Como feminilidade e masculinidade são retratadas em Jurassic Park.

C

Ah, enfim dedicando um texto a Jurassic Park, que é atualmente o detentor do honroso título de “meu filme favorito de todos os tempos”. Eu devo ter assistido mais de cem vezes ao longo da minha vida e me imagino vendo de novo no futuro. Eu acho esse filme perfeito, e não vou mentir, penso que ele eleva bastante a nota de corte do quão bom um blockbuster pipoca feito pra se divertir descontraidamente precisa ser pra ser considerado uma obra-prima. Pois Jurassic Park é seu típico filme pra ver na televisão e curtir, que não te obriga de verdade a refletir em nada e é uma obra-prima. Então eu confesso que, quando alguém fala que um filme é “bom pra um filme de sessão da tarde”, eu entendo, mas, ao mesmo tempo penso: “mas tem tanta obra assim que é simplesmente uma obra-prima”.

Dito isso, esse blog é sobre reflexão, e vamos lá, não é porque o filme não te obriga a refletir em nada, que ele não te dá as armas pra fazer a reflexão. Assim como vários outros blockbusters como Jaws, King Kong ou Mad Max: Fury Road permitem. E obviamente eu estou trazendo Jurassic Park à tona pra refletir a respeito.

Mas antes eu quero falar sobre um fenômeno que é justamente sobre esse aspecto dos blockbusters. Um fenômeno sem nome, uma palavra que falhamos em criar pra descrever um hábito que a indústria do entretenimento não abandonou. Ele não tem um nome, acho, e eu não sou bom o bastante com neologismos pra vir aqui cunhar um.

Mas é essencialmente: um filme faz um enorme sucesso, e, como todo enorme sucesso, imediatamente decidem que ele precisa ser uma franquia e virar 500 sequências. E ok, aí eles fazem a sequência, e vamos pegar os casos que, de fato, fizeram o bagulho direitinho. Chamaram os mesmos atores, fizeram a história focar nos elementos do original que ficaram em aberto, e colocaram no filme tudo o que os fãs gostaram no original…

e o resultado é uma porcaria.

Embora sempre tenha quem curta.

E aí vem a pergunta: “O que aconteceu?” e nós tendemos a pensar que a resposta é um enorme “só queriam dinheiro”, mas assim, eles também queriam dinheiro quando fizeram o primeiro filme. Então nós argumentamos que: “trocaram o diretor/roteirista”, o que é de fato o que aconteceu, mas não é a origem do problema. Não é como se não existissem outros diretores/roteiristas capazes de continuar aquela história. Mas é que ninguém procurou por um que a tenha realmente entendido.

Porque quem encomenda essas sequências é um bando de engravatados que só sabem ler número e não têm uma real opinião sobre se um filme é bom ou ruim. Eles olham só a quantidade de bilheteria. Então, na hora de mandar fazer outro, eles não sabem dizer quais são os aspectos que tornam o filme bom, e apostam na sua maquiagem.

Maquiagem” aqui é um termo que eu uso para falar dos elementos estéticos do filme, que em um filme de ação/aventura costumam ser sim um dos fatores que mais chamam pessoas para a sessão e que causam o fator diversão. Mas a maquiagem existe em conjunto com outro fator, a “alma” do filme.

Então, quando você pega a maquiagem que é um moleque descolado andando de skate, um carro que viaja no tempo e deixa rastro de fogo, e um cientista louco tentando pegar a energia diretamente de um raio, e mistura com a alma que é a história de um rapaz entendendo como a adolescência de seus pais impacta nos adultos que eles se tornaram, e quais são os problemas que eles precisam resolver enquanto jovens para serem adultos funcionais, aí você tem a maravilha que é Back to the Future. E sabe o que é louco? Que se você vai e assiste Back to the Future II, ainda é maquiado com um moleque descolado, um cientista louco, e agora o carro e o skate voam. E ainda fala desse jovem entendendo o efeito de pequenos desvios na adolescência dos pais na disfuncionalidade deles adultos, mas agora estendendo pra si, pois ele pode ver quais os problemas que, se ele não corrigir, o tornarão um adulto disfuncional.

Back to the Future manteve sua alma tanto quanto sua maquiagem na sequência; por isso essa sequência é tão amada. E o mesmo pode ser dito de Scream 2 ou Godfather 2: eles mantêm a alma de seus filmes.

Existem alguns filmes que substituem a alma de seus filmes por outra alma. Ou seja, mantendo a mesma maquiagem, levam os filmes para outro caminho trazendo novos temas, debates e filosofias que impressionam o público às vezes mais do que a alma original. Como os famosos casos de Terminator 2, em que a humanização do T-800 foi mais emocionante e comovente do que o fato de ele ser incapaz de qualquer humanidade havia sido assustador no primeiro filme. Ou Aliens, em que explorar o lado maternal de Ripley formando uma família com os sobreviventes agradou bastante, mesmo sendo um lado dela ausente do primeiro filme.

Mas aí temos aqueles casos, em que a sequência vem, e ela pode estar em qualquer lugar entre o “isso é intragável” e o “ok, não foi tão ruim assim”, mas ela nunca é realmente parte do debate, pois ela simplesmente não tem alma. Essas sequências são uma reprodução da maquiagem do filme original, tentando manter o público readmirando a estética de que ele tanto gosta até ficar distraído o suficiente, e amarrando isso com o roteiro mais genérico que eles conseguirem pensar.

Isso está mais popular do que nunca, afinal estamos na Era do Reboot, onde quase toda estreia relevante tem que regurgitar algo que veio anteriormente.

Mas também é algo que existe faz tempo, como, por exemplo, em The Lost World: Jurassic Park.

Jurassic Park é uma franquia de cinco filmes, que até hoje, mesmo se mantendo de pé, e tendo um sexto filme anunciado, parece retirar todo o seu carisma do primeiro filme. Eles tentaram renomear a franquia pra Jurassic World, e fazer um novo grupo de personagens recorrentes carregarem a franquia, mas isso deu tão errado que pra Jurassic World 3 ser viável eles vão precisar do elenco original nele, ou não tem como. Pois o elenco novo não sustenta uma franquia.

O primeiro até hoje é elogiado pelos seus efeitos práticos fenomenais, e pelo impacto de suas cenas, e se você for ver amanhã uma série de comédia seja animada ou live-action fazer uma paródia/homenagem a Jurassic Park, tenha certeza de que será uma homenagem ao primeiro filme. Diferente de uma franquia como Pirates of the Caribbean, em que os elementos das sequências como Davy Jones ou o Jack fugindo dos nativos são parte do imaginário da franquia, em Jurassic Park, ninguém realmente fala do menino-mogli do terceiro filme ou do T-Rex em Nova York.

Mas até o Reboot quer falar do primeiro filme.

E é fácil dizer que isso é porque o Steven Spielberg é simplesmente brilhante, mas assim, o The Lost World é dele também, e é uma merda. E outros diretores de outras bombas da franquia fizeram seu filme bom aqui e ali. Não é questão de ter talento.

Mais do que ter algo que ele queria nos mostrar, ele tinha algo que ele queria nos dizer também. E ele fez as duas coisas. Fez um grande espetáculo de dinossauros voltando à vida, e também fez um filme sobre gênero. E não dá para trazer o primeiro de volta ignorando o segundo e achar que você reproduz a vibe dos filmes.

E mais do que ter um subplot falando sobre a relação entre homens e mulheres, ou uma personagem representando o tema do feminismo, ou uma metáfora elaborada, o filme foca nesse ponto em diversas fontes, nunca deixando esse assunto ser a coisa que mais chama a atenção no filme, mas nunca deixando ele de fora.

A começar pelos seus protagonistas:

Dr Alan Grant e Dra. Ellie Sattler:

 

Uma coisa que sempre me chamou a atenção em Jurassic Park, é que o filme é protagonizado por um casal. Na maioria dos filmes de aventura, os heróis são homens solteiros que se envolvem com a heroína por conta da aventura e eles se pegam ao longo dela, geralmente deixando claro que o nosso herói, além de altamente qualificado para lidar com o perigo, é também um sedutor.

Mas não Alan Grant, que é um homem casado. Ele trabalha com sua esposa, ele visitou o parque com sua esposa, ele saiu do parque com sua esposa. Ele não precisa conquistar ninguém no filme, nem mesmo ela, pois embora o arco de personagem dele tenha surgido de uma discordância que Alan e Ellie tiveram no começo do filme, eles não estavam brigando ao longo do filme, não estavam tendo uma DR, ou uma crise no casamento. O casamento de Alan não era algo que ele precisava consertar. E a esposa dele não era alguém que ele precisava seduzir.

Inclusive, eles sequer se beijam no filme, e não que eu aprove pessoas que param de beijar a esposa depois do casamento, não, casamento tem que ser amoroso, é o que Gomez Addams me ensinou. Mas é um pouco porque cenas de beijo costumam ser picos emocionais, e a relação do casal em nenhum momento cobrou esse pico: eles estavam em paz um com o outro ao longo do filme inteiro.

Um protagonista casado cuja esposa não é um troféu, nem alguém pra quem ele tem que provar que é homem, nem alguém que o serve, mas uma parceira, alguém que está ao lado dele nas aventuras, e é importante ressaltar isso: uma igual.

É Dr. Alan Grant e Dra. Ellie Sattler, os dois são doutores, com seus doutorados feitos no mesmo campo, e os dois foram convidados pro parque porque os dois são autoridades em paleontologia. A Ellie não foi pro parque ser sidekick do marido, ela foi por ser uma cientista qualificada pra estar lá e dar seu parecer sobre o parque. Ela não era uma acompanhante, era uma cientista.

Inclusive, na hora dos cientistas darem o parecer sobre o parque, ela fala antes dele. A voz dela existe independentemente da do marido, ela não está ali pra fazer coro a ele.

Que conste, quem aceitou a oferta de Hammond foi ela, em nome dos dois. Ela tinha tanta agência na dupla quanto ele.

Mas o importante é que apesar de eles não terem nenhuma cena romântica, eles eram um casal, então vamos pensar um pouco na dinâmica do casal.

Jurassic Park é a história de um homem cuja parceira queria ter filhos, mas ele não gostava de crianças. Mas que, ao longo de uma aventura de vida-ou-morte, se conecta com duas crianças de uma maneira que ele não achou que podia. O filme termina com Lex e Tim dormindo nos braços de Alan no helicóptero de volta pra casa, acolhidos nos braços dele com aquele sentimento de que o pior passou e eles estão seguros agora. Eles podiam dormir abraçados no próprio avô, mas não, eles estavam apegados a Alan. E isso é importante, o filme não terminou com Alan virando pra Ellie e falando que ele quer ter filhos e que ele mudou de ideia. Não é sobre se eles vão ou não vão fazer um bebê, pois é maior que isso. Os filhos de Alan são irrelevantes.

Alan não conseguia ser acolhedor com crianças, mas, ao ter que sobreviver com Lex e Tim, ele se mostrou acolhedor com elas. Ele mostrou um lado maternal para com elas, pois embora todos saibamos que homens podem amar os filhos tanto quanto mulheres, é associado (e designado) às mães o papel de criar um laço emocional com os filhos, e é esperado de mulheres que amem crianças num geral, como se fosse algo da natureza feminina. Uma responsabilidade que a sociedade raramente trata como se fosse uma necessidade masculina. E uma característica que a esposa de Alan gostaria que ele tivesse. Ele não precisava salvar casamento nenhum, mas ele marcou uns pontos com ela. Ou seja, ele não se tornou menos masculino ou menos atraente aos seus olhos.

Um debate que tínhamos menos do que era preciso trinta anos atrás, e honestamente? Às vezes a gente fala como se fosse assunto superado, mas acho que podíamos falar mais disso até hoje, pois não foi completamente desconstruída e superada a dicotomia do Pai Distante que Ensina Valores com a Mãe Amorosa Naturalmente Boa com Crianças. E o Tough Love como marca de como homens demonstram laços com seus filhos ainda é uma marca de heróis de filmes de aventura do presente.

E esse arco de Alan Grant abraçar um traço de personalidade que poderia ser lido como feminino tanto na época como hoje (embora não devesse), é marcado pelas roupas dos personagens. Quando Alan e Ellie chegaram no parque pela primeira vez, eles estavam vestidos nos padrões da Damares: Alan usava azul e Ellie usava rosa, as cores estereotipicamente associadas a cada um dos gêneros. Porém, no meio do filme eles se separam, durante o ataque da T-Rex, e eles passam boa parte do filme separados, com Ellie junto de Hammond, dentro da segurança do parque, e Alan com Tim e Lex no meio do mato. Quando eles se reencontraram, pro encontro final com as Raptoras, Ellie havia abandonado sua camiseta rosa e estava usando a regata azul que ela usava por baixo, e a camiseta azul de Alan estava tão manchada por terra e sangue que era um azul desbotadíssimo com uma coloração rosada por cima. Eles inverteram as cores ao longo do filme, pois eles não estavam lá pra reforçar o que homens e mulheres fazem.

Inclusive, quero reforçar aqui que outro detalhe bom é que, apesar de serem um casal, ao longo do filme o Dr. Ian Malcolm flerta e paquera a Ellie com força, o que Alan finge que nem vê. Um outro filme faria disso um conflito, e mais que um conflito: uma provação. Alan teria que se provar mais homem do que Ian para não deixar sua mulher ser seduzida pelo Jeff Goldblum. Mas aqui ele só ignora o assunto completamente, sem crise de ciúmes nem crise de masculinidade. Ellie acha graça em Ian e tudo morre nisso, ele eventualmente nota que ela é um casal com Alan e fica na dele. E o mundo foi poupado de um subplot sobre esses dois medindo o tamanho do pau.

 

A não necessidade de Alan de mostrar masculinidade – pelo contrário, a sua necessidade de, na verdade, se conectar com um aspecto lido como feminino – não torna Alan menos apto a um clima de aventura. Alan enfrentou uma T-Rex e uma Raptora, escalou cerca elétrica, posicionou-se no lugar exato pra não ser esmagado por um carro. Ele era um homem de ação. E o filme segue bem o clima de um Indiana Jones da vida. De não passar 15 minutos sem colocar Alan e as crianças numa situação de vida ou morte pra vermos como eles escapam.

Dito isso, a aventura traz à tona o lado sensível de Alan. Ele é durão e firme quando precisa, mas é fascinado pelo que vê. Ele quer ouvir a respiração da triceratops, ele quer dar comida na boca da braquiossaura, ele quer tocar nos animais. Ele é contra o parque, mas ele não nega sua fascinação por aqueles animais e seu desejo de se conectar com a natureza. E amor pelos animais raramente é um elemento bem representado e aceito pelos protagonistas de filmes de aventura, como esse vídeo aqui apontou sobre a recepção de Fantastic Beasts and Where to Find Them.

E, do outro lado, Ellie não se afasta da zona de ação. Enfrentando Raptores também, indo para zona desprotegida pra resgatar os outros. Ela se impõe de maneira assertiva e aceita correr perigo e aguenta a própria barra da aventura, recusando-se a só esperar socorro.

Essa dinâmica dos dois é facilmente contrastada com a dinâmica de Jurassic World, em que temos Owen Grady como o típico herói de ação, interpretado pelo cara-engraçado-recém-descoberto-herói-da-Marvel-e-portanto-galã-gostoso: Chris Pratt. Owen é teimoso, durão, arrogante e forte, e a heroína que dão pra ele é Claire Dearing, uma gerente do parque e típica girlboss. Claire é uma pessoa que fala com muita autoridade, de salto alto e roupa social, contra o jeito desleixado e casual de Owen, mas que, ao ser posta no lugar de ação, percebe o quanto ela precisa de um homem grosso e tosco mas que sabe lidar com coisas com as quais ela, no seu mundinho, não sabe lidar.

Todos conhecemos essa dinâmica. A de uma mulher com poder simbólico que não respeita o homem grosso até ver que quando o perigo estoura ela precisa dele.

Se em Jurassic Park, Ellie enfia as mãos em literal merda de dinossauro porque ela é uma cientista e esse é o trabalho dela, em Jurassic World 2 Fallen Kingdom, Claire se sente enojada com a gosma na pele da T-Rex quando precisa tirar sangue dela. Pois esse não é o trabalho dela. E é engraçado ver damas sendo colocadas em situações em que elas sentem nojo. Se em Jurassic Park a heroína do filme está ali para fazer algo que ela é muito qualificada pra fazer por ser seu trabalho, em Jurassic World a heroína está ali pra ter suas sensibilidades femininas servindo de contraste pra testosterona do herói.

Caracterização é feita por contrastes.

A masculinidade sensível, não-ciumenta e aprendendo a se conectar com crianças de Alan é contrastada no filme pelo flertante Ian Malcom, que paquera Ellie, se veste como um rockstar, comenta como as mulheres da vida dele vêm e vão, e é o nosso personagem favorito, pois o Jeff Goldblum é um homão da porra. Dito isso, na hora da ação, Ian é tirado rapidamente da ação com um autossacrifício que fode a sua perna e passa o resto do filme de cama em posição passiva. O cientista mais gostoso e flertante não era o herói, e sim o mais sensível e discreto.

Enquanto Ian se gaba sobre como pra ele mulheres vem e vão para Alan, um homem em um relacionamento fixo. Ele oferece um frasco de bebida que Alan recusa. Ian é um bom-vivant, que aprecia álcool e mulheres de uma maneira que contrasta como Alan não vive por esses prazeres.

Mas Alan e Ellie não são o único ponto do filme em que vemos homens e mulheres em contraste,. O maior contraste do filme inteiro tem uma faceta masculina e uma feminina, apesar de Ellie e Lex serem as duas únicas mulheres do parque e a feminilidade de Lex nunca ser ponto de sua caracterização. Pois o resto da conversa não está em personagens humanos.

Os dinossauros são fêmeas:

O Jurassic Park é um parque fundado por um homem, com seguranças homens, cientistas homens, e técnicos homens. Juntos esses homens trouxeram à terra uma espécie que não existiu por 65 milhões de anos. E todos os membros dessa espécie são fêmeas.

O Jurassic Park é um parque dividido em duas alas: a equipe do parque e a atração do parque. A equipe é 100% masculina e a atração é 100% feminina, e o problema do parque é que a atração não está sendo controlada o suficiente. O Jurassic Park é um experimento de homens tentando (e falhando em) controlar mulheres.

As dinossauras só tinham duas regras: não sair do seu perímetro e não transar. E elas quebram as duas. Por quê? Bom, literalmente porque a natureza não é binária, os dinossauros tinham a habilidade de mudar o próprio sexo pra fins de reprodução, por conta dos sapos que foram usados para facilitar o trabalho de clonagem, mas a verdade é que isso sequer é um poder dos sapos. Vários animais mudam o próprio sexo, o peixe-palhaço sendo o mais famoso, mas existem casos de galinhas que já fizeram isso, e enguias também, e na real são 450 peixes que podem jogar do outro lado do sistema reprodutivo para que a reprodução seja possível, caso seja necessário.

A ideia de que fazer todas as dinossauras fêmeas não as impediria de cruzar tem um foreshadowing logo no começo do filme, quando Alan ia prender o cinto do helicóptero e viu que seu cinto veio errado. Ele tinha duas partes iguais do cinto, que não podiam se encaixar, pois nenhuma delas era a metade de enfiar. Alan ficou então sem um cinto? Não! Ele juntou as duas e deu um nó, pois o mundo não é interrompido quando as partes não se encaixam.

A vida encontra um caminho, essa é a moral do filme.

E o sexo feminino das dinossauras é colocado em contraste com a masculinidade não só do parque. O filme usa o vício de linguagem de se referir à humanidade como “o homem”, um habito que adquirimos por tempo demais tratando o sexo masculino como o default. Então em momentos do filme as duas espécies são descritas não como “dinossauros e humanos”, mas como “dinossauros e homens” como se as palavras fossem contraste.

Mas o filme usou a palavra homem como sinônimo de humanidade sem nem perceber? Não! Pois o filme chama a atenção pra isso em uma das suas gracinhas icônicas.

Deus cria dinossauro. Deus mata dinossauro. Deus cria homem. Homem mata Deus. Homem cria dinossauro. Dinossauro come homem. Mulher herda a Terra.

Detalhe legal, é que mesmo desfocado, dápra ver que Alan sorri com a conclusão que Ellie chegou. E que Ian não sorri.

O filme estava ciente de que falar “dinossauros e homens” passa a impressão de que não estamos falando das mulheres, e passa a impressão de que o oposto de homem é dinossauro.

Além, é claro, de os personagens nunca nos deixarem esquecer do gênero delas, como Muldoon chamando a raptor que o matou de “garota”.

Nedry se refere aos dinossauros no masculino, e isso é um claro sinal de sua ignorância, e da falta de atenção e interesse que ele tinha no parque onde fingiu trabalhar.

Como as feras selvagens que são, as dinossauras do filme são retratadas como predadoras perigosas, mas também mais capazes do que damos créditos. As raptoras são notáveis por sua inteligência acima da média, capacidade de se agrupar, abrir portas, e resolver problemas.

E seu estilo de caça tático supera o do caçador com uma arma grandona. Que sempre se sentiu intimidado por elas. Aliás, o filme apesar de ser sobre o quão acuados os humanos estão perante os gigantes pré-históricos, não é uma carta de amor à força bruta. As raptoras são constantemente lembradas como as mais perigosas predadoras do parque não por serem fortes, mas por serem inteligentes e, mais que isso, por serem sociais, trabalharem em equipe, se comunicarem. E isso é mais valorizado no filme do que a força bruta.

Não tinha como vencer as dinossauras sendo durão, duro na queda ou usando um rifle. Você precisava ou enganar elas, sendo mais esperto, ou contê-las, com travas e cercas elétricas. Lex, a neta de John Hammond, faz os dois. Ela não vive no mundo da força bruta, ela é uma hacker que reinicia o sistema do parque pra trancar a raptor na cozinha quando eles mais precisam. E que nocauteia um raptor usando seu reflexo para fazer ele dar de cara na parede.

Não é masculinidade que derrota elas.

Jurassic World parece querer revisitar o assunto, de leve. Apesar de o novo parque ter dinossauros machos e fêmeas como atrações, além de funcionários homens e mulheres, quebrando o contraste entre equipe masculina cuidando de dinossauras mulheres, ainda é notável que os dinossauros que importam são fêmeas, como a Blue e o Indominus Rex. Só que mais notável ainda é Fallen Kingdom ter apresentado Maisie Lockwood, uma menina humana que adora dinossauros e gosta de imitá-los. Depois descobrimos que ela é uma clone, um produto de laboratório que nem os dinossauros, e por isso ela se vê como uma igual a eles, e decide soltá-los no mundo para reinar sob a Terra. Mostrando que uma menina humana, vivendo presa em isolamento porque seu avô mandou, se vê como parte do time dos dinossauros e não do time dos “homens”.

Essa personagem foi subaproveitada em um filme bosta.

Então parece que Jurassic World não esqueceu completamente da correlação entre dinossauros e mulheres. Mas aí vemos que essa nova etapa da franquia apresentou o encantador de Raptors, em Owen Dennis, cujo trabalho é controlar as raptoras. Claro que por ele ser um herói, ele faz esse controle criando laços reais de afetos com as raptoras. Mas mesmo assim, se no filme original elas não estavam sob o controle do parque, aqui colocaram um herói muito macho que restaura esse controle e essa hierarquia. A Blue nunca vai se voltar contra o Owen, e, por extensão nem contra os homens (humanos). Exceto aqueles que Owen despreza.

Além, é claro, do Indoraptor ser o único macho da franquia e descrito como o melhor no combate e em ser uma força de destruição, mesmo que as fêmeas dos filmes anteriores nunca tenham precisado ser desse lado do espectro pra serem caçadoras eficientes e letais.

Então Jurassic World lembrou que a simbologia existia, mas não parecia ter interesse em debater papéis de gênero, mais do que reforçá-los.

Mas existe ainda um terceiro aspecto em que masculino e feminino se encontram, um aspecto ainda mais macro.

A natureza é feminina?

Em um campo mais simbólico, a natureza é um conceito constantemente associado a um conceito feminino. Não só em muitas mitologias ao longo do globo que atribuíam a Deusa da Natureza à Deusa da Fertilidade, como principalmente às religiões greco-romanas que tiveram um impacto tão grande no ocidente, onde Gaia, que representava a Terra, era uma mulher, tal como Artemis e as Ninfas. E acima disso tudo, a imagem tão difundida da “Mãe Natureza” à qual somos expostos desde criança. É uma simbologia muito propagada.

Por isso um ato de homens arrogantes contra a natureza poderia ser lido como uma questão de gênero? Só porque os humanos que estão cometendo essa afronta são todos homens? Bom, em qualquer outro filme eu estaria inclinado a dizer “não”, “coincidência”, “nada a ver”, pois o filme não disse nada. Mas aqui o filme deixa claro que eles acreditam que sim no instante em que Ian deliberadamente chama o Jurassic Park de um estupro contra a natureza. O que eu não creio que tenha sido uma palavra empregada acidentalmente. Uma palavra pesada que associa o desrespeito que esse parque comete a um hediondo, cruel e famoso tipo de violência tradicionalmente associado a um homem atacando uma mulher.

O que levantaria a pergunta: se a natureza é feminina, qual é o contraste masculino que o filme oferece? Qual é a força masculina estuprando a mãe natureza? Porque não pode ser a ciência, visto que os humanos que eram contra o parque eram todos cientistas, referidos como tal em pontos-chave. E John Hammond não era um cientista, era só um bilionário.

Poderíamos fazer uma separação entre ciência e tecnologia. Afinal a tecnologia de ponta do parque era usada como medida de segurança contra os dinossauros, mas se provou pouco confiável, tendo em vista o quão frágil o sistema do parque era. Os especialistas em tecnologia do parque não eram cientistas, eram programadores eficientes. E o próprio Alan, um cientista tem uma relação negativa com tecnologia.

Na sua primeira aparição se estabelece que Alan não se dava bem com duas coisas: Máquinas e crianças. Ao longo do filme ele faz as pazes com crianças, mas não com máquinas. Por quê? Porque não é pra ele fazer as pazes com máquinas. Essa aversão não é um problema dado que elas atrapalharam mais do que ajudaram.

A tecnologia no filme é o símbolo máximo da ilusão do controle. O que está automatizado está no controle, mas a mãe natureza é incapaz de ser controlada, pois a vida quer viver. E isso é representado pela arrogância do geneticista Dr. Wu que questiona o discurso de Ian de que eles não iam conseguir proibir a reprodução das dinossauras.

Então seria a tecnologia quem estuprou a mãe natureza? Seria o Dr. Wu que literalmente fez um bebê de tecnologia e obrigou aquele ecossistema a parí-lo? Talvez… eu não tenho exatamente a resposta para essa questão. Mas é uma posição que o filme meio que marca. Porém existe outra opção.

Olha, vocês leem o blog, sabem quem eu sou (espero) e sabem que eu sou anticapitalista. Mas mesmo assim eu acho um pouco preguiçoso pegar um filme e falar “ele é uma grande crítica ao capitalismo”, porque muitos vão ser. Pois muitos vilões serão eventualmente marcados por ganância, exploração humana, aumento de desigualdade, desprezo às pessoas das classes baixas, e mais um número enorme de defeitos reais que nós podemos ver no mundo e que são características muito identificáveis do mundo capitalista. Então quando eu vejo um filme eu evito já chegar e querer parar a interpretação no “É tudo culpa do capitalismo.”, sem ir além disso.

Dito isso, em Jurassic Park é tudo culpa do capitalismo, e é uma grande crítica ao capitalismo. E isso é claro como água. Mas o que eu acho interessante nisso? É que o personagem do John Hammond não personifica os traços mais comuns de personagens feitos pra criticar o capitalismo como eu mencionei acima.

Hammond não é ganancioso. A catchphrase dele é “não poupei despesas”, ele em nenhum momento tentou minimizar os gastos do parque para aumentar os lucros. Ele injeta dinheiro em tudo um pouco indiferente à quantidade de retorno financeiro que isso vai gerar. Quando Donald, o advogado asqueroso, comenta que o parque poderia custar valores exorbitantes pois as pessoas pagariam, Hammond é contra, ele quer que o parque seja acessível, pois quer que pessoas com pouco dinheiro possam visitá-los. Ou seja, Hammond estava no negócio de gastar dinheiro em um projeto, mas não no negócio de ganhar dinheiro.

Hammond também não passa a impressão de ser um chefe ruim, como se espera de personagens construídos para serem críticas capitalistas. Ele escuta seus funcionários, é pouco autoritário, e parece ter uma boa relação com todo mundo ali, sem a percepção de um chefe abusivo.

Hammond é um sonhador, e ele acredita que a incalculável e exorbitante fortuna dele pode ser usada pra investir nos cientistas certos e realizar sonhos, tornar o impossível possível. Em um estilo de capitalismo que tanto parece com a imagem que o merda do Elon Musk vende hoje em dia que um associado dele declarou faz não muito tempo que o Elon Musk poderia fazer um Jurassic Park.

Mas ser um sonhador, querendo trazer alegria e magia ao seu povo inocenta o Hammond? Não! De absolutamente nada! Porque os desejos dele foram um atentado contra a mãe natureza com custo em vidas humanas. E isso é importante de ser dito: O Hammond mexeu com uma ciência que ele não devia ter mexido e brincou de Deus. Mas ele fez isso na roupagem mais capitalista possível e isso foi parte do problema.

Ele não descobriu o segredo pra reviver os dinossauros e foi colaborar instantaneamente com ambientalistas ou com autoridades buscando um uso benéfico desse segredo pra sociedade. Ele transformou em um parque temático e se comparou com o Walt Disney duas vezes. E a ciência ter sido usada pra fazer uma nova Disney World é parte do que deu errado. O Jurassic Park não era uma reserva de estudo de um ecossistema extinto pra fins de estudo. Era um parque pra realizar o sonho das crianças como um grande produto.

E antes de ser um Walt Disney de araque, o Hammond era um P. T. Barnum de araque. Então ele sempre se aproximou e se comparou aos ícones do capitalismo. Mas se assemelhando de seu lado mais inocente, sonhador, que acredita que o capitalismo incentiva a inovação e realiza sonhos…

Não é a ganância humana, é a tentativa de transformar cada descoberta em um produto e de comercializar a ciência como uma forma de torná-la mágica. Isso é parte dos problemas do capitalismo. E isso se aplica a mais bilionários de hoje do que se aplicava a bilionários de 1993. Pois tem cuzão tentando vender essa ideia hoje e tem criança caindo na ladainha… tem adulto também.

Seria essa a faceta do capitalismo que estuprou a natureza? O filme retrata a lógica capitalista como a antítese da mãe natureza? Olha… Eu diria que sim, pois no final, os humanos fugiram e a ilha ficou pras dinossauras. Em uma ilha sem homens. E elas não realmente removem a tecnologia da ilha, destruíram uma cerca elétrica aqui e ali, mas elas mais driblam essas tecnologias, dando a volta em portas elétricas, ou desistindo de correr atrás de carros. Mas na cena final, a T-Rex destrói o hall central do parque e sua área mais turística. Ela arrebenta o prédio, destrói os esqueletos e o banner do saguão cai no chão.

No final a ilha ainda tem máquinas, tecnologia e frutos da ciência (seus próprios habitantes se pararmos pra pensar). Mas a Ilha Nubar não possui homens, e não possui o capitalismo que ela foi planejada pra ter. Ela deixou de ser um parque temático e se tornou uma reserva natural. Onde suas habitantes vão poder circular o quanto quiserem, não vão ser expostas ao público, não vão ser comercializadas, não vão ser exploradas e vão poder se reproduzir. Mas nenhum homem vai controlá-las. Nem as dinossauras nem nada que existe na ilha.

Conclusão:

Jurassic Park apesar de só possuir duas personagens femininas e de passar no teste de bechdel tão apertado que é quase como se não passasse, é um filme que em nenhum momento se esquece das relações entre homens e mulheres. E eu sou contra quem fala que as dinossauras serem fêmeas não permite que falemos que Ellie e Lex são as únicas mulheres do filme, porque são sim. É um filme com quase nada de mulher no elenco e a T-Rex não conta.

Apesar da maneira como o filme aborda a Ellie ser bem mais progressista e respeitosa  que a maneira que você via em filmes de aventura de 1993 (e às vezes também vê em 2021), o filme não é sobre Ellie e sobre como ela é uma cientista durona que enfrentou uma raptor, não teve medo de cavar na bosta, estava altamente qualificada pro trabalho dela, jogou na cara de Hammond o quanto o parque dele era uma merda e ajudou a salvar a vida dos seus entes queridos. Tudo isso sem nunca ter a câmera exaltando seu corpo e suas curvas ou a tratando como um colírio para o espectador.

O filme também usa subtexto e simbologia que nos permitem associar os crimes e violações que os homens do parque cometem contra a natureza e contra as dinossauras a crimes contra o feminino, contra características lidas como femininas e contra a feminilidade, o que ressalta o fato de que esses personagens são todos homens e são identificados como “homens” mais do que como “humanos”, pois eles não são conectados só por serem homo sapiens, eles se conectam por não serem mulheres. Mas o filme não deve apesar disso ser entendido como uma metáfora em que a natureza e os dinossauros representam as mulheres: eles representam a feminilidade. Qual a diferença? A diferença é que isso ocorre num campo simbólico que, por contraste, ressalta a masculinidade dos literais homens, pois a masculinidade não está em um simbolismo, está nos literais homens.

O que me traz ao ponto: o filme é sobre o Dr. Alan Grant, pois ele é o protagonista e é ele quem tem um arco de personagem. E a Dra. Ellie Sattler era diferente das heroínas de seu tempo, mas o Dr. Alan Grant também era diferente dos heróis de seu tempo, e essa diferença de seu protagonista me soa como o ponto do filme.

Alan Grant é um geocientista com um doutorado, nervos de aço, e um senso forte de improvisação e coragem que permitem que ele sobreviva a situações às quais achamos ser impossível de sobreviver. Ele usa um chapéu como uma parte icônica do seu figurino, e protagoniza um filme de aventura do mesmo diretor da franquia Indiana Jones. Ele foi milimetricamente concebido para ser comparado com o Indiana Jones, tanto que Harrison Ford quase pegou esse papel.

E isso é porque Indiana Jones representava um certo aspecto de masculinidade, que esse filme queria desconstruir. Indiana Jones, assim como Han Solo, em um filme com o mesmo ator, do mesmo estúdio e escrito pelo mesmo roteirista, é um cara arrogante e durão. Indiana Jones não gosta de regras e de ser dito o que é que ele deve fazer. Apesar de ser um arqueólogo, ele passa uma impressão falha do próprio trabalho de que na arqueologia você explode as coisas, e faz muita bagunça, em vez de ficar um ano passando um pincel pra tirar areia de um prato, e depois outro ano em uma biblioteca lendo.

Indiana Jones conseguia o que ele queria falando mais grosso, usando o revólver quando estava em uma luta de espadas. E isso se aplica a como ele trata mulheres. Ele as trata de maneira péssima, como se estivessem em seu caminho, até o momento em que ele as toma pra si, e os filmes geralmente mostram um momento em que ele força um beijo como um momento em que ele seduz elas e ganha sua lealdade. Pois sua teimosia, arrogância, força e capacidade de tomar o que ele quer tornam ele um homem. E sua mente aberta, respeito aos artefatos que busca, e sabedoria quanto a seus poderes divinos tornam ele a pessoa correta para usar essa masculinidade para obtê-los e colocá-los em um museu.

Alan Grant não tem nenhuma dessas características. Ele é incrivelmente paciente e respeitoso com o trabalho de paleontologia em seus aspectos não carismáticos. Quando Hammond surge na vida de Alan, seu helicóptero joga areia em um esqueleto que ele ficou meses escavando nos lembrando que o trabalho de Grant não é explodir coisas nem fazer nada do jeito rápido, mas sim, ficar ajoelhado com um pincel vendo o esqueleto surgir aos poucos. E ele era contra a ideia de que esse aspecto manual e chato de seu trabalho poderia ser substituído por uma máquina.

Alan não tinha o sentimento rebelde de fazer as coisas do próprio jeito, não se mete em rivalidades por ego, e na verdade não entra em conflito direto com ninguém na ilha. Não é grosso com nenhum personagem, não puxa ninguém pelo colarinho e não ameaça ninguém… exceto o moleque que zoou o raptor na escavação, já volto pra ele, o texto tá no fim. E ele é uma pessoa flexível e humilde quanto a forças maiores que ele. Quando Tim pergunta o que ele vai fazer agora que não precisa mais cavar ossos, ele só responde: “acho que vou evoluir.”, a perspectiva de perder a carreira dele não o intimidou, pois ele é adaptável a novas situações.

Alan não é possessivo em sua relação com Ellie e em nenhum momento banca o super-protetor, tenta retirá-la da ação, ou mesmo tenta interromper Ian Malcom claramente flertando com sua mulher. Ele revira os olhos, pois ele não gosta disso, mas ele também ignora, sem transformar Ian em um rival, ou transformar a situação em uma competição de testosterona. E a situação se desarma sozinha naturalmente. O casamento de Alan nunca esteve em risco.

Alan não reproduz a arrogância, teimosia, inflexibilidade, possessividade e rebeldia que marcavam um herói de ação naquela época. E isso vale pro Indiana Jones que é o mais comparável, mas também para o Han Solo, o Rocky Balboa, o Marty McFly, e vários heróis icônicos do cinema que vieram antes.

E para mostrar essa maneira diferente de expressar masculinidade enquanto segue sendo um personagem forte, capaz de sobreviver e proteger os outros de perigo atrás de perigo usando coragem e improvisação, o filme o coloca em contato com todas essas simbologias de feminilidade. Sua conexão com a natureza, seu fascínio e felicidade ao ouvir a respiração de uma triceratops ou dar comida para uma braquiossaura. Seu fascínio ao ver os ovos chocados, provando que a vida se encontrou. Alan não tentou controlar a natureza, ele foi amistoso com ela e se maravilhava pela sua liberdade. E isso salvou sua vida.

O que impede a raptora de matar Alan é a T-Rex que a atacou. Foi um ato de predação entre dois animais livres que deu a Alan a brecha pra sair da ilha. A natureza interagindo livremente consigo mesma criou esse espaço pra Alan fugir. O problema se resolveu sozinho.

Enfim, a única coisa que Alan realmente precisava era desenvolver um lado maternal e acolhedor com crianças.

Eu mencionei que o único personagem com quem Alan é grosso e cuzão foi o moleque que ele assustou. Que ele puxou a garra fossilizada de raptor que ele tinha guardada e usou ela pra pôr medo no moleque e intimidá-lo.

Pois bem, era isso que ele tinha que parar de ser, era isso que ele precisava perder. Essa primeira cena em qualquer outro filme estabeleceria o herói como cool, ou foda para a gente sentir que gosta desse herói. Mas aqui, marca na verdade qual é o defeito do herói, o que ele precisa deixar de ser.

E por isso que, quando uma criança com medo de ir dormir pergunta se ele ia ficar acordado a noite inteira pra protegê-la e ele responde que sim, logo em seguida ele joga a garra de raptor fora. Ele não precisa mais dela, ele despertou o lado que ele precisava despertar.

E o filme é sobre isso.

E eu honestamente acho sintomático que a primeira tentativa de continuação do filme tenha descartado o personagem completamente, para dar o protagonismo pro mais cool e flertante Dr. Ian Malcom, em uma história em que a esposa dele é simplesmente burra demais para entender que os dinossauros são perigosos e coloca a filha deles em perigo. E aí ele tem que enfrentar dinossauros para resgatar as mulheres de sua vida dos males de sua impulsividade e falta de noção.

É como eu disse. Não adianta nada você trazer de volta os dinossauros, as ilhas isoladas, e o senso de perigo de um velociraptor ou de um t-rex, se você não parar cinco minutos para entender a alma do filme.

Sobre o autor

Izzombie

Sou um cara chato que não consegue ver um filme sossegado sem querer interpretar tudo e ficar encontrando simbolismos e mensagens. Gosto de questionar a suposta linha que separa arte de filmes comerciais, e no meu tempo livre pesquiso sobre a história da animação.

Sobre o autor

Izzombie

Sou um cara chato que não consegue ver um filme sossegado sem querer interpretar tudo e ficar encontrando simbolismos e mensagens. Gosto de questionar a suposta linha que separa arte de filmes comerciais, e no meu tempo livre pesquiso sobre a história da animação.

Alertas

  • – Todos os posts desse blog contém SPOILERS de seus respectivos assuntos, sem exceção. Leia com medo de perder toda a experiência.
  • – Todos os textos desse blog contém palavras de baixo calão, independente da obra analisada ser ou não ao público infantil. Mesmo ao analisar uma obra pra crianças a analise ainda é destinada para adultos e pode tocar e temas como sexo e violência.

Artigos recentes

Categorias

Parceiros

Blog Mil

Paideia Pop

Gizcast

Arquivo