Rock Lee e seus sucessores.

R

Entre 1999 e 2014, existiu esse mangá chamado Naruto. E esse mangá foi gigante. Um dos mangás mais populares da história, que até hoje tá aí com seu spn-off Boruto tendo anime e mangás de sucesso. Virou filme, virou anime, games, bonequinhos e foi influente. E na real, pra minha geração, foi definitivamente uma das maiores portas de entrada para um jovem entrar na otakice e no buraco que é consumir anime e mangá como hobby.

E durante sua existência Naruto foi o maior e mais notório rival de One Piece, o mangá mais vendido da história, com quem disputou o título de mangá mais popular da maior revista de mangás do Japão, a Shonen Jump por mais de dez anos. E bem, em questão de vendas e números, One Piece definitivamente ganhou. Mas Naruto meio que ganhou essa briga em seu legado.

Enquanto o número de cópias e de mangás imitando One Piece são poucos, Naruto meio que serviu como o esboço do esquema de inúmeros mangás shonen que vieram depois. E as imitações de Naruto podem ser vista em todo lugar até o momento. Inclusive, hoje mesmo um dos mangás mais populares da Shonen Jump se chama Jujutsu Kaisen e rapidamente foi identificado como muito da base do anime se assemelha a Naruto, como a distribuição de gênero do quarteto principal, a relação deles entre si, e o demônio selado no protagonista.

Muitos protagonistas foram comparados ao Naruto, muitos eventos foram comparados a Naruto, e eu um dia quero fazer um texto só pra ver o que os Sasukes que tem praticamente em todo battle shonen depois de Naruto tem em comum.

E essas homenagens não se resumem a somente repetir o que Naruto fez. Naruto foi popular, e certamente como qualquer obra que chegue a esse nível de popularidade é refém tanto do que aconteceu quanto do que não aconteceu, e muita gente lembra da série nos termos daquilo que elas não viram se realizar. E esses legados de Naruto podem também dar essa satisfação aos fãs, a de fazer o que Naruto não fez.

E sabem o que Naruto não fez? Não colocou holofote o suficiente no Rock Lee. O ninja que não usava jutsus e o gênio do trabalho duro. E é sobre isso esse texto! Sobre como embora Naruto não tenha realmente sido a história do Rock Lee, muitos e muitos outros mangás entenderam que essa era a real história a ser contada, e cada um da sua maneira, vieram várias e várias releituras do conflito central do Rock Lee nos mangás que sucederam Naruto. Quero recapitular as principais delas.

Mas antes de falar do Rock Lee quero fazer o aviso de que o Dentro do Chaminé possui uma campanha de financiamento coletivo no apoia.se, com o objetivo de apoiar o blog financeiramente e a ajudar a valorizar o trabalho que eu coloco em manter o Dentro da Chaminé ativo e atualizado. Então eu peço que deem essa força com o valor que acharem justo, e chequem as recompensas no apoia.se que não bem simples, mas existem.

E por isso esse texto é em homenagem aos que já apoiam o Dentro da Chaminé e são os grandes heróis e tem a minha gratidão eterna, e esse espaço dedicado no texto só para eu agradecer. É sério gente, sou agradecido do fundo do coração. 

E aos que não quiserem se comprometer a contribuições mensais, também podem apoiar o blog fazendo um pix de qualquer valor na chave franciscoizzo@gmail.com que igualmente terão a minha gratidão e serão homenageados igualmente.

Também aproveito para avisar que além de spoilers de Naruto, o texto também contém spoilers leves dos seguintes mangás:

Então vamos lá: o Rock Lee, o personagem marcado pelo seu trabalho duro, teimosia, imensa disciplina, e desejo de continuar mesmo sem motivos pra esperança.. Eternamente lembrado por ser parte da luta mais famosa do anime, que por sua vez foi imortalizada por um milhão de AMVs da luta ao som de Linking Park.

A luta de Rock Lee contra Gaara é uma das mais marcantes do anime, pois além de uma boa coreografia, dois personagens marcantes e o desfecho trágico, ela representava um tema importantíssimo em Naruto que é o tema da vida do Rock Lee, a da dicotomia entre o gênio e o esforçado.

Naruto em sua primeira etapa, vendeu muito, mas muito mesmo essa ideia. Seu protagonista era um moleque que comeu o pão que o diabo amassou, ele não tinha talento pra nada, ele não tinha família, não tinha herança, não tinha pré-disposição, nem incentivo, nem recursos. Ele não tinha nada jogando a favor dele para ele ser grande e ninguém esperava nada dele. Mas ele queria ser o melhor de todos. O underdog definitivo. E ele rivalizou com o garoto que tinha tudo, uma herança familiar poderosa, genes poderosos, talento nato, puxa-sacos e todo um sistema simpatizando com ele. Todo mundo achava que o Sasuke ia ser o maior ninja do mundo e o Naruto não.

E provar que trabalho duro, dar o sangue e nunca desistir iriam superar esse número imenso de vantagens era meio que o ponto do protagonista e do mangá em sua primeira metade. E talvez por isso quando surgiu o Rock Lee ele soou como alguém que estava ainda mais na desvantagem que o protagonista.

Afinal ao menos o Naruto pode usar Jutsus. A narrativa do underdog do Naruto se aplicava tão bem ao Rock Lee, que era uma hipérbole da pessoa tentando seu melhor com desvantagens, ao mesmo tempo que seu adversário Gaara também era a hipérbole das vantagens, com um escudo que ativa sozinho defendendo-o dos ataques sem ele nem precisar pensar, que nossa o mundo pirou.

Era isso que o mundo queria.

E bem, chegou a fase que graças ao anime é conhecida como Shippuden e ao mesmo tempo e que o Lee passou a ter a mesma significância da Tenten, o tema do cara fodido trabalhando duro pra superar quem nasceu com tudo parou de ser comentado, e o próprio Naruto foi perdendo seu status de underdog, conforme ficamos sabendo que ele tinha todo um rolê de predestinação, era uma criança escolhida e herdeiro do maior ninja da vila.

E muita gente se frustrou com isso.

Enfim. O descarte da maioria dos coadjuvantes do Exame Chuunin é sentido com pesar na segunda metade do mangá, mas a do Rock Lee bate particularmente forte, pois o Rock Lee não soa como um secundário descartado somente, ele soa como um personagem que tinha material pra levar o mangá inteiro nas costas.

E todo mundo notou isso.

Sabe como eu sei que notaram?

Pois o drama de querer entrar em um mundo em que super-poder é um pré-requisito, sem ter poderes, mostrando que tudo pode ser superado se tornou um drama de protagonista recorrente dentro do battle shonen.

Naruto acabou em 2014 e em 2015 estreou na Jump um battle shonen que se você acompanha o que falam do subgênero nas redes sociais, deve sentir que ninguém no mundo gosta do mangá: Black Clover. Que segue em publicação até hoje, e que ainda não deu indícios sólidos de um arco final.

Tanto lendo os primeiros capítulos de Black Clover quanto só pegando o mangá por osmose, a primeira que você pensa quando vê é: Naruto.

Isso que muita gente acusa Fairy Tail de mirar em One Piece, mas eu acho que Fairy Tail já é em si um mangá inspirado primariamente em Naruto.

Black Clover é a história de Asta, um garoto gritão e energético que grita os seus sonhos a cada oportunidade e que vai fazer de tudo até ser o Imperador dos Magos, o que é essencialmente o mago mais poderoso de seu reino e que também uma figura de liderança no reino. A maneira como ele encara os inimigos, encara tudo de frente de maneira simplista e pouco estratégica e grita, faz ele ser muito semelhante ao Naruto, em um worldbuilding em que o sonho dele é muito parecido com ser o Hokage. E com um rival mais inteligente, mais calmo, mais frio e com um cabelo preto contrastante que firma o arquétipo de um Sasuke. Black Clover tem pouca vergonha de ser genérico e seu apelo definitivamente não é sua inovação e sim o conforto do quão familiar tudo ali soa, na primeira vista, muita coisa ali soa muito igual a Naruto.

Exceto pelos poderes do Asta. Esses são os do Rock Lee.

Asta é a única pessoa no reino inteiro a não possuir nenhuma mana, mas absolutamente nenhuma, nem uma única gota de magia em seu corpo, em um mundo onde todo mundo usa magia. E o que Asta faz com isso? Ele compensa com habilidades físicas invejáveis. Ele se exercita a torto e a direito, para que a força de seu corpo físico supere todas as limitações de não ser capaz de usar seus superpoderes. Sendo mais forte e mais rápido. Quando ele enfim consegue um “poder” no primeiro capítulo esse poder é uma espada capaz de cortar magia e vencer barreiras, para eliminar os obstáculos que impediriam a luta de poder ser resolvida na trocação honesta de soco.

Asta encontra um mestre em um mago que mesmo sendo perfeitamente capaz de usar magia, e usando uma apelona, é um dos únicos magos no reino que se deu ao trabalho de fortalecer seu corpo e aptidões físicas, e que por isso ele valoriza Asta e é capaz de guiar suas forças para que ele tenha sucesso em um mundo que não foi feito pra ele. De maneira bem parecida com o que o Guy faz com o Lee.

E o fardo da inadequação de não poder usar magia vai perseguir Asta por muito tempo, recentemente ele enfim se adequou ao segundo sistema de poder, além de magia, que o mangá inventou e não pode mais ser considerado sem poderes, mas por mais de metade do mangá ele consistentemente tinha que compensar fisicamente toda a magia e poderes mirabolantes que ele enfrentava, só sendo cabeça dura, se recusando a cair, e fortalecendo seus músculos.

Mas antes de Black Clover existiu outro mangá pesadamente influenciado por Naruto na Jump. Estreando em 2014, quando o fim de Naruto estava tão telegrafado que a interpretação comum é que o mangá já estava sendo apadrinhado como o sucessor de Naruto na Jump. O ainda em publicação Boku no Hero Academia.

Boku no Hero Academia é protagonizado por Deku, um jovem que nasceu sem nenhum tipo de superpoder, em um mundo de super-heróis em que a maioria absoluta das pessoas tem superpoderes. E ele estava determinado a ser um super-herói mesmo sem poderes.

Enquanto Asta tinha o poder do Rock Lee, mas a personalidade do Naruto, Deku tem mais em comum com a personalidade de Rock Lee, como a sua calma, seu romantismo, sua paciência e sua disciplina. Deku não fortaleceu seu corpo, mas passou muito tempo estudando sobre a vida de herói, como os demais poderes funcionam, e noções de estratégia. A ideia inicial de Boku no Hero não era a de que mesmo sem poderes, você pode lutar se for o jovem maromba. A ideia é de que se o coração estivesse no lugar certo você poderia lutar.

No caso de Lee, ele tinha o coração de um ninja, e um corpo poderoso, ele tinha ambos, e cada uma dessas características foram pros dois protagonistas dos dois sucessos que floresceram com o fim de Naruto.

Claro que Boku no Hero trai a própria premissa com infâmia muito cedo, quando ainda no primeiro volume, Deku ganha super-poderes, herdados do maior herói da terra All Might.

Então Deku tem poderes sim, diferente de Lee e de boa parte da jornada de Asta. E quebrando expectativas de quem realmente achou que Boku no Hero ia ser sobre um herói que usasse gadgets, inteligência e estratégia para compensar sua falta de poderes, igual o Batman.

o que gera a pergunta: mas afinal é possível triunfar sem poderes? Ou todo herói sem poderem está destinado a precisar ganhar um, ou desaparecer?

Isso os mangás não respondem.

Mas Boku no Hero Academia mesmo dando poderes para Deku, segue tocando na ideia crítica do quanto uma sociedade regida pela sua habilidade de usar poderes é doentia, com exemplos de personagens forçando casamentos com base só em hipotéticos poderes dos filhos, maus tratos a filhos que nascem abaixo do seu potencial de poderes, e recentemente mais um personagem se revelou como tendo ganhado seus poderes de alguém por nascer sem, e o quanto isso perturbou sua vida.

Aliás, quanto a ganhar poderes, existe um protagonista da Jump atual que começou sem poderes e ainda não ganhou seus super-poderes.

Mash Burnedead, protagonista do mangá da Jump Mashle, que estreou em 2020 e segue em publicação, é o mesmo esquema. Uma pessoa sem magia em um mundo onde ter magia é tudo na vida, e que malhou e malhou até se tornar hiperbolicamente forte o suficiente para poder enfrentar qualquer mago numa boa. Aqui os resultados dos treinos de Mashle tornaram ele uma espécie de Saitama de One-Punch Man, pela maneira como a força que ele adquiriu com exercícios simples se tornou exagerada em níveis cômicos.

E de todos os mangás citados até agora, Mashle é o que se passa no mundo mais hierarquizado de todos. Onde as linhas nos rostos dos personagens indicam seu nível de magia, pelo número de linhas e pela sua complexidade. E vamos vendo personagens com progressivamente mais linhas aparecendo para representar um nível ainda maior da elite.

O objetivo do mangá é fazer Mash triunfar todos, fazendo a pessoa na mais baixa hierarquia do mundo atingir o topo, se tornar o “mago” mais importante do mundo e com isso tornar essas hierarquias insignificante.

E é notável que em todas essas obras, Naruto, Boku no Hero Academia, Black Clover e Mashle, é enfatizada uma hierarquia social definida pela genética, ou seja, pelo nascimento. Os filhos de famílias prestigiosas, nascem poderosos, pois está nos seus genes a disposição pro poder. Mas esses personagens sem nenhum tipo de poder, vem de famílias insignificantes, isso quando sequer tem famílias, afinal, Asta é um órfão. Rock Lee é um dos poucos ninjas de Konoha cuo pai nunca vimos, e apesar de muitas teorias de que o pai de Deku venha a ser importante, até segunda ordem ele é um insignificante.

Nisso a ascensão de alguém que nasceu do nada e nasceu sem nada para tirar a dominância das famílias que controlam a sociedade vira um tema recorrente desse tipo de personagem. Em Naruto, a família mais prestigiada de Konoha, era a família Hyuuga, e apesar dessa família terminar fazendo pouca diferença na história do mangá, o seu herdeiro Neji era o rival pessoal de Rock Lee.

Esse tema é revisitado com uma reviravolta interessante em Jujutsu Kaisen.

Apesar do protagonista de Jujutsu Kaisen, Itadori, ser muito mais limitado em seus poderes do que o resto do elenco, e ser incapaz de fazer qualquer coisa além do básico, o Rock Lee de Jukutsu é a personagem Maki Zenin, que é de fato completamente incapaz de usar energia amaldiçoada, e tal como com os demais personagens, essa limitação está no centro de muito das superações dos personagens.

Maki não só precisa ser forte e atlética para compensar sua falta completa de energia amaldiçoada, ela precisa também de vários itens mágicos para poder se igualar com os demais guerreiros da série e ela precisa até de um par de óculos especial só pra permitir a ela ver o que os demais veem. Mas apesar disso, ela vem de uma das maiores famílias de elite do mundo de Jujutsu Kaisen. Um bando de engomadinho de kimono tão escrotos que quando eu lia eu achei que eles eram uma referência direta ao clã Hyuuga.

Mas mesmo sendo da família pimpona, ela ainda tem que enfrentar a própria família pimpona. Pois ela recebeu maus tratos e sabotagens de sua família pela sua incapacidade de ter poderes, ao ponto que ela mesma sai da família. Após seu próprio pai tentar matá-la para melhorar a própria imagem, ela própria ataca e mata seu próprio pai entre outros parentes, nos dando a catarse de ver ela triunfar sobre seus opressores da maneira mais radical possível, e seguir sendo parte importante do mangá mesmo estando fora do trio central.

E eu queria falar que isso encerra o arquétipo ao menos dentro do que está sendo publicado atualmente na Shonen Jump, mas tem dois mangás que eu acho que merecem ser mencionados:

Ayashimon e Doro Dororon são dois mangás de lutinhas que acabaram de estrear e que já estão as vésperas de seus cancelamentos que são casos curiosos. Eles estrearam ao mesmo tempo, fracassaram juntos, e apesar de premissas bem diferentes, os dois são protagonizados por um Rock Lee. Enquanto Doro Dororon é um Anti-Monster Corps no mais genérico possível que o subgênero pode oferecer, em que em um mundo em que os personagens usam uma aura especial em seus corpos, para usar habilidades e enfrentar monstros, o protagonista quer enfrentá-los mesmo sem essa aura, em vez disso lutando lado a lado com um monstro que gosta dos humanos e quer protegê-los. Substituindo falta de poder com trabalho em equipe. Ayashimon por outro lado é sobre um rapaz que faz um treinamento homérico para obter força física e atletismo o suficiente para poder sair com Yokais na porrada e poder servir a uma espécie de Yakuza dos Yokais.

Nenhum desses dois é grande coisa, e se você ler esse texto alguns meses depois dele ter sido escrito, então nada que ainda exista ou será comentado de novo por qualquer pessoa. Mas que enfatiza o momento atual como um momento em que a Jump possui 6 ressignificações do Rock Lee em seus mangás em publicação.

E honestamente fora da Jump, eu não exatamente vejo muito uso de releituras do Rock Lee em mangás. Ao menos não em battle shonens. Se eu olho os principais mangás de lutinhas da Magazine ou da Sunday, geralmente o protagonista tem seus poderes normalmente.

Mas temos casos aqui e ali focados em protagonistas sem poderes em um setting poderoso, e o esforço e humilhação que isso desencadeia. E todo o bullyng e elitismo derivado de quem tem mais poder e quem não tem poder.

Um caso curioso é o de Talentless Nana. Que é um daqueles mangás, que vendem uma premissa no capítulo 1, dão um twist estranho no fim do mesmo capítulo e então seguem com a verdadeira premissa no capítulo 2. E parte desse direcionamento enganoso do capítulo 1, envolvia um aluno marcado por ser o único sem poderes em uma escola de crianças com poderes, para marcá-lo como o nosso protagonista. Ser sem poderes e sofrer bullying por não ter poderes fazia dele um personagem fácil de se identificar como o grande herói do mangá.

Claro que então descobrimos que ele tinha poderes, ele é tirado de foco e nós descobrimos e que o real aluno sem poderes era na verdade a verdadeira protagonista, mas não a heroína, e sim uma vilã-protagonista. No caso: uma assassina de pessoas com poderes, que usando somente sua inteligência, blefe e uma dose de improviso, consegue levar até a morte pessoas muito mais poderosas do que ela.

Mas o elitismo claro que o tipo de personagem costuma trazer à tona não está presente ali, uma vez que nenhum outro personagem vem de uma família pimpona, e ela só mente que tem poderes para a escola como uma maneira de disfarçar seus crimes e facilitar futuros assassinatos, não para evitar questões de bullying ou rejeição. Ela não acredita que tenha algo de errado nela, ela acha que errado é ter poderes.

Para achar a carga do elitismo que faz a vitória do personagem soar principalmente como uma vingança catártica a toda uma casta que meramente teve sorte ao nascer, o melhor lugar para se olhar são os mangá com escolas de magia.

Em Little Witch Academia, vemos Akko, uma menina com nenhuma aptidão para magia, que foi aceita em uma escola de magia só porque a escola estava desesperada por alunos. E que insiste em querer ser uma bruxa tão influente quanto sua heroína Shiny Chariot, mesmo sem conseguir fazer nem o básico.

Diferente de todos os outros exemplos, Akko não tem com o que compensar sua falta de aptidão, ela não tem habilidades físicas notáveis, equipamento tecnológico, disciplina e ela é dessintonizada das tradições e cultura bruxa a um nível que nem mesmo o bom e velho “mas o coração é de uma bruxa” ela consegue afirmar.

O que ela tem é teimosia, cabeça dura, e um sonho. E uma perspectiva completamente nova para dar, que se levada a sério, pode salvar toda a cultura bruxa de se apagar sozinha do mundo.

E a coragem de usar seu status de forasteira para desafiar e questionar a maneira elitista como o mundo bruxo se organiza.

E assim. Existem várias histórias sobre não ter magia em um ambiente mágico, entre boas e ruins, entre as que eu conheço e eu não conheço. O ponto para mim é essa postura abertamente desafiante em relação a todo o seu redor. Um mundo feito para fazer a cabeça desse personagem abaixar e ela não abaixa, ele se defende e se afirma com força, inteligência, acessórios ou qualquer outro tipo de ajuda até que o que se abaixa é o mundo.

Porque assim o Iruma de Mairimashita! Iruma-Kun não tem realmente a hostilidade de querer que as estruturas que regem a escola dele entrem em colapso. Pelo contrário, ele parece bem confortável só jogando o jogo normalmente.

O poder do Rock Lee não é só o que ele podia fazer, mas o que ele queria provar.

E a sua grande tragédia é que ele não provou.

Rock Lee perdeu suas duas lutas principais na história, não conseguiu destaque nenhum quando a luta contra a Akatsuki toma o centro do mangá. E no final, porque o Guy continuou tendo destaque sem seu pupilo, o Lee não foi sequer capaz de fechar o mangá sendo o melhor lutador de Taijutsu no mundo, pois seu mestre que sabia Ninjutsu e Genjutsu ainda o superava em Taijutsu. O fato de Naruto e Sasuke terem nascido bem foi determinante para a batalha final, mostrando que o trabalho duro não vence todas se você não nascer bem, e ao final nem sequer a fofoca de saber com quem ele se casou ele ganhou.

Ele não provou nada. Ele fracassou.

E nem ele nem seu filho foram dignos de fazer uma aparição no mangá de Boruto

Mas a marca que ele deixou segue viva.

E vários outros heróis de shonen partiram pra provar o que ele queria provar.

Alguns com mais sucesso do que outros.

Mas a sensação que eu tenho na real. É que Naruto deixou um esboço bem claro de como os futuros mangás da Jump seriam conduzidos. E nisso eu acho que o Rock Lee acabou sendo parte fundamental desse esboço, mesmo se pouco valorizado na própria obra, ele se tornou um dos maiores legados de Naruto, por mais que não seja no próprio mangá ou seus spin-offs que isso seja notado.

Pois Naruto alterou drasticamente a fórmula do battle shonen, hoje eles não tentam ser Dragon Ball, eles tentam ser Naruto, e eles tentam. Você ainda acha traços de Naruto em tudo o que estreia.

E isso significa as vezes fazer o que Naruto fez, mas mais vezes ainda, significa fazer o que Naruto devia ter feito.

Eu só lamento que Black Clover eventualmente tenha decaído tanto em qualidade da metade do arco dos elfos em diantes, pois eu não vou mentir. Tinha algo catártico em ver o Asta triunfar que funcionava muito bem. Era um battle shonen honesto, não queria fingir que era novo, queria só nos lembrar de porque esse tipo de mangá funciona.

De resto, para finalizar quero aqui divulgar um episódio velho do Ao Quadrado, o podcast do qual eu faço parte, em um episódio que eu não participei, mas onde se debatem ideias do que Boruto poderia ter sido, que eu acho que complementa esse texto.

Sobre o autor

Izzombie

Sou um cara chato que não consegue ver um filme sossegado sem querer interpretar tudo e ficar encontrando simbolismos e mensagens. Gosto de questionar a suposta linha que separa arte de filmes comerciais, e no meu tempo livre pesquiso sobre a história da animação.

Sobre o autor

Izzombie

Sou um cara chato que não consegue ver um filme sossegado sem querer interpretar tudo e ficar encontrando simbolismos e mensagens. Gosto de questionar a suposta linha que separa arte de filmes comerciais, e no meu tempo livre pesquiso sobre a história da animação.

Alertas

  • – Todos os posts desse blog contém SPOILERS de seus respectivos assuntos, sem exceção. Leia com medo de perder toda a experiência.
  • – Todos os textos desse blog contém palavras de baixo calão, independente da obra analisada ser ou não ao público infantil. Mesmo ao analisar uma obra pra crianças a analise ainda é destinada para adultos e pode tocar e temas como sexo e violência.

Artigos recentes

Categorias

Parceiros

Blog Mil

Paideia Pop

Gizcast

Arquivo