12 Angry Men é um dos meus filmes favoritos de todos os tempos. E é um grande clássico atemporal. O filme, sobre um grupo de jurados decidindo a culpa ou a inocência de um jovem de 18 anos acusado de matar seu pai. Em que um único jurado consegue ao longo de uma hora e meia de conversa e persuasão convencer os outros onze a mudarem seu voto de culpado pra inocente, um por um.
Nesse filme os jurados não tem nome. Os jurados Nº8 e Nº9 se apresentam por nome na última cena, mas eu não vou chamá-los assim, são os Nº8 e Nº9, e isso é importante, pois eles de fato são estranhos entre si até o fim. 12 pessoas que nunca se viram antes, nem se verão depois que naquele período de tempo vão tomar juntos essa grande decisão juntos.
E apesar de não terem nomes, eles têm muita personalidade, alguns chamam mais a atenção que outros, mas os doze mostram muito de si, de suas convicções, de quem eles são na vida cotidiana e quais suas personalidades. Todos os personagens são memoráveis em algum nível e todos são os favoritos de alguém.
Isso é, exceto o Nº10, que é marcado pelo seu racismo e incapacidade de dar o benefício da dúvida ao garoto, por conta de sua raça. Ele era um “deles”(e quem são “eles” é deixado intencionalmente ambíguo ao longo do filme), e por isso a pena de morte é o que ele merecia segundo o Nº10, e ninguém do público fica com simpatia nenhuma por ele.
De resto, até os que defenderam o veredito de culpado mais intensamente, Nº3 e Nº4 saem com humanização o suficiente e com a capacidade de simpatizarmos com eles. O Nº4 é um homem de muita lógica que se recusa a usar emoção no seu julgamento e quis se apegar a evidência até o fim indiferente ao elemento humano no caso, e apesar dessa ser uma perspectiva robótica e fria, ela permite que o personagem se destaque positivamente pela sua capacidade de tolerar o debate, não se irritar em ser contrariado, e em momentos chave, os personagens forçam a humanidade do Nº4 a transparecer.
O Nº3 é um personagem tridimensional que está projetando no garoto os sentimentos mal resolvidos dele com o próprio filho e tomando as dores de outro conflito pai e filho, e por mais que ele seja hostil e agressivo ao longo do filme, não terminamos pensando que ele é só uma pessoa asquerosa. Ele é uma pessoa magoada, descontando em quem não tem nada a ver.
Asqueroso é só o nº10.
….e de acordo com muitas pessoas o Nº7, o apático.
Esse texto é sobre o Jurado Nº7. O segundo jurado a receber menos a simpatia do público e frequentemente visto como uma das pessoas de pior caráter ali. O que é uma posição interessante, pois ele não é dos que ficou até o final defendendo o veredito de culpado.
Ainda tem mais 20 minutos de filme e 6 mudanças de voto pra “inocente”(duas delas pelo mesmo jurado), depois que o Nº7 mudou de voto. E a pergunta é: “Por que ele é considerado a segunda pior pessoa naquela sala”. E é uma pergunta com resposta. E a resposta é “Pois ele não se importa de verdade com o veredito e só quer sair cedo de lá, sendo indiferente a responsabilidade que tem pela decisão e ao peso do veredito na vida de um ser humano.”
E é exatamente isso mesmo.
Atitude de bosta.
Mas revendo esse filme frequentemente, eu acho que a gente compra demais a performance do Vendedor de Geleia. E quero analisar se ele de fato se importa tão pouco com o caso quanto ele transpareceu.
Então eu sou Izzombie e sejam bem vindos a essa análise de personagem, dissecando o Jurado Nº7, e buscando entender quem ele é, que tipo de performance ele fez naquele debate, por que ele mudou seu voto, e o mais importante, o quanto ele contribuiu ou não pra maneira como o veredito foi tomado.
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E esse texto é sobre o Jurado Nº7.
Bom pra começar, pelo meu tom eu nem disfarcei, mas deixando explicitamente dito: esse é um texto de defesa do Jurado Nº7. O que não significa que eu vou negar seus defeitos, criticar sua apatia, ou o fato dele ser xenofóbico. Eu acho que ele é uma pessoa ruim, e que o desrespeito dele pela responsabilidade que exerceu é visível. É só que eu não acredito que ele tenha mudado seu voto só por bobeira. Revendo o filme recentemente, eu acredito que ele mudou seu voto pois ele genuinamente achou que o garoto era inocente e foi convencido. E que ele se recusou a elaborar a mudança, por um orgulho estúpido.
Tal como é o ponto do filme, meu interesse é menos se o garoto era uma boa pessoa e negar que ele se envolvesse em briga de faca e roubo de carro, e sim questionar se ele tinha matado o pai. E no caso do Jurado Nº7, eu tenho uma dúvida razoável que ele de fato seja indiferente ao veredito, como muitos interpretam. E acho interessante olhar o filme pela perspectiva dele não ser tão indiferente assim.
É aqui que eu quero chegar, e eu não quero propor que quem não consegue ver isso está analisando o filme errado. Estou brincando com interpretações, pois eu acho que a maneira como ele se porta no filme sugere que o tema do personagem é muito mais relacionado a sua autoimagem e orgulho do que a sua apatia. E eu acho que analisar esse lado dele é mais relevante pro tema geral de gente mudando de ideia. Afinal, só não muda de ideia quem não tem ideia pra mudar. Então qual era a ideia dele e como ele mudou de ideia?
E que eu acho que o que o personagem de fato representa é alguém acostumado a ser o centro das atenções, em um ambiente onde ele não tem muito a acrescentar e ninguém pra impressionar e tendo que lidar com isso.
Uma coisa interessante de vermos no Jurado Nº7 é que ele é o primeiro a ter um diálogo no filme. A primeira coisa que um jurado fala para outro no filme é quando Nº7 oferece chiclete para o Nº8. Nisso o Nº7 é o primeiro que nos chama a atenção.
E como não seria? Ele fala alto, ele tem o chapéu destacando ele dos demais, e ele já logo no começo do filme já fala a sua característica mais marcante, ele é um fã de esportes, que tem tickets pro jogo de baseball do dia e tem pressa em sair rápido dali.
O primeiro personagem que nos gera qualquer impressão é ele. E claro que seria. Ele chama a atenção.
O cara chamando atenção tentando se conectar.
Ao longo do filme descobrimos a profissão de cada um deles por pistas em seus diálogos, e o Nº7 é um vendedor. Ele vende geleias. Faz 27.000 dólares por ano vendendo geleias. O que se calcularmos pela inflação seria 300.000 dólares por ano hoje. Nada mal. Ele descreve o Nº8, o protagonista que muda o voto de todos, como um especialista em soft sell, que tem vocação para vendedor. E ele descreve a si mesmo como o oposto.
Não que ele não tenha vocação para vendedor. Ele tem. Mas ele não é bom em fazer persuasão sutil. Sua tática é outra, ele é amistoso, faz piadas, acha pontos em comum, bebe com os clientes, e consegue a venda. Ele identifica o que a pessoa gosta e cria esse personagem com gostos em comum e identificável, cheio de piadinha que abaixe a guarda dos seus clientes, para a persuasão.
Colocando em termos de The Office pra comparação, ele tem mais em comum com o método de vendas do Michael Scott, enquanto o Nº8 parece mais o Jim. E bem, quem viu The Office viu como o Michael pode ser um ótimo vendedor, mas ele simplesmente pifa quando ele não consegue sociabilizar bem com aqueles ao seu redor. Metade da série é ele pifando por causa disso. Ele tenta usar piadas pra fazer amizades e laços, e quando elas são inapropriadas e desagradáveis, o Michael fica desesperado tentando vender a piada mesmo assim.
E daí vem muito dessa persona que ama esportes. Muita gente no mundo gosta de esportes, e falar um pouco de esportes é um bom jeito de criar uma conexão imediata com um completo estranho. Igualzinho ele… não fez com o Jurado Nº2.
Deu azar nesse. Deu azar no caso inteiro em que ninguém deu uma resposta positiva a sua situação com o baseball.
E a ideia dele é exatamente essa. Ele não consegue se conectar de verdade com a postura de todos ali. Ele tenta fazer as piadinhas dele e no começo do filme elas geram algumas risadinhas. Mas com o passar do filme elas geram menos e menos risadas até ele parar de fazê-las de vez, não tá funcionando.
O Jurado Nº7 não é cativante praqueles onze, ele não tem público naquela sala.
E nós vemos ele tentando. Ele não foi bom nisso, mas a gente pode ver ele pescando risos, de pessoas. Ele tentou moldar os ambientes aos seus termos e falhou e o ambiente fica a cada minuto que passa menos inclusivo a ele. E o jeitão cheio de piada e amistoso dele que começou fazendo os outros rirem, aos poucos se tornou frio, com os outros mandando ele parar com as piadas.
É só ver que sua característica mais lembrada, a mais marcante, a que simboliza todo o personagem, que é o fato de que ele queria ir assistir ao jogo dos Yankees naquela noite, foi mencionado pelo personagem somente uma única vez. E aí todo mundo lembrou disso, pois todas as outras menções foram feitas pelos outros jurados, e parecendo que estavam debochando dele por ligar tanto pro jogo.
Todo mundo lembrou dele, pois ele vendeu bem sua imagem. Mas ninguém ligou pra imagem que ele vendeu.
Mas a persona de vendedor dele não impressionar ninguém naquela sala não significa que não é uma persona. Uma performance dele pra convencer pessoas. Mas justamente, um veredito não é um produto. Pra fazer alguém mudar de ideia e rever um preconceito interno você precisa de muito mais do que piadinha. Você precisa de uma persuasão mais sutil, aquela que o Nº8 é especialista.
Pessoas podem mudar?
O Nº7 afirma pro Nº8 que ele não acredita muito no conceito de mudar de ideia, e diz que ele não mudaria de ideia nem se eles falassem por mil anos. E é por isso que o Nº7 não faz a soft sell, pois ele não acredita no conceito de mudar de ideia.
Esse é o grande ponto do personagem Ele acredita que as pessoas são quem elas são. Que cada pessoa tem um perfil que cabe em uma caixinha e que elas são esse perfil, e que quando a gente sabe quem alguém é, a gente sabe como lidar com ela, pois você não vai mudar ninguém.
Isso pode ser útil pra identificar rapidamente a fraqueza de alguém e vender geleia pra uma pessoa.
Mas isso faz ele acreditar que o debate é inútil, que ninguém mudará de ideia. Ele próprio não achava que podia mudar a perspectiva do Nº8. Ele acreditava que eventualmente O Nº8 desistiria se visse que é a minoria e que a pressão dos pares triunfaria.
O Nº7 deu dois argumentos importantes pelo veredito de culpado. Argumentos em que ele foi o principal defensor e que foram argumentos que precisaram ser respondidos. Um deles é o de que o próprio advogado da criança não acreditava na inocência do cliente. Que ele era tão obviamente culpado, que ninguém fica do lado dele, nem o advogado.
Um argumento indicando a pressão. Por que o Nº8 iria se dar ao trabalho de fazer o trabalho que o advogado não quis fazer? Se nem uma autoridade comprou a briga é porque ela não deve ser comprada. Vá com a maioria. É assim que se vende geleia, mas isso não inspira alguém que luta por um inocente a se intimidar. Se funcionasse o Nº8 teria levantado a mão no começo e não teria filme.
O outro argumento que o Nº7 é o principal defensor é o da ficha criminal do garoto. Existiram outros jurados que deram o argumento racista de que “eles” são mais propensos a violência e ao crime do que os demais. O Nº10 e o Nº4 caíram nesse ponto. Mas o Nº7 foi pessoal, ele lembrou que o garoto tinha histórico criminoso, em especial histórico de briga de faca, sendo faca a arma do crime.
O Nº7 acredita que pessoas não mudam. Se o garoto é violento, bandido e esfaqueador, então era questão de tempo até esfaquear alguém. Mistério resolvido. As pessoas são quem elas são.
A xenofobia dele vai por esse caminho também. Quando ele reclama do imigrante, Nº11, “Eles são todos iguais.”, ou quando ele fala mal de Nº8 ele diz “Samaritanos são todos iguais.”, pessoas não mudam seu perfil na visão dele. Por isso ele acha que pode lê-las, mas ele não pode. Naquele júri ele falhou em ler as pessoas.
Pessoas não mudam. Elas podem falar e falar e falar e ninguém vai mudar de ideia. Quem acredita que o garoto é culpado vai seguir acreditando e quem não vai seguir não acreditando. O debate é perda de tempo, todo mundo ali tem coisa melhor pra fazer e a minoria devia simplesmente ir com a maioria. Esse é o ponto dele ao longo do filme. Esse é o peixe que ele vende.
Mas ele vai mudar de opinião.
Antes dele mudar de opinião, vamos relembrar que ele de fato acreditava que o garoto era culpado.
O Nº7 acredita que o garoto é culpado.
O Nº7 é provavelmente o terceiro mais vocal na hora de listar argumentos de porque o rapaz é culpado. Perdendo somente pra Nº3 e Nº4. E desde o começo. Ele já estava comentando detalhes do caso em conversa antes mesmo dos jurados se reunirem em torno da mesa.
Nossa impressão final é de que ele não se importa de verdade, mas isso não é verdade. Ele demonstrou essa apatia depois de mudar de voto. Mas na hora de votar culpado ele genuinamente tinha uma opinião.
Ele deu detalhes do caso que ninguém mais deu. Ele foi extremamente vocal nos argumentos. Ele falou sobre o caso antes do debate começar. Ele reafirmou a culpa do garoto numa pausa pro banheiro. Ele estava convicto da culpa.
Na perspectiva do Nº7, que acredita que pessoas não mudam, o caso era simples. O moleque era pilantra, era violento, agressivo e estava destinado a um dia matar alguém. Esse dia chegou, não vale a pena lutar pra procurar uma ligeira chance dele ser inocente.
Existia um julgamento em relação ao tipo de garoto que o rapaz era. E diferente do Nº10, não passou por nada explicitamente racista, e pelo tom da fala visivelmente tinha a ver com o histórico do rapaz com a polícia.
E o seu desejo era o de ver o rapaz executado. Ele falava “Esse garoto não tem chances com outro júri, vamos anular o tribunal e mandar ele pros outros 12.”, ele não era indiferente à morte do garoto. Ele queria que o garoto fosse punido, e ele queria muito anular o júri pro segundo júri condenar o garoto.
Mas ele nunca mais defendeu a ideia de anular o júri depois de virar o voto pra inocente. Mesmo continuando com pressa, pois ele segue sabendo, que outro juri vai matar o rapaz, que agora ele acredita ser inocente.
Então porque ele mudou seu voto?
Um homem orgulhoso.
Aí entra em cena o que eu acho que é a cena definitiva que marca o personagem do Nº7. Depois do Nº8 fazer o argumento sobre como a testemunha manca não conseguir correr a tempo na planta do prédio, da maneira como ele descreveu, os jurados Nº2 e Nº6 mudam seus votos, e isso empata a situação. Fica 6 a 6. Logo após isso o Nº7 questiona a posição do Nº2.
Ele acusa o Nº2 de não ter uma base moral. Houve um julgamento em relação a flexibilidade do Nº2. Que tipo de pessoa muda de ideia num assunto assim?
E se o Nº7 julga as pessoas por não ter uma opinião inflexível, significa que ele se considera capaz de ser julgado se sua opinião for flexível.
Tem relação com o que eu disse, ele não acredita em mudanças pessoais. “Você poderia falar 100 anos que eu não mudaria o que eu acho.”, ele fala com tom de orgulho. Ele acha que não voltar atrás é uma marca de orgulho. E certamente não ceder e não voltar atrás é outra coisa que ajuda ele a vender suas geleias. Teimosia.
Mas isso coloca ele em uma posição complicada quando é a hora dele mudar o voto.
O personagem diz que mudou o voto pois se cansou do debate. E a maioria dos personagens acredita, e a maioria dos expectadores acreditam também. Mas eu não acredito. Digo, que ele cansou do debate eu acredito. Ele cansou do debate no primeiro minuto, antes de qualquer um mudar o voto. Mas ele debateu mesmo cansado. Olhou o relógio, e depois argumentou os pontos da promotoria pra culpa do garoto. Mas ele mudou o voto, pois ele foi convencido de que o garoto não era culpado.
Só que agora depois de passar uma hora gritando e gritando que ele não ia mudar de ideia nunca, ele não podia simplesmente admitir que foi convencido, daí veio sua necessidade de performar que ele no fundo não tem opinião nenhuma sobre o debate. Ele está tentando manter a sua fachada.
O motivo pelo qual eu acho que a mudança de voto dele é sincera é simples. Ele mudou de voto logo depois do Jurado Nº5 provar que o assassinato foi feito por uma pessoa que não sabe usar um canivete direito. E o Nº7 foi quem de fato bateu no ponto, que o garoto ser um especialista em canivetes indicava que ele era o assassino. O argumento que era a base do Nº7 foi completamente quebrado, e imediatamente depois disso ele muda o voto.
Quando o Nº11 pressiona ele a se justificar, ele se recusa a justificar nervoso. Mas mesmo assim ele não volta pro veredito culpado. Ele se mantém no argumento inocente, e gaguejando e sem falar sobre só fala “eu realmente acredito que ele seja inocente.”. A maioria dos expectadores lê essa frase como uma mentira, mas eu não vejo assim.
Pois ele ficou de fato intimidado. Ele age como se não liga pra nada. Mas ele claramente ligou pra tomar aquela bronca. Pois ele liga pra sua imagem. E ele não quer soar como um sentimental que ficou com pena do garoto e traiu os princípios que ele apresentou. Ele não soube mudar seu voto, pois ele disse que jamais mudaria.
E aí ele fez essa mudança broxada que só irritou os dois lados.
Mas foi essencial, pois foi essa mudança que desempatou.
E aí vem outra cena que eu acho espetacular e que eu raramente vejo a galera que gosta desse filme comentar que é a cena do Nº1 mudando o voto.
Nº7 e Nº1.
O Nº1 é o personagem mais discreto de todo o filme. Ele não dá um único argumento o filme inteiro por nenhum dos lados. Seu foco como o relator era só em manter tudo organizado, contar os votos, e reforçar quais direitos os personagens tinham, sem expressar sua opinião nunca. Uma pessoa poderia ser perdoada por não ter percebido o quanto o Nº1 demorou pra mudar seu voto. Sendo o nono a mudar o voto.
É pra ser percebido o quanto o Nº1 evita ter que argumentar. Logo de cara, a gente vê que quando o Nº12 propõe que eles um por um deem argumentos de porque o rapaz é culpado, o Nº1 se retira da equação, ele faz eles seguirem ordem numérica justificando, e como relator, designa o Nº2 pra começar.
O Nº1 não expressa a opinião dele sobre o caso em absolutamente nenhum momento. É até curioso que ele esteja sentado na ponta, espelhando perfeitamente a posição do Nº7 na mesa. Um jurado que fala alto, grita e é vocal quanto ao que ele quer, e um que foi discreto quanto ao que ele acha o tempo todo. Eles são extremamente opostos, um jurado que respeita o processo ao extremo querendo que tudo siga em ordem, mas não é parte do debate. E um que constantemente desrespeita o espaço e o processo, mas está constantemente sendo parte do debate.
Esse contraste é interessante, pois o Nº1 é o outro que gosta de esportes naquele tribunal. Ele para e descreve para o Nº7 uma partida de futebol americano da qual ele foi o treinador. Ele é treinador do time de uma escola. Isso não significa nada, é só uma coincidência. Enfim, aonde eu quero chegar? No Nº1 mudando de voto.
Foi assim a sequência de acontecimentos. Primeiro o Nº5 provou, que um jovem com experiência em luta de faca, não esfaquearia uma vítima da maneira proposta no julgamento. Destruindo o argumento do Nº7 de que o réu era experiente com lutas de faca e portanto o obvio perfil do assassino. Logo depois disso, o Nº7 muda de voto. Mas não sem antes fazer seu showzinho de “mas eu não ligo de verdade pro veredito.”
Após o Nº11 ir tirar satisfação com o egoísmo do Nº7, pedem uma nova contagem dos votos e o Nº1 conta. Ele pede que todos levantem as mãos e vai contando em ordem numérica os votos pra “inocente”. É uma boa cena. Ele conta o Nº2, Nº5, Nº6, Nº7, Nº8, Nº9, Nº11, e com grande hesitação o Nº12 levanta as mãos. Formando oito votos. E logo após dizer que foram oito votos, o Nº1 levanta a própria mão, declarando nove votos. Quando ele viu que os votos pra “inocente” eram maioria, o cara que não manifestou uma opinião sequer sobre o caso mudou de voto. Não foi motivado pelo argumento, pois ele poderia contar o próprio voto primeiro. Ele votou inocente ao ver que numa disputa de 8×4 ele era parte do 4.
Um grande contraste com a primeira vez que eles levantaram as mãos. O Nº1 levantou a mão com todo mundo pelo veredito de culpado, e contou o próprio voto primeiro.
E eu acho que foi o Nº7 quem fez isso.
Personagens como o Nº2, Nº5, Nº6, Nº8, Nº9 e Nº11 foram os que tiveram coragem de votar inocente quando ainda eram minoria e tendo que sofrer a pressão da maioria. Eles foram destacados como pessoas que aceitaram se levantar contra a maioria.
Pra um personagem como o Nº2 esse é o arco dele. Um homem tímido, e com dificuldade de se impor, que vai ao longo do tribunal abaixando cada vez menos a cabeça e começando a responder bullys como o Nº3.
Por outro lado personagens como os Nº12 e Nº1, dependem da maioria, eles não tem muita opinião própria e por isso são massa de manobra pra opinião alheia. O Nº12 comenta várias vezes no filme que ele tem real dificuldade de acompanhar todas as evidências e organizar elas de maneira coerente na cabeça. Ele gostou do promotor do julgamento que colocou elas em uma ordem coerente que permitiu a ele entender o caso na perspectiva do promotor. Mas assim que a discussão embananou essa narrativa ele se perdeu e dependeu de alguém pra organizar pra ele. Esse perfil não tem nada pra agregar no debate, eles só estão ali pra seguir a maioria.
E eu acho que o Nº7 sabia disso.
Pois ele fala como se a mudança de voto dele fosse agilizar o debate. E certamente agilizou.
O Nº7 desempatou o debate, ele é o único jurado que nunca se viu na posição de ser do lado minoritário do debate, ele sempre esteve contra a minoria. E eu acho que ele, com pressa pra sair de lá, querendo acabar logo, sabia que assim que a situação desempatasse, o a galera que só tá indo na onda sem pensar por contra própria iria virar o voto junto.
Pois ele preda nessa gente.
É pra esse tipo de gente que ele vende geleia.
Nº12 e Nº1 não iam virar o voto com argumentos, mas com pressão. E a pressão que não funciona no Nº8, funcionou nesses dois.
Podemos ver um espelho disso também na icônica, talvez a mais icônica cena do filme, que é quando o Nº10 simplesmente explode e dá seu discurso de ódio, vomitando todo seu racismo e o quanto ele odeia a etnia do garoto. Nº1 e Nº12 são os últimos a se retirarem da mesa, somente depois que todo mundo já havia saído, se juntando aos demais, mais do que fazendo o gesto espontaneamente. E o Nº1 se levanta imediatamente depois do Nº7 dar as costas ao Nº10.
O Nº7, não de fato levanta da mesa, mas ele vira sua cadeira pra dar as costas pro Nº10. Fazendo o perfeito meio termo entre não dar ouvidos ao discurso de ódio e não se juntar a manifestação dos demais. E quando o Nº7 faz isso, os que fraquejam perante o poder da maioria vão e fazem também.
Um aspecto do filme que é muito comentado nas análises. Que todo mundo adora mencionar, é que tem esse subplot do ventilador. O filme se passa no dia mais quente do ano, e o calor que todos estão sentido, e a maneira como suam é deliberado pra intensificar a tensão naquela sala. Na sala tem um ventilador quebrado que ninguém consegue fazer funcionar. E com ninguém eu quero dizer o Nº7, que se senta mais perto do ventilador e é o mais interessado em fazer o ventilador funcionar.
Pouco depois dos votos empatarem, começa a chover. Obrigando os jurados a fechar as janelas e ascender as luzes da sala. E aparentemente o ventilador tem um esquema ruim em que a luz precisa estar acesa pra ele ligar. O que é design ruim. Mas voltando, isso permite que logo depois do empate o Nº7 consiga ligar o ventilador e enfim se refrescar. Ele comemora, ri, fala que a situação está melhorando e que tudo está melhor.
Esse momento do ventilador ligando depois do empate é amplamente interpretado como um símbolo da situação estar melhorando, do calor ir embora pois o lado do “inocente” ganhou força. E quem é que foi o personagem que ligou o ventilador e que celebrou isso? O Nº7, justamente o que iria virar o voto e pela pressão puxar mais dois consigo nessa.
O Nº7 trouxe essa onda de melhora, ele quem ligou o ventilador, e ele quem desempatou o debate.
O Nº7 e o Silêncio.
Depois que muda seu voto pra “inocente”, o Nº7 só tem mais duas falar pelo resto do filme, e nenhuma das duas é argumentativa. O Nº4 comenta de estabelecer um tempo-limite e o Nº7 apoia. E quando a votação fica 11 a 1, ele pergunta o que fariam agora, provavelmente presumindo que se ele ainda não mudou de voto, é porque a cabeça dura do Nº3 não mudaria com facilidade. O personagem mais falante e barulhento do filme ficou em quase completo silêncio ao mudar de voto, exceto por suas observações que fez de ordem prática.
Uma situação em que é notório que ele não comentou é quando o Nº3 propôs só anular o julgamento, reconhecer o impasse e chamar novos jurados. O Nº7 foi ao longo do julgamento sempre a favor de só anular o júri, mas nessa vez ele não abriu o bico. Foi a primeira vez que ele não aprova a ideia de anular o júri, embora seja claro que ele segue com pressa e anular o júri segue fazendo ele poder ir pra casa mais cedo.
Pois agora ele achava que o rapaz era inocente. Antes ele sabia que o novo júri declararia ele culpado, mas agora ele não quer mais esse veredito. E um dos maiores sinais de que ele de fato mudou de opinião é ele não querer mais anular o júri.
Mas acima de tudo o que me interessa no silêncio dele é que é espontâneo.
Eu vejo o Nº7 como uma versão light do Nº10.
O Nº10 é absolutamente racista contra toda a etnia do rapaz.
O Nº7 é suspeito de pessoas que vem das condições do rapaz. Uma maneira de não ser racista, mas atingir uma grupo mais do que os demais em seus preconceitos.
O Nº10, assim como o Nº7 fala com pressa de ir embora, como se ele tivesse coisa muito melhor pra fazer.
E o Nº10, num geral trata o ambiente em que estão com um profundo desrespeito.
Eles têm os mesmos defeitos, e por isso os dois ganham a rejeição dos demais jurados, e os dois terminam sua participação no debate em completo silêncio.
A noção clara de que não só eles mudaram o voto, como de que não tinham nada a agregar.
Mas a diferença é que o Nº10 foi imposto o silêncio. O Nº4 ordenou que ele não falasse de novo.
Enquanto o Nº7 só voluntariamente se removeu do debate. Quase como se a realização que o Nº10 teve. A de ver sua visão de mundo completamente rejeitada por todos, não tivesse sido necessária pro Nº7. Ele percebeu a fraqueza da sua lógica sozinho, e só se retirou. Deixou de falar, de argumentar.
Não é fácil mudar de ideia. E o filme é exatamente sobre isso. E pro Nº7 mudar de ideia foi humilhante. Tão humilhante que ele não quis admitir que mudou. Tão humilhante que fez o maior tagarela da sala calar a boca. Vários outros jurados mostram outras maneiras de se mudar de ideia, mas o Nº7 foi o único que trabalhou a perspectiva do orgulho.
Ele foi o único que apresentou a ideia de que se você volta atrás no que disse, então você não tem caráter. A grande diferença entre ele e o Nº10, além do Nº10 ser mais vocalmente racista e o Nº7 ser mais vocal sobre estar com pressa de ir embora, é que o Nº10 foi teimoso em mudar de ideia e terminou esmagado pelo desprezo de todos que sua teimosia excessiva causou. E o Nº7 largou a teimosia e se permitiu mudar de ideia, mas se encolheu diante da ideia de que ele não tinha base moral.
Conclusão:
12 Angry Men é um filme sobre 11 homens mudando de ideia, e decidindo que apesar de duas horas antes eles estarem dispostos a mandar um jovem de 18 anos pra cadeia elétrica, por provavelmente ter cometido um assassinato, depois de uma conversa repassando tudo o que sabiam, eles perceberam que eles não tinham certeza o suficiente do que aconteceu, pra matar uma criança.
Mas apesar do filme ser sobre eles mudando de ideia, não sabemos se o filme é sobre eles mudando enquanto pessoas.
Podemos projetar e imaginar o quanto quisermos. Se a gente quiser ver assim, podemos concluir que o Nº2 voltou pra casa mais assertivo e mais disposto a desafiar aqueles que exercem poder nele.
Podemos imaginar que o Nº3 voltou pra casa e tentou reatar com seu filho, e decidiu que ia se tornar uma pessoa mais receptiva em relação aos mais jovens e o quanto a nova geração é diferente da dele.
Podemos imaginar que o Nº4 teve uma epifania de que ver o mundo unicamente através da lente da lógica, pode dar uma sensação de neutralidade e de superioridade, mas isso pode ser uma maneira de usar dados e estatísticas pra defender injustiças. E que o uso de “fatos frios sem emoção” como pilar de decisões ignora o elemento humano essencial pra se combater injustiças no mundo.
Podemos imaginar que o Nº5 não vai mais tentar fugir de suas origens, e vai entender que não basta ele ter saído da periferia onde ele cresceu, que agora ele também tem a responsabilidade de usar os espaços em que ele ocupa para ajudar quem ainda está nessas regiões.
Podemos imaginar que o Nº6 vai procurar mais contextos na vida dele em que ele possa pensar nas coisas ele mesmo, pra compensar a falta de liberdade de ideias que ele tem em seu trabalho.
….eu honestamente, queria escrever um texto sobre cada um deles, acho que todos dão muito pano pra manga.
Mas acho que ao mesmo tempo, podemos imaginar que a verdade é que no fim do filme eles colocaram seu paletó, voltaram pra suas casas, pra seus mundos, seus trabalhos e seus círculos sociais, e rapidamente voltaram a ser exatamente quem eram quando entraram naquela sala. E que essa experiência deles desafiando seus preconceitos vire só uma memória, e pra alguns nem isso.
É o Breakfast Club com adultos.
O Nº7 provavelmente foi pro seu jogo de baseball, gritou até perder a voz com os Yankees, e retomou a vida normal de vendedor malandro que ele é.
Ou talvez ele tenha repensado um pouco sobre como ele se porta. Sobre seus preconceitos. E sobre o orgulho. Sobre a aparência da inflexibilidade.
É curioso, que o único personagem que não muda de ideia ao longo do filme, que mantém o mesmo voto do começo ao fim, era o que parecia mais flexível, que estava mais disposto a ouvir novas perspectivas e passava a imagem de que se falassem com ele ele poderia mudar de lado.
Talvez o Nº7 tenha entendido que flexibilidade é tão bom pra convencer alguém quanto inflexibilidade. E tenha conhecido um novo modo de vender suas geleias.
Jamais saberemos, esses personagens existem somente nas nossas imaginações.
Mas eu acho que discussões sobre o filme e seus personagens, se focam demais na ideia do Nº7 como alguém que meramente não se importava com o caso do começo ao fim. E eu sempre senti que a gente perde muito do personagem com isso. Pois faz parecer que ele é o único dos que votaram culpado a não mudar de ideia. E eu acho que não se aplica. Ele mudou de ideia sim. E ao mudar de ideia ele trás uma questão muito importante sobre a importância de não deixar o orgulho te impedir de mudar de ideia.
Podemos nos recusar a mudar uma ideia por princípios pessoais, por ideologia, por enviesamentos, por traumas, por várias razões. Mas o orgulho é uma razão perigosa. A mera vergonha de admitir estar errado. A ideia de que podemos parecer mais fracos, mais vulneráveis se mostrarmos alguma flexibilidade.
E pessoalmente, eu acho que 12 Angry Men, ao ser visto em 2024, em uma época em que redes sociais são palcos de muitos debates estúpidos, em que o fascismo voltou e fez famílias brigarem, e em que qualquer influencer quer ter opinião sobre coisas que não entende, que a gente pode apreciar esse filme não só sobre um comentário sobre enviesamentos na hora de julgar um criminoso. Mas como uma observação de como debates são travados. Como é que se conversa e como pessoas com ideias divergentes chegam a um consenso.
Afinal um filme sobre 12 pessoas com perspectivas diferentes em uma hora e meia conseguindo chegar a um consenso sobre um assunto sério beira a utopia nos tempos atuais, em que a teimosia e o não voltar atrás parecem tão importantes.
Por isso eu quis falar aqui sobre um personagem que a gente interpreta como desapegado do veredito final, mas que de onde eu vejo estava bem apegado ao veredito de culpado, e precisou repensar algo além de sua apatia.
O que eu tinha pra falar era isso, e agora é com vocês. Deixem seus comentários sobre o Jurado Nº7 ou qualquer outro jurado do filme nos comentários, e eu vejo vocês no texto que vem.