100 Kanojo e a caracterização de Yoshimoto Shizuka:

1

Kimi No Koto Ga Dai Dai Dai Dai Dai Sukina 100-nin No Kanojo (As 100 Namoradas que Gostam Muito Muito Muito Muito Muito de Você, que ao longo do texto será abreviado para 100 Kanojo) é um mangá que eu adoro. Tive a sorte e o bom timing de ter começado a acompanhar desde que o primeiro capítulo saiu, e não foi um amor instantâneo, no primeiro capítulo eu ainda estava com o pé atrás, mas o mangá cresceu em mim aos poucos. E depois que comecei a gostar, foi um amor ininterrupto, de toda semana ansiosamente esperar pelo capítulo novo. É um prazer imenso acompanhar esse mangá. E agora depois de dois anos acompanhando sem perder uma semana, enfim dou um espaço para esse mangá dentro dessa chaminé. Faz tempo que eu queria dedicar um texto a ele e a hora chegou.

A premissa do mangá é sobre um rapaz no colegial chamado Aijou Rentarou, que é alertado pelo Deus do Amor, que ele está destinado a encontrar 100 Almas Gêmeas durante o seu colegial, e que todas as Almas Gêmeas que ele encontrar e não namorar, irão morrer. Sem estar disposto a escolher somente uma e condenar noventa e nove, Rentarou decide então namorar todas ao mesmo tempo, e se dedicar de corpo e alma a ser um namorado tão perfeito, mas tão hiperbolicamente perfeito que nenhuma nunca vá se sentir nada menos que a menina mais amada do mundo, mesmo sabendo que divide o namorado com várias outras.

É uma premissa absurda de uma comédia absurda, pautada em exagero, em paródia e em quebra de quarta parede. Essencialmente o Gintama das comédias românticas.

Mas o que mais chama a atenção mesmo é o número surreal de protagonistas que ela deixa implícita.

Rentarou conhece suas namoradas uma a uma, e agora, enquanto esse texto está sendo escrito, ele atualmente namora 17 ao mesmo tempo…. isso não é nem 1/5 do total. E a curiosidade mórbida para ver como os autores vão fazer pra não jogar o mangá ladeira abaixo quando tiverem namoradas demais pra história funcionar, é parte do que motiva o público.

Eu próprio admito estar curioso com como o mangá vai fazer quando forem 30 namoradas. Sério, como os capítulos vão ser conduzidos quando estivermos em 30? É loucura demais pensar nisso. Inclusive o tipo de encontro que já se torna inviável de se fazer com muita gente foi bem explorado no capítulo em que todos entalam na cabine de fotos por terem mais pessoas que a cabine foi planejada para suportar.

Juro que espero ansiosamente pela hora que o Rentarou vai precisar fechar um restaurante inteiro para levar as meninas pra jantar. 

Mas antes de focar em uma dessas namoradas e falar a fundo de uma menina que o Rentarou ama muito. Eu quero falar das pessoas que eu amo muito: os padrinhos do Dentro da Chaminé. Afinal o Dentro da Chaminé possui uma campanha de financiamento coletivo no apoia.se. E quem quiser contribuir financeiramente para o blog com a quantia que achar justa, vai receber esse amor todo também. Quem não quiser contribuir não vai perder textos, mas a ajuda é muito bem-vinda. Quem não quiser se comprometer com uma contribuição mensal, pode fazer uma contribuição única mandando um pix no valor que achar justo para a chave franciscoizzo@gmail.com. Te garante uma homenagem do mesmo jeito.

Então esse texto é dedicado em homenagem a Maria Cavalcante, Alberto Nunes, Guilherme Magalhães, Darlan Lima, Ruan do Nascimento e Gabriel Almeida. Queria poder dar o mundo pra vocês. Mas o que eu tenho são meus textos e minha atenção. Então vamos voltar a falar sobre o mangá do cara que de fato dá o mundo para suas amadas.

100 Kanojo é um mangá que atualmente conta com 18 protagonistas. E isso é gente pra cacete. Inclusive é minha teoria principal de por que estão enrolando para anunciar um anime mesmo sendo um mangá de sucesso. Protagonista demais, menina demais que vai ter que ser animada e dublada todo capítulo. E apesar disso, eu quero dedicar o meu texto para focar em apenas uma delas. Só para a protagonista que mais chama a minha atenção positivamente, por ser escrita de uma maneira que contrariou minhas principais expectativas: Yoshimoto Shizuka, a namorada nº3.

A Shizuka não é minha favorita. Minha favorita é a Karane. Eu simpatizo com tsunderes. A Shizuka também não é minha segunda favorita. Minha segunda favorita é a Nano. Eu simpatizo com a eficiência dela. E a Shizuka não é nem sequer minha terceira favorita. Minha terceira favorita é a Kusuri. Então eu escolhi a Shizuka como o tema do texto, não porque a personagem tem muito da minha simpatia, ela super está no meio da minha lista, mas é porque ela tem a minha atenção pela maneira como sua caracterização desperta meu interesse.

A personagem que me faz olhar e ter um exemplo claro e palpável de porque esse mangá é tão bom e do que ele tem a oferecer. Pois o que me chama a atenção nela, também acontece com a maioria das outras meninas, de maneira que se destacou menos pra mim, mas está lá, rolando com praticamente todo mundo.

Parte importante do que eu vou falar aqui por exemplo, se aplica também à Naddy, por exemplo.

A coisa que mais chama a atenção em Shizuka é que ela não fala. O que já está indicado em seu nome, pois shizuka () significa silenciosa em japonês e esse mangá é dessas comédias em que todo nome tem um trocadilho. Mas voltando ao ponto: Shizuka fala somente por trechos de seus livros favoritos. Na sua primeira aparição ela faz isso apontando as palavras no livro, mas quando ela começa a namorar Rentarou, ele dá para ela de presente um app em seu smartphone que leia os trechos do livro dela em voz alta, para ela ter uma voz. E com isso ela passou a conseguir conversar olhando as pessoas nos olhos.

A Shizuka é uma menina muito introvertida e tímida. Que passa todo o tempo livre lendo livros isolada. Por isso é muito normal que associemos sua recusa em falar como parte disso. Como um sinal claro de sua timidez e do quanto ela não se sente à vontade com as pessoas a sua volta. Ela não consegue se comunicar com os outros, ela prefere ler livros a conversar e por isso ela é muda.

Afinal, mesmo quando ela está passando tempo com as demais namoradas do Rentarou, ela costuma estar no canto dela lendo.

Essa é uma linha de raciocínio que afinal é a base de duas personagens femininas de mangás de comédias românticas que estão no auge de sua popularidade atualmente, pelos animes que estrearam recentemente. A protagonista Komi de Komi-San Wa Komyushou Desu. E a secundária Sumi de Kanojo Okarishimasu, que protagoniza seu próprio spin-off em Kanojo Hitomishirimasu.

Ambas se veem incapazes de falar, por conta de sua alta timidez e introversão. E cabe ao protagonista ajudá-las a navegar pelo mundo com sua timidez, e aos poucos ajudá-las a desabrocharem pro mundo e pararem de se fechar. O que significa ajudá-las a aos poucos serem capazes de falar.

Mas Shizuka vai no caminho oposto.

Com Shizuka a relação entre sua introversão e sua mudez-voluntária ocorreu na ordem inversa. Ela desde criança sempre escolheu não falar, exceto por frases de livros já prontos. Isso é uma mania, algo que ela faz, e uma opção que começou muito cedo em sua vida. Ou seja: Shizuka é uma menina estranha. Que tinha uma mania estranha. E sua timidez é na verdade consequência dela ter sido tratado como uma menina estranha sua vida inteira.

Sua mãe achava a filha estranha demais, e reagia com violência a insistência da filha de falar por livros. Ela sofria bullying na escola porque ela queria se comunicar de um jeito estranho. E isso a isolou. Ela perdeu a confiança com as pessoas, e ficou retraída.

E aí quando ela descobre que Rentarou, de quem ela gostava, já tinha duas namoradas, ela se sentiu diminuída e desencorajada, de saber que disputaria os afetos com duas garotas que não eram estranhas. Pois para Shizuka, sempre teve uma insegurança imensa de saber que ela não é normal.

Estranha, anormal, assustadora… esses são adjetivos dos quais Komi e Sumi nunca foram chamadas. Já que a ideia do mangá é que elas são lindas e atraentes e fazem os homens quererem se comunicar com elas, o que só as intimida. Com Shizuka não, isso faz as pessoas tomarem a iniciativa em se afastar dela.

Mas Rentatou nunca a tratou como se ela fosse estranha, em vez disso deu espaço para ela falar do jeito dela numa boa, só lhe dando um aparelho que deixava a comunicação mais conveniente. E que permitia que ele olhasse ela nos olhos enquanto conversavam.

E desse ponto em diante, o mangá nunca cria uma pressão para que Shizuka perca suas travas sociais e comece a falar normalmente. Ela fala do jeito que ela se sente confortável falando, e está cercada de entes queridos que aprovam isso. E isso é o que importa. Afinal, não é como se por não falar com a boca, a Shizuka tivesse dificuldades de se comunicar com as demais namoradas.

Não falar com a boca não impede ela de ser honesta quanto as suas inseguranças e de falar abertamente como se sente de maneiras que muitas pessoas que falam normalmente poderiam guardar pra si.

Ela, inclusive, abertamente desafia as outras meninas, quando acredita que elas estão erradas. Ela não se encolhe perante elas nem deixa de falar o que pensa.

Ela expressa a sua opinião o tempo todo e é sempre ouvida.

Ela até mesmo canta no karaokê. Pois não é como se ela não soubesse soltar a sua voz. Ela só não se sente à vontade falando sem usar o livro.

Ela não é a Komi-San, no sentido de que ela não tem um problema de comunicação e ela não tem problemas em se expressar ou em questionar os outros. Ela só realmente prefere fazer isso pelos trechos de livros. E isso só é um problema quando ela é maltratada por ser estranha.

A timidez de Shizuka é um assunto dela. Sua mudez voluntária também. Mas os dois assuntos não são conectados. Perder a timidez não significa perder a mudez, nem vice-versa.

O que se intensifica conforme o número de namoradas cresce. Porque assim: Shizuka definitivamente é tímida e é introvertida e é retraída, ela é tudo isso. Mas esses não são os elementos centrais de sua caracterização. Ela não é nem sequer a “Namorada tímida do Rentarou”, pois a Kakure Meme é mais tímida ainda e chama mais atenção ainda por ser tímida.

Quando o mangá quer rotular qual é a característica central de Shizuka que destaca dela das demais namoradas, quase sempre é apontado que ela é pequena, fraca e fofa, e parece um animalzinho, por ser pequena, fraca e fofa. Essa é a piada por trás dela, mais do que a sua timidez, mais inclusive que o fato dela não falar… afinal pela conveniência do smartphone ela fala. Ela fala (sem a voz) com tanta frequência, que lendo no mangá a gente até esquece. O humor dela vem de sua fofura e fragilidade e como isso afeta os outros.

Mas o mais importante é: o mangá não passa a impressão de que o arco dela é o de eventualmente ter uma cena em que ela precisa falar e superar suas travas sociais. Vocês sabem do que eu estou falando, aquele momento em que ela se importa tanto com algo, que ela reúne toda a coragem do mundo e fala. Esse tipo de história adora fazer esse tipo de cena. Mas com Shizuka o que rola na verdade é o contrário.

No arco em que as meninas têm que jogar Baseball contra um time rival. Uma das jogadoras do time rival, decide fazer a Shizuka, que parecia ser o elo fraco do time, ficar insegura de si mesma durante o jogo, para ter uma performance ruim e perder a partida. Então elas falam para Shizuka que ela é fraca e está só atrapalhando a vida de todo mundo ali e que eles vão perder a partida, pois ela não serve para jogar e coisa e tal… e esse bullying todo funciona, ela fica insegura e mal com os comentários.

E foi aqui que esse aspecto da Shizuka me chamou a atenção de verdade e que eu notei o que estavam fazendo com a personagem. Ela começa a chorar, o Rentarou e as meninas vão ver o que ela tem, e ela fala com a própria voz, pedindo desculpas por ser um estorvo e dar trabalho.

Em qualquer outro mangá com um personagem mudo que fala por escrita, o momento em que eles falam com a própria voz serve pra simbolizar que foi dado um passo significativo para eles recuperarem a confiança em si e se abrirem. Mas não aqui. Aqui, ela ter escolhido pedir desculpas falando normalmente, é um sinal de que ela regrediu, que a vergonha por ser inadequada reativou a sua vergonha de si mesma, e ela se pressionou a falar normalmente para parar de dar trabalho pra Família Rentarou. Ela havia voltado a ser a menina com vergonha de ser a menina estranha tentando ser normal. E ela falou com Rentarou e as meninas da mesma maneira que ela fala com a própria mãe.

Inclusive, ela fala exatamente a mesma frase.

E isso acontece de novo mais tarde. Quando ela e Kusuri em um encontro no shopping esbarram em um estranho. Ele começa a xingar as duas e ela instantaneamente muda para sua voz verdadeira, para pedir desculpas. É a mesma coisa. Quando ela se sente realmente intimidada ela usa sua voz. Não for confiança, mas por pressão. Tanto que ela só abre a boca para se desculpar.

Completamente diferente da postura dela quando ela explica suas convicções morais com confiança.

Como por exemplo, quando ela aceita ficar pra trás e enfrentar o cão de guarda da Hahari quando queriam ajudar Hakari a fugir de casa.

Shizuka é tímida, mas não é falando que ela mostra que se sente à vontade com as demais personagens e que ela está superando a sua timidez.

Na primeira vez que ela interagiu com as outras namoradas do Rentarou, a Karane dá uma bronca nela. Shizuka mentiu que não queria se aproximar de Rentarou durante o encontro, pois ela achou que o Rentarou deveria dar prioridade para quem chegou antes e ela insultaria as outras meninas se tentasse algo com ele na frente delas

Karane, que é super brava, então fala que o relacionamento poliamoroso não iria funcionar se a Shizuka tivesse vergonha das duas e não falasse o que pensa. Que não existia uma “ordem de chegada”, e que ela estava se comportando como uma amante e não como uma namorada. Reforçando que elas eram iguais e que era importante que fossem pra esse lance de ter várias namoradas funcionar.

E depois de se desentenderem por um capítulo, Shizuka entende que saber comunicar os próprios sentimentos era importante, e pede um beijo de Rentarou. E esse foi o processo dela superando uma vergonha de ser ela mesma e de ser espontânea na frente das outras namoradas. Não teve relação nenhuma com a maneira como ela falava. Pois não é na maneira como ela se comunica que ela revela sua timidez, e sim se ela consegue ser a si mesma ou não.

E o arco dela é esse: entender que ela está entre iguais, em um ambiente que a aceita e que ali ela pode ser ela mesma. Que ninguém ali vai dar um tapa nela e mandar ela ser normal. Diferente da situação na própria casa.

Não acho que é coincidência que a Shizuka parece feliz com todo o conceito de as namoradas se chamarem coletivamente de Família Rentarou. Pois Shizuka consegue ali algo que ela não consegue em sua própria família.

E o que eu acho especial nisso? É que eu acho que Shizuka é somente o exemplo mais extremo de algo que acontece com boa parte das demais namoradas do Rentarou.

Seja a Kusuri que alienou seus amigos de química testando suas drogas neles. Ou Iku que mandou as colegas de time pros EUA, ou Kurumi e Nano que optaram por afastar todas as pessoas de perto, pois não se viam lidando bem com outras pessoas ou Chiyo e Naddy que são pessoas difíceis de se lidar. A maioria das namoradas do Rentarou seguem a estrutura de serem pessoas solitárias e com essa solidão ser consequência de elas serem arquétipos caricatos de comédia romântica, com trejeitos excêntricos com os quais ninguém realmente quer conviver.

100 Kanojo contrasta a outra comédia romântica popular da atualidade sobre poliamor Kanojo mo Kanojo, pelo seu imenso idealismo. Em Kanojo mo Kanojo o protagonista parece ter uma vergonha imensa de não ser monogâmico, as suas duas namoradas nem disfarçam que não estão realmente satisfeitas com a situação, e todo mundo o julga. O mangá te incentiva a não ver beleza no relacionamento que os três formaram, pois os três participantes do relacionamento não veem, e os secundários jogam isso na cara deles. Além de o mangá deixar subentendido que o romance de três é uma fase e que seu protagonista um dia vai ter que enfim escolher uma das duas.

Apesar disso eles conseguiram um anime e 100 Kanojo não.

100 Kanojo vai na direção oposta, e te incentiva a ver na Família Rentarou, um relacionamento acalentador e muito positivo. E isso se dá, porque essas meninas não estão ali só pra paparicar o ego do Rentarou. Mais do que namoradas do Rentarou, elas se tornaram aliadas uma da outra. E criaram um ambiente de aceitação e apoio.

E quase todas elas precisavam de aceitação e apoio. Quase todas elas eram solitárias. E quase todas afastavam intencionalmente ou acidentalmente qualquer potencial companhia em suas vidas. Isso é, até conhecerem o Rentarou.

Mas agora, isso aqui é importante. Elas eram solitárias antes de conhecerem o Rentarou, mas o namorado não tá ali para matar a solidão, o namorado tá ali para paparicar elas e fazer elas se sentirem a maçã mais vermelha do pomar. As amigas estão lá para matar a solidão. É no contato que elas formam com os demais membros da família que elas resolvem o problema de não ter amigos, assim como a lidar com suas principais inseguranças.

Boa parte da dinâmica do mangá inclusive envolve acompanhar as amizades específicas que as garotas fazem uma com a outra. Afinal, a relação delas com Rentarou é igual. Todas elas amam Rentarou e Rentarou ama todas elas, não tem nada específico, e nem devia ter.

Mas entre elas, elas claramente têm duplas mais recorrentes, rivalidades, amizades pra vida…. e até mesmo tensão sexual. Todo mundo vê que Hakari e Karane tão loucas para serem um casal e se namorarem, mas só não admitem.

No caso de Shizuka, ela tem uma amizade muito forte com Eiai Nano, a quarta namorada. Com quem ela mais vezes do que não forma uma dupla, na maioria das situações.

A amizade de Nano com Shizuka é completamente baseado no jogo de opostos delas. Nano é tudo o que Shizuka não é e vice-versa. Shizuka é sensível e Nano é fria, Shizuka é fascinada por mundos de fantasia e Nano só se interessa pela realidade. Shizuka é pequena, Nano é alta. Shizuka é fraca Nano é forte. Shizuka se perde em cenários que ela imagina e Nano é racional. Shizuka acha importante manter a castidade e Nano… não acha.

E mesmo assim as duas formam uma das amizades mais constantes do mangá. É dito verbalmente que o amor de Nano por Shizuka causa curto-circuito em sua mente puramente racional, e uma já protegeu a outra diversas vezes quando a natureza gag do mangá coloca elas em perigo improvável.

E chega em um ponto em que as duas passam o tempo livre delas juntas, mesmo quando não estão passando esse tempo com o Rentarou. Como na vez que ele topou com as duas passeando no shopping, por acaso.

Mas não é só a Nano, ela se dá bem com todo mundo ali. Brinca com a Kusuri, protege a Hakari, co-pilota um helicóptero com a Mei… ela claramente achou o próprio espaço.

E eu acho isso especial.

O último aspecto de Shizuka que me chama a atenção é que ela é puritana. De todas as garotas ali ela é a que mais valoriza a castidade, e que acredita em manter o relacionamento com Rentarou sem passar do beijo até o casamento… digo, a Chiyo provavelmente acredita nisso também, mas a Shizuka é a que entrou no assunto. Esse aspecto de Shizuka é interessante justamente porque força ela a ser a empata-foda do rolê as vezes. E a colocam em uma situação em que ela não está do mesmo lado que o resto das meninas…

A visão de sexualidade mais conservadora de Shizuka é algo que ela herda dos livros de fantasia que ela lê, e parte de tirar muito da sua visão de mundo ideal de livros de fantasia medieval. Mais de uma vez ela imaginou a si mesma como uma princesa e Rentarou como um príncipe ou cavaleiro em um romance idealizado e puro. E é um reflexo do impacto que livros tem em sua vida.

Mas é bom justamente para reforçar que apesar de Shizuka ser solitária, ter crescido sem nenhum amigo, e de que obviamente ela vai fazer o seu melhor para se dar bem com as namoradas do seu namorado, ela não vai deixar de acreditar no que ela acredita em função de ser a minoria. Que ela não vai deixar de agir como ela agiria em função desses amigos. Justamente, o ponto de ser parte da Família Rentarou é ser exatamente quem ela é. E agir assim, envolve muitas vezes não estar de acordo com as demais, e fazer o papel da pessoa que condena a curiosidade sexual das suas colegas. Ela pode ocupar um papel de obstáculo as demais, e elas não vão deixar de ser amigas se discordarem. É importante mostrar justamente que não existe a pressão dos pares ali. Nenhuma das meninas está se adequando ao grupo….

Digo rolou uma pressão quando foi a vez da Chiyo empatar os beijos. Eu admito que ali foi pressão mesmo. Mas foi só daquela vez. E só porque ela tentou proibir o beijo na Família Rentarou inteira.

Mesmo se o Rentarou discordar da visão de mundo da namorada, ele nessas horas tenta explicar a própria visão de mundo. E mostrar pra ela como ele vê a situação. Como foi o caso da Nano. Que achava que criar laços com pessoas era uma atividade inútil e ineficiente, pois ela não obtém nada de valor com isso. Quando Rentarou provou por lógica que ela adquiriu algo de valor no passeio que eles tiveram no parque, ela repensa sua hipótese baseado em nova evidência.

Mas mesmo Nano sendo uma garota que mudou parte de si em contato com Rentarou, ela deixa extremamente claro que ela não foi obrigada ou pressionada a isso. Ela acredita que ela não tem a menor necessidade de ser amiga das demais namoradas de Rentarou, e que ela considera as demais suas amigas, pois gosta delas, sem nenhum senso de obrigação.

Nano mudou, pois decidiu que amizades valiam a pena. Mas o ambiente não foi um ambiente que forçou amizade em Nano. E da mesma maneira, Rentarou claramente discorda da maneira como Mei só vê valor em si mesma quando segue ordens. Mas Rentarou nem as demais meninas realmente conseguiram fazer Mei desencanar de querer seguir um mestre. E nada aconteceu com a teimosia de Mei ser mais forte que o bom-senso de todos os outros, vida que segue, Mei segue sendo amada.

O amor de Rentarou é incondicional. Forças do cosmos atraem ele até suas almas gêmeas, e eles foram unidos por Deus. Mas o amor das meninas entre elas não é incondicional. É uma escolha que elas fizeram sem ter a menor obrigação de fazer. E é um exercício de aceitação. Algumas vão repensar suas más atitudes em prol do grupo.

Outras não vão.

Mas todas elas escolhem ser uma família, não por beijar o mesmo rapaz, mas por estarem constantemente sendo uma companhia positiva na vida uma da outra. Por se aceitarem com todas suas bizarrices, por não se julgarem. E por acharem um espaço onde elas podem ser elas mesmas e serem parte de um grupo ao mesmo tempo.

E nenhuma namorada personifica isso melhor do que a Shizuka. Aprendendo a se soltar mais e a ser mais expressiva na frente das amigas, sem esse processo envolver ela ser obrigada a falar de uma maneira normal, dando espaço para ela seguir sendo estranha e excêntrica.

Só espero que não venha no futuro nenhum arco de “Shizuka aprende a falar sem o Smartphone” para não desmentir minhas conclusões. Pois isso realmente me fascinou.

E isso encerra o último texto do ano! Foram 30 textos no total em 2021, pessoalmente alguns dos textos que eu mais gostei de ter escrito saíram esse ano e foi um ano bem legal pro Dentro da Chaminé. Muitos leitores novos vieram, deu para notar nas redes sociais isso. Eu senti que consegui manter um ritmo de escrita razoável, e tomei os primeiros passos para transformar esse blog aqui em meu trabalho. Me sinto muito satisfeito com como foi esse ano para o blog, e vocês leitores são parte fundamental disso.

Então espero que tenham tido um bom natal, que tenham uma ótima virada de ano, que atinjam suas metas, que a vida melhore, que sigamos resistindo a vida no pós-Brasil apesar das tragédias quase que diárias nas notícias. E nos vemos ano que vem, estou cheio de ideias para textos futuros, espero que tenham gostado dos que vieram e que gostem do que está por vir.

Feliz ano novo e feliz 2022 para todos!!

Sobre o autor

Izzombie

Sou um cara chato que não consegue ver um filme sossegado sem querer interpretar tudo e ficar encontrando simbolismos e mensagens. Gosto de questionar a suposta linha que separa arte de filmes comerciais, e no meu tempo livre pesquiso sobre a história da animação.

Sobre o autor

Izzombie

Sou um cara chato que não consegue ver um filme sossegado sem querer interpretar tudo e ficar encontrando simbolismos e mensagens. Gosto de questionar a suposta linha que separa arte de filmes comerciais, e no meu tempo livre pesquiso sobre a história da animação.

Alertas

  • – Todos os posts desse blog contém SPOILERS de seus respectivos assuntos, sem exceção. Leia com medo de perder toda a experiência.
  • – Todos os textos desse blog contém palavras de baixo calão, independente da obra analisada ser ou não ao público infantil. Mesmo ao analisar uma obra pra crianças a analise ainda é destinada para adultos e pode tocar e temas como sexo e violência.

Artigos recentes

Categorias

Parceiros

Blog Mil

Paideia Pop

Gizcast

Arquivo