É temporada de Oscar pessoal. Dia 04 de Março é daqui a pouco já, e eu sei que não vou ter visto todos os indicados até lá. Enfim, o Oscar: é uma festa chata. Um cara de smoking sobe num palco faz dez minutos de piada sem graça, umas piadinhas internas, e dá um prêmio, sobe outro cara no palco, de smoking, faz uma piadinha sem graça e dá um prêmio. Isso rola por 4/5 horas e quando chega as três da manhã e ninguém aguenta mais eles dão o prêmio final. No meio tempo, algumas gracinhas serão feitas, algumas alfinetadas, alguma performance realmente foda rolará, mas é isso. Uma festa chata de gente soltando piada interna e transmitindo ao mundo.
Apesar disso tudo, o Oscar importa. Não no sentido de que ele é justo, bem avaliado, que filmes que ganham Oscares são melhores nem absolutamente nada disso. Todo prêmio de cinema é lixo, parcial e julga feito o nariz dos outros e o Oscar não é exceção. Mas o Oscar tem poder. Ganhar um Oscar tem um impacto dentro da indústria do entretenimento e altera os rumos da carreira de um ator, diretor, produtor, diretor de arte, roteirista, etc… Ganhar o Oscar altera a perspectiva de um profissional do cinema norte-americano de viabilizar um próximo projeto ou conseguir alavancar o filme dos sonhos de uma maneira que ganhar Cannes ou Globo de Ouro nem se comparam. E por isso muita gente quer colocar as mãos em um. Mesmo quem não quer, não quer justamente por isso. Eddie Murphy já declarou uma vez não querer ganhar um Oscar por temer que isso desse a ele um prestígio que atrapalharia sua carreira de comédia pastelão, e lamentou a indicação por Dreamgirls. E o Johnny Depp já declarou não querer um Oscar também, não sei os motivos dele no caso.
Mas não é só esse motivo pelo quase qual todo mundo quer o bendito Oscar. Os produtores salivam por um Oscar porque lá atrás, no ano de 1978, o pessoal por trás do filme The Deer Hunter descobriu uma coisa. Que o Oscar era excelente publicidade. E que pessoas iriam ao cinema assistir a um filme se soubessem que ele ganhou o Oscar. E que o filme deles, apesar de ser bom, ia precisar de publicidade, por não ser um filme fácil de atrair o público com suas três horas de traumas de guerra.
Então o que fizeram? Estrearam The Deer Hunter por uma semanas, em dois cinemas, um em Los Angeles e outro em Nova York. No começo de dezembro e então tiraram de cartaz. Isso preencheu os pré-requisitos mínimos para um filme se tornar candidato a cerimônia do Oscar. Após isso fizeram uma publicidade direcionada a academia para o filme ser considerado para o Oscar, e para lembrarem de como o filme é bom. Pois bem, o filme foi indicado e ganhou Melhor Filme e Melhor Ator Coadjuvante. E depois que ele foi indicado, o filme entrou em cartaz de verdade, e agora todo mundo, que não teria interesse em ver o filme em situações normais, foi assistir no cinema, pois era um filme do Oscar.
Te lembra alguma coisa? Te faz pensar no fato de que 90% dos indicados estão em cartaz agora? Quais as chances? Dos melhores filmes do ano todos estrearem no mesmo mês que acontece de ser o mês da premiação? Será que os juízes esqueceram dos filmes que estrearam lá em abril? Pois é.
Hoje em dia, todos os filmes que tem a pretensão de ganhar um Oscar fazem a estratégia de Deer Hunter. Exibição mínima para então estrear de verdade durante a temporada do Oscar, onde gente feito eu, tenta ver todos os indicados para poder opinar na premiação e assim eles garantem a alta bilheteria, pois indicação ao Oscar é excelente publicidade. E muita gente ganha muito dinheiro.
E isso é um motivo pelo qual produtores adoram se envolver com filmes indicados ao Oscar. É uma aposta boa pra alta bilheteria e alto dinheiro. E vai garantir uma carreira mais fácil pra pessoa no futuro. Todo mundo quer se envolver com um filme de Oscar, mesmo que o filme não seja bom.
E o resultado disso é o que hoje chamamos de Oscar-Bait. Filmes feitos sob medida com o objetivo primário de ganhar um Oscar. Todo mundo já estava de olho na corrida pelo prêmio desde que o roteiro estava sendo avaliado. É literalmente sob medida, e esses filmes ocupam a maioria do espaço nas premiações, pois de fato são filmes muito premiáveis, eles são filmes que entendem como Hollywood funciona.
Agora, existe muito estereótipo sobre filmes Oscar-Bait. O maior deles é o de que “É só ser sobre o Holocausto que ganha”. Ou “É só ser sobre doenças mentais que ganha”, e bem, é uma piada com um fundo forte de verdade, mas não sei se ainda se aplica. Não temos um filme de Holocausto indo pro Oscar já tem dez anos, com The Reader, desde então, por mais que a segunda guerra mundial tenha continuado a ser um tema, filmes como Inglorious Basterds, Imitation Game ou Darkest Hour não focam muito no massacre de judeus. Book Thief foi um grande filme lançado no fim do ano, adaptando um best-seller e sobre o holocausto e foi ignorado completamente pelo Oscar pegando só indicação por música. Em 2016 saiu o filme Denial inspirado na historia real de uma mulher que teve que ir a julgamento pra provar a existência do holocausto, e considerando que o filme estreou no meio do ano, era evidente que os produtores não tinham ambição de moldar essa premissa para levar um Oscar. Holocausto já não é a menina dos olhos que já foi. Eles ainda estão tentando com doenças mentais, mas está diminuindo também.
Os estereótipos do que formam um grande Oscar-Bait já não tem a força que tiveram no passado. Isso porque são estereótipos, temas, e temas enjoam, são passageiros, tem épocas certas pra filmes nos cenários certos. Tem contextos que fazem certos filmes serem mais elogiados. Podemos dizer que eles são temperos cujo uso varia com a moda, mas que o prato principal, esse não muda. As estruturas de um Oscar-bait são questões mais formuláticas mesmo, e funcionam faz tempo. E é por isso que só os vacilão estão tentando forçar um holocausto pra vencer um Oscar. Vejamos aqui agora quais são os tipos de filme que esses sim são de fato os grandes exemplos de “filme de Oscar.” para já sabermos o que esperar dessa festa todo ano.
O poder do amor.
Ah, o amor. Tema de tantos, mas tantos filmes no mundo, que não é de se surpreender que vários filmes que acabam parando entre os melhores filmes do ano. Mas aqui se trata de um tipo específico de amor. Não é o seu típico romance em que um casal se encontra, vive uma crise, acham incompatibilidades, mas eventualmente ficam juntos porque se amam. Sobre problemas em relacionamentos, confiança, intimidade, dificuldade de se abrir com o parceiro, saudades, solidão, companhia, se sentir enfim completo e cumplicidade. Não, não. Tipo, esses filmes até acabam indo parar no Oscar de vez em quando, como Amour do Haneke ou esse ano o Call Me By Your Name. Mas eu acho que esses dois não são exemplos desse tipo de amor-Oscar-Bait.
O amor que o Oscar gosta é simples. Esses dois se amam, e esse amor é uma força que não pode ser abalada ou contida de tão forte. A sociedade vai julgar, pessoas tentarão separá-los, tragédias vão acontecer, mas o amor é forte e a conexão deles é indestrutível. Filmes assim fazem o casal se conhecer e se apaixonar com uma notória facilidade, para passarmos a maior parte do filme vendo o casal brilhar, mesmo que seja pra no fim eles não ficarem juntos.
Esse ano temos The Shape of Water como o grande filme do Oscar com o maior número de indicações as indicações seguindo exatamente essa temática, do amor fantástico entre uma mulher muda e o monstro da lagoa negra. Mas também tivemos no passado um dos maiores vencedores do Oscar de todos os tempos, comemorando 20 anos de sua cerimônia e ainda notoriamente lembrado: Titanic.
Os filmes de animação que sempre foram ignorados completamente na cerimônia até o ano de 2001, pela primeira vez teve um representante indicado a melhor filme com Beauty and the Beast, que difere de outros filmes igualmente aclamados pelo público e crítica de seu tempo como Lion Ling ou Alladin, por ser do começo ao fim uma história de amor.
O amor não precisa ser a força motora do filme. Ele pode até chamar a atenção por outros fatores. O filme pode ser sobre um casal que é “destinado a ser”, mas só se encontram no final. O importante é esse amor tão indestrutível quanto simples sem complexidade ser a força motora do protagonista. Slumdog Millionaire e Forrest Gump são essencialmente sobre heróis que conseguem sempre seguir em frente não importa o quanto o derrubem, para reencontrar o amor da sua vida que é a coleguinha da infância. The Curious Case of Benjamin Button também.
Numa das cerimônias mais polêmicas do Oscar, em que o descartável Shakespeare in Love ganhou o prêmio de melhor filme ao invés do marco da história do cinema que foi Saving Private Ryan, o filme ganhador em questão foi notável por evidenciar o tema. A história envolveu uma aposta que William Shakespeare fez com a Rainha Elizabeth I, sobre se ele conseguiria ou não escrever uma peça que fosse sobre a “verdadeira natureza do amor”, e ele estando apaixonado por uma mulher que ele não poderia assumir na época se encheu de inspiração para escrever o amor proibido de Romeo and Juliet. Resumindo a força do amor dos dois a “verdadeira natureza do amor.”
E o Oscar ama isso. Amava na época de Casablanca. Amou o suficiente pra permitir que uma animação concorresse a melhor filme em Beauty and the Beast, num gesto sem precedentes. Amou em Avatar. E vai amar pra sempre.
Só não coloque desenvolvimento de verdade no romance do casal que aí já muda o tipo de filme e a pergunta “mas será que esse filme é bom mesmo?” é feita. É por isso que filmes como Blue Valentine ou a Trilogia Before do Linklater não foram reconhecidos pela Academia como filmes sobre o a força incontrolável que é o amor.
A cinebiografia:
Vamos começar esse com uma pergunta bem legal: qual de vocês, leitores assistiu Rebel in the Rye, a cinebiografia do J D Salinger que saiu esse ano? Os que tiverem levantem a mão. Se não tiver visto, mas tiver assistido ao filme Barry, cinebiografia do Obama que saiu ano passado também pode levantar a mão. Pois é, se você assistiu, você provavelmente foi atrás desses filmes, e eles não caíram no seu colo do nada. De você de repente vê um link fácil pra baixar esse filme e pensar “ah, porque não?” Pois cinebiografias raramente são filmes que provocam um interesse enorme do público em seu estado normal. Geralmente são vistos primariamente por quem tem interesse nas pessoas retratadas ou no diretor. Mas não muito na vibe de “estou fazendo nada hoje, deixa eu ver qual cinebiografia está no cinema agora?” acreditem, eu trabalhei em duas locadoras, e “por favor, você pode me indicar uma boa biografia?” não era algo que eu ouvia com frequência alguma, apesar de que parte do meu trabalho era empurrar cinebiografias em pessoas desavisadas, que voltavam no dia seguinte e falavam que a história é interessante, mas o filme é muito chato.
Pois é. Associamos cinebiografias a filmes chatos, parados, muita conversa, nada acontece, foda-se o drama desse político aí, e assumimos essa postura o ano inteiro, aí chega a temporada de Oscars e POW, metade é cinebiografia, e aí a gente vai ver tudo porque está indicado ao Oscar.
E sim, tal como Deer Hunter, cinebiografias exploram suas indicações ao Oscar o máximo possível pra poder conseguir bilheteria. Motivo pelo qual eles se moldam para ser o mais Oscar-Bait possível. Selecionam diretor, equipe e elenco minuciosamente pra garantir indicações de atuação, direção, direção de arte e figurino que coloquem o filme em evidência na temporada de prêmios. Porque sério, se não fosse a indicação ao Oscar esse ano, o número de pessoas indo ao cinema ver The Darkest Hour ia ser um quinto do que é. E os produtores sabem disso.
A pergunta é. Se é um gênero que não é um grande sucesso de público. E mesmo sendo sucesso de crítica, a própria crítica tem nichos de filme preferíveis à essas cinebiografias. Então por que o Oscar ama tanto esses filmes?
Bom, pra isso vamos falar um pouco do Oscar. O Oscar se destaca entre os prêmios de cinema, pois é votado pela Academia de Artes e Ciências Cinematográficas, que é formada somente por profissionais do cinema sem incluir jornalistas ou críticos de cinema na votação como o Globo de Ouro ou o Festival de Cannes fazem (o BAFTA também é votado pela Academia Britânica que também são exclusivamente profissionais do cinema).
Pois bem, e a academia é em sua maior parte feita por atores, mais do que qualquer outro ramo do cinema. Então uns dos atributos mais valorizados em um filme, é o quanto eles valorizam um ator. Importância dos diálogos, filme centrado em personagem, e cinebiografias são um prato cheio pra isso.
Até porque existe um elitismo dentro da Academia que separa o que é um “filme blockbuster” de um “filme de verdade” que se manifesta especificamente nos quatro Oscars de atuação. Sabemos que as duas categorias são de filmes estritamente comerciais, e o ponto desse texto é que os filmes de prestígio que vencem esse prêmio são uma indústria tanto quanto a de blockbuster. Mas os prêmios de atuação são onde a Academia mais marca esse prestígio.
Quando filmes como Lord of the Rings, Mad Max: Fury Road ou Avatar vão parar nos indicados a Melhor Filme e Diretor, por conta da grande aprovação de crítica e público que receberam, eles são deixados notoriamente de lado nos prêmios de atuação, para mostrar que os atores da academia não reconheceram esses blockbusters como filmes de prestígio não importa que eles estejam na lista de “melhor filme”.
Claro que tem exceções, pra tudo. Afinal o Johnny Depp foi indicado ao Oscar pelo personagem Jack Sparrow. Mas a reciproca é muito mais forte. A chance de um filme conseguir indicação nas quatro categorias de atuação e não ser indicado a melhor filme é muito baixa. E nessas cinebiografias, sobra prêmio de atuação pra todo mundo… gente, a Helena Bohan Carter foi indicada por um papel notável por não ser memorável em The King’s Speech. Claro que cinebiografias não são a única maneira de se destacar nos prêmios de atuação e portanto ser um dos filmes centrais do Oscar. Outra maneira popular é a da adaptação da peça de teatro.
Inclusive fiquei surpreso com como esse ano temos só uma cinebiografia indicada pra melhor filme e um drama-história-real-com-Tom-Hanks-e-Meryl-Streep que entra na mesma categoria mesmo não sendo tecnicamente uma biografia. É o mesmo naipe de filme.
A carta de amor à Hollywood.
Como eu já estabeleci aqui, o Oscar é votado exclusivamente por membros da indústria de Hollywood. E é dado para membros da indústria de Hollywood. É uma panelinha de gente dando prêmios entre si na televisão. E nada cementa mais a força dessa panelinha do que dar prêmios pra filmes sobre a indústria de Hollywood.
Filmes que mostram bastidores de Hollywood. Que retratam épocas de outro cinema. Que homenageiam filmes clássicos e explicam a relevância deles. A Academia ama esses filmes, pois estão essencialmente falando que a história da Academia é da hora. E como a Academia também faz esses filmes, no fundo isso é uma imensa masturbação que chega ao climax quando eles dão um prêmio pra esses filmes.
Isso pode estar em filmes óbvios, como Birdman ou The Artist ou Hugo ou La La Land. Mas também em filmes menos óbvios. The Shape of Water. Que é um romance, e se encaixa notoriamente na primeira categoria que eu descrevi aqui. Mas apesar disso, o filme é recheado de detalhes como: O melhor amigo da protagonista de diverte vendo os grandes clássicos musicais de Hollywood. A protagonista vive em cima do cinema. O monstro é uma homenagem a um dos maiores clássicos de Hollywoood. E temos a cena musical que é feita em clara homenagem aos musicais clássicos. Isso tudo dá ao filme uma atmosfera de “homenagem ao cinema” e “feito por quem ama muito Hollywood”, que certamente são pontos positivos pro filme. Não só pra prêmios, pra todo mundo.
Esse inclusive é um estilo que fatura Oscars desde muito tempo atrás, muito antes de filmes começarem a ser manufaturados exclusivamente pra levar um Oscar. Sunset Boulevard e The Bad and the Beautifull ambos conseguiram boas indicações ao Oscar nos anos 50. Esse tipo de metalinguagem funciona bem com os juízes.
Arrisco dizer que esse é o principal motivo pelo qual eles acharam que em pleno ano de 2009, o blackface do Robert Downey Jr valia uma indicação, mesmo em um filme tão não-prestigioso e com o alto risco de uma polêmica. Muito risco pra pouco payoff. Acho que rolou, pois o personagem era uma obvia sátira do estilo de atuação que a academia premia, uma piscadela direta pros membros votantes e toda a academia entendeu essa piada e riu junto. É disso que hollywood gosta, de um filme que parece que está sendo feito pro público, mas aí no meio do filme o ator pisca pros colegas de trabalho que está assistindo e eles dão uma risada extra.
O drama épico:
Esse é auto-explicativo. Sabemos do que se trata. O puta filme de época. Com um orçamento que sozinho poderia tirar um país do mapa da fome por um ano. Um trilhão de figurantes (nos bons tempos, hoje eles usam CG pra economizar figurante). Figurinos. Contando a trajetória desse personagem histórico foda. Ou desse personagem lendário foda. Batalhas! Cenários! Emoção! É sobre isso que o cinema é.
São filmes que ficam na linha exata que divide a cinebiografia focada em diálogos e atuação acima de ação e efeitos especiais. E do filme de ação que é fantástico e envolve o público fortemente, mas não ganha prestígio da crítica por ser de ação. O drama épico junta o que esses dois lados têm de mais forte e carismático e fazem um filme ambicioso que destrói tudo.
O segredo está em nunca deixar virar um filme de ação. Ben-Hur, Gladiator, Braveheart, Elizabeth, Last Emperor, Gangs of New York e mesmo Lord of the Rings, que diferente dos demais é um setting fantástico sem personagens históricos reais como protagonistas, todos esses filmes são exemplos claros de um filme que tem tudo pra ser um favorito do Oscar. Agora Avatar não. Avatar caiu no Oscar por outros motivos. Avatar é filme de sci-fi e ação. Mad Max idem, é um filme de ação. Quando filmes de ação sci-fi vão parar no Oscar sempre soa como uma grande quebra do padrão e com “Algo estranho rolou na Academia esse ano.” Esses filmes são de ação, eles não estavam mirando no Oscar. Querem um filme que estava mirando no Oscar apostando em um grande épico? Australia. Nossa, esse foi bomba, mas bombas parecidas já representaram na cerimônia, foi uma aposta que não vingou, mas válida.
O primeiro longa-metragem do cinema americano foi um épico. Esse é o gênero que Hollywood vive pra fazer. E por mais que eles tentem se distanciar do cinema blockbuster, o drama épico ainda é o pilar que faz toda Hollywood olhar e pensar “porra, nóis é foda.” De Gone With the Wind até os dias atuais.
Por uma incrivel coincidência, o primeiro-longa metragem de Hollywood, Birth of a Nation é conhecido também como um dos filmes mais explicitamente racistas de todos os tempos. E Gone With The Wind é lembrado como um filme que é racista por ser fruto de seu tempo. Porque desde seus primórdios, até Black Panther fazer o lucro que fez, raça e debates raciais sempre foi um assunto fundamental nos Estados Unidos, e Hollywood já disse merda a respeito, mas não ignora o assunto. E essa é a deixa pro último Tipo de Oscar-Bait listado.
O filme de preconceito:
A gente fala de holocausto e de deficientes mentais. Mas sério, se a gente pegar a premissa “fulano sofreu preconceito por ser X”, você pega um filme que tem todo ano. Vítimas de perseguição e violência por serem gays, judeus, comunistas, negros, portadores do HIV, e lá vai. Muito difícil passar um ano sem um filme com essa temática. Pessoas trans estão começando a entrar nessa roda de tema de filmes premiados, a ponto de ser possível imaginar que daqui a 10 anos possamos esperar ver o Oscar trazer ao mainstream filmes sobre pessoas trans que não sairiam do nicho LGBT sem o Oscar. Eu imagino que sim.
A comunidade árabe nos Estados Unidos, por exemplo, acho que vão demorar bastante para aparecer em um filme de Oscar em que não seja um filme de guerra e eles não sejam o inimigo. Ou seja, que grupos estrelam no filme de preconceito do Oscar é algo seletivo, não é qualquer minoria que se sofrer o suficiente em um filme, que sem a indicação passaria batido pelo público, que ganha a indicação.
Atualmente o mais comum são gays e negros mesmo. E eu digo gays e não LGBTs porque a chance de ser um homem é muito maior do que o de ser uma mulher. 15 anos atrás teve The Hours. 7 anos atrás teve The Kids are All Right. 5 anos atrás La Vie d’Adèle (Azul é a Cor mais Quente) ficou de fora do Oscar apesar de ter aparecido em outras premiações relevantes no ano. Ao contrário de Philadelphia, Brokeback Mountain, Imitation Game, Moonlight… e The Danish Girl e Dallas Buyers Club , que tem sobre uma mulheres trans, interpretadas por um ator cis, ainda sim não é muito se pensarmos que é dez por ano (Call me by Your Name não entra na lista porque os personagens não sofrem preconceito). Mas aí soma-se com The Help, The Blind Side, 12 Years a Slave, Avatar, District 9, entre outros que falam sobre pessoas brancas ótimas que ajudaram negros ou alienígenas-como-metáfora-pra-pessoas-de-cor a superarem a opressão. Aí soma-se a Babel e a notoriamente polêmica premiação de Crash, que vai ser lembrado na história da premiação como um filme que literalmente: ninguém queria que ganhasse o Oscar, mas ganhou mesmo assim.
No geral, a maior chance de um filme ser considerado ruim (não normal, ou bom-mas-não-daria-um-prêmio, digo genuinamente ruim) e acabar parando na premiação é se o filme estiver nessa categoria. Sandra Bullock ganhando melhor atriz pelo Blind Side que o diga.
Enfim. De uns anos pra cá, a comunidade negra enfim conseguiu fazer barulho o suficiente pra repercutir no Oscar. Na cerimônia de 2016, só dois anos atrás, houve ameaça de boicote por parte dos atores negros, e com a hashtag #OscarSoWhite atacando a falta de diversidade na Academia, e de atores negros indicados por diversos anos. 2017, a Academia não perdeu tempo indicando três filmes com foco em personagens negros pra Melhor Filme e dando uma diversidade racial nas indicações. E o ponto é. Nenhum desses três filmes foram sobre salvadores brancos, diferente do que era a norma para outros filmes com foco em personagens negros que foram indicados no passado. Fences, Moonlight e Hidden Figures foram sobre pessoas negras na batalha, sem focar em personagens brancos sem os quais a vitória não seria possível. Moonlight inclusive se tornou o primeiro (e querem um palpite meu? Por muitos e muitos anos, o único), “Melhor Filme” que conseguiu ser considerado o melhor filme do ano mesmo sem ter personagens brancos.
O importante é o foco sempre ser no preconceito como defeito pessoal que muitas pessoas têm, mas sempre deixar claro. É um defeito pessoal. Causado por indivíduos cheios de ódio, e o ódio é um sentimento danoso, e quando uma pessoa sente ódio ela causa tragédias. Esses filmes muito, mas muito raramente apontam para racismo como uma questão estrutural na sociedade, que é reforçada pelas instituições de poder. Não, jamais. É reforçada por cuzões cheios de ódio. Eles mudam o que for preciso, mas não mudam essa perspectiva.
O que é o motivo pelo qual Get Out (inclusive, fica a recomendação pro texto sobre Get Out aqui do blog), que aborda o racismo como uma questão estrutural, é uma presença relevante na premiação desse ano. Afinal não foi um Oscar-Bait, foi um filme indicado em resposta ao enorme sucesso de público e crítica somado ao fato da Academia ainda querer limpar a própria barra por conta de 2016. Mas não acho que tem chances reais de ganhar, justamente por isso. Um candidato desse ano muito mais forte é Three Billboards Outside, Ebbing Misouri, que foca no racismo como um problema individual causado por ódio, e na necessidade de se parar de associar instituições como a polícia com casos de racismo, pois do contrário só se gera mais ódio… essa é uma mensagem que deixa a Academia muito mais confortável.
Enfim. Hollywood não é um poço de diversidade nem de pessoas que combatem o preconceito. E o que mais tem ali é gente preconceituosa e cuzona. Mas eles se importam muito em serem vistos como um lugar muito tolerante e igualitário, e o Oscar é a vitrine onde eles tentam muito provar o quanto no mundo do entretenimento não existe racismo nem homofobia. Então isso tudo é muito necessário pra imagem deles.
E é isso que o Oscar é. Hollywood fazendo propaganda de si mesma, premiando a si mesma, e determinando quem tem prestígio na perspectiva da indústria hollywoodiana. Nunca vai passar disso.
Mas dizer que não tem valor enquanto prêmio não é o mesmo que dizer que não tem poder. Afinal de contas, não podemos realmente dizer que a indústria hollywoodiana não tem poder no mundo do entretenimento. E por conta disso tem alguma importância, que permite que por mais que todo mundo fale que não respeita o Oscar, acabe sempre sendo o prêmio de cinema mais comentado do ano.
Pelo menos dá pra se divertir com gafes. Eu particularmente adorei ano passado com La La Land sendo falsamente anunciado com vencedor. Maravilhoso. Pessoalmente esse ano, eu só quero que a merda seja jogada no ventilador, e que as mulheres que tenham a oportunidade de subir ao palco, aproveitem o fato de estar ao vivo e com o microfone na mão para apontar os assediadores que estão presentes fingindo que toda a campanha do #MeToo não tem nada a ver com eles. Hollywood foi uma panela fervendo em 2017, e no Oscar que é essa grande vitrine de Hollywood eu quero ver o clima de tensão mais pesado do que nunca. Não quero assediador e atriz abraçado no palco fingindo que tá tudo bem não. Quero sangue e cutucada. É tudo o que eu quero pra esse ano.
Isso e que Get Out ganhe. Mas não sinto que posso contar com esse segundo desejo, então estou investindo tudo no primeiro.