente impressionado.

A franquia dá pra ser dividida essencialmente em quatro fases, com a diferença entre as fases sendo o tom. Temos a trilogia Child’s Play, Child’s Play 2 e Child’s Play 3, que é o tradicional slasher normal. Aí temos Bride of Chucky e Seed of Chucky, que são comédias de humor negro que colocam o Chucky como o protagonista do próprio filme enfim. Aí temos Curse of Chucky e Cult of Chucky, que devolve o tom de filme de terror pro filme, mas adiciona camadas de terror psicológico e joga o personagem em cenários tradicionalmente assustadores, como casarões abandonados e hospícios ao mesmo tempo que resgata o estilo slasher. Por últimos temos a série Chucky, que mantém o tom de terror real misturado com um senso de humor, e serve como um veículo para criticar bullying e homofobia na juventude estadunidense.

Disso daí, Child’s Play 3 é ruim, Seed of Chuck é meia-boca, e o resto são todos excelentes. E fazer cinco filmes excelentes em uma franquia de sete filmes é um fato notável.

A maioria dos filmes de terror não tem uma média positiva assim. Tá, temos Scream que fez 3 filmes bons de 4, mas vamos ver se essa franquia sequer chega no sétimo. O resto? Friday the 13th, Halloween ou Nightmare on Elm Street, não chegam nem perto.

Confia, esse filme vai ser bom.

E para mim os motivos dessa peteca que não cai são dois. O primeiro é: todos os filmes da franquia terem sido roteirizados por Don Mancini, que realmente gosta e se importa com os filmes. Talvez os estúdios vejam o Chucky como uma vaca de dinheiro para poder sugar tudo o que ela tem, e talvez seja esse o motivo para aquele reboot que ninguém pediu com o Mark Hammil, mas o Don Mancini adora o Chucky e genuinamente roteiriza os filmes escrevendo o que ele ama, e tentando manter o que torna o personagem amado.

E o segundo motivo é: o próprio Chucky. O personagem conseguiu se tornar a estrela da própria franquia de uma maneira que a franquia foi completamente renomeada para o nome do personagem. Eu não duvido que tenham muitos não-fãs que só ouviram falar dos filmes que sequer saibam que o nome oficial da franquia é Child’s Play, depois de 23 anos tendo a fórmula de todo filme se chamar X of Chucky.

E o Chucky tem o dom de até o momento evitar ficar repetitivo. Até agora nenhum filme consistiu em “Chucky volta e continua fazendo o que ele fez no filme anterior”, que é o destino inevitável de todo outro vilão de slasher. Pelo menos eu não sinto assim. Entre ele substituir outro boneco em uma casa que já tinha um good guy, para um filme de Andy tentando proteger outra criança dele, para a vingança elaborada no casarão, para o trio de bonecos no hospício. Em cada filme sua abordagem com sua vítima é diferente. Mas sua personalidade é igual. Ele é o mesmo cara colocado em um contexto diferente toda vez.

E é sobre isso o texto de hoje. Sobre porque o Chucky é um personagem maravilhoso. O que ele faz de igual e o que ele faz de diferente de seus colegas slashers, porque é que ele consegue equilibrar medo e humor de maneira tão boa, e especialmente por que é que sete filmes depois, o personagem ainda sequer começou a desgastar.

Começando pelo básico.

A humanidade de Chucky:

Sabem o que eu valorizo muito em um bom vilão de franquia de terror. Um nome simples:

Jason, Freddy, Michael, Samara… é assim que um bom personagem deve se chamar. Especialmente se ele for sobrenatural.

Quando é um humano com uma máscara ou se escondendo atrás de um boneco, aí nomes como Ghostface, Leatherface e Jigsaw funcionam. Pois aí justamente, o nome floreado serve pra esconder que atrás de tudo isso tem um cara normal.

Mas quando a criatura é um fenômeno sobrenatural, aí ter um nome humano perfeitamente simples é o ideal, pois isso serve para reforçar a presença de que ele um dia já foi uma pessoa normal.

Em resumo, eu não aprovo os nomes: Pinhead e Candyman. Um monstro bom é um que tem um nome que poderia ser o nome de qualquer um, poderia ser inclusive o nome do ator.

Mas nos casos de Jason, Freddy, Michael e Samara, os nomes servem justamente como um contraste. Eles não são mais humanos, e isso não é porque eles morreram, ou porque eles têm poderes, nem nada disso. É porque eles de fato parecem só vestígios de uma existência que já existiu. Um eco dos sentimentos que eles tinham vivos em uma existência que não é mais capaz de raciocinar.

Eles não parecem ter hobbies, desejos, interesses, opiniões ou mesmo raciocínio. Parecem agir puramente pelos seus instintos mais básicos. Jason e Michael muitas vezes não parecem nem estar pensando no que fazem. Eles parecem estar em um estado de completa indiferença com o que fazem.

E é aqui que Chucky brilha, pois Chucky é literalmente somente um assassino que mudou de corpo, ele nem sequer morreu de verdade, ele transferiu sua alma enquanto morria, de fato, mas o ponto é esse, sua alma nunca, nem por um instante deixou o nosso plano, e sua alma não deixou seu corpo por consequência dos tiros que ele levou, então sequer podemos dizer que ele morreu? Ao menos não da maneira como Jason e Freddy morreram.

E isso significa que Chucky segue sendo exatamente a pessoa que ele sempre foi, sem tirar nem por. O que é algo que Freddy faz muito parecido, mas no fundo é diferente. Freddy era um filho da puta quando era vivo, e continua sendo como um demônio dos sonhos, isso é verdade. Mas esse é meu ponto, ele é um demônio dos sonhos que sequer consegue aparecer fora de um sonho. Ele literalmente não pode fazer o que ele sempre fez, então ele usa seus poderes pra fazer algo diferente.

O Chucky ele existe de maneira palpável no mundo. Ele vê televisão, ele escuta rádio, ele come, ele é rude com as pessoas, e ele mata gente. Ele é essencialmente um ser humano em um corpo estranho, mas sua mudança de corpo não interfere nem na sua personalidade nem na sua habilidade de interagir com tudo.

Esses dias mesmo, eu vi um nerdola reagindo ao fato de que a cena do Chucky mencionando ter um filho gênero-fluido. Falando que ele era um serial-killer e um psicopata e que ele nem deveria ligar pra questões de gênero. E a primeira coisa que eu pensei foi: “Ué? E ser um assassino em série significa que o Chucky não tem opiniões?”

E acho que esse é o centro da humanidade de Chucky. Ele tem opiniões. Ele tem posicionamentos que podem ser horríveis, como por exemplo o fato dele muito visivelmente ser incrivelmente misógino e ter um claro desrespeito por todas as mulheres do mundo.

Ou ele pode ter opiniões em questões mais banais, como por exemplo, ele ser um grande fã da série do Hannibal.

Ele faz julgamento de caráter. Chucky mata o inocente e o culpado sem distinção, mas quando ele vê alguém fazer alguma coisa errada, ele faz questão de comentar que aquilo ali e escroto. Ele provavelmente faria a mesma coisa ou pior? Sim, mas ele reconhece que aquilo é escroto.

E por mais que ele faça mal explícito as pessoas pra quem ele se revela, ele sente muito prazer em usá-las como pretexto para se vingar. Ele pode gostar de matar os inocentes, mas nossa, ele definitivamente adora matar os culpados.

Chucky também é capaz de formar relações. Embora Chucky não tenha respeito genuíno por ninguém, e seja capaz de matar qualquer um sem remorso, incluindo o próprio filho. Isso não significa que suas relações não sejam interpessoais. Ele tem uma namorada. A sua rivalidade com Andy Barclay é visivelmente uma rivalidade pessoal. Ele está fingindo formar uma amizade com Jake na série de televisão, para manipulá-lo. Ele pode não amar ninguém, e não respeitar ninguém, mas ele se importa com as pessoas a sua volta. Não se importar no sentido de gostar, mas no sentido de reconhecer que elas existem, pensar nelas, e deixá-las guiar sua rotina.

O que não é algo que eu sinto que Freddy faça. Não sei se Freddy para e pensa em alguma de suas vítimas. Mas o Chucky me passa a impressão de que ele se lembra. Chucky reage as coisas, ele fica nervoso, incomodado, mas ele também pode ficar confortável, histérico, e ele especialmente pode ficar confuso. Ele pode simplesmente olhar uma situação e pensar: “Mas que diabos?”, o que não é um sentimento que vilões de slashers exploram geralmente.

Chucky é só um cara num corpo estranho. Um cara da pior natureza do mundo. Um misógino, nojento, sádico, que mata por nada além de hobby e sadismo. Mas ainda sim um cara. Uma pessoa. E os filmes passam essa humanidade muito bem. Ele não perdeu sua humanidade quando virou um boneco, ele não perdeu literalmente nada, ele só trocou de corpo.

E isso tem um poder grande no carisma do boneco. Pois o que nos atrai nele não é seu mistério, suas questões ambíguas, ou nossa compreensão da raiva que ele sente, o que nos atraí nele é o fato de que ele tem uma personalidade forte e humana, só que representando o mais condenável de todos os humanos. Mesmo assim, é fácil demais reconhecer a pessoa dentro do brinquedo.

Mas isso me leva ao segundo ponto:

Ele é o maior filho da puta do planeta:

Eu acho que o Chucky é um candidato real a personagem de filme de terror mais maligno que existe. Ele competiria pelo título com uns rivais de peso, como Pennywise, mas ele tem uma chance real. Pois sério, esse aí é a mais.

E tem um agravante em que ele não somente é sádico, violento, cruel, ofensivo, mas além de tudo isso o que mais conta na maldade de Chucky é o quanto ele adora ser maligno. Eu raramente vejo um vilão que esteja tão confortável com seus próprios atos quanto Chucky. Esse cara simplesmente ama ser a si mesmo, e isso é muito visível em várias cenas que ele mata.

Chucky não se tornou um assassino em resposta a uma grande injustiça que aconteceu com ele. Ele não quer se vingar de ninguém, ou reparar um dano que ele sofreu. Chucky afirma que ele próprio nasceu um assassino. E sua primeira vítima foi sua própria mãe. Quando Charles Lee Ray era só uma criança. Ele a matou quando um assassino invade sua casa e mata seu pai, ele vira para o assassino após matar sua mãe e diz “estou ajudando.”, e os dois se conectam momentaneamente.

E atualmente na série, Chucky está tentando fazer a mesma coisa: convencer o jovem Jake a se tornar um assassino, colocando lenha na fogueira da raiva e rancor que ele sente pelo bullying que sofre, pois ele aparentemente quer ter alguém pra ensinar os segredos do ofício, já que não pode passar para su filhe Glen.

Ele mata por prazer, e enquanto Freddy que também mata por prazer mistura um prazer sexual na hora de matar torná-lo mais asqueroso, Chucky não. Ele retira um prazer do mero ato de matar que para não é sexual. Pro Chucky sexo e matança são prazeres separados. E ele adora matar. Ele mesmo descreve que é um hobby para ele, quando Tiffany sugere que é quase um vício.

Só que mais que um hobby, parece mais um estilo de vida, um prazer que é o que tira ele da cama. Ele é incapaz de se ver deixando de matar os outros pois é isso que o define.

E ele mata qualquer um. Qualquer gênero. Qualquer idade. Ele mata os filhos da puta e mata as pessoas puras. Mata criança. Mata gente com deficiência. Mata idoso. Mata quem é perfeitamente capaz de se defender. e quem é vulnerável Ele não tem um perfil de vítima.

Mas o que pra mim mais marca sua maldade não são as pessoas que ele mata. Mas são as que ele não mata. A real crueldade dele se aflora com as situações que ele permite que as pessoas sobrevivam. Como por exemplo a última maldade que ele fez antes de transferir a alma para um boneco foi esfaquear a barriga de uma mulher grávida, pois ela o rejeitou. A bebê nasceu paraplégica por causa disso, e ele 25 anos depois manipulou uma situação para que ela fosse internada em um hospício sofrendo um tratamento abusivo lá dentro como parte de sua vingança.

A maneira como ele larga seus sobreviventes diz tanto sobre sua crueldade quanto a maneira como ele mata. Os sobreviventes do Chucky passam o resto da vida sofrendo tortura psicológica.

Acho que outro ponto relevante na hora de se falar de Chucky como um vilão de filmes de terror, que justamente deriva dele ser só ser humano em um corpo estranho, é que ele não tem regras. Por exemplo, Jason não mata crianças. Ele as deixa escaparem. Freddy não pode te pegar se você estiver acordado. O primeiro Ghostface não matava virgens. Filmes de terror, seja por códigos internos do seu vilão, pela maneira como o sobrenatural funciona, ou por fórmula de roteiro, costuma deixar pré-estabelecido quem é que não pode ser morto pelo assassino e tem que sobreviver.

E fã de filme de terror é obcecado por regras, justamente porque elas auxiliam na narrativa de “se fosse eu nesse filme eu sobreviveria? Sim, pois eu faria x, y e z e aí ele não poderia me matar.” Os fãs se inclinam a pensar “eu copiaria a fita do The Ring?” ou “Eu beberia no Crystal Lake?” como se fossem leis da física.

Mas como o Chucky mata porque quer, ele escolhe suas vítimas na vibe. Em Cult of Chucky, uma cena particularmente marcante é quando ele decide matar uma mulher esquizofrênica que a princípio ele deixaria passar, pois ele se irritou com a maneira como ela conversava com ele.

Chucky mata quem ele quer. Isso significa que ele não mata quem ele não quer. Mas esse querer não tem nada a ver com afeto. Ele matou a namorada. Embora possa-se argumentar que ele não ama nada nem ninguém além de si mesmo, a Tiffany ainda está acima no Andy no ranking de gente dele. O que significa que não existem pré-condições para não ser um alvo do Chucky, depende só do humor dele, e reforço, ele é um dos poucos vilões slashers que tem genuína variação no seu humor. Às vezes você se fodeu pois pegou ele de mau-humor.

O Chucky improvisa, ele vai na onda, e ele se diverte. Ele não tem um motivo grande pra isso, uma força que o empurra, ou uma necessidade de precisar ser temido pra existir. Ele só é de fato um filho da puta. O ser humano mais condenável e cruel que já deve ter caminhado por aquele universo.

E um algo que só deixa o fato do quão cruel, sádico e podre Chucky é ainda pior é que…

Chucky aprecia o anonimato:

Muitos vilões de filmes de terror tem uma necessidade de serem conhecidos. O objetivo de Samara é que todo o mundo saiba a sua história. Pennywise e Freddy Kruegger só possuem poderes se eles forem temidos, e está implícito que esse é o caso do Michael Myers da trilogia mais recente. Candyman precisa ser famoso para existir também. Fama é a motivação da maioria dos Ghostfaces.

Mesmo os que não tentam ficar famosos inevitavelmente ficam. Vemos o governo atacar Jason com tudo em Jason Goes to Hell, e Jigsaw é perseguido pela polícia incessantemente.

O que eu acho fascinante em Chucky, é que ele sempre se safa pelo que ele fez. Mesmo nos quatro primeiros filmes, onde ele “morre” no fim, ninguém reconhece que os assassinatos foram cometidos por um brinquedo de criança.

A própria sugestão de que um brinquedo assassino pudesse existir soou como loucura dentro de seu universo quando Chucky atacou pela primeira vez, em 1988, e 74 assassinatos depois (talvez menos que isso, eu acho que a minha fonte incluiu os assassinatos do Reboot), em 2021, a noção de que um brinquedo assassino segue sendo sinônimo de loucura.

Não existe um único personagem que tenha visto Chucky que seja levado a sério até agora, e mesmo que nas aparições recentes dele, esteja claro que é só dar um google para ver que rolaram vários incidentes em que após uma série de assassinatos o único sobrevivente pôs a culpa num boneco, ele não virou nem uma lenda urbana, e nem mesmo apareceu um teórico da conspiração que acredita no boneco assassino.

Não! Só quem viu acredita.

Mas quero aproveitar a deixa para parabenizar a obra por não ter feito um teórico da conspiração. Eu acho que um clichê que precisa acabar é o do teórico da conspiração que no fim tinha razão sobre tudo. Em épocas de QAnon, esse tipo de personagem me deixa desconfortável. E filme de terror gosta desse arquétipo, mas não os dessa franquia.

Mas voltando ao ponto, todo mundo que vê o Chucky o reconhece principalmente como um brinquedo popular dos anos 1980, ninguém sabe dos assassinatos. O Chucky literalmente se safa de tudo.

E tá se safando cada vez mais. Pois depois do quarto filme, ele nunca mais morreu em seus filmes. Ele sequer morre no final, diferente de um Jason ou um Freddy que precisam vender a noção de que “por enquanto acabou”. No final de Curse of Chucky ele sai triunfante tendo tudo dado certo e é só na cena pós-créditos que vemos ele levar um tiro, que depois descobrimos ser não letal.

E em The Cult of Chucky, ele literalmente triunfa, e ninguém fica sabendo. Ele larga seu arqui-inimigo Andy no hospício pra levar a culpa por tudo o que ele fez de novo e sai gargalhando andando de carro no que é pra mim um dos melhores finais que já vi em um filme de terror pela classe que foi essa energia de “O vilão venceu e foda-se.”

Chucky não precisa ser famoso ou temido pra dar a risada final, pois honestamente, no ponto da franquia onde estamos, é isso que ele deu. A risada final. O filho da puta está a solta, está no topo, e vamos ver o que a série reserva pra ele.

Mas tem um ponto final onde eu acho que ele se destaca comparado aos outros slashers.

Ele é a porra de um brinquedo.

Vejamos… Freddy Krueger virou um demônio que invade sonhos. Jason virou um zumbi enorme com super-força. Samara é uma paranormal que influencia tecnologia que virou um fantasma capaz de matar com o olhar. E o Chucky… fala três frases, é feito de plástico e supostamente deveria ter alguns acessórios, mas só vemos ele usar um chapéu no começo do primeiro filme.

Assim, obviamente existe a vantagem clara do brinquedo ser essencialmente imortal, pois é só consertarem ele, o que ele já usou para voltar várias vezes. Mas exceto por isso, o Chucky claramente está na desvantagem aqui.

Ele é forte pro seu tamanho, eu reconheço isso. Mas não é como se ele pudesse se comparar em força com os pesos pesados como Jason e Freddy. No geral ser um boneco o coloca em desvantagem. Ele passa metade dos filmes sendo carregado por aí pelos personagens como se fosse nada, e ele pode ser trancado em um armário.

O Chucky só é eficiente se ele consegue se disfarçar de objeto inanimado, o que significa que as vezes ele precisa se segurar enquanto derretem sua mão para disfarçar…

E ele tem que ter a paciência para dormir abraçado com uma criancinha por um tempo antes de poder agir…

…será que ele realmente gosta de ser abraçado? E por isso não liga pra essa etapa do plano? Fica o questionamento.

E ainda sobre os poderes dele, o poder de voodoo dele é algo que ele não usa pra matar suas vítimas, então não é parte de sua ameaça. No geral, o corpo de Chucky é algo que ajuda ele a se disfarçar, mas no geral só deixa ele menor e mais frágil. A quantidade de vezes que já arrancaram o braço dele não é brincadeira.

Geralmente os vilões são “ele era um homem normal e voltou mais poderoso”, mas o Chucky voltou menos poderoso, e ele combina isso com inteligência e paciência, se escondendo na forma de boneco até ser a hora certa, e sabendo manipular a inocência. Sabendo tirar vantagem das emoções alheias. Pois o Chucky realmente precisa saber fazer o social com as crianças pros seus planos funcionarem.

Ele sempre precisa de um cúmplice, quando não é uma criança pra quem ele mentiu pra cacete é a Tiffany, sua leal namorada que coloca ele no correio e tal.

O ponto é, o corpo de Chucky é ineficiente para seu hobby de assassino, e ele compensa isso com criatividade, com paciência, com sociabilidade e com uma ajuda dos amigos. Mas isso é uma inversão de papéis narrativos. Pois Chucky é quem tem que superar os desafios pra conseguir o que ele quer. Ele que tem que aprender a lidar com as situações que o roteirista colocou lá pra complicar a vida dele.

Bora enterrar o Chucky e ver como ele se sai.

O roteirista arrancou a mão do Chucky, vemos ele improvisar uma mão nova de faca. O que é uma rima com o que Ash Williams fez em Evil Dead. Vocês estão vendo onde eu quero chegar? Ash é o herói.

Personagens como Jason, Freddy ou Michael não vão ter que realmente ser criativos para solucionar problemas ao longo do filme e o fardo da criatividade virá das suas vítimas que vão ter que dar um jeito de compensar seu poder, mas aqui quem dá um jeito é Chucky.

E o baixinho é esperto. Porra, quando ele substitui as balas de paintball por balas de verdade pra fazer os moleques da academia militar se matarem, eu achei jogada de gênio. Você mata um e traumatiza o outro pra sempre. O cara é metodicamente filho da puta.

Chucky tem que se virar nos trinta para conseguir tacar o terror e ele se vira, ele é bom de improviso, ele tem ideia boa, ele sabe disfarçar e se fingir de boneco inanimado e 33 anos depois ele segue impune, nenhuma de suas mortes caiu na sua conta ainda, todo mundo ainda é considerado maluco, ele já conseguiu voltar a uma forma humana. Inclusive depois de décadas de misoginia e masculinidade tóxica, ele está enfim explorando o que é viver na pele de uma mulher, após roubar o corpo de Nica pra si.

…o que deve ser o motivo principal para na série de televisão ele estar mais mente aberta quanto a questões trans. Viver no corpo da Nica deve ter feito ele pensar em algumas coisas.

Olhando pra trás, o motivo pelo qual eu cagava de medo do Chucky quando eu era criança era porque o conceito de um brinquedo vivo que te mata é de fato um conceito assustador para uma criança. Mas olhando com os olhos atuais esse escroto é assustador até agora.

Mesmo tendo vivido seus momentos cômicos, esse bostinha de plástico merece o posto de ícone de terror. Não existe nada horrível que ele não faça. Ele mata? Mata. Ele mata lentamente? Mata. Ele faz tortura física? Faz. Ele faz tortura psicológica? Faz. Até por deixar Nica paraplégica ele colhe os créditos com orgulho pelo mal que ele causou a ela.

Chucky não precisa de um corpo gigantesco ou um corpo desfigurado, para provar que é um monstro. Ele é um eterno lembrete de que o monstro é quem você é por dentro, e de que se você for um calhorda de verdade, você vai conseguir isso em qualquer corpo.

Agora o lance é: se uma criança vê o Chucky e isso ajuda ela a imaginar que seus brinquedos podem matá-la e isso é assustador. Hoje eu acho que ainda mais assustador é o fato de que na maioria dos filmes temos a presença de uma criança que ama o Chucky. A maneira como seu apelo estético convence uma criança a colocá-lo em sua própria casa para ser corrompida por ele.

Um padrão em todas as crianças que adotam o Chucky é que ele ensina pra elas sua visão de mundo cruel, e ensina elas a perderem a empatia pelas outras pessoas. E isso é algo a mais que nenhum outro vilão de Slasher tem: o poder de corromper. O poder de ser convidativo, e destruir a inocência alheia.

E conta com um ponto extra, por ser um vilão que literalmente entra na cama das crianças, destrói sua inocência e nunca é retratado como uma metáfora para pedofilia. Seus assassinatos não têm conotação sexual. Ele não precisa apelar para semelhanças com um estuprador para se posicionar como um inimigo de toda a infância. E isso é ter classe de evitar um choque fácil, para mostrar algo tão perturbador quanto.

Andy, Alice e Caroline, todos ajudaram um assassino maníaco a ter acesso as suas famílias, e a culpa de não ter sido desconfiado o suficiente de impedir isso, esse é um sentimento assustador.

Chucky traz muitos sentimentos assustadores que a maioria dos vilões nem cogitam trazer à tona, e traz muita vida para um objeto supostamente inanimado.

E nessa época de Halloween eu quero celebrar ele. Porque olha, Child’s Play, enquanto franquia, faz muita coisa que me chama a atenção positivamente quando eu olho a tradição de seu gênero. Em geral o filme não usa suas vítimas para valorizar um ideal feminino de pureza. Temos uma jovem fumante e encrenqueira tendo a honra de matar Chucky no segundo filme. E temos Nica fazendo sexo casual durante sua estadia no hospício e sendo a heroína do filme mesmo assim. Os filmes usam literais crianças para simbolizar algum tipo de pureza a ser protegida, e por isso as heroínas são livres para ter sua identidade desrelacionada a sua vida sexual. A franquia também tem muita pouca nudez, com o único filme contendo uma mulher com os peitos de fora sendo Seed of Chucky, uma raridade pra uma franquia slasher. Não temos nenhum especialista no Chucky nos explicando os segredos do personagem, e como já mencionado, não temos o teorista da conspiração que acredita no protagonista. O que são algumas armadilhas do gênero que a série se elevou ao esquivar.

Mas o próprio Chucky é a melhor esquiva de armadilhas, sendo um dos mais originais, criativos e cativantes assassinos do gênero. Oferecendo algo novo, e mais do que novo, algo divertido e interessante.

E viva o Chucky!

Sobre o autor

Izzombie

Sou um cara chato que não consegue ver um filme sossegado sem querer interpretar tudo e ficar encontrando simbolismos e mensagens. Gosto de questionar a suposta linha que separa arte de filmes comerciais, e no meu tempo livre pesquiso sobre a história da animação.

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Sou um cara chato que não consegue ver um filme sossegado sem querer interpretar tudo e ficar encontrando simbolismos e mensagens. Gosto de questionar a suposta linha que separa arte de filmes comerciais, e no meu tempo livre pesquiso sobre a história da animação.

Alertas

  • – Todos os posts desse blog contém SPOILERS de seus respectivos assuntos, sem exceção. Leia com medo de perder toda a experiência.
  • – Todos os textos desse blog contém palavras de baixo calão, independente da obra analisada ser ou não ao público infantil. Mesmo ao analisar uma obra pra crianças a analise ainda é destinada para adultos e pode tocar e temas como sexo e violência.

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