Recentemente eu fui vítima de uma brincadeira horrível e monstruosa, planejada por uma pessoa que certamente tem o coração menor que o do Grinch, eu caí no boato de que Young Justice havia sido descancelado e já teriam novas temporadas encomendadas.
Mentira de um extremo mau gosto. Eu já tava abrindo o champagne quando descobri que era alarme falso.
E o incidente me fez lembrar de como Young Justice é um desenho que embora excelente teve um cancelamento extremamente imbecil, acho que o desenho de super-heróis que acabou por motivo mais imbecil desde Spiderman – The Animated Series.
O que é uma pena, pois Young Justice era do caralho. Muito bom mesmo, e eu como fã da DC Comics que sou, devo admitir que não é fácil achar série boa representando o universo DC por aí não. Nem um pouco fácil.
A Marvel tem um universo cinematográfico de sucesso para manter o público que não lê os quadrinhos interessados em seus personagens. A DC tem umas bombas feitas pro cinema, umas séries animadas de dar vergonha e o Batman. É uma competição injusta, então quando surge uma série foda para elevar os personagens da DC a um novo patamar, ela é sempre muito bem-vinda na minha opinião.
Young Justice era uma série que se focava em um time formado somente pelos heróis adolescentes da DC, e não somente adolescentes, como aprendizes ou seguidores de algum outro herói da DC, os chamados sidekicks. Porém mesmo com essa premissa, eles não eram os Teen Titans, a ideia por trás do time era totalmente diferente.
Enquanto os Teen Titans são um time independente formado por heróis adolescentes da DC, o Time de Young Justice (que nunca foi nomeado e foi referido ao longo da série como “O Time”) é um time controlado pela Justice League, com missões bem específicas de espionagem e infiltração, ações onde heróis com menos visibilidade são necessários, já que os membros da Justice League são muito conhecidos pelos super-vilões do mundo para poderem fazer espionagem.
O Time é formado no fim do segundo episódio da série. E a série abre nos apresentando quatro protagonistas. Aqualad, aprendiz e protegido de Aquaman (em uma versão criada exclusivamente pra animação em que ele é um cara tão foda que extingue qualquer sentimento de tosqueira que ser o sucessor do Aquaman pode passar); Kid Flash, aprendiz e protegido do Flash; Speedy, aprendiz e protegido de Green Arrow; e Robin, aprendiz e protegido do Batman. Os quatro são amigos entre si, e atuam como sidekicks por anos já. E no dia do primeiro episódio, o Dia da Independência, não por coincidência, é o dia em que os quatro acharam que finalmente após anos como meros ajudantes, eles seriam aceitos na Justice League.
O que não era verdade, eles ganharam de seus mentores acesso irrestrito para entrar no Justice Hall, o que os membros da Justice League acharam que era um puta gesto de confiança para dar aos seus pupilos, mas não era. Afinal o Justice Hall não era o quartel-general deles, e sim uma fachada para encobrir o real quartel-general, um satélite no espaço chamado The Watchtower. Eles percebem que os adultos não confiam neles, e Speedy, se sentindo traído e desrespeitado, abandona Green Arrow e a decide que não precisa da aprovação da Justice League e que vai virar um super-herói solo. Os outros três, não tem uma atitude de rebeldia tão grande, mas ficam incomodados de ver que seus mentores os tratam feito crianças.
Por isso eles resolvem investigar por contra própria um incêndio criminoso no Projeto Cadmus, para provar para seus mentores que eles não são meros sidekicks. Nessa investigação, eles descobrem Superboy. Um clone do Superman, com metade de seus superpoderes, que estava sendo guardado como medida de garantia da Terra para substituir o original caso este morresse ou se tornasse um vilão.
Os três julgaram que Superboy não devia estar sendo aprisionado por cientistas até chegar a hora certa e sim tendo uma vida ao ar livre como o adolescente que ele é, e por isso libertam ele. No processo os quatro descobrem uma duzia de experiências anti-éticas que a Cadmus estava desenvolvendo, e arruínam boa parte delas, mas sem conseguir fechar o laboratório ou prender os responsáveis. Estava além do poder deles. Mas ainda sim os quatro saem do laboratório…
… e levam um puta esporro da Justice League. Batman dá uma bronca nos três dizendo que eles estavam errados ao não deixar os adultos lidarem com Cadmus, mas Aqualad retruca dizendo que não estavam. Que eles fizeram aquilo que estavam sendo treinados para fazer, e que se continuarem sendo censurados pelos mentores, então que farão de novo sem a autorização deles.
A Justice League resolve ceder diante do discurso de Aqualad, e decide que os quatro serão um time secundário para missões discretas. Eles cedem aos adolescentes a base antiga da Justice League nas montanhas, e chamam a sobrinha de Martian Manhunter, Miss Martian, para se juntar ao Time, e assim o Time nasce.
Como a criação do Time exemplifica bem, Young Justice é uma série que foca muito no conflito entre adolescentes e adultos, aproveitando a diferença geracional entre os dois times, para trabalhar isso.
Pois diferente do desenho dos Teen Titans, nesse, a Justice League tem uma presença constante, não nas missões, mas na história, no universo da série e na vida dos personagens. É impossível não mencionar esse fato. Na série, a Justice League está bem estabelecida e no primeiro episódio conta com dezoito membros operantes. Os adolescentes do Time não são parentes dos membros da Justice League, mas sim seus aprendizes, eles admiram seus mentores e se espelham neles, querendo ser heróis que nem eles quando crescerem.
Quando crescerem. Pois ainda não cresceram. Robin tem 13 anos. Kid Flash tem 15. Superboy, Miss Martian e Aqualad têm 16 enquanto que Speedy tem 18. Eles ainda são jovens, estão aprendendo a ter responsabilidades, e a entender na prática o que significa deixar de ser criança, já não são mais crianças, mas ainda não são adultos, e a independência deles será adquirida aos poucos, conforme seus mentores confiarem neles e derem espaço para eles crescerem. Porém eles tem pressa, querem logo serem reconhecidos como os adultos que ainda não são, e precisam dos adultos para guiá-los com sabedoria.
E os adultos por sua vez, devem de fato dar essa sabedoria, saber quando podem segurar os jovens e quando não podem. Saber que nem sempre tem razão e que as vezes os adolescentes são mais maduros do que se achava, devem saber quando confiar e quando ser autoritários. Mas eles não nascem com esse conhecimento, estão aprendendo a ser bons mentores ao mesmo tempo que os jovens aprendem a ser bons aprendizes.
E toda missão do Time, mostrará o time se relacionando com a Justice League, em busca de aprovação, ou de conselhos, ou para se provar para seus mentores. E essa relação que é trabalhada em praticamente todo episódio é trabalhada nesses termos. A Justice League não está mais segurando na mão de seus sidekicks e nem tratando-os como tal, deram essa independência para eles. Mas estão vigiando e observando enquanto eles obtêm experiência prática do que é fazer parte de um Time de Super Heróis, e os ajudam como guias e como adultos responsáveis, para ter certeza de que seus aprendizes vão amadurecer bem.
Praticamente tudo o que sabemos sobre paternidade e adolescência transferido para uma animação de super-heróis e para porrada e salvamento de mundos.
E não só isso, como os personagens do Time tem cada um seus próprios conflitos internos, típicos de suas idades, que são muito bem desenvolvidos.
Superboy por exemplo, tendo sido exilado do mundo sua vida inteira, quando é libertado e começa a operar em um time subordinado à Justice League, ele acha que vai ter um contato maior com o Superman, que vai ensiná-lo a ser um herói como ele. Mas Superman evita contato com o Superboy e empurra essa responsabilidade para outros heróis o máximo que pode, tratando o moleque como se fosse um filho que ele não quer assumir. Ele se sente desconfortável com a ideia de ter sido clonado, e não quer encarar o assunto. Deixando o clone que não tem culpa de nada se sentindo abandonado.
Só que Superboy tem dois pais, o pois é clone da fusão de dois códigos genéticos. Um do Superman e o outro… de Lex Luthor. E o empresário careca está muito mais disposto a aceitar Superboy do que o Superman. Dando ao jovem atenção e respeito em um momento em que ele estava vulnerável procurando alguém em quem se espelhar. Superboy claro havia sido muito bem-educado no quão Luthor não era confiável, e por isso ele não consegue corromper completamente o Superboy, mas ele consegue uma chance forte de tentar baseado na negligência do Superman.
Já Miss Martian, não é realmente sobrinha do Martian Manhunter. Martian Manhunter é um marciano verde, mas Miss Martian é uma marciana branca, uma espécie que é extremamente discriminada em Marte. Tanto que ela fugiu da Terra para não ter que lidar com a opressão. Por isso ela tem vergonha de sua própria forma e inventou a identidade terráquea dela em volta de uma personagem de Sitcon chamada Megan. Ela não copiou somente a forma de Megan, mas os maneirismos, modo de se comportar e reagir a situações, tudo pois ela cresceu em um ambiente em que ela nunca sentiu que ela era aceitável, e não quer arriscar expor-se como ela é para os outros mais, preferindo uma persona que ela considerou que seria aceitável.
Aprender a confiar em seus amigos para poder parar de viver a vida imitando uma Sitcon é o grande arco de personagem da Miss Martian na primeira temporada. Entender que ela estava em um ambiente distante do mundo dela, onde ninguém realmente se importava com a cor dela, o que ela sabia na teoria, mas os traumas psicológicos da opressão que ela havia sofrido eram tão fortes que ela ainda sim não conseguiria se sentir confortável.
Robin e Aqualad dividem uma constante discussão sobre liderança. Nos quadrinhos e no desenho animado sobre os Teen Titans, o líder dos Titãs é sempre o Robin. Afinal, ele foi treinado pelo Batman que entende tudo de estratégias. Em Young Justice, as coisas não são tão simples. Robin sente logo de cara que ele devia ser o líder, mas ele está acostumado demais a trabalhar com o Batman.
E trabalhar com o Batman está muito ligado a se comunicar pouco por já saber o que esperar do parceiro, e improvisos constantes. Porém se seu parceiro não é o Batman, explicar muito bem as estratégias pro Time pode ser necessário, e nesse dia Robin descobriu que ele não tinha uma boa noção de liderança ainda. Aqualad se torna o líder do Time então. Porém Aqualad reconhece em Robin, alguém que seria um líder melhor que ele, e que está aguardando Robin crescer como herói para começar a liderar o Time.
Aqualad via a liderança do Time como um fardo. Não era divertido ser o chefe, era fazer decisões difíceis, era se responsabilizar pelo Time, pela segurança de todos, era responder pelos fracassos das missões. E Robin viu isso com o tempo também. Aqualad foi um bom líder, mas não foi perfeito, assim como Robin não seria e Batman não era perfeito ao liderar a Justice League.
Em um episódio particularmente marcante, todos os membros da Justice League são assassinados por uma invasão alienígena, o que faz o Time ser a ultima esperança da Terra. Eles tentam ao máximo, mas falham, Aqualad sacrifica sua vida para atrasar a invasão, e então Robin sucede Aqualad como lider e sacrifica Superboy para tentar impedir a invasão. Eles falham e todos morrem, e a invasão alienigena. Após isso, tudo é revelado ter sido uma simulação em realidade virtual o tempo todo, e ninguém estava em real perigo e os alienigenas não atacaram, certo? Errado. Isso não foi uma saída barata de “era tudo um sonho” para desmentir o que rolou. A invasão não era real, mas as reações dos personagens eram reais, e eles viram como seus colegas de time reagiam em uma missão fracassando e sem esperança, e como lidavam com a pressão.
No dia seguinte todos lembraram de como eles se portaram na missão fracassada onde todos terminaram mortos. E no episódio seguinte Black Canary serviu de psicóloga para acompanhar como eles estavam lidando. Aqualad estava envergonhado de sua postura, ao se sacrificar ele abandonou o time sem liderança, ele não pensou a longo prazo, e desapontou a todos. Ele reforça como ser o líder é um fardo e não um prazer.
Já Robin comenta que suceder Aqualad como líder foi pesado, ser obrigado a fazer decisões dificeis, como a de sacrificar Superboy, era o inferno. E com isso ele descobriu que embora tenha passado a vida inteira se espelhando no Batman… ele não quer ser o Batman mais. Ele não quer mais lutar para ser o herói frio capaz de fazer a decisão difícil.
Sim, pois eles ainda são jovens, não pode se esperar que já tenham certeza do que querem pro próprio futuro, eles tem algumas ideias mas precisam se conselhos, e de experiência para saberem que adultos eles querem ser no futuro. E é para isso que as missões do Time preparam.
Outro ponto da série que aborda muito bem esse dialogo constante entre adultos e adolescentes, é a existência do Captain Mavel. Afinal ele transita entre os dois mundos. O fato de sua identidade secreta ser Billy Batson, um garoto de 10 anos de idade que vive com o tio, é um segredo que ele guarda de toda a Justice League.
Exceto o Batman.
Em um episódio em que a Terra é literalmente dividida em duas, uma habitada por maiores de 19 anos e uma habitada por menores de 19 anos. E Marvel é capaz de ir de uma Terra para a outra, pois ao virar Captain Marvel ele vira um adulto. Bom, essa habilidade dele é o que permite que o Time e a Justice League trabalhem em conjunto e unam as duas terras novamente, mas o custo foi o segredo dele, que gerou um longo debate se ele deveria ser expulso da Liga por ter mentido sobre ser um adulto quando não passava de uma criança.
Antes desse episódio, várias vezes havia sido mostrado como apesar de inteligente e forte e capaz, ele tinha uma mentalidade muito infantil para lidar com algumas situações, e era o que preocupava a Liga, mas eventualmente a posição dele na equipe é mantida.
Na segunda temporada do desenho, ocorre um Time-Skip de 5 anos. E em 5 anos muito muda. Alguns heróis ganham filhos, outros não, alguns saem da vida de herói, alguns conseguem entrar na Justice League, outros fazem questão de continuar operando no Time mesmo já sendo adultos, para continuar guiando uma nova geração de heróis jovens que surgiu. Os personagens envelheceram e novos personagens surgiram, e os que fizeram parte das duas gerações do Time podem ver com perspectiva como eles amadureceram ao longo do tempo.
Nessa segunda geração, oito personagens novos entraram no Time de uma vez, o que dá uma sensação interessante de como o Time se desenvolveu após o Time-Skip, mas isso é uma fachada. Desses oito novatos, somente 4 recebem desenvolvimento de personagem realmente interessante focando em casar a passagem pela adolescência com ser um super-herói. O foco na segunda geração ainda eram os veteranos. Robin, adotou a identidade de Nightwing, e agora é oficialmente o líder, e como antes, tem que sofrer com cada decisão pragmática que ele é obrigado a fazer. Aqualad, Miss Martian, Superboy, o foco se mantém nesses personagens, e também em alguns da Justice League.
Dos novatos, o que eu destaco como o mais interessante e bem trabalhado na segunda temporada foi o Blue Beetle cujo conflito era diretamente com seu super-poder, uma inteligência artificial maligna que ele as vezes controlava e as vezes não. Também pelo fato dos vilões da temporada estarem diretamente conectados com seu super-poder, colocando ele em um grande conflito interno sobre conseguir ou não ser um super-herói eficiente.
Mas de todos os personagens, o que eu mais me impressionei com a qualidade de seu desenvolvimento foi Roy Harper, tanto por sua participação na primeira quanto na segunda temporada. Independente de estar sob as alcunhas de Speedy, Red Arrow ou Arsenal, ele demonstrava mais que qualquer outro personagem uma pressa em ser tratado em igualdade e em crescer, atropelando qualquer amadurecimento que ele tivesse que fazer. O que colocou ele em uma posição isolada dos outros personagens. Ele se recusou a fazer parte do Time pois pra ele era Justice League ou nada.
Na segunda temporada ele descobre que havia sido usado pelos vilões como um peão e que toda sua mentalidade de rejeição ao Time fazia parte dessa manipulação, o que levou ele a uma missão de resgate a outra vítima dos vilões pela qual ele se sentia responsável. A missão demora 6 anos para dar resultados, e nesse tempo ele se torna depressivo, suicida, auto-destrutivo e pai de uma filha de cuja vida ele mal participa. Tenho certeza de que os roteiristas só não mencionaram o infame vício em heroína que o personagem possuía nos quadrinhos, pois alguém na Warner não deixou, pois é só o que faltava.
Uma terceira temporada existiria acrescentando outro time-skip e uma terceira geração de membros do Time, mas aparentemente a série havia se provado um fracasso comercial, devido ao alto número de garotas que assistiam o desenho, e a equipe de marketing não saberia pensar em produtos para garotas com a marca Young Justice. O que torna o primeiro caso que eu ouvi falar onde a imbecilidade da divisão garotos/garotas em brinquedos e em produtos para jovens cancelou um programa de televisão. Definitivamente os produtores mais burros do mercado.
Mas com Young Justice cancelado, abriu um espaço no Cartoon para estrear outra série de heróis adolescentes.
Onde eles tem contato mínimo com adultos, passam o dia inteiro vagabundeando na torre sendo escrotos um com o outro por comédia, e a série é focada primariamente em comédia raramente fazendo algo que seja realmente relacionado a super-heroísmo.
O que não seria tão ruim se não fosse uma substituição tão obvia.
2013 foi um ano triste. Muito triste.