Dissecando os mangás do gênero Anti-Monster Corps.

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Olá, como estão vocês? O texto de hoje vai ser sobre um padrão que eu tenho notado ficar cada vez mais comum na minha leitura de mangás da demografia shonen.

Tudo começa com nosso protagonista. Ele vive uma vida normal e cotidiana, que pode ser feliz ou triste, fácil ou sofrida a depender do protagonista, mas independente se era boa ou ruim, um dia foi tudo pro saco. Um fatídico dia tudo foi pro vinagre e a tragédia começou, pois foi o dia em que um Demônio destruiu a vida dele. Esse demônio veio do nada e matou a mãe do protagonista, ou a irmãzinha dele, ou arrancou o braço dele, ou queimou a casa dele, ou chutou o cachorro dele eu sei lá. Mas foi traumático e pesado.

O que eu sei é que ele está lá impotente sem poder se defender contra esse demônio, por não saber o suficiente sobre eles. Mas eis que surge um grande herói, devidamente uniformizado e munido de uma arma extremamente cool, e destrói o demônio. Não. Melhor ainda, esquece destruir, tenho uma ideia melhor. Esse herói ensina o protagonista como que ele pode derrotar aquele demônio ali mesmo aqui e agora, com a ajuda de um conhecimento específico pro qual o herói tem um dom e o protagonista está empoderado e ele percebeu que ele não precisa mais ter medo da tragédia que ocorreu com ele vá acontecer com outra pessoa, pois ele decidiu o que fazer. Ele vai entrar na organização do herói que o ajudou, ganhar seu próprio uniforme e arma cool, e ele vai exterminar os demônios do mundo.

Eu acabei de descrever o esqueleto de um mangá muito genérico que eu acabei de inventar e que está completamente envolvido em um padrão que eu estou ficando a cada ano que passa mais ciente de sua onipresença. Que é um subgênero do mangá battle shonen, que eu nesse blog quero cunhar com o nome Anti-Monster Corps, o que traduzido pro português seria o Batalhão Anti-Monstro.

Não fui eu que inventei esse nome, um amigo meu deu a nomenclatura e eu roubei na cara dura! Agradeço pela ideia, se eu tivesse que dar um nome eu mesmo viria uma porcaria Por que não adianta notar um padrão, essas coisas funcionam melhor quando conseguimos dar um nome pra esse padrão.

Aliás avisando que esse texto contém vai falar sobre todos esses mangás e animes abaixo com naturalidade sobre seus rumos e acontecimentos.

Mas esses abaixo são os que eu vou mencionar alguns twists relevantes, que se encaixam nos spoilers perigosos.

Estejam devidamente avisados das duas situações.

Enfim, mangás Anti-Monster Corps, são mangás simples. O protagonista é parte de uma organização que existe com um único propósito, caçar os Monstros. Esses monstros, são próprios de cada mangá, e cada mangá vai dar seu nome, podem ser bruxas, fantasmas, demônios, youkais, kaijus, maldições ou entusiastas de vinho, tanto faz. O importante é que eles tem esse nome, e que eles são uma grande ameaça ao mundo. Por isso essa organização existe pra combater essa ameaça. Com uma gama de protagonistas diversos cada um com seu poder e especialidade, combatendo esses monstros, indo em uma missão de cada vez, mas com o objetivo final de combater a fonte desses monstros pra extinguir esse mal de uma vez por todas.

Esse tipo de organização sempre existiu em mangás, inclusive, em um mangá em que o protagonista pertence a alguma classe de não-humano, não é incomum que tenhamos essa organização como o time antagonista querendo logo caçá-lo. Mas também essa organização como um time protagonista é algo que você acha com facilidade em vários mangás já tem muito tempo. Você pode ver aí em um Claymore da vida, ou em D. Gray Man como mangás que seguem essa estrutura direitinho. Até mesmo animes clássicos como Madoka Magica ou Neon Genesis Evangelion seguem bem esse esquema. No caso de Evangelion inclusive, é que eu de fato não gosto de mecha e fujo do gênero como o diabo foge da cruz, mas pela osmose que eu capturo do gênero eu sinto que esse esquema deve ser tão comum no mecha quanto no battle shonen. Mas pode ser só impressão.

Mas, eu sinto que o número desse tipo de mangá aumentou consideravelmente, em especial o número desse tipo de mangás dentre a lista de mangás muito populares e que atingem um sucesso notório na indústria. E eu sinto que isso tudo aumentou depois do sucesso de um mangá desse tipo que é Shingeki no Kyojin, conhecido como Attack on Titan no ocidente e por consequência Ataque ao Titã no Brasil.

Attack on Titan, cujo sucesso estrondoso do mangá que quase chegou a superar One Piece em vendas, e do anime, que conseguiu estourar a bolha Otaku e ser assistido até por quem não era familiarizado com animes, foi provavelmente o mangá que mais marcou a década de 2010. E ele pode ter aberto as portas para a conveniência do seu formato, o que é algo bom de ser estudado, pois Shingeki no Kyojin é um mangá problemático. E ao usar o formato Anti-Monster Corps, ele permitiu um uso problemático do formato, que muitos de seus sucessores não usaram, muitos não foram problemáticos. Mas ajuda a preparar o terrenos para vermos os caminhos diferentes que esse formato pode tomar.

Esse texto é para dissecar como um mangá Anti-Monster Corps funcionam, que tipo de twists costumam vir junto, como podem ser usados pro bem, e como podem ser usados pro mal. E é um gancho pra pensarmos se é meramente influência de Shingeki, ou se tem mais motivos para esse subgênero ter achado o seu maior zeitgeist possível nos últimos 10 anos.

Para isso, eu vou dividir esse nome aqui aplicado ao subgênero Anti-Monster Corps, nas três partes que formam seu nome e analisá-las separadamente. O elemento Anti, o elemento Monster e o elemento Corps. Vamos ver o que cada um desses elementos agrega ao gênero.

E vamos fazer isso de trás pra frente então….

Corps – O Batalhão.

Acho que esteticamente a parte mais importante do gênero. Pois é o que dá toda a maquiagem que é o carisma da obra. Mas afinal qual é a organização? Quem são eles? Mais do que um grupo de pessoas reunidas pelo acaso ou por laços de amizade prévios para enfrentar os inimigos, o Batalhão tem toda uma estética por trás dele. Os personagens são uniformizados.

E eles no geral possuem uma série de objetos, que podem ser armas para combate ou itens de suporte que são exclusivos deles e são uma marca da união deles. As técnicas que eles usam são técnicas que você não consegue fora do Batalhão. Geralmente mais do que somente um time e uma organização, entrar no batalhão te dá os meios que você precisa para enfrentar os monstros literalmente, na forma de armas ou conhecimento (ou ambos).

Inclusive, quase sempre a construção de mundo vai apontar que seja a arma ou a técnica que foi aprendida pra matar os monstros, foi copiada ou roubada ou inspirada nos próprios monstros. Um conhecimento que não seria possível sem eles, sendo usado pra equilibrar essa luta que de outra maneira seria Davi e Golias.

Em Terra Formars, a base da Operação Mosaico é um órgão descoberto nas Baratas de Marte justamente os monstros que eles enfrentam.

O batalhão tem uma hierarquia clara e raramente é com o protagonista nos rankings mais altos. O protagonista ele tem gente a quem ele responde, e gente que delega a ele as suas missões.

As vezes o Batalhão é literalmente militar, como por exemplo Shingeki no Kyojin ou Enen no Shoboutai (Fire Force no ocidente, Brigada do Salvamento das Chamas em tradução direta). Ou ela pode não ser literalmente militar. Mas ela sempre soa militar, por seus focos em hierarquia, unidade e ter como função primária o combate. Tanto que reforço, membros desse tipo de organização sempre dão uma importância enorme ao peso simbólico de seus uniformes.

Não é nem um pouco incomum um mangá girar em torno de uma organização desse estilo, mesmo quando não combatem monstros. E eu joguei o Anti-Monster Corps como algo que ganhou força no pós Shingeki no Kyojin, mas se tirar o Anti e o Monster da jogada, aí é algo que ganhou muita força no pós Naruto. Enquanto grandes sucessos do Battle Shonen antes de Naruto não iam muito pra esse território como Dragon Ball, Yu Yu Hakusho ou One Piece (que virou sucesso junto de Naruto, mas estreou antes). Se você pegar os Black Clover, Fairy Tail, ou mesmo Boku no Hero Academia, você nota o peso que esse começo “o herói foi aceito como membro da organização especial e agora ele tem o que precisa pra enfrentar o mal.”

Mas esses que só seguiram Naruto não são Anti-Monster Corps, são só Corps. Pois nisso eles são iguais, a diferença é o motivo pelo qual existem. Enquanto em Naruto ou Fairy Tail, os personagens são pagos para desempenhar missões, ou em Black Clover, Boku no Hero e Soul Eater, as missões têm a ver com ir atrás de alguém que infringiu regras, um criminoso designado por uma autoridade. Os batalhões do Anti-Monster Corps agem em nome da humanidade, combatendo os inimigos da raça humana.

Naturalmente, muito dos valores do mangá podem ser inseridos logo na maneira como apresenta o batalhão. Em especial pra falar da relação do mangá com o militarismo.

A maior parte dos anos 2010 foram marcados pelo fato de que foi a década em que Shinzo Abe foi o primeiro-ministro do Japão. Governando de 2012 a 2020, ele foi o primeiro-ministro com o maior mandato da história do país, e um dos pontos pelo qual ele mais foi comentado internacionalmente, foi precisamente sua romantização do passado militar japonês, seu nacionalismo pesado e suas tentativas de rever o artigo 9 da constituição japonesa, que em grande resumo impedem o exército japonês de ser qualquer coisa além de uma força de literalmente defesa do país, proibindo a posse de armas como misseis ou bombas e proibindo guerras como maneira de lidar com conflitos internacionais.

O Japão pra fins de relações internacionais, é como se não tivesse um exército, e isso desde a Segunda Guerra Mundial, onde um número grande de crimes de guerra cometidos na Ásia pelo Japão, alguns que o governo japonês não reconheceu até hoje, serviram como base para que a decisão de limitar as ações do exército japonês ocorresse.

Pois bem, porém os nacionalistas japoneses que glorificam e romantizam o exército e a força militar do seu país, e lamentam a situação, agora tinham um representante no posto mais alto do governo, que se estendeu pelo que foi quase a década inteira.

E isso coincidiu com o auge da popularidade de Shingeki no Kyojin. E digo coincidiu nem nenhuma ironia, o mangá já fazia um sucesso notável antes da eleição do Abe, e o pico de popularidade veio do anime que estreou meses depois dele tomar posse. Em um timing que provavelmente não estava planejado.

Mas graças a essa coincidência, o período que o governo mais falava sobre fortalecer e restaurar a glória do exército foi corroborada pela popularidade gigantesca de um anime sobre exatamente o quão honroso, nobre, heroico, e principalmente, o quão FODA E ESTILOSO é ser parte de um exército e proteger as fronteiras dos não-humanos.

E Shingeki no Kyojin não foi o único a passar bem a vibe do quão legal ser parte de um exército é. World Trigger, da Shonen Jump é sobre a organização militar que é a linha de frente no combate contra criaturas interdimensionais que eles chamam de “Os Vizinhos”, e nossa, o começo desse mangá o tempo que a gente gasta com simulação de treino, para ver o quão animais eram as armas que eles usam, é bem grande até a gente de fato ver uma batalha séria contra um Vizinho. Pois o que te puxa no carisma é saber mais, sobre as classes de soldado que eles podiam ser, e o que eles podiam fazer.

E agora estamos com o sucesso do ano passado Kaijuu 8-gou, que foca no exército de combate aos Kaijus, e com um foco em um protagonista, que se contentou em ser um mero suporte no combate aos Kaijus, realizando tarefas importantes, mas não matando o monstros. E da vergonha que era pra ele se contentar com menos e ficar longe dos postos de glória. E sobre como ele teve seu orgulho reascendido e entendeu que nada fazia sentido se ele não era parte do exército. Bem romantizado.

Mas o Batalhão ser sobre um exército não significa que ele vai romantizar um exército. Depende da história. É só que a gente vai olhar nesse aspecto do mangá para ver a postura que ele toma.

Em um anime como Neon Genesis Evangelion, temos uma divisão militar especializada no combate aos Anjos, criaturas não-humanas que ameaçam a humanidade. Então Evangelion é um Anti-Monster-Corps, mas a organização em si, sempre é apresentada com ares frios e não-carismáticos. É precisamente um anime sobre você não ter vontade de entrar no robô e passar pelo que eles passam, e que não alimenta escapismo algum. E ao final, é o plano da NERV que precisa ser detido. O exército é um problema.

Então a gente tem esse batalhão, mas o quão legal é termos esse batalhão?

Em Fire Force, a gente vê o corpo de bombeiros que combate os Infernais, como parte desse batalhão, mas esse corpo de bombeiros é dividido em oito divisões. E a gente acompanha a oitava divisão. Que é justamente a divisão que investiga os crimes internos da organização. E que tem um interesse maior em descobrir a origem do fenômeno dos Infernais do que em ficar matando os infernais um por um.

Então tem exércitos e exércitos. O seu batalhão é um exército focado em extermínio acima de tudo? Ele prioriza a inteligência e coleta de dados? O quanto ele considera soluções alternativas a violência? O quanto ele revê seus objetivos e visões de mundo diante de novos contextos e novas informações? Ele é corrupto? Ou ele é na real a linha de frente no combate a corrupção de todas as outras instituições daquele mundo?

É nesse tipo de pergunta que observamos como a obra vê isso.

E vale também pros casos que não é literalmente um exército.

Em Kimetsu no Yaiba, a organização não se assemelha ao que eram os militares, se compararmos com como os militares da Era Taisho, com fardas, metalhas, e armas de fogo, aquelas pessoas de kimono e espada não passavam a estética militar em nada. Mas apesar de a estética ser bem mais focada em um japão mais tradicional, que faz até algumas pessoas (eu mesmo antes de fazer a pesquisa pra esse texto) acreditar que o mangá se passa muitas décadas antes de quando realmente se passa, o comportamento, e hierarquia interna do Batalhão de Extermínio de Demônios é o mesmo. Com seus vários rankings. E um foco primário no extermínio mesmo, uma missão que só acaba quando os demônios forem completamente eliminados da Terra.

Em Jujutsu Kaisen, o Batalhão toma a forma de um colégio. Que aparentemente é colégio mais em nome do que em qualquer coisa, pois não vi uma sala de aula por ali, mas é importante porque as hierarquias se assemelham mais a um colégio. O Gojo é um professor, e por isso ele vê os protagonistas como seus alunos, mentes que ele tem que guiar para um futuro melhor, do que como seus subordinados. E Gojo veste muito a máscara do professor quando fala em reformar o sistema de como eles pensam o combate as maldições que eles fazem.

Em Chainsawman o Batalhão de extermínio, é uma divisão burocrática do governo. Seus membros usam gravata e roupa social, trabalham em escritórios, e aguentam as durezas de serem funcionários públicos. De uma maneira que tira bastante do glamour de matar demônios, quando a gente pensa no assassino de demônios menos como um fodelão com um uniforme que parece desenhado pelo Hugo Boss que eu vou querer comprar um igual por meu cosplay e mais num cara de gravata ganhando mal tendo que preencher uma papelada depois da caça, enquanto lida com um chefe abusivo.

Só um parênteses também que é interessante de notar que apesar de na vida real exércitos serem associados principalmente a um grupo masculino. Especialmente no que diz respeito a soldados. No geral os mangás Anti-Monster Corps, (e a maioria dos de Corps no geral), sendo eles mangás com subtexto sexista ou não, sempre criam exércitos mistos, nunca fazendo a heroína da trama ser alguém de fora da corporação ou que não vai ao campo de batalha. Shingeki no KyojinKaiju 8-gou dão o passo além de fazer a amiga mais próxima do protagonista ser a melhor guerreira de todo o batalhão. 

E quando eles fazem exércitos que não são mistos, pode apostar que é pra fazer o exército ser completamente feminino. Com algum motivo dado pra isso. O que é um detalhe importante pra nos lembrarmos que as decisões de como esses exércitos são, não são baseadas em como campos de batalha são, tanto quanto são sobre como campos de batalha poderiam ser na perspectiva do autor.

Então a forma como você constrói o batalhão é onde o mangá mostra bem o que ele quer romantizar, o que ele quer glamorizar, o que ele quer desconstruir, o que ele quer dar um choque de realidade. E mostrar seus valores sobe o quão nobre é ou não um plano de extermínio de alguém que foi considerado “o outro”.

Então vamos falar agora desse outro.

Monster – O Monstro.

O elemento que o Anti-Monster Corps combate. A maior ameaça possível à raça humana. Os monstros são o grande inimigo inicial de um mangá do gênero. E um dos diferenciais. Geralmente esses mangás mostram um ataque de um monstro logo no começo pra ditar o tom da realidade naquele mundo. Da ameaça que pessoas normais, como eu e você correm constantemente.

Os monstros são por definição não-humanos. Se o batalhão está combatendo outro batalhão, então não é Anti-Monster Corps, o monstro precisa ser um monstro. E ele é quase sempre, a primeira vista apresentado como irracional. Animalescos, entidades com quem não podemos negociar ou reeducar, e pra quem assassinar humanos não é algo que eles estão fazendo por um sentimento, ou por um plano, mas por puro instinto.

Muitas vezes a gente vai ver um no primeiro capítulo, e o primeiro capítulo vai estabelecer exatamente isso. Eles são uma ameaça, eles vão matar as pessoas, eles são uma ameaça as pessoas comuns, isso é sempre muito enfatizado, a vítima do primeiro capítulo raramente vai ser um membro do Batalhão Anti-Monstro, e você não pode somente conversar com eles e pedir pra parar, você tem que destruí-los.

Na maior parte dos mangás do gênero, essas diretrizes vão sendo questionadas ao longo do mangá, quais diretrizes? Depende de qual o mangá do gênero, mas a primeira impressão quase sempre é essa.

Em Kimetsu no Yaiba é notório que a gente não vê o demônio que destruiu a família de Tanjiro, e o primeiro demônio que vemos é Nezuko, cuja habilidade de proteger o irmão por lembrar do laço deles, é visto como uma exceção. Então mesmo um mangá que questiona essas diretrizes logo no primeiro capítulo, ainda reconhece a existência delas como o senso comum do mundo.

Essa espécie sempre é também muito misteriosa. Sempre tem alguém que vem falar que se sabe muito pouco sobre eles ainda, e nos primeiros capítulos ninguém tem uma explicação muito boa de daonde eles vieram e por que existem. Com a exceção de Jujutsu Kaisen em que todo mundo sabe explicar tudo bem, virtudes de ser uma escola e não um exército. Mas no geral, a gente raramente sabe muito sobre eles, mas a gente sabe uma coisa: seus nomes.

São os Anjos, os Infernais, as Bruxas, os Demônios, os Diabos, os Akumas, os Vizinhos, os Kaijus, os Kaijins, as Baratas Mutantes de Marte, as Maldições, não importa o que eles sejam, eles sempre tem nome. E a gente sempre sabe como reconhecer um. Pois não pode ficar dúvida pro leitor, quando a gente vê um a gente sabe que é pra porrada começar.

Mas na maioria das vezes, essa narrativa é sempre questionada.

Um twist extremamente comum desse tipo de mangá é que o monstro são ex-humanos, humanos que se tornaram aquilo, um twist tão comum, que no caso de Kimetsu no Yaiba ou Enen no Shoboutai, sequer é um twist, sabemos que eles são ex-humanos desde o começo. Humanos vítimas de uma tragédia, e isso traz uma inversão grande de papéis, pois agora aquelas criaturas que deixavam um mar de vítimas, são reveladas como na verdade, vítimas elas próprias, que perderam suas identidades. E agora são humanizadas.

Não é incomum um membro da Anti-Monster Corps ter que se deparar com um ente querido que se transformou num monstro, e estar dividido, pois agora está humanizando uma criatura que sempre matou com facilidade antes por não precisar humanizar.

Outro twist comum, que é semelhante, mas levemente diferente, é que apesar de não serem ex-humanos, as criaturas têm o potencial para evoluir para uma forma inteligente, no controle de seus atos. E que essas criaturas são portanto capazes de inteligência e de formar laços entre si. Muitas vezes sob o miguézão de “A criatura que você viu no capítulo 1 é de uma classe inferior, a classe superior pensa que nem humanos.”. E sendo assim, qual seria a diferença de matar um desses e matar um ser humano? Eles se humanizam aos olhos de seus caçadores.

Esses dois twists trazem o mesmo propósito. O de questionar a naturalização das mortes cometidas no começo do mangá.

Graças a isso, essas histórias têm o poder de fazer o caçador de monstros se deparar no meio da narrativa com a realidade de ser um assassino, e questionar por que era tão fácil naturalizar isso.

Sobre a natureza da origem dos monstros existem dois caminhos muito comuns de serem seguidos.

O primeiro é o que normaliza a existência dos monstros como uma lei daquele mundo, eles existem, porque eles são formados de elementos negativos da sociedade que tomam forma na existência de monstros. Então as maldições de Jujutsu Kaisen são manifestações físicas de pensamentos negativos. Ou os diabos de Chainsawman são personificações dos medos da humanidade. Tem uma porcaria chamada Kaijin Reijoh (ocidentalizado pra Slasher Girls mas na tradução literal seria algo na vibe de Belas Monstras), em que as pessoas viram monstros quando sucumbem aos seus pensamentos mais tóxicos. Em Madoka Magica é quando elas sucumbem ao desespero. É muito comum existir um sentimento negativo, como raiva, medo, desespero, frustração, stress, etc…. Que existe nos corações de todo mundo e que é o gatilho pra criação de monstros como uma força da natureza.

Quando seguimos esse caminho, costumamos ver discussões sobre os batalhões estarem constantemente de olho nos próprios sentimentos. E geralmente acham um espaço pra fazer umas criticas sociais foderosas sobre o que causa sentimentos assim na sociedade atual.

O segundo caminho comum é o da conspiração. Esses monstros são propositalmente criados, para propositalmente foder a porra toda. E entender quem está criando eles, ajuda a solução a ser o extermínio dessa pessoa, ou dessas pessoas responsáveis. O exemplo mais explícito disso é Kimetsu no Yaiba em que de fato não era nada mais complexo do que meramente matar o pai de todos os demônios que era o Muzan. D. Gray Man foi em um caminho bem parecido com o Conde do Milênio sendo quem criou todas as Akumas e portanto a raiz do problema. Porém em Enen no Shoboutai ou Shingeki no Kyojin, a solução pra acabar a produção em massa de monstros era mais enraizada em vários participantes de um sistema secular de corrupção do que meramente derrotar uma única pessoa, era necessário enfrentar instituições, e principalmente mudar os hábitos da sociedade inteira.

A diferença entre esses caminhos costuma ser um bom indicador de qual é o caminho que o mangá vai no final escolher pra lidar de fato com os monstros? Vai ser de fato até morrer o último? Vão matar uma pessoa que se morrer soluciona tudo? As pessoas vão ter que mudar a sociedade para poder diminuir a criação de monstros? Esse tipo de coisa é um bom indicador da história.

E isso tudo se revela no conflito entre o Batalhão e os Monstros colocado na prática.

Então vamos falar do terceiro ponto.

Anti – O Conflito:

Nós temos um Batalhão, temos uma série de Monstros, e nós temos o fato de que eles estão brigando. Então vamos falar do que significa essa briga, pois ela é o que importa.

E o que notamos logo de cara. É que nesse tipo de mangá, por mais que a organização seja uma instituição específica com enviesamentos específicos que pode ou não ser corrupta ou manipulada… ela representa a humanidade. A guerra é ultimamente uma guerra racial, da raça humana contra a raça monstro.

Mas apesar deles representarem a raça humana…. Raramente vemos uma grande diversidade por ali.

Em D. Gray Man nós de fato tínhamos uma organização internacional, que combatia akumas no mundo inteiro, e com cada membro vindo de um país diferente. Mas apesar dos monstros serem uma ameaça global, e de constantemente mencionarem que quem eles protegem é a humanidade, Shingeki no Kyojin foi essencialmente os Eldians protegendo a fronteira do país deles, antes de virar um conflito entre nações. Kimetsu no Yaiba fez parecer ao menos que o fenômeno dos demônios estava completamente restrito ao Japão. Jujutsu Kaisen deixa claro que a organização ocupa duas cidades: Tokyo e Kyoto só, e recentemente racionalizou que de fato o Japão é o polo de maldições no mundo.

E toda a noção de Raça Humana vs o Outro ganha um tom bem nacionalista quando a raça humana é, na verdade, um único país. E proteger a humanidade dependendo do mangá significa: proteger o território nacional.

Enfim. A humanidade e os monstros se odeiam. E esse ódio é intensamente naturalizado na primeira impressão da obra. Esses monstros são uma ameaça, por existirem. E é isso. Eles existem e isso estragou tudo, pois agora as pessoas estão morrendo.

E essa simplicidade é inclusive um grande ponto de carisma do anime. Muitas das pessoas que largaram a mão de Shingeki no Kyojin quando a trama começou a falar de política lá na terceira temporada, foi justamente um grupo de pessoas que se encantaram pelo anime pela sua simplicidade, temos uma ameaça fácil de reconhecer como ameaça e um grupo para resolver isso com gadgets carismáticas. Isso é fácil de assistir, isso não te obriga a pensar em relações políticas complexas com regimes que se mostraram menos extintos do que gostaríamos.

E eu não vou falar que essa simplicidade é a razão da popularidade surreal e sem precedentes de Kimetsu no Yaiba, pois eu não naturalizar o absurdo. É sem precedentes e ninguém sabe de fato apontar um único fator pra esse fenômeno desproporcional. Provavelmente por terem várias variáveis trabalhando juntas. Dito isso, eu garanto que a maneira como Kimetsu se manteve simples até o fim, com inimigos claros, protagonistas claros, e um objetivo direto ao ponto, ajudou no carisma enorme da série.

São séries fáceis, você entra no fio da meada rapidamente, e você vai rápido pra ação.

Mas muitas obras questionam essa naturalidade por trás de um ódio e a origem do conflito. Justamente por conta da humanização dos monstros que é o caminho que a maioria segue. Em Madoka Magica, Madoka e Sayaka são ensinadas a odiar bruxas, por ser desse jeito que as coisas são. Porém, ao descobrir a verdade sobre as bruxas serem ex-humanas, o gesto final de Madoka é algo muito mais focado em protegê-las e salvá-las como as vítimas que elas são.

Um exemplo interessante é uma série que eu acho que não é exatamente Anti-Monster Corps, por não ter exatamente um monster, e pela corps ser offscreen. Mas está na área cinza. O mangá é Munou na Nana (Talentless Nana no ocidente, Nana sem Talento na tradução literal), o exército resolveu que um grupo de crianças com super-poderes, não eram humanos e deveriam ser exterminados por conta disso. O exército cunha eles com o nome nada sutil d “Inimigos da Humanidade”, e manda eles para uma ilha, mentindo que eles na verdade são a Anti-Monster Corps. As crianças acreditam que estão fazendo um treinamento para combater os monstros.

O exército então secretamente infiltra uma pessoa sem poderes na sala, mentindo ter poderes, para ela poder infiltrada matar todos um por um. Enfiando nela a propaganda de que eles são todos inimigos da humanidade e que portanto é natural pra seres humanos querer que eles morram. E o ponto da série é que quando enfim cai a ficha de que é um absurdo matar essas pessoas, já haviam morrido muitas e os danos que comprar essa narrativa causou já não podiam ser revertidos. Assim como proteger essas pessoas, escondendo seus crimes delas se torna complicado.

Outro que toma caminhos interessantes é Undead Unluck, em que o inimigo na real é Deus em pessoa. Os monstros que ele criou são as regras que regem a humanidade, e com regras me refiro a literalmente leis da física ou conceitos que existem, como morte, azar ou linguagem.

Então é na real o grande oposto. Para as pessoas, não é natural sentir que elas desaprovam a maneira como o mundo é regido por Deus e decidir contrariá-los e dar a humanidade ao ser humano. Os personagens, pelo contrário, eles precisam desnaturalizar a noção de que tudo é bom quando é normal, pois o normal não está bom. E o motivo pelo qual eles conseguem fazer isso, é porque eles em si estão vivendo significantemente pior por não estarem em sintonia com as regras de Deus.

A organização que combate os UMAs, especificamente as personificações dessas regras de Deus, e que eventualmente planeja enfrentar Deus em pessoa, quebra o que eu mencionei acima, sendo uma organização internacional, com membros de diversos países viajando atrás do globo, buscando não proteger e manter as coisas como estão, mas sim uma reforma natural nas leis mais básicas da natureza.

Mas para outros, não é bem assim.

Chainsawman trabalha de maneira interessante a situação. Diabos e Humanos aparentam estar em guerra desde tempo demais para sequer dar pra contar. Mas as suas relações que aparentemente eram simples, se mostram cada vez mais complexas. Com diabos apegados a humanos, humanos apegados a diabos, híbridos entre os dois em posições estranhas na escala de cinza. E uma batalha que aparentemente iria ser cinza no preto, com um lado maligno e um lado falando que os fins justificariam os meios, acabou sendo muito mais cinza no cinza, com sentimentos complexos envolvendo muitos personagens na relação entre as espécies.

Mangás e Animes de Anti-Monster Corps, na forma de um inimigo designado, geralmente designado por uma autoridade enorme na forma de uma instituição que fala em nome da raça humana, um inimigo que representa o outro, o diferente, e muitas das vezes o invasor. Aqueles que surgem de repente em áreas livres deles para causar destruição, morte e tragédia. Nos dá muito material pra reflexão.

Para refletir sobre militarismo, forças armadas, e do apelo que esse tipo de organização tem.

Para refletir sobre humanidade, e sobre a diferença entre humanizar ou não humanizar aqueles que você precisa assassinar pelo bem maior. E a diferença que isso faz para você conseguir matar pela sua missão.

Mas principalmente, nos permitem refletir sobre o ódio. Sobre o quão natural são as relações de ódio mútuo entre as espécies. Sobre como é fácil acreditar que os monstros são bestas sem mente só pra ser esse conceito desfeito na nossa frente com a progressão da história. E como personagens vilanescos geralmente podem ganhar poder e ascensão tendo como base um grande conflito que a primeira vista pode parecer muito simples, mas esconde complexidades.

O Anti-Monster Corps é um gênero fácil. Fácil de reconhecer, fácil de entrar de boca, e eu presumo que relativamente fáceis de definir uma premissa e a storyline dos primeiros arcos. Mas aí eu não sei como é a vida desses mangakas aí. E muitos deles preenchem o mangá com elementos complexos que são desenvolvidos em paralelo ao Anti-Monster Corps.

Essa simplicidade as vezes é tudo o que tem a oferecer, e isso funciona o suficiente, especialmente se as lutas foram animais.

Mas também é um gênero que pode usar essa simplicidade para normalizar discursos perigosos. Usando a noção clara de quem é o inimigo e quem é o herói pra fazer os heróis de safarem com muita coisa.

Alguns vão usar pro bem, alguns pro mal. Mas o ponto central é: Esse é o formato do momento. O sucesso recente enorme de Kaiju 8-gou, e de Chainsawman com um anime e parte 2 a caminho. A ascensão de Jujutsu Kaisen aos mangás essenciais da Jump, e o sucesso ímpar do fenômeno que é Kimetsu no Yaiba, eu duvido que esse formato não esteja sendo incentivado a continuar aparecendo cada vez mais nos battle shonens futuros.

E acho interessante observar que caminhos os mangás futuros vão seguir. Porque Shingeki no Kyojin acabou de acabar. E honestamente, a quantidade de ideia maligna, e uso essa palavra sem medo nenhum aqui, a quantidade de ideia maligna que o manga acabou defendendo. Ao ponto que eu ia escrever um texto sobre o que configurou o Eren como um personagem vilanesco desde o começo da obra, mas ao ler o final eu desisti desse texto. Mas assim, eu sinto que muitos mangás que vieram depois de Shingeki, não herdaram seu aspecto mais problemático, e muitos tem a cabeça no lugar.

E parte de mim tem algum medo da influência de Shingeki no Kyojin no subgênero, mas outra parte de mim está curioso quanto ao que está por vir, pois acho que é um formato que permite muita coisa interessante, e que já está comum o suficiente pra ser analisado como o subgênero próprio que se tornou.

Sobre o autor

Izzombie

Sou um cara chato que não consegue ver um filme sossegado sem querer interpretar tudo e ficar encontrando simbolismos e mensagens. Gosto de questionar a suposta linha que separa arte de filmes comerciais, e no meu tempo livre pesquiso sobre a história da animação.

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Alertas

  • – Todos os posts desse blog contém SPOILERS de seus respectivos assuntos, sem exceção. Leia com medo de perder toda a experiência.
  • – Todos os textos desse blog contém palavras de baixo calão, independente da obra analisada ser ou não ao público infantil. Mesmo ao analisar uma obra pra crianças a analise ainda é destinada para adultos e pode tocar e temas como sexo e violência.

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