Quando eu imagino como deve ter sido a primeira reunião de brainstorming para determinar como deveria ser a série que sucederia Avatar, the Last Airbender, a impressão que eu tenho é que o primeiro consenso que os criadores chegaram foi “a série nova deve ser o extremo oposto da primeira.” Então, se a primeira é um grande épico em que três temporadas amarram uma única batalha em uma guerra, The Legend of Korra se foca em quatro temporadas, cada uma com sua história individual fechada. Se a primeira é protagonizada por uma criança monge pacifista e zen, The Legend of Korra é protagonizada por uma adolescente de pavio curto e impulsiva. Se a primeira é sobre um mundo desesperado com a ausência do Avatar feliz por vê-lo retornar, The Legend of Korra nos mostra um mundo de saco cheio da constante presença do Avatar, se questionando se eles ainda precisam de um.
E principalmente: se a primeira mostrou um período de 100 anos na história desse mundo onde muito pouco se mudou, The Legend of Korra mostra um mundo em constante mudança, e como se adaptar a mudanças na sociedade e na natureza. Esse é o principal foco de The Legend of Korra: mudanças. Na mentalidade do povo, no contexto social, na natureza. O mundo mudou muito e ainda está mudando, e será que um Avatar é necessário no mundo novo que está surgindo? E o debate do maniqueísmo e de um mundo que não seja preto-no-branco que eu abordei no post anterior se faz presente em The Legend of Korra também, sendo visto principalmente através de seus vilões. Os vilões da série caracterizam bem esse conceito da mudança dos tempos. The Legend of Korra teve quatro temporadas cada uma com um vilão central que queria mudar o mundo. Mudar supostamente para melhor, numa visão distorcida que eles tinham de o que seria o melhor. Toph, que faz uma aparição bem calculada para agradar os fãs de The Last Airbender, explica para Korra que se ela focasse bem, nenhum vilão que ela enfrentou queria algo negativo do mundo, e que o erro deles foi serem extremistas, que haviam aceitado a quantidade de dano que eles teriam que causar ao mundo antes de melhorá-lo. E todos os quatro estavam dispostos a não ter um Avatar como conceito necessário em sua futura utopia.
Ou seja, são vilões muito movidos por ideologia. E não só isso, mas os conflitos em The Legend of Korra no geral são movidos muito mais por ideologia. E a clara noção de maldade que Ozai transmitia é passada de maneira diferente. O conceito de bem e mal já não existia no mundo de The Last Airbender, porém ainda sim o contexto e os personagens tinham uma noção de bem e mal muito claras. Já na série nova essa noção já passa a ser nublada como diferenças de perspectiva e debate. Há mais a noção de extremismo do que de maldade.
The Legend of Korra, assim como The Last Airbender, chama suas temporadas de “livros” e divide a série entre eles. Para analisar a vilania, a maldade o extremismo e o maniqueísmo dos antagonistas de Korra, vou abordar livro-a-livro, já que cada um é uma história fechada em si.
LIVRO 1 – AR O vilão-central do primeiro livro, Amon, já começa retratando bem o que seria o estilo dos antagonistas de The Legend of Korra: ele é um líder das massas, promove encontros entre multidões e manifestações públicas protestando contra opressões que supostamente as pessoas capazes de dobrar elementos da natureza (ar, água, terra e fogo) cometem contra as que não têm essa capacidade. A principio, a maioria dos personagens acham essas acusações absurdas e enxergam Amon como um terrorista populista ridículo. Mas o número absurdo de não-dobradores que se juntam a Amon mostra que o discurso dele tinha um fundo de verdade. Em um mundo onde 4/5 da população mundial nasceu com um super-poder super conveniente, o 1/5 que não tem poderes pode se sentir para baixo.
O Sokka mesmo se sentia bem excluído em The Last Airbender. O fato de que as dobras são diretamente ligadas com artes marciais e de ser muito fácil usá-las para resolver conflitos físicos, aumentam essa sensação. O que um cidadão de bem sem poderes pode fazer se um dobrador de água rouba sua loja? Nada. Porém, Amon era uma fraude. Ele era um dobrador, suas cicatrizes supostamente originadas de ataques de dobradores de fogo eram maquiagem. Mas o objetivo de Amon era real, embora mal justificado. Ele realmente desejava a igualdade e a justiça.
O nome verdadeiro de Amon, é Noatak. E ele é filho de Yakone, um notório vilão que usava a dobra de sangue (tabu entre dobradores de água) para controlar as pessoas. E após ele ter sua dobra removida pelo então Avatar, Aang, Yakone resolveu treinar seus filhos para seguirem seu legado. Noatak e seu irmão Tarrlok foram constantemente torturados para se tornarem dobradores de sangue e eventualmente se vingarem do Avatar por ele. E o desprezo que Noatak sentia pelo pai e a pena que ele sentia por Tarrlok, o fizeram assumir a identidade de Amon e salvar o mundo de dobradores que abusam de seus poderes, que nem seu pai, e proteger os indefesos, que nem seu irmão.
O problema? Que Amon fazia isso tirando a dobra desses dobradores. Porém foi justamente ao ter a dobra removida que Yakone exibiu o pior de sua personalidade. E Tarrlok, que ele sempre amou, era um dobrador, então o desprezo dele pelos dobradores não faz sentido. Amon não é um vilão bem construído. Porém, supostamente ele acredita na igualdade, e ao aprender a remover o poder de dobrar das pessoas, resolveu criar um mundo onde todos estivessem no mesmo nível e não existissem vantagens. Um vilão que desencadeou um conflito extremamente ideológico onde conceitos de bem e mal não tinham espaço. Tanto não tinham espaço, que o personagem que mais se opôs a Amon era outro vilão: justamente Tarrlok, seu irmão. Tarrlok era um conselheiro da cidade de Republic City, cidade formada nas ex-colônias da Nação do Fogo para ser um ponto comum entre todas as nações. Ele era um político ardiloso que desejava poder, e viu na revolta de Amon (que ele na época não reconheceu como seu irmão) uma chance de ascensão. Ele aproveitou o alto número de seguidores que Amon tinha e comandou uma caça às bruxas contra todos que não podiam dobrar elementos em prisões preventivas, para garantir que eles não iriam apoiar Amon.
Por ser diretamente contra Amon, Korra a principio confiou e se aliou em Tarrlok, até ele revelar sua verdadeira natureza como um manipulador político tirando vantagem do conflito para auto-promoção. Estando em lados ideológicos diferentes, Tarrlok e Amon representavam lados diferentes de um conflito real, e Korra teria que lidar com isso. Ela a principio se aliou a Tarrlok até decidir se opor aos dois. Não é uma luta fácil onde o bem por trás de suas ações estava claro. Afinal, a crítica de Amon possuía um fundo de verdade. Ao final do conflito, Amon e Tarrlok derrotados e decadentes se reencontram, e Amon decide fugir com o irmão e recomeçar a vida longe, feliz de estar reunido. Porém Tarrlok cansado, derrotado e vendo com clareza o monstro que ambos se tornaram, decide se suicidar levando Amon junto.
O ultimo vilão do Livro 1 é Hiroshi Sato, inventor dos carros e gênio tecnológico. Ele fornecia tecnologia para Amon e era seu leal seguidor. Diferentemente de Amon, Hiroshi era realmente um equalist, suas motivações eram claras e legitimas. Ele viu a esposa ser morta uma gangue de rua formada por dobradores de fogo, e cresceu com rancor de não poder fazer nada contra aqueles que podem dobrar elementos. Ele forneceu armas para Amon para que os incapazes de dobrar possam lutar de volta.
Hiroshi também tem uma filha, Asami, que é uma das heroínas, amiga de Korra e integrante do Time Avatar. E quando Hiroshi é revelado como um equalist, ele e Asami se tornam inimigos. Fica notável como ambas as partes do conflito lamentam ver um ente-querido lutando do lado oposto. Eles se amam apesar de tudo, e dói ver o outro do lado “errado”, afinal ambos genuinamente acreditavam em suas causas.
LIVRO 2 – ESPÍRITOS O Livro 2 da série é considerado por quase unanimidade como o pior. A pior temporada de The Legend of Korra. Eu pessoalmente não gosto muito da revelação de que Amon era uma fraude e acho que isso enfraqueceu a primeira temporada inteira, mas devo concordar que a segunda é bem pior. E o motivo central disso, é seu péssimo vilão Unalaq. Lembram-se de tudo o que eu disse na Parte 1 do post sobre humanizar os vilões? Sobre não ter uma força da natureza simbolizando o mal absoluto e não fazer os personagens se afiliarem com o conceito do mal? Bom, Unalaq quebra tudo isso que eu disse. Ele é o vilão menos ideológico de Avatar, e o mais semelhante a um vilão de fantasia tradicional.
Unalaq é o tio de Korra e também um especialista em espíritos e no mundo espiritual. E ele sabe que no passado, dois espíritos, um representando o bem, o equilíbrio, a paz e o ying, chamado Raava, duelou eternamente com um que representava o mal, o caos, a destruição e o yang, chamado Vaatu. Quando Vaatu quebrou o desequilíbrio e ameaçou destruir Raava, um humano se aliou a Raava e os dois se fundiram em um só, se tornando uma ponte entre o mundo humano e o espiritual. Essa pessoa foi Wan, o primeiro Avatar, e como Raava não pode ser morta, exceto em condições muito especificas, quando o corpo mortal de Wan morreu, Raava pode reencarnar em outro corpo humano, gerando o ciclo-avatar.
Mas e o Vaatu? Foi preso por Wan em um lugar onde jamais poderá causar mal ao mundo novamente. Até surgir Unalaq, que planeja libertar Vaatu, se fundir a ele e se tornar o anti-avatar, usando o poder para causar destruição no mundo dos humanos e fazer o mundo dos espíritos o sobrepujar, o que seria o fim da raça humana. Unalaq tinha uma afinidade muito maior com o mundo espiritual, e discorda da decisão do Avatar Wan de manter os dois mundos separados tendo o Avatar como ponte. Ele queria que essa ponte não fosse necessária, e que os espíritos fossem livres para circular pelo mundo humano e fazer o que bem entenderem, no que ele mesmo descreveu como uma “Era das Trevas.”
Outro detalhe são os filhos de Unalaq, que começam ajudando os planos do pai, mesmo sabendo que eram planos malignos. Porém, quando Unalaq se recusou a salvar a vida deles durante uma de suas tentativas de conectar os mundos, eles resolvem traí-lo e ajudar Korra. Diferente de Hiroshi que se sentia mal por estar do lado de Asami, ou de Tarrlok e Noatak que tinham afeto um pelo outro pela infância dos dois, Unalaq não liga a mínima pros filhos, pois ele é mau mesmo. Um ser sem entes queridos.
Apesar de ser um louco, e de seu plano ser obviamente filiado ao mal, após mata-lo em uma épica batalha, Korra viu que uma coisa que ele disse era verdade. Existiam espíritos malignos, mas existiam espíritos benignos, e talvez já fosse hora dos mundos espirituais e humanos poderem interagir entre si, e com isso ela decide conectar os dois mundos e deixar de ser uma ponte entre eles. Guiando a humanidade para uma nova era, que na perspectiva dela, não precisa ser de trevas.
O fato é que Korra tinha a capacidade de, mesmo lutando contra Unalaq, entender parte de seus objetivos e cogitar aplicar suas ideias visando um mundo melhor. Korra foi capaz de ouvir o discurso de seu inimigo, filtrar o que ela concorda e o que ela discorda e aprender com ele, ao invés de invalidar todas as opiniões do sujeito pelo fato dele ser maligno. Unalaq é um vilão genérico e ruim, que pende para conceitos de “forças do mal” e motivações irracionais como criar eras de trevas, Mas o contexto dos personagens reagindo a Unalaq mantém o tema não maniqueísta. Korra e mesmo os próprios espíritos conseguem visualizar coisas boas que poderiam resultar de seus planos.
A falha de Unalaq em ser um bom vilão é reconhecida pelos criadores da série. No capítulo de recapitulação da série inteira que teve no Livro 4, Unalaq é descrito como o mais tedioso e chato dos adversários de Korra, e os demais vilões evitam ele, tendo vergonha de ter ele no hall de antagonistas. O segundo grande vilão do Livro 2 é Vatuu. Vatuu é a literal personificação do mal. O oposto de Raava que é a personificação do bem. E seu status de “força espiritual do mundo que sempre existiu” faz com que ele seja exatamente o elemento que critiquei no meu post passado, elogiando Avatar por não possuir esse conceito. Não se pode usar o poder de Vatuu para o bem, ele deve ser contido para sempre.
Eu acho Unalaq e Vatuu vilões muito ruins. Sinto que são os vilões menos desenvolvidos de todo o universo Avatar, e a ideia do “Anti-Avatar” soa errada. O Avatar devia ser uma força neutra, mantendo equilíbrio no mundo. Não deveria ter uma contraparte que faça a mesma coisa só que pelas forças do mal. Não faz sentido. Afinal nada impede um Avatar de ser um vilão, dependendo de em quem ele reencarnar. Outro vilão que se destaca em Korra é Varrick. Que é mais um anti-herói que um vilão, mas na segunda temporada seu papel é mais antagonista que protagonista. Varrick é um comerciante. Um empresário. Um homem que visa lucros e oportunidades de crescer. Unalaq era o líder da Tribo da Água do Norte, e liderava uma guerra civil contra a Tribo da Água do Sul, usando esse conflito como meio de atingir seu objetivo final. Varrick produzia filmes patriotas para convencer a Tribo do Sul a ganhar o apoio do povo e convencer o mundo de que Unalaq era um monstro sem redenção. Varrick produzia atentados terroristas para culpar Unalaq, e prendeu e silenciou Mako, amigo de Korra, quando foi descoberto por ele. Varrick não fazia isso por ideologia, e sim por lucro. Era conveniente para ele que a guerra continuasse, pois aí ele poderia enriquecer vendendendo para o povo ideologia e patriotismo, o que não seria fácil em um contexto sem guerra. Ao final ele é preso pelos seus crimes. Varrick, apesar de antagonista, se destacou na temporada por ser amigável e carismático, e pelos protagonistas, mesmo sabendo que ele não presta, ainda dependerem dele de vez em quando. Se mostrando uma figura difícil de lidar apesar de sua má índole. Varrick é um dos personagens mais interessantes da série e nessa temporada é onde podemos ver seu lado mais anti-ético.
E assim como mencionei no post anterior, a série também focaem mostrar lados negativos nos heróis, não só nos vilões. No Livro 2, vemos os três filhos de Aang: Tenzin, Kya e Bumi, em uma viagem só dos três, onde, pelas conversas, podemos ver como Aang negligenciava Kya e Bumi para favorecer Tenzin, uma vez que Tenzin era o único filho capaz de dobrar o ar, e como isso magoava os filhos negligenciados. Aang era o Avatar, o centro de paz no mundo, o monge que sempre fazia a coisa certa… Mas foi um péssimo pai, incapaz de fazer seus filhos se sentirem queridos.
LIVRO 3 – MUDANÇAS No Livro 3, o lado ideológico volta a ficar forte após o fiasco de Unalaq. Somos introduzidos à Red Lotus, um quarteto de vilões liderados por Zaheer que procura trazer anarquia ao mundo. Eles se consideram o oposto da White Lotus, grupo de anciões que protegem o equilíbrio no mundo. A Red Lotus acredita que o ser humano só é livre quando está livre de artifícios como nações e autoridades. Originalmente eles planejaram sequestrar Korra quando ela era bebê para criá-la sob os ensinamentos anarquistas deles, confirmando o que eu disse acima sobre existir um “Avatar do Mal” ser desnecessário. Afinal, se a Korra tivesse sido criada por Zaheer ela seguiria os ensinamentos dele. Atualmente, como ela já está crescida e apoia a estabilidade e equilíbrio das quatro nações, se tornou um obstáculo no plano de Zaheer de libertar o mundo de sua autoridade.
Zaheer é um personagem interessante em diversos sentidos. Para começar, ele é um admirador profundo da cultura dos Nômades do ar, vítimas de um genocídio 170 anos antes da série começar. Ele pesquisou e se aprofundou em seus ensinamentos. No entanto, se o povo do ar é a cultura mais pacifista e zen do mundo, como um terrorista pode amar tanto seu legado? Zaheer é um genuíno caso de “os fins justificam os meios”. Ele respeita a ideologia do desapego pregada pelos monges, é um imenso fã de filósofos do Ar, mas não pratica o pacifismo deles. E ele não é o único. Zaheer é admirador de um filósofo que foi dobrador de ar séculos atrás, considerado o único que já foi capaz de voar sozinho: o Guru Laghuma. Tal guru disse uma vez que “para novas plantas crescerem as velhas devem ser destruídas.” A cultura dos monges é uma cultura pacifista, mas nem todos os monges seguiram ela à risca sempre.
Zaheer também não é contrário ao pacifismo nem prega a violência desnecessária. Ele não hesita em matar ninguém que seja obstáculo para seus objetivos, mas se recusa a ferir qualquer um que não seja. Ele não vê sentido na violência desnecessária. Zaheer ganha a habilidade de dobrar o ar no começo do Livro 3, como consequência de Korra unindo o mundo humano com o espiritual, e então acompanhamos um homem que passou a vida inteira estudando uma cultura ganhando os poderes da mesma. É um vilão interessante por ser o único vilão representando o elemento do Ar. E quando ele luta, vemos um lado muito mais agressivo e violento do estilo de luta mais pacifico e harmonioso que Aang demonstrou.
Zaheer, embora liderasse a Red Lotus, nunca agia com extrema autoridade sobre os três demais membros. Eles eram amigos e seus iguais, sendo sempre tratados em pé de igualdade e com dignidade. Inclusive um dos membros era a namorada dele, aquilo que ele mais amava no mundo. Ela literalmente teve que ser morta pela Suyin (filha de Toph) para Zaheer entender o real conceito de desapego e dominar a técnica mais poderosa da dobra de ar, o voo – um contraste interessante a Aang, cuja inabilidade de praticar o desapego por conta de seu amor a Katara sempre foi um obstáculo para ele atingir seu potencial máximo, e de fato ele jamais atinge.
Zaheer discordava do conceito de autoridade e se recusava a impor a própria perante seus companheiros. Ele se preocupa com seus aliados e se importa em ser uma boa pessoa, mesmo com diversos atos terroristas nas costas. Zaheer é consistente em suas crenças.
Assim como com Amon, do lado oposto temos um vilão menor, a Rainha da Terra, figura política inescrupolosa que sequestrou diversos dobradores de ar que surgiram após as ações de Korra no mundo espiritual, e tentou escravizar esses dobradores para serem parte do exercito do reino da Terra. Korra se sentiu impotente para proteger os dobradores de ar da tirana. Por outro lado quando Zaheer se encontra com ela, ele a mata e coloca o Reino da Terra em um estado de completo caos.
Por último, no livro três acompanhamos muito um grupo de dobradores de metal em uma cidade chamada Zaofu, que são aliados importantes na luta contra a Red Lotus. Eles são liderados por Suyin, e entre seus aliados reencontramos Varrick, que nessa temporada é um aliado dos heróis. Somos introduzidos também a essa militar chamada Kuvira, que foi de grande ajuda na batalha, salvou a vida do Pai de Korra, e estava do mesmo lado que a Avatar, sendo contra Zaheer e suas ações.
E aí veio o livro 4. LIVRO 4 – EQUILÍBRIO Entre os livros 3 e 4, The Legend of Korra sofre um time-skip de 3 anos. Nesse meio tempo, enquanto Korra tem que lidar com uma grande depressão e crise existencial, cicatrizes literais e metafóricas da traumática batalha com Zaheer, o Reino da Terra, que terminou o livro 3 em um estado de completo caos, está lentamente voltando à ordem graças as ações dessa militar chamada Kuvira.
Kuvira passou os últimos três anos unindo de novo o fragmentado reino da terra, criando um Estado solido, e incorporando os territórios sem lei ao seu domínio, para garantir que a ordem volte. Ela usa o alto número de miséria e de pobreza criado pela morte da Rainha da Terra como motivação para todos se unirem a ela, e os que recusam são conquistados a força. Kuvira apela muito pro patriotismo e pro conceito de progresso para legitimar seu esforço de unir o Reino, e é nomeada pelo povo de “A Grande Unidora.”
Após três anos, Kuvira conquistou praticamente todo o território do Reino da Terra, com algumas exceções. As áreas que ela dominou obtiveram um aparente progresso, porém ganharam também uma opressão violenta a qualquer critica a ela. Ela também construiu campos de trabalhos forçados para todos os que eram considerados “inimigos do reino”. Assim como Zaheer e Amon, Kuvira não se firmou como uma personagem maligna, e sim como ideologicamente afiliada a conceitos extremistas. No caso de Kuvira, seu regime tinha semelhanças imensas com o fascismo.
Não é o primeiro personagem desse universo a ter ideias parecidas com o fascismo. Sozin, o Senhor do Fogo que deu ínicio à Guerra de 100 anos também tinha muitos detalhes parecidos com Kuvira em seu discurso. Em especial o culto ao progresso, ao conceito de “espalhar o progresso” nas terras conquistadas. O apelo forte ao patriotismo. Kuvira ainda explicitamente dá um golpe de Estado depondo o sucessor legitimo da Rainha da Terra (que tinha o desprezo do povo), fazendo um grande culto à sua própria imagem.
Kuvira é introduzida tendo como aliados Varrick e Bolin. Varrick, um eterno anti-herói, esteve consciente das intenções de Kuvira e do quão perigosa ela era, mas permanecia por perto para poder desenvolver suas tecnologias com o apoio dela. Já Bolin, um dos maiores aliados de Korra, sequer suspeitava que Kuvira seria capaz de se revelar uma tirana. Colocava a mesma fé nela que o resto do povo, servindo para ilustrar a boa imagem que ela tinha.
Aliado também a Kuvira, estava Baatar Jr, neto de Toph da série original e noivo de Kuvira. Para a decepção de todos da sua família que se opuham ao fascismo que ela pregava, Baatar Jr acreditava na ordem que ela trazia ao Reino e no fortalecimento da nação. Como todos os outros vilões da série, exceto o desprezível Unalaq, Kuvira tinha entes queridos, não era uma pessoa isolada de tudo ao seu redor presa em sua maldade.
Porém Kuvira extrapola os limites, e eventualmente seus principais aliados lhe dão as costas. Bolin a abandona quando percebe que trabalhava para uma fascista o tempo todo. Varrick a abandona quando percebe o grau de destruição que suas armas poderiam causar e pela primeira vez na vida tem um surto de consciência. E Baatar Jr, após ser sequestrado por Korra para negociar com Kuvira, é usado como refém. Korra exige que Kuvira desista de invadir um território que politicamente não pertencia ao Reino da Terra há 70 anos. Kuvira não está disposta de desistir de seu Império da Terra, e abre mão de salvar seu noivo. Diferente de Unalaq que não ligava pros filhos, Kuvira se importava com Baatar Jr, porém priorizava a construção de seu império.
O Livro 4 também nos mostra dois ex-vilões se aliando aos heróis com o propósito de combater Kuvira. Um deles é Hiroshi Sato, que após três anos na cadeia percebe que seu ódio contra os dobradores não compensou a falta que sente da filha e o desejo de recuperar o respeito dela. Asami, que igualmente sentia falta dele, lhe dá uma segunda chance e Hiroshi sacrifica a própria vida para ajudar a derrotar Kuvira.
Outro vilão que ajuda os heróis é Zaheer, inimigo central do Livro 3. Ele, coerente ao que pregou quando realizava seus atos terroristas, despreza o regime fascista que Kuvira implantou e reconhece que suas ações ao matar a Rainha da Terra foram o primeiro empurrão para que a situação existisse. Korra estava com dificuldades de entrar no mundo espiritual e se meditar, e Zaheer, como estudioso da ideologia dos nômades do ar, era um especialista no tema, e se torna um mentor de Korra para que ela pudesse derrotar Kuvira.
Afinal Zaheer e Korra eram capazes de reconhecer que ambos discordavam de Kuvira e que era o interesse ideológico dos dois que a conquista de territórios dela fosse um fracasso. Zaheer não era um homem mudado como Hiroshi. O que mudou foi o contexto, e quando o contexto muda um inimigo se torna um aliado e vice-versa. Após a derrota, Kuvira recebe uma inesperada compaixão de Korra, que diz que entende o que Kuvira tentou construir, e que entende ela e não vai deixa-la morrer.
Após a derrota de Kuvira, o sucessor de direito da Rainha da Terra ganha novamente a chance de tomar o trono, mas se recusa, afirmando que quer abolir a monarquia e criar eleições para o próximo líder, uma vez que toda a crítica que Kuvira fez a ele e toda sua rejeição do povo pela sua incompetência eram reais, e ele não queria essa responsabilidade. Se Aang foi um Avatar em um período único na história no mundo onde o planeta inteiro estava em guerra por um século, Korra foi uma Avatar em um período mais normal onde ameaças médias à ordem de nações eram constantes, mas não chegou um ponto em que o mundo inteiro estava ameaçado. Exceto no caso do Unalaq. Unalaq é sempre uma exceção para tudo que digo dos vilões de The Legend of Korra. A nova série mudou quase tudo em relação ao contexto e acontecimentos, se tornou um verdadeiro oposto da primeira. Os cenários das quatro nações são todos muito inspirados em países orientais, e Republic City onde Korra passa a maior parte do tempo é visivelmente inspirada nos Estados Unidos da decada de 1920.
Korra e Aang têm uma dinâmica oposta de protagonistas em que a jornada de Aang envolvia que ele adquirisse as características da personalidade de Korra para ser um bom avatar. Enquanto a jornada de Korra exigia que ela adquirisse as características de Aang. Mostrando que os dois estavam em um extremo e tiveram que ao longo de suas vidas como avatares, encontrar o meio termo. Contrastes com a série original podem ser vistos o tempo todo. Mas a abordagem não mudou. A maneira como os temas da série são tratados continua igual, por isso, mesmo com tantas diferenças, o não maniqueísmo segue presente. Não só o não-maniqueismo. Como o alto foco no amadurecimento dos personagens. A construção de mundo elaborada. A maneira como personagens diferentes lidam de maneiras diferentes com preconceitos. Tudo está lá. Por mais que tenha demorado para engatar, tenha tido Unalaqs e seja bem menos ambicioso, a maneira de se abordar os personagens e a construção de mundo permitem que se veja que ainda é o mesmo avatar de sempre. Ah sim, e teve o lance da Korra lésbica lá, que todo mundo já comentou. Ao final da série, Korra decide que após sua batalha com Kuvira ela quer tirar umas ferias, ir viajar pelo mundo espiritual e dedicar um tempo para ela e para Asami ficarem a sós. Asami é a filha de Hiroshi, com quem Korra disputou o amor de Mako pelos dois primeiros livros inteiros. Aá, após as duas desencanarem de Mako, elas decidiram se tornar amigas, e foram ficando próximas. Bem próximas. A última cena da série é as duas se entreolhando de mãos dadas em frente ao portal do mundo espiritual, que mais parece um por do sol. Então a câmera sobe para o céu onde esta escrito “fim.” Foi um paralelo interessante com The Last Airbender onde a câmera também sobe para o céu onde está escrito “fim”, mas antes da câmera subir o que ela estava mostrando era isso. O romance final deu muito o que falar na internet, o que não é surpresa, visto que até hoje homossexualidade em obras de entretenimento populares é algo muito polêmico, e mesmo esse final tendo pouco a ver com o tema do post, acho interessante ressaltar que mais do que ser inclusivo, e mais que mostrar que você pode ser uma força política e espiritual que mantém equilíbrio e paz no planeta e ser bissexual ao mesmo tempo, essa cena põe em outra perspectiva o quão próximas as duas foram ficando depois do lance do Mako, e como esse romance foi sutilmente sendo trabalhado por muito tempo. O youtuber Mike Rugnetta do canal do youtube Idea Channel, ressaltou como um romance bem feito requer personagens complexos e bem desenvolvidos. E, por conclusão direta, um romance lésbico bem feito requer personagens femininas complexas e bem desenvolvidas. O que sempre foi uma espécie de diferencial das duas séries Avatar em relação a muitos outros desenhos animados de seus canais: a quantidade de personagens femininas de personalidades e sentimentos bem construídos.
Mas é só isso. Não tenho muito que abordar sobre o romance final, mas não queria ficar sem mencioná-lo. Mas pode ser notado que o romane entre Korra e Asami foi um dos motivos pelo qual a equipe de produção de Avatar brigou com a equipe da Nickelodeon. E não foi o único motivo. Na produção do Livro 4 a Nickelodeon e os Criadores de Avatar já estavam ambos querendo meramente acabar logo com isso, o que resultou em um episódio do Livro 4 sendo removido do orçamento pela Nickelodeon (motivo pelo qual eles apelaram para um episódio de clip-show na reta final). E não foi coincidência que quase todos os episódios do Livro 4 vazaram na internet com muita facilidade antes de serem exibidos na Nick. O que não quer dizer que existiam planos para uma terceira série de Avatar. Talvez até existisse, mas agora é meio óbvio por que que não vai ter uma.