It Follows – Qual a relação entre sexo e morte?

I

Sabem de uma coisa que eu adoro e falo muito pouco aqui? Filmes de Terror! Adoro demais.

Digo, pessoalmente, eu me considero uma pessoa forte para filmes de terror. Conto nos dedos os que me assustaram de verdade, e o número cai para só um terço do número original se contar quais me assustaram de verdade depois que eu fiz 15 anos. Então eu vejo muito pessoas julgando o valor de um filme de terror com base no quanto o filme passa medo de verdade, e eu não consigo fazer isso, porque aí 95% deles seriam ruins, mas porra, são filmes que eu amo de paixão, mesmo sem ter medo. Eles não precisam ser assustadores pra ser fascinantes.

Se bem que para ser justo, o filme que mais me impactou de me deixar sem pregar os olhos na vida foi mother!, com umas boas noites que eu virei consecutivas, pois sempre que eu ia dormir pensava naquilo, e ele se tornou meu filme de terror favorito por conta disso. Só não falo sobre esse filme no blog, pois eu genuinamente não consigo reassistir, eu não aguento a barra. Senão teria saído texto.

Um dia….

Mas ao mesmo tempo não é regra, pois já senti medo pra cacete de filme muito retardado, então não é como se mede qualidade.

Enfim, onde eu quero chegar? Eu quero chegar no fato de que o terror é um dos gêneros cinematográficos onde os clichês tem mais facilidade de se estabelecer, e uma convenção narrativa que consiga emplacar um filme, tem alta chance de ficar ali por décadas… quando a criatividade é alta, é um dos melhores lugares para se exercer criatividade cinematográfica. Mas também, é um gênero mais pautado em reciclagem do que deu certo do que comédia romântica.

Um dia um filme chamado Saw foi um sucesso da porra, esse sucesso fez ele virar uma franquia de muitos filmes focados só em cena aflitiva bizarra que por sua vez viraram um dos piores gêneros da história do terror em falta de qualidade. E olha que eu gosto muito do primeiro Saw. Mas é isso, um filme vira um sucesso e abre a caixa de pandora para trinta filmes desnecessários.

E eu quero dedicar o texto de hoje sobre uma das maiores convenções da história de filmes de terror. Transar leva a morte.

Sim. Filmes de terror são um gênero absurdamente sexual. E acho que tem muitos motivos para isso. Filmes de terror por conterem conteúdo pesado acabam sendo classificados para maiores de idade, e com isso conteúdo sexual fica mais fácil de inserir. Mais que isso, morte, sexo e violência são parte do mesmo pacote que os jovens na adolescência querem ver nos filmes para se distanciar dos filmes de criança que eles viam até uns anos atrás, e aí os filmes de terror colocam tudo junto. Mas também está relacionado com uma relação perversa entre sexo e violência que o cinema tem muita facilidade em explorar.

Da cena mais famosa que o mestre do suspense filmou em vida ter sido a mulher pelada esfaqueada no banho, ao Drácula ser essencialmente um estuprador, é uma relação que sempre existiu. E nessa relação o sexo pode ser visto por várias conotações. Como algo perigoso, algo misterioso, algo que te faz ser alvo de um monstro, algo que te mata…

Várias conotações, porém mais que negativas, eram um alerta aos perigos do sexo.

Enfim, porém foram nos anos 80 que a convenção se estabeleceu no formato de uma regra. Quando o boom dos slashers começaram a dominar o gênero, ficou determinado. As vítimas do assassino devem ser adolescentes promíscuos, e a única menina virgem da turma é a única que deve resistir ao assassino. Ficou tão definido que a essas personagens foi dado o apelido coletivo de Final Girls, e todo filme de terror que se preze da época tinha uma. Puras de alma e puras do pecado, e elas provavam isso sendo virgens. Enquanto a outra mulher, que provavelmente fica nua ao longo do filme, porque era apelativo sim, mas mesmo se não ficar, certamente transa ao longo do filme, essa vai ser assassinada ao longo do filme.

Laurie Strode, protagonista de Halloween (1978), referência e inspiração para todas as inúmeras Final Girls que vieram depois.
E é deixado explicito em Cabin in the Woods que uma pessoa do grupo de jovens deve ser identificada como “A Virgem” na perspectiva do monstro, mesmo que ela não seja literalmente uma virgem (como a do filme não era).

Os anos 80 vieram com uma onda de conservadorismo que assolaram os Estados Unidos, tentando ao máximo combater a contra-cultura que se fortaleceu nos anos 70, foi uma época bem escrota. Foi quando começou a Guerra as Drogas, e a AIDS colocou um estigma nos gays que já não precisavam se nenhum motivo para serem excluídos socialmente. E o presidente Ronald Reagan se tornou um símbolo do conservadorismo arrombado nos EUA. E o cinema dessa época refletia isso. O Jason era basicamente um republicano, matando mulher promíscua e drogados, mas falhando em matar meninas virgens e puras que não bebem nem fumam.

O diretor de Halloween, o primeiro, aquele em que o Michael Meyers mata 5 pessoas, 3 que acabaram de transar, uma que estava indo transar, e iniciou a onda de slasher dos anos 80, o John Carpenter, esse cara. Ele já pediu oficialmente desculpas em relação as acusações de que o filme dele matou a revolução sexual nos EUA. “Eu não queria acabar com a revolução sexual, e por isso eu peço sinceras desculpas.”

Enfim, assassinos personificam ansiedades e medos nossos que não tem forma física e ganham nesses filmes. Freddy Kruegger era um predador sexual escancarado, que roubava a inocência de crianças.

Nesses filmes, o casal transando sempre era assassinado pouco depois de sua cena de sexo. Não tinha como, era tiro-e-queda. Transou, morreu.

Por isso que quando eu ouvi qual era a premissa de It Follows eu pensei o mesmo que todo mundo pensou instantaneamente. Que o filme era uma grande metáfora para DSTs. Afinal é essa a premissa: uma maldição sobrenatural que você passa com o sexo. Porém vendo o filme, eu vi que não era bem assim, que o filme em vez de se apoiar nessa convenção para transformá-la no filme inteiro, na verdade é o filme de terror que mais repensou essa convenção, indo além do contra-clichê de fazer a garota transar e sobreviver, e em vez disso, repensando as maneiras de trabalhar qual é a grande relação entre sexo e morte em um filme de terror.

Enfim, vamos ao filme. No filme, existe uma maldição que mata o amaldiçoado e que é passada adiante através do sexo. Mas não é tipo, que nem sífilis, em que Bob tem Sífilis, Alice não, eles transam e agora Bob e Alíce tem sífilis. É mais uma batata quente em que a pessoa ao transar, passa a maldição para o(a) parceiro(a), perdendo a maldição no processo.

Em resumo, sexo é a causa do problema, mas também é a cura. Porque se você conseguiu a maldição transando, você perde a maldição transando também.

Mas antes de falar que eu não aceito nenhuma metáfora pra DST que não venha acompanhada de uma metáfora pra sexo seguro (porque senão fica uma mensagem moralista de “não transem nunca”, e aí que vá tomar no cu um filme promovendo a castidade), eu quero falar da maldição em si.

Quando eu vi isso, no filme, a primeira coisa que eu pensei, foi na personificação da morte em pessoa. E mantenho essa primeira impressão, exceto por Final Destination, não lembro de outro filme de terror com uma representação tão direta do que é a morte. Aquela que não para, que podemos adiar e adiar e adiar e adiar, mas eventualmente nos alcança, independente do que façamos. A pura personificação do conceito de inevitabilidade. Aquela pode assumir literalmente qualquer aparência, que você nunca pode prever como vai  ser quando ela chegar, mas que você tem certeza de que ela chegará. 

O próprio filme parece gostar muito de refletir no aspecto de nossa mortalidade, e de pensar como todo dia consiste na gente correndo da morte pra ganhar tempo, até o dia que nos alcançará. Afinal, não só no monstro, mas nessa passagem de texto lida no final do filme sem nenhum motivo exceto martelar o conceito em nossa cabeça.

“[…]para que a pessoa sofra das feridas até o momento de sua morte. E a pior agonia não deve ser as feridas em si, mas ter a certeza de que em menos de uma hora, dentro de dez minutos, dentro de meio minuto, que agora, nesse instante, sua alma deixará seu corpo e você não será mais uma pessoa. E pior que isso, é ter a certeza de que isso realmente acontecerá”

E tem essa cena no começo do filme que mostra que… o diretor do filme definitivamente pensa bastante no assunto da mortalidade.

“Eu acredito que se alguém se depara com a destruição inevitável, como por exemplo se essa casa cair, essa pessoa sentirá vontade de sentar, fechar os olhos e esperar o que vier.”

E é por isso que: no instante em que você transa, manifesta-se na sua vida, uma representação palpável de sua própria mortalidade. Em um inimigo que é adiável, porém implacável, e que um dia vai se encurralar. Mas se ele não é a gonorreia antropomórfica, então porque ele vem com o sexo? E é nesse ponto que eu quero chegar, que é o que marca It Follows como primeiro filme de terror a realmente contestar os incontáveis assassinatos em cenas de sexo culpabilizando o jovem transante por suas mortes no cinema americano. A entidade surge com o sexo pelo mesmo motivo que ela se vai com o sexo. Porque o filme retrata o sexo (quando bem-feito) como a antítese da ansiedade que a morte representa.

Vamos voltar no tempo para os anos 1920, quando um cara chamado Siegmund Freud revolucionou em muito o conhecimento do subconsciente humano e a maneira como lidamos com nossa sexualidade. Pois bem, tentando simplificar aqui conceitos freudianos complexos de maneira bem porca, Freud dizia que o ser humano é guiado por dois instintos opostos, que se contrastam e se completam. O Instinto da Vida e o Instinto da Morte. O Instinto da Morte, também chamado de Thanatos, deus grego da morte, é a nossa agressividade, um direcionamento para a destruição e para a redução da vida ao seu estado inanimado, o que pode em alguns casos se manifestar a um desejo inconsciente pela própria morte. O Instinto da Vida, por outro lado, nos motiva a nossa sobrevivência, abrangendo nossos desejos por comida e bebida, para manter-nos vivos, e principalmente nosso desejo por sexo e nosso libido. Sendo também chamado de Eros, o deus grego da paixão.

Eros e Thanatos, assim se tornam representações dicotômicas, as forças que nos levam a transar são, segundo Freud, as forças que motivam a preservação de nossa vida, a geração de nova vida, e a o oposto da força que nos leva a ir em direção à morte. E ele não é o único que pensa assim.

Eu tenho 99 problemas com o Woody Allen, em especial, quando ele vem querer falar de sexo desconstruído em seus filmes, como se ele não tivesse uns escândalos sexuais bem pesados nas costas. Mas um ponto que eu empatizo com ele, é que ele tem um medo desesperado de morrer, e coloca isso em seus protagonistas, uma ansiedade de saber da inevitabilidade da morte, e não acreditar em nada após isso, e o senso de futilidade de meramente esperar morrer… pois é, nesse ponto eu me identifico com ele mais do que qualquer outro diretor, que eu raramente vejo por essa característica em seus protagonistas.

No filme Wathever Works o protagonista Boris é um homem que acordava no meio da noite com ataques de pânico por estar morrendo, a esposa dele perguntava se ele estava tendo um ataque cardíaco e ele respondia que não estava morrendo “agora” e sim morrendo eventualmente.

Enfim, no filme Midnight at Paris, em que ele faz um protagonista que na verdade é ele mesmo, como em todo filme, o personagem Gil, consegue voltar no tempo e trocar ideia com Ernest Hemingway, com quem ele desabafa sobre seu medo da morte. E Hemingway dá o seguinte conselho: é só fazer amor com a mulher que você ama que o medo passa (se não passar, então não é a mulher certa), e você se sente forte o suficiente para enfrentar a morte de frente. E depois que essa coragem passar e o medo voltar, aí você transa de novo. Explicitamente contrastando o ato sexual com a ansiedade perante a própria mortalidade.

Em resumo, a ideia de recorrer ao ato sexual como uma maneira de fazer oposição ou resistência a própria mortalidade, não é algo que ninguém pensou, é somente algo ausente em filmes de terror, que são necessariamente regados a moralidade, e a uma condenação do prazer. Vejam Hellraiser, onde a busca pelo prazer se torna inseparável da busca por dor, e culminam na morte daquele que queria atingir o ápice do prazer em primeiro lugar.

Uma franquia sobre pessoas inconsequentes que invocam os demônios do sadomasoquismo na esperança de conseguir o prazer absoluto, sem saber que o prazer absoluto envolve dor e culmina em morte.

E mesmo Teeth um filme que é sobre uma mulher aceitando e ficando de boa com sua própria sexualidade, também é sobre a sua habilidade de arrancar o pinto de todo mundo que tentar estuprar ela, e como no filme não tem ninguém que não tente, toda cena de sexo culmina em uma cena de mutilação. E esse deveria ser um filme que vai na contramão do clichê, mas ele é meio que a essência do gênero.

O que volta a pergunta original. Porque quando a protagonista de It Follows, Jay Height, faz sexo no começo do filme, ela consegue ver a personificação da morte que a segue? O contato com Eros a fez consciente de Thanatos? Não. O contato com Thanatos, que foi o momento que ela dividiu com o cara, a fez consciente de Thanatos. E é aqui que as coisas ficam interessantes.

Segundo o diretor do filme David Robert Mitchell, qualquer ato sexual pode passar a maldição desde que “ambas as partes considerem que o que elas fizeram foi sexo.”, ou seja o diretor do filme não define sexo como um ato físico específico como por exemplo penetração, ou a nudez, e sim como um estado de intimidade em que se duas pessoas acham que fizeram o suficiente para chamar o que fizeram de sexo, então o que elas fizeram foi sexo, independente do que tenham feito. Tá, mas e daí? Daí que nessa mentalidade, sexo se torna menos sinônimo de genitais se encostando e mais um sinônimo de intimidade.

Então vamos lá. Uma pessoa atacada pela maldição se torna excessivamente consciente do Deus da Morte: Thanatos. De sua morte. Se torna capaz de ver uma forma antropomórfica de sua morte lentamente se aproximando e completamente inescapável. E entrar em um processo de intimidade com uma pessoa nesse estado, pode te fazer entrar nesse estado também. Da eterna percepção.

Uma vez nesse estado, a consciência de sua própria mortalidade se torna incurável, e o prazer sexual se torna uma forma de se tranquilizar acreditando estar adiando um fim, que segue inevitável.

Para explicar melhor isso, temos que falar do personagem Jeff, tudo começa com ele.

Jeff Redmond é um homem apavorado. Cuja maior motivação para fazer tudo o que ele faz no filme é seu medo de morrer. Em sua primeira aparição, ele e Jay brincam de adivinhar com quem eles trocariam de lugar numa multidão e Jeff escolhe uma criança que deve ter três ou quatro anos, afirmando querer ter a vida inteira pela frente. Jeff é um homem que vê a contagem regressiva diante de seus olhos a todo o momento e a única coisa que ele quer é aumentar seu tempo.

Já assistiram o filme In Time? Não vejam, é uma merda, mas esse relógio com a contagem regressiva no braço é uma boa metáfora para como Jeff vê o mundo.

Isso tornou ele um homem extremamente pragmático. Tudo o que ele faz é calculado para se proteger. Ele não escolheu Jay para passar a maldição porque realmente queria transar com ela. Nem no sentido do interesse romântico, nem por tesão mesmo. Ele também não tinha nada contra Jay e não escolheu ela por desejar seu mal. Jeff escolheu Jay pragmaticamente, ele achou que ela era atraente o suficiente para poder passar a maldição para frente com relativa tranquilidade, o que deixaria a batata quente ainda mais longe dele.

Jeff não contou sobre a maldição pra Jay por sentir uma dívida depois de ter passado o mal pra ela, ou por gostar dela. Foi estratégico, enquanto ela estiver viva ele não é um alvo, então ele quer que Jay tenha os meios de sobreviver o máximo possível.

Quando Jay encontra Jeff para questioná-lo sobre a maldição, Jeff fala para Jay que ela não deve ver ele e que eles não devem frequentar os mesmos espaços. Agora isso é porque ele quer jogar Jay no lixo depois de comê-la? Ou é vergonha por tê-la enganado, e não ter cara de olhar para uma menina que ele tratou de um jeito tão escroto e irredimível? Nenhum dos dois, é pragmatismo. Se a entidade matar Jay, Jeff é o próximo da fila, então eles tem que estar sempre distantes, para Jeff sempre poder contar com esse tempo.

Um homem genuinamente apavorado. Que nunca entra em um edifício sem duas saídas. Vejam só, transar com Jay não deixou ele nem um pouco mais aliviado pelo tempo que ele comprou, ele ainda está cagando de medo. Ele não fez sexo pelo prazer, ele não faz nada pelo prazer, e por isso nada que ele faz alivia o seu pânico, que vai estar com ele até seu último dia na terra.

Jeff entra em pânico sempre que alguém se aproxima e grita perguntando se todos poder ver a pessoa.

E foi uma noite de sexo depois de um encontro romântico com esse cara que fez Jay começar a ver a própria morte se aproximar também. Estão vendo onde eu quero chegar aqui? Ela se entregou pra Jeff, ficou vulnerável pra ele, e ele ficou vulnerável para ela e eles se conectaram, e trocaram interações, e agora ela vê o mundo com os olhos dele. E isso é irreversível. E esses olhos são olhos de merda, pois o que eles enxergam? A própria morte se aproximando lentamente.

A primeira vez que Jay vê a Entidade, é Jeff quem mostra pra ela, eles encaram o terror da inevitabilidade juntos.

O que nos leva a Jay, a atual detentora da batata quente. Ela hesita em passar a maldição para alguém e usa a ajuda de seus amigos para fugir. Mas quando em uma fuga com a entidade ela é hospitalizada, ela decide passar a maldição para seu amigo Greg.

Agora vamos lá. Eu disse amigo, mas a amizade entre Jay e Greg era uma amizade de o quê: dois dias no máximo, Apesar de serem vizinhos, eles visivelmente não eram do mesmo circulo social e nem interagiam muito, Jay afirma que ela já tinha tido um one-night-stand com ele anos atrás, mas apesar disso, interações mínimas.

Porém quando ficou claro que Jay tinha um problema que um cara com carro poderia ajudar, então ele se ofereceu pra ajudar. E com muita boa vontade, muito desejo de ajudar o quanto pudesse, e muita honestidade, porém Greg não escondeu por cinco minutos que ele tinha um interesse muito grande em ficar com Jay. Aliás não só Jay, qualquer uma das amigas dela poderia ser. E se não, então qualquer garota bonita com quem ele interagisse.

Greg é um homem que obviamente gosta muito de sexo e de mulheres. E não esconde isso. O filme inteiro ele passa observando as personagens femininas do filme ou alguma figurante, e fica implícito que tentar dormir com mulheres ocupa boa parte de seu tempo livre. Porém ele não soa como um cuzão que se gaba de suas vitórias sexuais feito Barney Stinson, e ele aparentava ser sincero em oferecer ajuda para Jay e estar com pouco joguinho ou manipulação. A impressão que passava era só que “no instante que Jay topasse, ele topava também, mas se não topasse de boa.”

Apesar de estar ali para proteger Jay, Greg aproveitou que estavam na praia para dar uma boa olhada na irmã de Jay, Kelly.

Enfim, Greg é na verdade a grande antítese do que Jeff é. Ele não tem medo nenhum da morte. O que faz sentido, pois ele vive em um estado de constantemente se cercar do ato de prazer que afasta a morte de sua mente, e isso é uma parte tão grande de seu cotidiano que pensar na própria mortalidade não faz parte alguma de sua vida. Ele é o único amigo de Jay que não acredita na entidade, mesmo depois que todos já viram evidências concretas de que Jay estava sim sendo seguida.

E a coragem dele, e a completa ausência de medo da morte, fizeram Jay acreditar que ele poderia enfrentar a entidade quando se deparasse com ela, e assim, Jay aceita enfim transar com Greg. E assim como Jeff era obvio que aquilo não estava sendo prazeroso pra ela de verdade. Não porque Greg estivesse sendo um tosco, mas porque a mente dela estava obviamente em outro lugar. Afinal ela passou o sexo inteiro olhando para a porta para ver se a entidade apareceria.

E assim como todo mundo que não presta atenção no sexo que está tendo de tanto medo que tem de morer, no dia seguinte ela estava tão aflita com a Entidade quanto no anterior. Questionando Greg em relação a se ele já viu a Entidade, mas ele nunca a vê. Obviamente não, ele não tem essa conexão com a sua mortalidade. Ele age como se nada tivesse mudado, até que ele é assassinado pela entidade em três dias e Jay testemunha isso, pois ela passou os três dias que ela comprou somente cagando de medo de Greg morrer e ficou de olho nele.

Pois é. Agora a batata quente voltou pra ela. Ela resolve comprar mais tempo transando com uns marinheiros aleatórios que vê na praia, mas poucos dias depois já era a vez dela de novo.

Logo Jay então desiste de passar a maldição para qualquer um que quisesse comê-la e decide encarar a morte de frente. Olhar nos olhos dela e enfrentá-la.

Que local foi o escolhido para ser a batalha final entre Jay e a Entidade? Numa piscina cercada de equipamentos elétricos. Uma versão maior da velha torradeira na banheira. A Entidade é sobrenatural, e não precisa de armas para matar, mas mesmo assim Jay se enfia num cenário suicida clássico para ser o cenário da batalha final com seu medo da morte.

Lembram do episódio de LOST que o Charlie está cabreiro e depressivo por achar que sua morte inevitável está em cada esquina e fica olhando pro mar na bad. Aí o Hurley chama ele para dirigir uma van quebrada em uma ladeira com uma chance muito sólida dele morrer, só para quando eles sobreviverem eles poderem dizer que fazem a própria sorte. “Vamos olhar pra morte nos olhos e dizer ‘que se dane cara’?”. Então o climax do filme envolveu Jay fazendo algo muito, mas muito parecido. E que gerou em Jay os mesmos efeitos que gerou em Charlie.

Que em grande resumo, graças aos seus amigos, ela vence, e eles “matam” a Entidade.

E agora que ela viu a Entidade sangrar até a morte naquela piscina. Agora que ela literalmente sobreviveu a morte depois de olhá-la no olho? O que ela vai fazer? Ora essa, o que mais? Ela foi transar.

Com Paul, seu melhor amigo, então vamos falar do Paul.

Paul é o único rapaz no círculo social de Jay. Ela foi a primeira menina que ele beijou num lance de experimentação que eles tiveram bem jovens mas que não fez ela se interessar por ele. Porém é bem claro que ele é apaixonado por ela. Bem apaixonado. E ele tem vergonha de verbalizar, pois a rejeição que viria é bem clara, mas Jay conseguia ler os sinais para saber o que ele sentia por ela.

Enfim, quando Jay se amaldiçoou, Paul deixou claro que se ela precisasse de alguém pra passar a maldição podia ser ele. E nisso é importante, porque Greg deixou claro a mesma coisa, e Paul e Geg são pessoas muito diferentes. Greg deixou bem claro que ele estaria disponível se ela precisasse por uma grande admiração ao corpo de Jay e um não medo da maldição. Paul, porém, não estava implorando para a mina que ele curte deixar ele comer ela, ele estava se oferecendo para dividir esse fardo, para ver o mundo pelos olhos dela e se tornar uma dupla em fuga da Entidade e se ajudando. Jay estava sozinha vendo uma criatura que iria matá-la eventualmente, mas Paul ofereceu a ela não estar mais sozinha. Jay recusa Paul, pois não queria passar esse fardo para ele, preferindo passar o fardo ao Greg para quem não seria um fardo.

Quando Paul se aproxima para beijar, ela num primeiro momento se aproxima para beijar de volta, mas então pensa melhor e vira o rosto, triste, não conseguindo amaldiçoar uma pessoa tão importante pra ela.

Quando Paul ajuda Jay a vencer seu medo da morte, ajudando na luta na piscina, Jay finalmente dá a Paul a chance que ele tanto queria, não somente transando com ele, entrando no relacionamento que ele tanto queria.

O filme acaba com os dois andando na rua de mãos dadas. Felizes. Atrás deles uma pessoa lentamente caminha até eles, seguindo-os. É a Entidade? É só uma pessoa pegando o mesmo caminho? Nós nunca saberemos. Sabe quem também não sabe? Eles!

Obviamente a luta na piscina não iria parar a morte. Nada no mundo para a morte, somente adia. Ela certamente ainda está seguindo Jay, e agora obviamente a batata quente está nas mãos de Paul. Mas talvez não seja a Entidade, talvez seja só uma pessoa normal. Afinal de contas, Paul talvez tenha passado a maldição para frente com uma prostituta, e sendo uma prostituta, tem a chance dela ter jogado a batata quente pra outro um um período de tempo muito curto depois de se despedir de Paul. Então um tempo pode ter sido comprado, não tem motivo para achar que agora é a hora.

Mas o fato de que Jay e Paul não estão prestando atenção nisso, coloca os dois em um estado de espírito mais próximo ao de Greg do que ao de de Jeff que é o estado em que Jay passou o filme todo.

Jeff ou a Jay do resto do filme, nunca comeria a bola de deixar um estranho te seguir na rua sem instantaneamente sair correndo. Ela perdeu o medo da morte, talvez ela esteja a alguns minutos de pegá-la talvez não, mas Jay não está mais no modo sobrevivência que é a vida de Jeff.

“Vocês estão vendo aquela garota?”

Se isso é bom ou ruim deixo para a interpretação do leitor A vida de Jeff é uma bagunça de stress, pressão e ausência completa de cinco minutos pra relaxar. Ele não consegue entrar no cinema sem pensar na rota de fuga, ele passa uma parte considerável de seu tempo usando nome falso para alugar casas em outras cidades, para fugir. E ele não consegue entrar em um relacionamento com um ser humano sem pensar se esse ser humano pode ser útil para fazê-lo viver mais. Mas hey, ele está vivo. A vida de Greg parecia ser mais prazerosa e genuína, e cada minuto valia mais e pode ser considerada bem mais uma “vida”, mas o Greg está morto.

Eu pessoalmente quero pensar que eles estão no meio termo entre os dois. E nas minhas fanfics, a pessoa vai passar por eles, e eles vão ter um disparo do coração de “eita porra, essa foi por pouco.” Porque o certo seria agora um cuidar do outro, para o romance deles poder durar mais de uma semana,

It Follows é um filme de terror com uma contagem de corpos bem baixa, com somente dois personagens morrendo ao longo do filme, Greg e a menina aleatória da primera cena. Então se descontar a introdução-típica-de-terror somente uma morte ao longo do plot. Isso se deve ao fato de que o filme trabalha muito mais o terror causado pela percepção da morte do que o terror causado pela morte em si, motivo pelo qual saber se a pessoa seguindo Jay e Paul no final é a Entidade é irrelevante. A pessoa te lembra que a entidade existe e só isso já te fode.

O importante é que esse filme, mesmo fazendo as pessoas perderem o medo de morrer no ato de se fazer amor, e por não terem medo da morte não se defenderem apropriadamente da Entidade, mesmo fazendo essa conexão direta, não joga nos seus protagonistas o moralismo barato e a condenação cármica de encontrarem a morte como punição por uma vida de prazeres. Como eu joguei lá em cima é completamente aberto a interpretação se a vida de Jeff por mais longa que seja é uma vida melhor do que a curta vida de Greg foi. É aberto a interpretação se a tranquilidade com a qual Jay se permitiu passear com Paul ao final compensa o risco ao qual ela se expõe, ou se ela estava melhor no meio do filme com instintos de sobrevivência ligados no 100%.

Jay assistindo uma aula, olhando pela janela o tempo todo, esperando a Entidade aparecer.

Cabe ao público interpretar qual a melhor maneira de lidar com a inevitabilidade da morte, adiá-la o máximo que puder, ou desfrutar o máximo o nosso tempo limitado.

E eu aprecio essa reflexão. E acho necessária a quebra da mentalidade de que ambiente de sexo é ambiente de mortes grotescas de filme de terror. Por mais que a Entidade venha a tona no contato sexual, eu acho que o filme fez um bom trabalho em não fazer a Entidade soar como um castigo que caia em jovens que não conseguiam manter o zíper fechado, e portanto, devem pagar.

De resto parabenizo o filme por com essa premissa conseguir se manter completamente livre do fanservice e nudez gratuita que imperam no gênero.

Sobre o autor

Izzombie

Sou um cara chato que não consegue ver um filme sossegado sem querer interpretar tudo e ficar encontrando simbolismos e mensagens. Gosto de questionar a suposta linha que separa arte de filmes comerciais, e no meu tempo livre pesquiso sobre a história da animação.

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Sou um cara chato que não consegue ver um filme sossegado sem querer interpretar tudo e ficar encontrando simbolismos e mensagens. Gosto de questionar a suposta linha que separa arte de filmes comerciais, e no meu tempo livre pesquiso sobre a história da animação.

Alertas

  • – Todos os posts desse blog contém SPOILERS de seus respectivos assuntos, sem exceção. Leia com medo de perder toda a experiência.
  • – Todos os textos desse blog contém palavras de baixo calão, independente da obra analisada ser ou não ao público infantil. Mesmo ao analisar uma obra pra crianças a analise ainda é destinada para adultos e pode tocar e temas como sexo e violência.

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