Atualmente o gênero narrativo que domina o mundo dos mangás é assim chamado battle shonen. Ele representa uma parcela considerável do que explode, e a maioria de tudo que fura a bolha otaku e que domina os rankings de mangás mais vendidos ou mais lucrativos. Os mangás são uma mídia muito diversa, tem de tudo nos mangás, tem mangá pra literalmente todo mundo mas os mangás de maior sucesso não são tão diversos assim.
E Battle Shonens possuem algum tipo de diversidade neles. Eu já falei aqui do subgênero Anti-Monster-Corps que segue forte, e falei aqui do quão diversos podem ser os sistemas de poderes. Mas apesar disso, battle shonens seguem sendo algo bem estruturado e repetitivo.
Um mangá Battle Shonen é um mangá em que se esperam algumas coisas. Esperamos que ele seja dividido em arcos, e cada arco seja marcado pela necessidade do protagonista derrotar um vilão em uma luta. Esperamos que o protagonista faça amigos, e que seus amigos também lutem contra vilões, pegando adversários menores e deixando a ameaça maior pro protagonista.
Esperamos que o protagonista comece fraco e vá ficando mais forte aos poucos. E de preferência que seja através de treino e trabalho duro, pois se for uma revelação de que ele secretamente tinha uma força dentro de si desde que nasceu, aí a galera na internet chora… mas mesmo quando é isso, está dentro da estrutura esperada.
E esperamos que os principais problemas e conflitos do mangá sejam resolvidos em lutas. Aliás luta é meio genérico. Esperamos que sejam resolvidos em duelos, em lutas de um contra um, um representante do bem e um do mal, ambos dando o seu melhor e com a sensação de que se o protagonista falhar em subjugar um vilão pela violência, então nada mais poderá ser feito pra impedir as coisas de darem errado.
É isso que torna eles BATTLE shonens. Shonen é a demografia do público-alvo que espera-se que leia esse tipo de mangá, garotos jovens. Mas muito marmanjo barbudo lê e muita mulher lê também, é o gênero que domina o mercado justamente porque muita gente fora da demografia esperada é fã. E o battle é “batalha” em inglês, então é o mangá pra garotos com porradinha. Mas apesar disso, a nossa percepção é a de um subgênero bem específico com suas convenções estabelecidas durante décadas. Então precisa mais do que a demografia e a batalha pra ser um legítimo battle shonen. Depende de convenções também.
Dragon Ball, Naruto, One Piece, Saint Seiya, Fullmetal Alchemist, Attack on Titan, Jujutsu Kaisen, Demon Slayer, Chainsawman, Jojo’s Bizarre Adventure, são todos obras que se espera que sejam parte do repertório do otaku médio, nem se que seja só pela osmose de ter ouvido falar coisas. E são todos battle shonens. E todos seguem essa lógica que eu disse, cada um do seu jeito, com sua individualidade.
O texto de hoje é sobre Hunter X Hunter. Que não revoluciona nem desconstrói o Battle Shonen, mas eu acho que é um mangá que evita esses duelos muito mais do que a gente tem a impressão. A gente dificilmente pensaria em Hunter X Hunter como um mangá que se importa muito em evitar resolver tudo na luta.
Até porque tem o obvio, não me entendam mal: Hunter X Hunter tem muita luta. E muita luta boa. Suas lutas são impactantes e parte do que torna o mangá bom. E eu não vou vender aqui a ideia de que esse mangá é a desconstrução ou negação do battle shonen, como tem gente na internet que gosta de declarar.
Mas eu acho que as lutas de Hunter X Hunter são elevadas pela noção de que esse é um mangá em que não é tudo que se resolve na porrada. Em que nem sempre a luta é o único caminho. E justamente por não ser o único, é um sinal de que a situação é importante, e as alternativas falharam.
Então o que esse texto fará é observar algumas situações em que pareceu que teríamos uma luta e não tivemos. Pensar em porque a luta não aconteceu, qual era o conflito, como ele foi solucionado, e o que isso de fato fala sobre o mangá.
Então sejam bem-vindos, eu sou Izzombie, esse é o Dentro da Chaminé e esse texto será sobre as lutas que não aconteceram no mangá Hunter X Hunter.
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Pois esse texto é escrito em homenagem a todos os que já me apoiam. Em especial a apoiadora Alviner que inspirou o tema desse texto. A presença de vocês faz esse blog um lugar melhor e eu espero que vocês gostem do texto.
E o texto é sobre Hunter X Hunter. Especificamente, sobre as lutas que não aconteceram.
Então antes vamos começar definindo aqui o que é que eu considero uma luta, e o que eu não considero uma luta.
Será considerado uma luta, um combate mútuo em que duas partes ou mais estão tentando derrotar seu oponente pelo uso da força e da violência.
Não será considerado uma luta, pessoas atacando pelas costas, pessoas sendo atacadas sem revidar, ou pessoas procurando soluções pacíficas para o conflito que não envolvam o uso de de violência. Mesmo se essa pessoa estiver sofrendo violência.
Então por exemplo, o Kaito matando o urso-raposa no capítulo 1 e o Gon pescando o peixe no capítulo 1 não irei contar, não porque não é luta se é contra animais, definitivamente é, mas em ambos foi um processo unilateral em que as partes não trocaram golpe, e o animal não teve a oportunidade de resistir.
O que é muito louco se pararmos pra pensar, em um battle shonen sem uma luta no capítulo 1 que ilustre onde estão as qualidades do herói. A maioria dessas histórias introduz um antagonista bem peixe-pequeno só pra vermos o que é que forma o protagonista.
E bem, em Hunter X Hunter, nós vemos do que o Gon é feito, mas ele não é feito da forma como ele luta, pois ele não luta no capítulo 1. O foco foi na forma como ele se conecta com sua ilha e sua decisão de ir mesmo assim. Nenhuma necessidade de luta.
Então vamos repassar os grandes momentos em que Hunter X Hunter não exatamente nos entregou uma luta, ao longo do mangá, começando pelo começo. No primeiro arco, o arco do Exame dos Caçadores.
Parte 1:
As lutas e as não-lutas do Exame dos Caçadores.
Quase vemos uma luta começar no capítulo 4, em que Gon pela primeira vez ataca outro personagem, em um ataque surpresa. Porém quando o irmão do personagem vai enfrentar Gon ele interrompe a luta e não revida, impedindo a luta de sequer começar. O que levou o golpe nunca ataca Gon, então quase começa uma luta, mas não começa;
A primeira luta de verdade de Hunter X Hunter ocorre no capítulo 9, no começo do volume 2. No capítulo Hisoka começa a atacar os candidatos a caçador, e os personagens coletivamente se defendem de Hisoka.
Hisoka ganha a luta. O que significa que a primeira luta do mangá é o contato do Gon, o protagonista, com alguém que ele não derrotou. E até hoje Gon jamais venceu Hisoka em combate.
A luta foi iniciada por Hisoka, e Hisoka é um personagem que vive pelas lutas. Hisoka tem uma paixão por lutas que é descrito ao mangá como algo que lhe dá prazer sexual. E com isso, a obsessão do Hisoka por lutas, pela associação com sexo, é sempre comparada com sexo problemático. O desejo de Hisoka de lutar com crianças é o motivo pelo qual ele é considerado um pedófilo pelos fãs, por exemplo.
Nenhum personagem gosta de lutas mais do que Hisoka, que ama elas. E isso torna Hisoka problemático porque, lutas não tem uma nobreza inerente nelas. Nada é positivo em sentir esse prazer todo em lutas. Especialmente com a implicação que ele aplica que pra luta ser verdadeira, ela precisa ser até a morte.
Depois temos Gon caçando uns porcos, o que eu vou contar como luta, pois o porco atacou. Aí o capítulo 12, o Buhara dá um tabefe no Todo, pra impedir que Todo e Menchi lutassem, pois caso lutassem, Menchi o mataria.
Nos capítulos 13 e 14, Killua e Gon jogam um jogo com Netero. Em que Netero desafiou os dois a tirarem uma bola da mão dele e disse que eles estavam livres pra ser violentos. Tecnicamente é uma luta. Durante esse jogo, Killua usa uma técnica de assassinos para andar devagar e passar a sensação de múltiplos Killuas na arena.
Quando Gon se mostra curioso, Netero diz pra Gon que essa técnica é um cartão de visitas do submundo e que uma pessoa como o Gon não tinha a necessidade e aprendê-la. Desencorajando a ideia de que o destino de Gon seria eventualmente aprender todas as técnicas complexas que ele está testemunhando.
Entre os capítulos 16 e 21, existe a indicação de que veremos 5 duelos tradicionais, em que os heróis terão cada um, uma batalha 1 contra 1 contra 5 vilões para poderes seguir adiante. Porém todas as cinco tem pequenas subversões. No primeiro duelo Tonpa desiste assim que ele começa, e ele não acontece. O segundo duelo é um jogo disfarçado de sorte, mas que era uma cilada com trapaça e Gon compensa com criatividade. O terceiro é um disfarce de intimidação em que o adversário tentou fazer Kurapika desistir sem lutar. O quarto foi um jogo de apostas. E a quinta luta foi decidida em um golpe só de Killua que matou o adversário assim que tudo começou. O contato com o quinteto termina com Killua perguntando se um deles não estava decepcionado com a falta de lutas e não queria lutar, e foi recusado.
Já começaram as lutas, mas o duelo tradicional que marca um Battle Shonen ainda não começou. Aquela trocação honesta de dois rivais.
No capítulo 17 temos o primeiro duelo tradicional. Ou seja, um duelo de 1 contra 1, em que ambas as partes trocam golpes mutualmente com a intenção de se provar mais forte que o adversário até um deles perder. É quando um dos juízes do Exame de Caçadores desafia Hisoka para uma luta e é assassinado.
Essa luta é curta, e envolve um personagem insignificante, mas já tem a cara clara daquilo que em um mangá tradicional, está ocorrendo com regularidade desde o capítulo 1.
A seguir temos o capítulo 22, em que os protagonistas chegam em uma etapa, em que espera-se que todos eles lutem entre si, pra determinar quais serão os três únicos que passarão na prova. A cena é feita pra vender a expectativa de que eles irão duelar pra ver quem é o digno de passar.
Mas Gon subverte a ideia com um plano de que todas as armas na arena podem ser usados pra abrir um caminho alternativo a força que permita a todos vencerem o desafio.
A próxima prova do Exame dos Caçadores é uma caça geral em que cada candidato a caçador deve caçar o outro retirando seu crachá. Novamente, é um jogo desenhado pra não exigir diretamente uma luta, mas deixar claro que o combate é a maneira mais fácil de se resolver a questão.
E vemos secundários indo pelo caminho mais fácil, definitivamente.
Mas Gon que tem que roubar o crachá de Hisoka, alguém que ele sabe que não é capaz de derrotar, decide que vai roubar usando só sua destreza.
Nesse momento temos Hisoka se recusando a lutar com um secundário. Esse secundário estava ferido mortalmente, e queria morrer em combate em vez de deixar sua ferida enfim sangrar ele até a morte. E Hisoka não encorajou seu desejo, se recusando a levantar a mão contra alguém que não tinha a intenção de vencer.
Após isso Hisoka aborda Kurapika e Leorio, pra tentar matar eles por seus crachás, Kurapika não é contra lutar contra Hisoka, se for necessário, mas ele tem sucesso em desescalar a situação e resolver o conflito com negociação.
Killua usa intimidação pra vencer a prova, ameaçando seus inimigos pra vencer sem lutar. Após isso, Leorio e Kurapika se veem pegos em uma armadilha de cobras que é resolvida também sem lutas.
E aí os protagonistas passam pra próxima e última fase do Exame dos Caçadores, e dessa vez é um torneio! Agora sim tem que ser luta! E a primeira luta é do Gon contra o Hanzo. No capítulo 33. Pessoalmente, um dos meus momentos favoritos do mangá, e certamente um momento muito lembrado entre vários leitores.
A luta consiste do Gon apanhando unilateralmente feito um condenado, sendo torturado, e tendo o braço quebrado sem conseguir fazer nada contra o Hanzo. Pelas regras da luta a única maneira de vencer era por desistência do oponente. Sem nocautes, sem a possibilidade de matar, sem nada. Somente o oponente verbalizando a derrota. E a teimosia de Gon de jamais se render mesmo diante da tortura cansou a paciência de Hanzo que desistiu de fazer Gon se render.
Tecnicamente foi uma luta, pois Gon atacou Hanzo duas vezes e acertou um golpe.
E assim Gon virou um caçador sem ter um combate significativo com ninguém.
Kurapika e Leorio tiveram migalhas de lutas ao longo do exame mas também não lutaram no torneio final, com Hisoka desistindo sem lutar com Kurapika, e com Leorio passando na prova por default, com a desqualificação de Killua.
E Killua também não luta contra Illumi. Desistindo sem lutar.
O exame dos caçadores acabou sem uma única demonstração legal de oponentes se enfrentando e testando quem era o mais forte. Todos os combates eram de forças tão desproporcionais que ou foram derrotas unilaterais em que somente um lado deu dano, ou tiveram o combate completamente evitado por desistência ou negociação.
O Exame dos Caçadores deixou claro que em todas as etapas, o uso de violência era uma estratégia válida pra se passar, e que nenhuma regra impediria que os candidatos lutassem entre si. Mas não é porque é válido, que era o único caminho. Existia um segundo caminho, que era só usar a cabeça, usar inteligência, resolução de problemas, diplomacia e o poder da amizade pra superar desafios sem a necessidade de entrar em combate com ninguém.
Lutar era o caminho fácil. E bem, caçadores precisam saber lutar, e no processo todos os quatro protagonistas mostraram bem aonde estava sua força física e talento pra lutas, mas mesmo assim eles nunca tomaram o caminho fácil, eles sempre acharam um jeito de contornar a necessidade de usar violência, mas sempre abertos pra usar a violência como um plano B caso tudo dê errado.
Mas não foi necessário um plano B.
O caminho deles contrastou com o de Hisoka que usou a violência para passar fácil em todas as provas, deixando um rastro de corpos. Mas mesmo Hisoka, que escolheu a violência como primeira opção por sua personalidade sádica, se mostrou igualmente averso a lutar sem motivo, capaz de negociar e usar solução que não são lutas, e principalmente, usou de sua amizade com Illumi pra passar nas provas, sabendo que somente força não seria o suficiente.
Acabando o exame dos caçadores, veio o arco do resgate ao Killua.
Parte 2:
O Resgate ao Killua e os conflitos com a família Zoldyck.
Aqui serão menos exemplos que no Exame dos Caçadores, mas ainda quero passar por eles. Gon foi até a mansão de Killua buscar ele e volta depois ele abandonar o exame dos caçadores emocionalmente perturbado por seu irmão Illumi. Porém a mansão era uma mansão de assassinos, com servos com ordens explícitas de não deixar Gon se aproximar de Killua. Para chegar até Killua, Gon deveria passar por três obstáculos: Mike, Canaria e Gotoh.
E Gon não luta com nenhum deles. Mike era o cão de guarda que ataca todos que entram pela porta das frentes e ignora quem entre no teste secreto dos guerreiros. Gon se recusa a princípio, por um princípio moral, a tentar uma estratégia em que ele não tenha que encarar Mike, como todos estavam pensando. Nos agitando que ele ia comprar a briga. Mas ele achava que iria domar Mike. Ao ver Mike, Gon sente medo e entende que ele não vai domar Mike, nem conseguir enfrentá-lo. Ele recua e decide tentar o método em que Mike o ignorará.
Com Canaria, Gon se recusa a lutar com ela, apanhando feito um condenado na frente dela, igual o Hanzo. Até ela ceder emocionalmente e não aguentar mais espancar alguém tão cagado e mostrar que tem coração. Era importante pra Gon não atacar os criados, pois ele era uma visita.
E então vem Gotoh que desafia Gon pra um jogo de moedas, então não foi uma luta ali.
Killua é resgatado, e eles partem pro arco de torneio do mangá.
Agora vai vir um literal torneio de lutas. Agora não tem escapatória! Agora vem a porrada.
Parte 3:
Muita porrada na Torre Celestial.
Aqui tem porrada normal. Durante o arco da torre celestial não temos nenhuma desculpa pra não terem lutas. Digno de ser um arco de torneio. Temos inclusive o primeiro duelo de verdade do Killua, em que ele luta com alguém que consegue lutar de volta, que é na sua luta contra Zuchi no capítulo 45 O mesmo pra Gon que tem seu duelo contra Gido nos capítulos 49 e 50.
É o arco em que Gon e Killua aprendem sobre Nen e sobre ter super-poderes e querem por em prática nas lutas.
O climax do arco é o duelo entre Gon e Hisoka que ocorre nos capítulos 61, 62 e 63. Um duelo que Gon perde, e termina com Hisoka jurando que dará a Gon uma revanche um dia. Até o dia em que esse texto está sendo escrito, essa revanche jamais aconteceu.
Mas é importante notar que a Torre Celestial pra muitos dos que estão ali é um estilo de vida, e o trabalho dos personagens. Eles são pagos pelas lutas e muitos ali lutam pelo dinheiro. A partir de um certo nível eles param de ser pagos e lutam somente pela glória. E é nesse nível que o Hisoka passa muito de seu tempo. Existe um ciclo em que depois os campeões das lutas por glórias terão o próprio torneio que é o maior torneio do mundo.
E Gon e Killua não ligam pra nada disso. Killua só queria treinar um pouco e Gon só queria rever Hisoka. O desinteresse deles no mundo e na cultura por trás da Torre Celestial é forte e anti-climático. A torre faz sentido pra quem vive pelas lutas, como Hisoka, mas Killua e Gon lutam, e aprendem com lutas, mas eles tem mais o que fazer. No que eles pararam se ser pagos, já começaram a querer sair da torre.
E foram pra Yorkshin.
Parte 4:
Yorkshin e a Genney Ryodan proibindo lutas entre os membros.
O arco de Yorkshin começa aparentando termos voltado a naturalidade depois de um arco de torneio. Logo de cara Kurapika consegue um emprego na máfia. A entrevista de emprego sugere que quer testar a capacidade dos novos membros de lutar, apresentando uma luta, mas Kurapika desarma a luta, e garante a rendição dos inimigos sem precisarem trocar golpes.
Depois disso o arco vira o intercalar de duas histórias paralelas. Gon, Killua e Leorio precisam comprar o jogo de videogame mais caro da história em um leilão sem terem um tostão furado e aprender estratégias de se fazer dinheiro na cidade de Yorkshin, se metendo em apostas e em falsificação. Essa metade é o bom e velho Hunter X Hunter que vimos até agora, soluções criativas e fora da caixa pra resolver um problema.
Em paralelo a isso Kurapika está na cidade determinado a se vingar desse grupo de vilões chamados Gennei Ryodan, em especial a matar seu líder Chrollo Lucifer, que liderou um genocídio no povo de Kurapika pra roubar os olhos vermelhos de sua etnia e vender. E se a parte do Gon não vendeu a promessa de nenhuma porrada forte, a do Kurapika vende bastante..
Inclusive com o grande momento no começo do arco do Uvogin tendo a sua luta. Primeiro ele luta com as Feras Sombrias, no capítulo 76 um grupo de assassinos que sabendo que não poderiam matar o Uvogin na força física tentam envenená-lo antes de morrerem cada um com um golpe só. Funcionou, mas Uvogin ficou com um monte de sanguessuga que botaram ovos na sua bexiga. Forçando-o a fazer todo um processo de mijar o máximo possível antes do ovo chocar pra não morrer. Uma estratégia criativa de matar alguém indiretamente sem ter chance numa luta de verdade que pôs o Uvogin depois de vencer em 24h de extrema vulnerabilidade em que seu foco estava em seu consumo de cerveja pra não morrer.
Dos capítulos 81 até o 84, Kurapika luta contra Uvogin, no que é até hoje o maior duelo que Kurapika teve na série e a última vez até a escrita nesse texto em que Kurapika luta com um membro da Gennei Ryodan. A luta conclui com Kurapika matando Uvogin, e iniciando a série de reações por parte da Ryodan que vão guiar o arco.
E agora que três dos quatro protagonistas já tiveram uma luta 1 contra 1, que ambos os lados tenham tido a oportunidade de atacar, eu vou parar de contar os capítulos. Demorou 84 capítulos pra esse dia vir pra três deles e até o momento desse texto ser escrito, o Leorio não teve um duelo de verdade.
Enquanto Kurapika se perdia na vingança, Gon e Killua estavam aprendendo o metagame de como funciona o mercado de falsificações, e nesse momento o mangá questiona a amoralidade de Gon e como ele vê pouca diferença entre o bem e o mal. Mesmo que não seja o Gon em uma jornada de violência.
A mafia coloca um prêmio pela cabeça de Chrollo, o que faz com que o pai e o avô de Killua tentem matá-lo, e eles tenham uma luta. A luta de Chrollo contra os Zoldyck e e Uvo contra Kurapika são as duas únicas lutas do arco. E a dos Zoldyck contra Chrollo é deixada interrompida.
Chrollo contrata Illumi para matar os mafiosos que contrataram o pai e avô de Killua. Anulando assim o pedido pelo serviço. O avô de Killua instantaneamente para de lutar, pois ele não trabalha de graça. Ao se retirar Chrollo pergunta quem venceria a luta se ela continuasse, e o avô respondeu: “Eu, a menos que você passasse a tentar me matar.” indicando que o objetivo de Chrollo não era vencer a luta, era só roubar o poder do velho.
Existem ameaças de luta no arco que não vão pra lugar nenhum. Em um momento achamos que Gon e Killua vão precisar lutar com Nobunaga pra escapar dele, mas não, eles fogem sem lutar.
Em outro momento achamos que Nobunaga vai lutar contra Hisoka, mas Chrollo desarma o conflito na hora. Membros da Ryodan não podem lutar.
Quando Kurapika enfim põe as mãos em Chrollo, não é uma luta que segue. Chrollo não luta de volta, ele se entrega e se rende. Chrollo estava disposto a sacrificar sua vida e apostou em um resgate que matasse Kurapika mesmo que matando ele junto.
Mas o resgate não veio, pois apesar de muita discordância interna da Ryodan, no fim a facção que ama o Chrollo e não quer sacrificá-lo se prevaleceu quanto a que queria correr o risco. Esse debate também foi feito sem lutas, a regra de que a Ryodan não briga entre si prevaleceu até o final.
O arco se encerra com Hisoka encurralando Chrollo, falando que agora sim eles devem lutar. Chrollo explica que Kurapika o amaldiçoou e agora ele não pode mais usar Nen. Hisoka desiste da luta dele.
Kurapika se vingou sem uma luta. Todo mundo sentiu nele a tensão da vingança, e os conflitos morais que tentar fazer o mal ao seu inimigo quando ele está mais vulnerável e incapaz de reagir causa. E o ponto do arco é esse. Confrontar a expectativa, de que pelos membros da Gennei Ryodan serem criminosos que cometem atrocidades desumanas, que eles por consequência seriam pessoas desumanas. Mas o foco neles é na amizade e na força de seus laços.
Talvez fosse mais honrado dar a eles um combate, uma chance de se resolver com Chrollo no soco, mas isso foi uma vingança. E vingança não precisa ser sobre violência física. Tem outros tipos de dor pra se causar. E embora somente dois membros da Ryodan tenham morrido, e Pakunoda tenha sido por suicídio, a verdade é que o incidente deixou uma grande cicatriz no grupo.
Chrollo instruiu eles a abandonarem a vida de Chrollo se necessário pro grupo sobreviver, mas Pakunoda não teve frieza pra isso. Os membros se apresentaram reféns de sua amizade e do amor um pelo outro e incapazes de lutar por isso, e o arco teve poucas lutas.
Parte 5:
Greed Island e como o jogo deve ser jogado.
O arco de Green Island se passa dentro de um videogame. Como é o caso de alguns outros videogames, o objetivo do jogo é completamente desconectado do conceito de combate. Mas as regras são escritas pra que o combate seja visto como uma mecânica muito estratégica.
Assim como é possível vencer até mesmo Fortnite sem atacar nenhum outro jogador, dá pra se vencer Greed Island sem ser hostil com nenhum outro jogador.
Mas assim que Gon e Killua entram eles já entendem que hostilidade, suspeita e ataque ao próximo estão integrados demais no meta-game do jogo. O objetivo do jogo é pnter 100 itens especiais do jogo e quem conseguir concluiu o jogo. E ninguém concluiu o jogo em dez anos.
Os itens podem ser obtidos fazendo as missões por eles, e roubando os itens dos demais. E tem muito mais jogadores tentando roubar os itens de quem já conseguiu do que indo fazer a bendita quest.
Tem quest que nunca foi feita ainda, e mesmo assim muito do jogo ainda é gente tentando roubar itens.
E isso explica um pouco porque o Gon foi a primeira pessoa a ganhar o jogo. Porque ele quis explorar o jogo. Os demais estavam com pressa de ganhar rápido e pegar uma recompensa massiva em dinheiro que seria oferecida pra quem completasse o jogo primeiro.
Existem três grandes contextos pra combate nesse arco. O primeiro é quando Gon e Killua lutam contra o serial killer Binolt como parte de seu treino pra dominar o nen. E eu não duvido que tenham leitores desse texto que tenham simplesmente apagado a existência do Binolt da memória, mas ele é a primeira luta do arco.
O segundo contexto é quando eles entram em eventos esportivos com os piratas do Razor, alguns desses eventos são esportes de combate como sumô e boxe. O que inclui a luta de Killua com Bopobo.
O terceiro contexto é a luta final do arco, e o suposto climax dele, em que Gon, Killua e Biscuit tem três duelos individuais contra cada um dos três membros que juntos formam o Bomber. Caçadores que aterrorizaram o jogo na tentativa de vencer.
A luta de Gon contra o Genthru é memorável, e é escrita pra ser o ponto alto do arco. Mas cá entre nós, a gente sabe que ninguém põe Gon vs Genthru na lista de melhores lutas do mangá. E ninguém elogia Greed Island enquanto arco por causa dessa luta. Ela é boa, mas todos sabemos que o auge do arco é o jogo de queimada.
Que foi narrado como se fosse uma luta, mas é um esporte não-de-combate, vencido porque Hisoka conseguiu fazer Razor sair do ringue com a bola na mão. Sem a necessidade de nocautear Razor.
Isso é importante, pois o jogo com Razor foi para se obter a carta mais difícil de se obter do jogo todo. E foi um jogo. Das 100 cartas necessárias pra vencer o jogo, todas podem ser obtidas sem o uso de violência e exceto por uma luta de sumô e uma de boxe, a de Razor não é exceção.
Claro que um esporte é uma atividade física, exige força, agilidade, reflexos e várias outras habilidades que formam um bom lutador, mas o personagem Tsezguerra comenta exatamente que embora ele seja mais preparado pro combate do que Gon e Killua, Gon e Killua estavam mais preparados pro esporte do que ele.
Enfim, o climax do arco é quando Genthru quer roubar os cards de Gon, ataca ele, e eles lutam. Gon, Killua e Biscuit vencem, graças a muita estratégia e treino de nen. Mas embora Genthru quisesse roubar os cards de Gon, em sua vitória, Gon não roubou os cards de Genthru. O duelo não foi uma aposta valendo os cards, foi legitima auto-defesa.
Claro, em gratidão por ter derrotado Genthru, algumas vítimas de Genthru, como Goreinu e Tsezguerra recuperaram os cards que Genthru roubou e deram eles pro Gon…. Então alguém pode dizer que na prática deu na mesma. Mas eu acho a distinção importante, que Gon não venceu tomando cards dos outros, mesmo que tenha ganhado presentes.
Pois isso que tornou ele capaz de responder o quiz final e ganhar o jogo. Sendo o primeiro a ganhar o jogo, pois foi o primeiro a não priorizar a maneira hostil de jogar.
Até agora passamos por um super-vestibular, por uma visita a casa do amigo, por uma associação esportiva, por uma cidade dominada pela mafia e por um mmorpg. Mas o próximo arco é uma guerra.
Parte 6:
Chimera Ants e a humanidade escolhendo a violência.
Enfim chegamos em Chimera Ants. Fácil o arco com mais lutas do mangá. A humanidade entrou em guerra com as formigas, e guerra teremos.
Nesse arco Gon não só entra em um grupo de extermínio pra matar as formigas quimera, como ele precisa lutar contra outro caçador pela vaga no grupo de extermínio. Não só isso, ele entra pra se vingar pela morte de Kaito que morreu lutando contra Neferpitou.
Luta até não poder mais.
Todos os personagens têm no mínimo uma luta, mas a maioria tem bem mais de uma. Nunca esse battle shonen foi tão batalhador. Inclusive nunca tanto foco foi dado em umas lutas contra uns personagens esquecíveis como as formigas de nível mais baixo.
Então pra quais momentos eu quero chamar a atenção? Naturalmente eu quero chamar a atenção pro personagem do Meruem, por um motivo que me fascina desde que eu acabei o arco pela primeira vez. Afinal o arco ganhou texto já nos primórdios do blog. Meruem e Gon jamais se encontram. Acho fascinante a ideia de um arco em que o protagonista e o antagonista jamais trocam uma única interação, eles estão na mesma história e são a visão central de lados opostos do conflito, mas a jornada de ambos é 100% separada.
Assim como a jornada de Gon é separada da de Jairo. Um dos personagens mais curiosos de Hunter X Hunter pelo quão completamente aleatório sua menção foi. Que porra foi essa?
A gente acha que todo mundo é o protagonista da própria história, mas o Jairo aparentemente é também o vilão da história de muitos personagens, a gente só não conheceu nenhum deles. Uma infância sofrida que moldou um rei tirano que se tornou uma das primeiras formigas rebeldes e essa formiga, abandonou a luta sem encontrar nem Gon nem ninguém. E é isso. Essa figura chave só saiu na história.
Esse dia o Togashi estava de zoeira. Mas foi uma boa zoeira, e interessantíssima ênfase, de como um personagem que se ficasse por lá seria de extrema importância, não ficou, então ele não lutou com ninguém.
O destino não conectou ele a ninguém só por ser formiga, qualquer um pode abandonar o arco e não se envolver. Qualquer um ali podia escolher ir embora.
Mas enfim. Falemos de Gon e Meruem.
A jornada de Gon nesse arco foi uma de corrupção. Gon tinha um rancor e um desejo de vingança com Neferpitou intensos. E esse desejo estava lá desde o começo. Mas ele foi crescendo, e foi se intensificando. E no processo foi afastando Gon de Killua. Gon foi tomado mais e mais pelo desejo de violência que ele foi se afastando de todo o resto. É uma jornada trágica. No fim ele sacrifica todo seu Nen, e assume uma forma muito forte pra poder matar Neferpitou. E apesar disso não tem glória nessa vitória. Gon está triste, todos estão triste, a transformação máxima do herói, seu modo Super Sayajin, por assim dizer é uma tragédia. E a jornada de Gon foi de auto-destruição. Emocional, pois ele machucou a si mesmo o arco inteiro em sua obsessão. Destruição de sua rede de apoio, pois ele afastou quem poderia cuidar dele. Autodestruição física, pois ele perdeu um braço. E também a autodestruição de seu nen, que ele perdeu e até o momento não recuperou.
Tornando essa a última luta do Gon, e foi travada com a intenção de ser a última luta de Gon, após isso ele voltou pra casa e se aposentou, focou nos estudos e não sabemos se voltará a lutar de novo.
Meruem por outro lado nasceu uma criatura da violência, literalmente nasceu matando sua mãe. Mas não é só isso: ele, pela sua personalidade grosseira e egoísta, escolheu um parto que mataria sua mãe, só por não se importar. Meruem é uma criatura com talento nato pra violência e pro combate, e isso tornaria ele digno de ser o rei de todas as espécies, em sua opinião, pois ele pode subjugar qualquer um.
A jornada de Meruem é uma iluminação através de sua própria subjetividade humana, aprender a questionar isso. Ele tem contato com a política humana, que faz ele fazer muitas perguntas quanto ao que significa ser um rei. Mas ele também adquire um interesse por um jogo de tabuleiro chamaod Gingi.
E embora ele possa vencer qualquer um em combate. Existe uma garota cega chamada Komugi, que ele não é capaz de vencer no Gungi. Ele é um gênio nato que venceu os campeões de xadrez, go e shogi em seus respectivos jogos. Mas ele não vence essa garota no Gungi. Quando ele entendeu isso ele entendeu que essa garota tinha um valor. Mas era um valor invisível, que só podia ser visto por quem se interessava em um jogo de tabuleiro específico. Jogos de tabuleiro eram pra Meruem uma extensão de uma forma de dominar e subjugar os outros, mas quando ele viu alguém que nunca dominou ninguém e brilhar nesse campo de interesse ele mudou muito em como ele entende a relação entre o valor de um indivíduo e sua capacidade de subjugar.
E da mesma forma todo mundo tem seu próprio valor, pois todo mundo tem um campo de interesse em que eles podem ser excepcionais. E o combate era só um deles, e o combate perdeu a importância pra Meruem. Ele achava uma garota sem aptidão nenhuma pra combate um objeto de interesse superior a vários lutadores.
Ele questionou muito de quem ele era.
E enquanto ele questionava tudo, e refletia em como ele podia mudar suas prioridades, proteger a humanidade e calcular formas das espécies coexistirem, o exército de extermínio chegou pra matar o Meruem. Mas agora ele não era mais a pessoa que ele era quando a ordem de extermínio foi dada.
Começa uma das duas lutas mais populares de todo o mangá: Meruem vs Netero. O líder da associação de caçadores. Mas é louco ver como essa luta demora pra ser uma luta. Expressão que aqui significa: Meruem se recusou a lutar a principio. Ele negou a proposta de Netero de resolver as diferenças na violência, e exigiu ter uma conversa com Netero, sobre o futuro da humanidade.
A cena dele aguentando todos os golpes de Netero sem se machucar, nem reagir e respondendo que a única coisa que ele vai trocar são palavras, me marca. É uma cena poderosa de um vilão se recusando a reconhecer violência como uma alternativa, enquanto pro herói, violência é a única opção viável.
Afinal é uma guerra entre as espécies. E só vai terminar com o representante de uma delas morto. Paz não é uma opção.
Netero enfim convence Meruem a lutar, apelando pelo seu desejo por humanidade. Meruem não sabia seu nome, e Netero sabia e prometeu contá-lo se derrotado em combate. Meruem não resistiu a esse acordo. Eles lutaram, e Meruem venceu. Diante da derrota Netero usou o último recurso da humanidade. Explodiu uma bomba atômica pra matar Meruem.
Meruem resistiu a explosão. Mas morreu pela radiação da bomba, marcando a vitória da humanidade depois de vencida em combate, usando a pior arma já concebida. Existe um debate explícito de como a humanidade só venceu as formigas, depois de se provar mais desumana que as formigas, e a espécie mais cruel.
Chimera Ants é o arco com mais combate e duelos no mangá. É o com menos contextos em que soluções alternativas ao combate foram escolhidas pra lidar com a situação. Mas apesar disso, e apesar de a maioria desses duelos serem duelos bem normais de Battle Shonen, com nada pra ser visto como desconstrução na luta da Gennei Ryodan contra a mulher escorpião, ou entre Morau e Leol, ou nada disso. Tem em seus dois personagens centrais os maiores exemplos de como apesar da luta ter sido uma resposta, ela foi uma resposta trágica.
Escolher lutar tirou o pior de Gon e de Netero. Enquanto apesar de ser o vilão, Meruem ter descoberto a paz e se iluminado, abriu a ele a oportunidade de ser bom, que foi recusada pela humanidade que não admitiu a possibilidade de terminar sem Meruem morto. Justificando o uso da bomba atômica.
É um arco pesado. Muita gente acha o melhor do mangá, e eu me incluo nesse grupo.
Parte 7:
As eleições e a luta política.
Enfim, o último arco do que podemos chamar de “a parte principal do mangá”. Tem fã que acha que o arco atual é uma espécie de extra, uma aventura a mais após o final da história central, e eu concordo com essa interpretação.
O arco das eleições contém uma única luta no arco todo, que é Hisoka contra Goto. Grande perda do Goto, amava o personagem, triste que ele se foi.
E o resto nada é luta. O mangá introduz essa criada da família Zoldyck que é visivelmente uma mulher grande e forte e eu pus altas expectativas em ver ela sentar a porrada em alguém, e nada.
O arco diretamente sugere que vamos ter uma revanche entre Illumi e Killua, que nem seria revanche, pois no exame dos caçadores não foi luta também, mas aqui nada de lutarem. Killua desarma a luta facilmente eliminando os motivos da hostilidade de Illumi.
E temos o épico soco de Leorio na cara de Ging que é maravilhoso, é violento, mas não é uma luta.
É o oposto de Chimera Ants, pois esse arco é cheio de conflito. É um conflito atrás do outro. O arco se divide em duas tramas centrais. Os assessores do Netero tentando coordenar uma eleição pra decidir o novo presidente dos caçadores que substitua Netero, que faleceu pra bomba atômica. E em paralelo a isso Killua tenta usar o poder de sua irmã pra curar Gon, que está em coma desde que pagou o preço terrível que ele pagou pra ter a força capaz de derrotar Neferpitou.
Essas duas tramas são sobre pessoas tentando controlar pessoas.
A trama das eleições gira todo seu conflito na ideia de que Pariston, o vice-presidente da associação dos caçadores, por ter usado seu poder e influência pra ajudar os caçadores mais vulneráveis e ignorados, criou uma rede de influência em que os caçadores que não são os de maior destaque da organização, são dependentes de Pariston e são muito numerosos. E Pariston vai usar a influência sobre eles pra ganhar as eleições e virar o novo presidente.
E Pariston é seboso e envolvido com sujeira demais pra merecer o cargo.
Mas os demais membros do Zodíaco, o conselho de subordinados diretos de Netero, não tem a capacidade de manipulação real pra poder influenciar pessoas a se levantar e se unir contra a ameaça que Pariston representa. E esse tem poder de influenciar pessoas. A solução surge quando Leorio como o grande azarão carismático, pela sua honestidade e falta de tato política passa uma performance de mudança que agrada os demais caçadores.
É um jogo. Um jogo de carisma e manipulação em que Pariston e Ging sabem jogar o jogo bem. E Cheadle e o Zodiaco jogam muito mal. E Leorio joga bem acidentalmente. E esse jogo é sobre poder, é sobre conflito, é sobre ameaças reais. Mas nada será resolvido na luta. O presidente não será quem souber lutar melhor e sim quem souber jogar o jogo.
Já a trama de Killua era sobre Killua libertando Alluka das garras de sua família, em especial Illumi. Illumi é obcecado em ter controle sob sua família, e a família Zoldyck pelo poder fantástico de Alluka, vê ela como um objeto a ser usado e não como pessoa. E Killua luta pra que ninguém jamais use a autoridade de membros da família dela pra controlá-la.
Controlar e manipular alguém não deixam de ser atos de hostilidade. E Pariston e Illumi são duas pessoas perigosas e hostis. E tem muita violência implícita rondando eles, mesmo que a gente raramente veja eles lutarem.
E logo depois de vermos o quão diretamente violenta é uma guerra, a gente viu o quão discretamente perigosa é a política limpando a bagunça da guerra.
E a ideia é essa mesma. Deixa eu só falar do arco atual e incompleto antes de amarrar tudo isso numa ideia só.
Parte 8:
A guerra da sucessão, e o Jogo da Morte sem assassinato.
O arco atual de Hunter X Hunter, sobre a guerra da sucessão entre os príncipes, as vezes chamado de “o arco do barco”, começa sem os príncipes e sem o barco. Voltamos a Torre Celestial pra ver uma das lutas mais antecipadas do fandom: Hisoka vs Chrollo.
É uma luta fascinante pelo quão do nada ela chega, é só um “depois de tanto tempo o Hisoka conseguiu”, e isso é reforçado por ser na torre celestial. Não foi um encontro deles, eles marcaram hora e foram no ambiente apropriado pra oferecer um espetáculo pro grande público.
A luta termina com Hisoka morto aparentemente, porém o palhaço se ressuscita coringando, mata dois membros da Gennei Ryodan e está sedento de sangue por mais. Essa introdução ao arco é uma grande batalha.
E o resto do arco é menos.
O arco cobre Kurapika que é recrutado para o Zodiaco após a demissão de Pariston e Ging depois das eleições. Ele entra no barco que vai levar milhões de pessoas ao Continente Negro sob a premissa de ser guarda-costas de um dos príncipes da nação de Kakin. Muito ciente que o quarto príncipe dessa nação é o último colecionados dos olhos de seu povo que ele ainda não atacou. E ciente também que nessa viagem é esperado que todos os príncipes Kakin joguem um jogo da morte, onde ao chegar no continente somente um deles deve estar vivo.
O grande lance desse jogo da morte, em que os príncipes devem matar um ao outro é que ele tem uma regra muito única. Uma que eu nunca vi nenhum outro Jogo da Morte abordar,e olha que eu vi alguns bem icônicos. Que é a regra: “proibido matar outro príncipe.” Ou explicando melhor, a “opinião pública deve ser a de que você não é um assassino de seus irmãos príncipes”, a morte deve ser feita de maneira que mantenha o jogo da morte e seu status de responsável como um segredo absoluto.
Agora complicou o assassinato, não é mesmo?
A expectativa é que os príncipes consigam ser bem discretos, manipulativos das pessoas ao redor, cientes dos animais de Nen que eles tem, mas não controlam, e e façam de tudo pra indiretamente matar seus irmãos enquanto mantém a defesa de que eles não fizeram nada tecnicamente.
Ou seja, a regra máxima é que o rei de Kakin espera que seu único herdeiro seja alguém com a habilidade de eliminar seus obstáculos de maneira eficiente sem entrar em combate direto. E o arco é pra celebrar isso.
E é aqui que estamos agora. Algumas pessoas estão na empolgação de nesse barco vermos a revanche de Hisoka contra os membros da Gennei Ryodan que sobraram, ou de ver Kurapika e o quarto príncipe lutarem. Mas a real é que o real conflito e tensão do arco já está anunciado que vai ser resolvido sem luta.
O que não é o mesmo que ser resolvido pacificamente, pois isso não vai.
Conclusão:
Mangás Battle Shonen são construídos em cima da necessidade de se lutar. Existe um conflito, e pra lidar com esse conflito o personagem deve treinar, ele deve se autoconhecer, ele deve confiar em seus amigos e fortalecer seus laços, e deve usar seus poderes pra entrar em combate com a origem desse conflito.
O mangá pode até reconhecer que tem alternativas mais inteligentes ou mais éticas do que o combate pra se lidar com o vilão, mas mesmo reconhecendo elas, a própria narrativa tem que reforçar que mesmo assim o combate precisa acontecer. Que é a solução que temos pra hoje. Que as outras soluções não vão funcionar.
Seria melhor só ajudar o vilão a se redimir? Seria, mas o vilão rejeitou a oportunidade de redenção, então o herói não tem escolha a não ser a violência.
Isso é parte de ser um mangá destinado pra meninos, e uma das expectativas de meninos é a que eles se tornem fortes quando adulto. Fortes o suficiente pra proteger, pra se impor, pra dominar, pra serem imparáveis. E por essa expectativa é esperado que seus heróis e suas fantasias envolvam homens destemidos que por sua força incrível jamais terão que ceder a algo que não concordam. Pois eles sempre tem a opção de subjugar os outros. Esse é o grande modelo do adulto que se espera que todo menino queira ser. E histórias sobre heróis que socam vilões são parte desse sentimento.
Quando um herói de uma história é um pacifista. A expectativa é que o pacifismo dele seja: “eu tenho o poder de conseguir tudo o que eu quero pela força e de ser tratado como um Deus, mas eu escolho não fazer isso e não usar a violência.” O valor do pacifismo em uma história comumente vem com a ideia de que esse é um personagem que se mudar de ideia vai ter a capacidade de violência extraordinária.
Hunter X Hunter desmonta essas duas ideias na maneira como ele apresenta suas lutas.
Pois apesar de o mangá ter, como vimos, inúmeros contextos onde apesar da expectativa de uma luta, o conflito foi resolvido sem um duelo. Também tem inúmeros contextos em que o conflito foi resolvido de maneira igualmente cruel.
O personagem que representa o amor por lutas, o desejo de encontrar rivais a altura pra ficar gradativamente mais forte, e a ideia de estar sempre se superando pra enfrentar os outros. O ideal por trás do Goku, é o Hisoka. Um serial killer perigosíssimo. Uma pessoa que por sua completa falta de moral, não é bem-vinda no mundo. Uma abominação com uma mentalidade que não devia existir.
Mas o Gon também é observado como uma pessoa perigosa. Gon tem uma habilidade de não julgar e não questionar a ética das coisas ao seu redor, que faz muitos personagens terem medo dele. Mas isso não significa que o Gon não seja melhor e mais ético que muitos vilões.
Só que a questão moral é muito complicada em Hunter X Hunter.
Kurapika é o sobrevivente de um genocídio e racionalizou os genocidas que exterminaram todo seu povo por dinheiro como as pessoas mais desprovidas de emoção e empatia do universo. Pois é o único perfil que ele imaginava cometendo um crime tão hediondo. E ter encontrado uma pessoa tão simpatizável e tão leal quanto a Pakunoda quebrou ele.
Inclusive, acho legal observar que ao longo do arco ele não exatamente recupera os Olhos Escarlate que a Gennei Ryodan roubou. Pois ele leva consigo uma cópia feita pelo Koltopi. Mas no final ele diz que os únicos olhos que ele não recuperou são os do quarto príncipe. E nada sugere que nesse meio tempo ele se reencontrou e começou outro conflito com a Ryodan.
O mais provável, pra quem quer teorizar, é que ele tenha recuperado os olhos de seja lá pra quem a Ryodan vendeu os olhos. Mas é notável que ele tirou eles da lista de prioridade depois de Yorkshin, e direcionou seu ódio pra alguém que não fosse demonstrar uma humanidade que fizesse fraquejar.
A capacidade de subjugar de Kurapika, de Gon, de Killua, não tira o melhor e o mais ético deles. E o pode de proteger pela força não é o maior poder do mangá. O poder de matar o vilão antes que ele mate inocentes não é o poder mais benigno do mangá.
Mas apareceu como o mais maligno.
O maior poder do mangá é o poder de cura.
Exorcistas são os tipo mais raro e mais valioso de usuários de nen. E são os mais poderosos, mesmo sem ser um poder de combate.
Em Greed Island, a carta “O Sopro do Anjo” que cura todas suas feridas era a carta em maior demanda e a carta que os personagens mais usaram no jogo.
O poder de Alluka de cura é muito mais valioso que seu poder de destruição. E usar a cura de Alluka tem muito menos efeito colateral pro mundo.
E Leorio é pelo seu desejo de fazer o bem, e por ver na única utilidade da autoridade, ter o poder de ajudar quem ele ama, é a pessoa mais qualificada do mundo pra se tornar o presidente da associação dos caçadores…. pelo menos de acordo com os personagens com quem o mangá simpatiza…. eu não consigo ler os jornais e validar candidatura de deslocado sem noção política que grita e fala o que ninguém mais fala. Mas apesar disso o mangá acredita que o Leorio tem o coração qualificado pra ser o presidente.
Leorio é o personagem do time protagonista que nunca duelou com ninguém, cujo único uso do Nen foi pra socar Ging quando este se recusou a visitar o filho no hospital.
Leorio é lido como uma pessoa pura e gentil demais pra ser um caçador, e justamente ele é o menos apto ao combate ali. Ele é um médico.
Leorio não é uma pessoa que apesar de seu dom pra matar, escolhe salvar. Ele já mal desenvolveu o dom pra matar acima do mínimo necessário pra conseguir seu emprego atual.
A pessoa que apesar de ter o dom pra matar escolhe não usar é Killua, e bem, ele tentar ser melhor que seu passado é objetivamente bom, mas Killua é uma figura sombria. E a pressão da situação pode tirar de Killua o pior dele.
Em Hunter X Hunter violência tem hora e lugar.
Eventos esportivos de esporte de combate são essa hora e esse lugar.
Uma guerra é essa hora e esse lugar.
Pra conseguir uma licença Hunter ou pra vencer um video-game? Não, esse não é o espaço pra hostilidade acima do necessário. Esse é o espaço pra criatividade.
Pra vingança? Pode até ser uma resposta compreensível e até justa, na situação do mangá, mas é algo que você paga com sua alma.
E ao mesmo tempo. Pessoas poderosas podem abdicar de sujar as mãos, e usar meios indiretos pra praticar violência mesmo sem entrar em combate pessoalmente. E isso não é melhor do que só esmurrar seus inimigos. Violência pode ser horrível, mas não é a única maneira pela qual pessoas horríveis operam.
Os príncipes se matarem indiretamente não torna o jogo deles mais ético que os Jogos Vorazes.
No que diz respeito a mangás de lutinha. Perguntas como se é possível ou não achar uma resposta não violenta ao conflito é algo que se evita pensar. A gente quer ver a luta, então vamos não falar muito do plano B. Só reforça que ele não é uma opção, pois o vilão é simplesmente mau de mais pra se render, e vamos pra porrada.
Toda empatia do mundo pela tragédia dos demônios não fez o Tanjirou não simplesmente matar todos que não fossem a Nezuko e extinguir essa raça da existência. Pois afinal, não tinha outra opção. E todas essas histórias são escritas pra não se ter outra opção.
Não é pra pensarmos muito nisso.
Mas Hunter X Hunter quer muito pensar nisso. Ele quer questionar qual é a saída pra cada conflito. Dá pra desarmar essa briga sem luta? Existem violências piores que a luta? O quão violentos são nossos heróis? Isso é bom? Existe espaço pra diplomacia nesse conflito? Existem brechas que ninguém tá explorando? Dá pra ser amigo dessa pessoa? Dá pra seguir inimigos, mas fazer um acordo? Eu seria uma pessoa mais valiosa pro mundo se eu tivesse treinado o poder de curar em vez do poder de matar?
Não é um mangá que dá respostas claras e acima de serem interpretadas pra todas elas. Mas são perguntas feitas.
E não são perguntas comuns nesse tipo de mangá. Mesmo nos que questionam o ciclo do ódio, não vão parar e perguntar “quais são as alternativas pra ninguém entrar em combate nesse arco?”, pois não é pra isso que estamos aqui.
Eu não acho que isso torna Hunter X Hunter nenhum tipo de desconstrução do battle shonen nem nada disso. Mas acho um diferencial que os próprios fãs tendem a ignorar enquanto antecipam e salivam por “mas quando o Hisoka vai lutar com o Illumi?”.