O que tem de fascinante em histórias de multiverso:

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Se você acompanha os hypes da cultura pop, então você deve ter visto o hype pelo filme Dr. Strange in the Multiverse of Madness que rolou recentemente. E se você for uma pessoa hipster que prefere um cinema não dominado pela Disney, então você deve ter visto o hype pelo filme Everything Everywhere All at Once que rolou recentemente

Estamos em uma fase de histórias de multiverso, entre esses dois filmes chegando juntos ao cinema poucos meses depois de Spider-man: No Way Home… aliás importante mencionar, que os dois últimos filmes do Spider-man foram sobre o multiverso. E isso sem falar em Rick and Morty, um desenho animado sobre conceitos de multiverso que é uma das animações mais populares da atualidade. Até mesmo o Teen Titans Go explorou o multiverso em 2019. Histórias de multiverso estão definitivamente no zetgeist. E eu…. não sei o motivo.

Esse texto não é pra explicar por que a fase está boa para filmes e séries começarem a explorar o multiverso e todo o seu potencial, pois pra isso eu não sei a resposta, estou curioso também. Esse texto é para simplesmente aproveitar que essa caixa de pandora está aberta para apreciar o que esse tropo tem a oferecer, e o que é que torna esse tipo de conceito tão fascinante.

Inclusive, já que estou no assunto de Multiverso, deixo a recomendação para assistirem Coherence, de 2013. Filmão.

E para isso, cortando para algumas outras obras para exemplos específicos eu quero focar precisamente em 4 exemplos de muito sucesso de obras recentes que trabalham com a perspectiva do multiverso. Eu quero olhar pra Rick and Morty, Spider-man Into the Spider-verse, Dr Strange in the Multiverse of Madness e Everything Everywhere All at Once…. Aí voce está olhando e pensando: “Pera aí, Izzombie, por que não No Way Home também?”, e bem… por que eu não quero que isso fique lotado de Marvel e eu acho Spider-verse um filme melhor. O multiverso é algo que é muito usado nas HQs de Super-Herói faz muitas décadas, e portanto histórias de super-herói tem muita facilidade com o tropo, mas eu não quero que super-heróis sejam o pilar do texto, então eu não preciso de dois Spider-Mans. 

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Esse texto é feito em homenagem aos que já apoiam o blog. Em especial porque sem eles, eu talvez ainda estivesse enrolando pra ir assistir Everything Everywhere All at Once, o empurrãozinho que eu recebi funcionou e me deu ideias. Eu agradeço constantemente a essa galera existir, e são vocês os verdadeiros heróis do blog.

Então vamos começar falando do multiverso.

Eu estou escrevendo aqui esse texto dentro do meu quarto. Esse quarto está na minha casa, que está na minha rua, que está no meu bairro, que está na cidade de São Paulo, que está no Estado de São Paulo, que está no Brasil, que está na América que está no Planeta Terra, que está no sistema solar, que está na Galáxia da Via Láctea, que está no Universo…. E o universo é tão colossalmente grande, que pensar na vastidão dele faz eu em meu quarto me sinta minúsculo e irrelevante.

Até onde sabemos nada é maior que o universo e tudo aquilo que existe, existe no universo que engloba tudo com sua imensidão. Mas e se assim como meu quarto for só um de um grupo de cômodos em minha casa, e minha rua for apenas uma em um grupo de ruas no meu bairro, e o sistema solar for apenas um em um grupo de sistemas na Via Lactea, o nosso universo também for apenar um em um infinito número de universos coexistindo simultaneamente. O quão mais minúsculo você se sente se o nosso universo e si com toda sua imensidão também for algo minúsculo que é parte de uma infinidade de outros universos?

O mundo é tão maior que a gente e fazemos tão pouca diferença nele que pode ser assustador.

Mas ao mesmo tempo, pensar nisso faz a gente pensar que o somos pequenos, insignificantes, mas igualmente nós somos muito específicos.

Pois nesse quarto, nessa casa, nessa rua, nesse bairro, nessa cidade, nesse estado, nesse país, nesse continente, nesse planeta, nesse sistema solar, nessa galáxia nesse universo… estou eu. E em qualquer outro quarto, casa, rua, bairro, cidade, estado, país, continente, planeta, sistema solar, galáxia ou universo…. tem outra coisa. Mas não tem eu. Eu tenho um espaço definido que eu ocupo. E tem outros bilhões de espaços que outras pessoas ocupam, e outros espaços que trilhões, quadrilhões de outros seres vivos ocupam…. e de tudo o que é vivo, eu sou eu. Só tem um Izzombie.

A menos que existam outros infinitos Izzombies, mas mesmo eles não são eu. Só eu sou eu. Eles são diferentes de mim. Exceto pelos que não são.

E essas obras que eu selecionei falam sobre esse nó na cabeça que eu proponho. As quatro obras de multiverso que eu peguei falam muito desse contraste de extremos. São obras sobre o infinito e sobre o quão diferentes as coisas podem ser, sobre o quanto a realidade pode ser ainda mais vasta do que imaginamos. O mundo é tão absurdamente vasto e caótico que pode existir um mundo em que um guaxinim é o Ratatouille. E ao mesmo tempo são obras sobre seus protagonistas entendendo quem eles são. São filmes em que personagens exploram a infinidade de possibilidades de realidades possíveis e impossíveis para fazerem jornadas introspectivas e responderem à pergunta: “Quem eu sou?”

E eu quero muito focar no contraste. Da infinidade de realidades com a introspecção da autodescoberta.

A infinidade de possibilidades:

Eu escolhi Rick and Morty, Into the Spider-verse, Multiverse of Madness e Everything Everywhere All at Once, pois são quatro obras que realmente exploram a ideia de mais de um universo. Muitos outros filmes falam de multiverso, falam sobre a ideia de um universo paralelo que os protagonistas exploram e eles são só um. Uma realidade alternativa, um futuro diferente gerado por viagem no tempo, um mundo espelhado ou que seja. Tanto Dragon Ball quanto Phineas e Ferb introduziram a ideia de que existe um número plural porém finito de universos e que só um deles é semelhante ao nosso, um universo-irmão. Muitos filmes são sobre o contraste direto entre duas realidades, e isso permite que o filme se classifique como um filme de multiverso, mas o tom do filme é de comparar duas realidades somente.

Comparar duas realidades é comparar pontos de corte específicos e ser capaz de através de padrões prever o que você deve ser capaz de encontrar em outra realidade.

Mas quando o filme realmente abraça o conceito de infinidade, é que ele fica interessante, justamente pela imprevisibilidade do que ele traz consigo. E é importante, pra fins de contraste que a bizarrice do quão longe o multiverso pode chegar seja impessoal.

Vou começar puxando o exemplo do Dr. Strange, pois uma das críticas que o filme recebeu foi justamente de não ter mergulhado fundo o suficiente no multiverso. Galera queria muito ver 9 versões diferentes do Wolverine se encontrando e se frustrou da trama do filme se desenrolar primariamente em 3 universos muito parecidos. Mas mesmo Dr Strange in the Multiverse of Madness sendo o mais sóbrio dos exemplos, não aplicando a bizarrice em seu plot, ele fez questão de aplicar em seu tom.

Na primeira vez que Dr. Strange viaja pelo multiverso ele passa por um número enorme de Nova Yorks alternativas antes de chegar naquela em que ele vai passar o filme. E entre as alternativas ele passa por uma que era uma colmeia com abelhas gigantes, pelo fundo do mar, por um mundo com dinossauros e por um mundo em que ele é um desenho animado. Com isso mesmo que o filme não se passe em um multiverso louco, diferente do que o título sugere, ele estabelece que o multiverso enquanto conceito vai longe e bem além de ter só outros Dr. Stranges que fizeram outras coisas.

Dito isso, assim que ele chega no outro universo ele quase é atropelado ao atravessar a rua, pois naquele universo os carros paravam no verde e andavam no vermelho. Mesmo que seja algo simples, serve pra estabelecer que ali, ele não conhecia as regras. E que ele não ia lidar somente com uma versão diferente de si mesmo, mas com um mundo obedecendo regras diferentes. E isso é estabelecido logo de cara.

Os outros exemplos não se contentam em fazer o semáforo funcionar com cores invertidas. Do universo em que o Spider-man é um porco falante, ao universo em que as cadeiras são pessoas e as pessoas são cadeiras, ao universo em que você tem salsicha no lugar de dedo. O céu é o limite, e precisamente para isso não ser assustador que isso tem que ser hilário.

A gente sempre vai pra ideia mais zoada possível. O universo do dedo de salsicha é o mais bizarro de Everything Everywhere All at Once, e é de certa forma um dos alívios cômicos do filme. Qualquer coisa pode ser realidade em um universo, então em vez de jogar o qualquer coisa pro lado sinistro ou tenso, eles jogam pra piada. A piada ajuda a gente a assimilar o quanto tudo é possível.

Não é coincidência que os seis spider-mans de Into the Spider-verse se dividem em dois grupos, três normais tocando o plot do filme e cuja amizade é trabalhada e três bizarros dando o alivio cômico.

Mas em nenhum lugar você vai ver a bizarrice embutida nas infinitas possibilidades explorada tão a fundo quanto em Rick and Morty, que por não ser um filme e sim uma série, tem muito mais tempo para perder visitando diferentes universos com suas diferentes bizarrices.

Não só diferentes universos. Diferentes planetas, universos diferentes pois são parte do multiversso, mas também diferentes universos pois foram criados. Microversos. Tudo em Rick and Morty é vasto e vai longe, o mundo no escopo universal é maior do que pensamos, o mundo microscópico é maior do que pensamos e o mundo dimensional é maior do que pensamos. Nós não somos o centro do mundo, mas também não somos a periferia do mundo, não somos o pior nem o melhor nem mesmo o mais chato. Não somos o mais absolutamente nada. Esse sentimento de vastidão é o feijão com arroz dessa série.

O próprio RIck C-137 está bem no meio da lista que ranqueia os Ricks do mais maligno pro menos maligno. Ele não é o mais nem o menos nada.

Rick and Morty usa esse escopo absurdo de que tudo é possível, até mesmo um universo em que hamsters moram em bundas de pessoas, para frisar como a nossa perspectiva nos molda e nos faz ter reações desnecessárias as coisas. Rick Sanchez enquanto personagem constantemente manda que Morty familiarize aquilo que é estranho e veja alguma naturalidade em coisas que são completamente fora da caixa. E por consequência disso, o oposto rola junto. Ao familiarizar o estranho, também se estranha o que é natural.

Vampiros existirem não é estranho. O povo aranha não é estranho. E um homem que faz sexo com um planeta que é um ser vivo, não é estranho. Estranho é a Beth e o Jerry manterem um casamento que não faz bem pra nenhum dos dois, por um senso de obrigação.

Estranho mesmo é o homem mais inteligente e poderoso do mundo ser profundamente infeliz, e ser incapaz de olhar pra qualquer caminho de melhora por se recusar a fazer qualquer exercício de introspecção e de entender a si mesmo, implorando pra que seus amigos (e o expectador) façam o mesmo e não tendem entendê-lo. Mas naturalmente nós desobedecemos ele.

Nós somos muito presos a noção do que é normal, e filmes de multiverso se aproveitam disso pra nos causar choque, nos mostrando situações que não são normais. Não é normal atravessar no verde, não é normal ter um dedo de salsicha e não é normal ter formigas nos olhos… mas se a gente é obrigado a normalizar isso, obrigado a falar “isso é só outra versão da minha vida tão válida quanto a que eu vivo e qualquer outra”, isso obriga a gente a pensar em muito sobre nós mesmos.

Pensar em que de todas as realidades hipotéticas imagináveis, nós estamos naquela onde o normal é esperar que um avô rejeite a sua neta, por ela namorar uma menina. Pensar no que é normal e anormal na nossa vida cotidiana.

Quem somos nós?

Oi, gente, eu sou o Izzombie, sou um homem, brasileiro, otaku, de esquerda, ateu e com prosopagnosia que gosta muito de cinema, de história da animação, de mangá, de macarrão e do filme The Ring e desgosta de esportes, do declínio do cinema autoral no mundo, do capitalismo, de cogumelos e do filme Beauty and the Beast. Eu posso me definir atualmente por essas coisas.

Mas e se existirem outros Izzombies? E se existir uma Izzombie que é uma mulher, ou um que odeia mangás? E se existir um Izzombie fascista em outro universo? E se existir um Izzombie que criou um blog chamado “Demolindo a lareira” e criou só pra fazer um texto xingando a Makima? E se existir um Izzombie que nem sequer se apelida Izzombie? Que em vez disso tenha escolhido o apelido Izzebra? E se tiver um Izzombie de um universo em que não inventaram o cinema? Se o multiverso existisse poderiam existir infinites Izzombies muito diferentes de mim e sem características importantes pra eu saber quem eu sou.

Aí essas características até poderiam ser usadas para me destacar e falar “essas são as características do Izzombie do Universo Apoo.” (quero acreditar que usaríamos nomes de personagens de One Piece para diferenciar nossos universos), mas eu e todas essas outras pessoas ainda seriamos coletivamente Izzombies, e ficaria a pergunta: o que temos em comum? O que definiria um Izzombie nesse cenário? O que é que marca um Izzombie?

Essa é a pergunta que guia um filme de multiverso.

Ela pode ser abordada diretamente, em Into the Spider-verse, os diferentes spider-mans são pessoas diferentes com nomes diferentes, mas eles se perguntam e analisam a fundo o que é que torna eles spider-mans? Nem todos soltam teia. Nem todos são humanos. Nem todos são homens. Nem todos são coloridos. Nem todos são brancos. Nem todos são estadunidenses. Nem todos são jovens. Mas todos são spider-mans, e isso é algo que une todos eles. E o filme é muito sobre eles descobrindo isso, descobrindo o que é que faz uma pessoa ser o spider-man. E já adianto: não é ter sido picado pela aranha.

Em Everything Everywhere All at Once, temos um caso curioso, em que a nossa protagonista é justamente a versão deslocada de Evelyn Wang. Todo universo com uma Evelyn parecia ter ela como uma perita infalível em uma área e como tendo realizado um grande sonho. Todo universo menos o universo daquela que a gente acompanha, que é a única que não realizou nenhum de seus inúmeros sonhos, e é, portanto, a pior Evelyn em um senso de inferioridade se comparada com qualquer outra.

Mas mesmo assim ela se sentia conectada a toda outra Evelyn, e foi capaz de não só melhorar a própria vida no final, mas aplicar a sabedoria que ela adquiriu observando o seu marido de seu próprio universo para melhorar a vida de todas as outras Evelyns do multiverso. Independente do caminho seguido, todas elas precisavam aplicar a mesma sabedoria em suas vidas, e a chave dessa sabedoria não estava em olhar pra vastidão de infinidades do mundo, estavam em olhar pro lado, pra pessoa com quem ela dividia os seus momentos.

Em Multivese of Madness, Strange pode olhar para outras três versões de si mesmo em especial pelos seus defeitos. De como três outros Stranges de três outros universos se corromperam por conta de sua obsessão por controle, e pela crença de que eles precisam ser a pessoa operando a situação a todo momento. Um defeito que o Strange que nós acompanhamos também tinha e também lhe custou muito. Apesar do filme ter uma batalha entre Strange e a mais corrompida de todas as suas contrapartes, é notável que ele não encontra pessoalmente os outros dois Stranges, mas lida diretamente com o resultado de suas ações. Ele vê em América Chavez e nos Illuminati as consequências diretas dele ser quem ele é, em outras pessoas. Uma reflexão para como se ele vivesse em outro universo ele poderia ser uma pessoa pior. E pra que tipo de atitude ele precisa tomar para fazer o universo dele ter um destino melhor do que os demais.

E por último Rick Sanchez é completamente preso em seu narcisismo. Rick se define pela sua inteligência, e ele tira tanto senso de identidade disso, que ele precisa se definir pela sua inteligência. Por isso ele criou uma subdivisão no multiverso, que ele chamou de Curva Finita Central, que reúne todos os infinitos universos em que Rick é a pessoa mais inteligente do universo, e exclui todos os universos onde ele não existe ou não é tão inteligente assim. Diante da infinidade de possibilidades do multiverso, Rick eliminou a possibilidade do mundo não girar ao seu redor, e isolou somente os universos que reforçavam seu ego.

Rick não se dá bem com os outros Ricks, e os outros Ricks não se dão bem com ele. E os Ricks tem uma tendência muito forte de constantemente matar outros Ricks. Acho que nunca vai existir outro personagem fictício que assassinou tantas contrapartes de si mesm quanto o Rick. Mas todos esses infinitos Ricks se aceitam e se empoderam pela capacidade de se conectarem por sua inteligência.

Encarar outra versão de si mesmo inevitavelmente te faz olhar pra si mesmo, entender quais são os elementos de você mesmo que não mudam nunca, não importa as variáveis. E quais são os elementos de você que são somente seus, um fruto da circunstância ao seu redor, e algo que te torna único diante de infinitas outras versões de você que são você, mas não passaram pelo que você passou.

O que faz com que paradoxalmente, esses filmes justamente por irem longe no conceito de multiverso, e explorarem uma magia/tecnologia que quebre os limites da realidade e jogue o protagonista na mais maluca das aventuras. Esses filmes ainda tenham seu centro emocional em personagens entendendo a si mesmos. Sejam filmes que validem o personagem olhando pra dentro de si.

Sejam filmes que deem igual valor a uma cena de ação épica e a um diálogo silencioso entre duas pedras, e diga que eles estão falando da mesma coisa, pois estão falando das mesmas pessoas.

Outro paradoxo que vem pelo mesmo motivo, é que esses filmes, apesar de serem muito vastos quanto a um número infinito de possibilidades, eles têm um foco grande em um elenco pequeno. Everything Everywhere All at Once se foca em uma família de 3 pessoas e no seu avô e na mulher do imposto de renda como os personagens no centro emocional do filme. Qualquer outro personagem está lá só pelas cenas de ação, mas o desenvolvimento emocional do filme acontece somente entre esses 5. A gente pensa que abrir a porta pra 20 dimensões significa apresentar e desenvolver 20 personagens, mas isso raramente é o caso.

E a ideia é essa mesma, vermos várias variações do mesmo pessoal. A gente pode colocar uma multidão para colorir o visual, mas no fim do dia, esses filmes são super focados em um punhado pequeno de relações. O povo especulou que o número de participações de secundários seria maior em Multiverse of Madness e se frustrou que os secundários não roubaram a cena, mas não tinha nem como. Em um filme desses, todo personagem que não fosse o Strange, a America Chavez e a Wanda é só enfeite, a trama estava completamente focada na relação dos três.

O filme não ia ser verdadeiramente sobre hypar o Reed Richards como o maior fodelão do mundo, e quem achou que ia comprou pista de mané. Obvio que ele tava ali só pra morrer. Afinal aquele universo ali era descartável. Não era o universo que a gente acompanha.

Mas será que era descartável mesmo?

Se existem infinitas possibilidades, por que qualquer uma delas importa?

Em Everything Everywhere All at Once, a vilã Jobu Tupaki reagiu ao fato dela estar constantemente ciente de todos os universos e viver em todos eles ao mesmo tempo com uma desconexão imensa de tudo e com a crença de que nada no mundo importa e tudo é insignificante. E Evelyn quase é levada a acreditar a mesma coisa, mas seu marido a faz adotar a perspectiva oposta, a de que tudo importa e tudo pode ter valor. O que é representado por ela ter herdado a mania de seu marido de antropomorfizar tudo.

Essa desconexão que vem com o conhecimento do multiverso é normal nesse tipo de história. Em Into the Spider-verse e Multiverse of Madness, o vilão não quer destruir tudo no mundo, como a Jobu Tupaki, mas eles querem entrar em um universo onde eles possam ter sua família ideal, e não ligam para qualquer outro universo que seja destruído nesse processo. Na perspectiva deles, a única realidade relevante é aquela em que eles podem viver felizes, e as demais realidades são insignificantes e sacrificáveis.

E o que é o plano supremo dos vilões é a rotina de Rick Sanchez que pelo bem de sua vida familiar já trocou de universo mais de uma vez pra poder morar com sua filha e seu neto, deixando pra trás universos destruídos e arruinados sobre os quais ele deliberadamente escolhe não pensar.

…reparem que é sempre família. Essa galera sempre quer somente ter uma vida familiar feliz. O desejo de viverem uma rotina agradável em família, que quando eles perdem, faz com que eles destruam inúmeras realidades para lidar com a dor. Eles nunca querem ir pra realidade em que dominaram o mundo, ficaram bilionários ou pra realidade em que o orgasmo é 20 vezes mais intenso. Eles sempre querem achar uma paz simples de uma vida que eles um dia viveram, mas perderam.

E ao colocar em perspectiva a existência de infinitos universos com infinitas possibilidades, uma percepção que vem junto é de que por serem infinitas se uma, dez, cem ou dez milhões forem perdidas, tudo bem, seguem tendo inúmeras outras realidades. E que por essas realidades conterem as mesmas pessoas, pessoas se tornam substituíveis.

Você pode substituir uma pessoa de outra realidade e matar uma versão alternativa de si.

Ou você pode substituir uma pessoa com uma versão de outra realidade.

E esse desapego é algo contra o qual vale a pena lutar.

Pois se alguns podem achar que a existência de outros universos torna as outras versões de você, descartáveis.

Outros podem achar que as outras versões te tornam mais completo. Te permitem entender melhor a si mesmo, e te permitem fazer amizade consigo mesmo.

Diante da complexidade do cosmos alguns podem achar que nada que existe importa. Mas sempre existe o poder de, por ver a complexidade de cosmos, entender o quanto as relações importam.

E no fundo eu acho que existe algo hipnótico e fascinante nisso. Em um filme que aumenta a nossa escala de insignificância para nos mostrar a realidade em que dedos são salsicha em uma revelação que desconecta as pessoas e as jogam em um niilismo destrutivo. Para nos fazer perceber que as pessoas do nosso lado são fantásticas e que os laços da vida cotidiana são aquilo pelo que se vale a pena viver.

E alguns personagens precisam olhar essa bagunça de perto pra valorizar o que eles têm.

Conclusão:

Eu acho que o grande poder da ficção científica é precisamente esse. O de usar de conceitos magnânimos que tornam o impossível possível para permitir que personagens olhem pra si mesmos e questionem seu lugar em um universo ainda mais caótico e sem sentido que o nosso. Digo, Inception foi literalmente isso, uma jornada dentro da própria psique em vários níveis de aventuras hiperbólicas.

Escrevemos histórias sobre robôs, aliens ou clones querendo ser tratados com dignidade, que sempre trazem o debate de que se é possível respeitar e dar direitos para criaturas tão fora da caixa, como deveria ser fácil fazer o mesmo para outras pessoas com diferenças irrelevantes de nós.

Vamos até o espaço para pensar no valor que os laços das pessoas que deixamos na terra possuem.

Não importa o quão longe se vá, o contato com a grandeza é sempre um lembrete do valor do que nós já temos. E eu acho que o segredo do multiverso é esse.

Pois essas histórias todas tem um foco importante no amor. E não no amor por um filho imaginário que você inventou, mas aí descobriu que existia em outra dimensão. No amor pelo que já está do seu lado. Na grandiosidade do universo e suas infinitas possibilidades para permitir que você possa falar que ama as pessoas que já eram parte de sua vida antes.

Eu realmente aprecio essa combinação, do surrealismo que as infinitas possibilidades permitem, com a introspecção e o autodescobrimento que esse tipo de contato força. E eu espero que essa moda tenha vindo pra ficar, pelo menos por um tempo. Dá pra sair ainda uns três filmes antes do padrão cansar a gente.

O importante é ter um multiverso pra explorar e apresentar pra gente, e não ser somente desculpa para fazer um herói rebotado ter crossover com a sua versão anterior. Nada contra, só não é a mesma coisa.

Sobre o autor

Izzombie

Sou um cara chato que não consegue ver um filme sossegado sem querer interpretar tudo e ficar encontrando simbolismos e mensagens. Gosto de questionar a suposta linha que separa arte de filmes comerciais, e no meu tempo livre pesquiso sobre a história da animação.

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Sou um cara chato que não consegue ver um filme sossegado sem querer interpretar tudo e ficar encontrando simbolismos e mensagens. Gosto de questionar a suposta linha que separa arte de filmes comerciais, e no meu tempo livre pesquiso sobre a história da animação.

Alertas

  • – Todos os posts desse blog contém SPOILERS de seus respectivos assuntos, sem exceção. Leia com medo de perder toda a experiência.
  • – Todos os textos desse blog contém palavras de baixo calão, independente da obra analisada ser ou não ao público infantil. Mesmo ao analisar uma obra pra crianças a analise ainda é destinada para adultos e pode tocar e temas como sexo e violência.

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