Last Night in Soho e a sua diferença em relação aos protagonistas de Edgar Wright.

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Minha gente, eu adorei o Last Night in Soho. Nossa que filme bom. O que foi surpreendentemente, pois eu estava meio que emburrado com o diretor do filme Edgar Wright.

Embora eu tenha adorado de coração a Trilogia Cornetto. Adoro até hoje. Inclusive um dos primeiros textos desse blog foi uma homenagem ao meu favorito (e ao mais subestimado) da trilogia World’s End. Mas eu realmente me desapontei muito com Scott Pilgrim vs the World e com Baby Driver. E eu sei que ambos os filmes têm muitos fãs e são muito queridos, mas nenhum dos dois filmes desceu comigo. Duas notas fight tranquilamente. E isso me deixou com o pé atrás quando eu vi lançamento novo dele. Será que ia prestar? Eu sentia que se eu não gostasse então eu nunca teria realmente gostado do Edgar Wright, somente da sua trilogia…

Mas não, o filme foi uma boa surpresa, e se eu fosse preguiçoso eu mataria a charada falando que o segredo do filme foi ter voltado pra Inglaterra e que o problema dos outros dois filmes foi ele ter saído da Inglaterra, que é o território dele. Baby Driver tava fadado ao fracasso no instante em que fizeram o motorista dirigir do lado esquerdo do carro. Mas não foi essa minha conclusão. Mas eu fiquei pensando nisso, no que o Edgar Wright fez de diferente em Last Night in Soho. E olha, não foi nem de diferente de Scott Pilgrim ou Baby Driver, foi diferente de sua carreira inteira.

Last Night in Soho mantém ainda muitas das marcas registradas do diretor. Como sua edição formada por cortes rápidos, transições criativas de cena, o uso pesado de trilha sonora formada por músicas populares e nostálgicas, e a maneira satisfatória de ver todos os pequenos foreshadowings da primeira metade se encaixando perfeitamente na segunda metade. Tudo isso ainda estava ali.

O que não estavam ali, eram os protagonistas do Edgar Wright. Ou melhor dizendo, a relação da história com seus protagonistas. Quase como se o Wright ao fazer a transição de comédia para terror, tivesse imaginado um terror que fosse justamente uma situação que negasse a zona de conforto de seus protagonistas.

Então sejam bem-vindos a esse texto do Dentro da Chaminé, eu sou Izzombie e nesse texto vamos falar sobre os protagonistas do Edgar Wright. O que eles têm em comum, em que tipo de filme eles funcionam melhor, em que tipo eles funcionam pior, e por que é uma excelente notícia ver o diretor desapegar desse arquétipo. O que significa que: isso mesmo! Spoilers de toda a filmografia de Edgar Wright, não somente Last Night in Soho. Estamos falando de Shaun of the DeadHot FuzzWorld’s End, Scott Pilgrim vs the WorldBaby Driver.

Mas antes temos novidades por aqui. Deixa eu dar uma novidade: O Dentro da Chaminé agora possui um apoia.se para os leitores que quiserem fazer um apoio financeiro ao blog. Vi nas redes sociais um pessoal perguntando por maneiras de apoiar o blog, e eu fui atrás disso. É o esquema básico de recompensas, os meus padrinhos vão ser colocados um chat especial onde eu pretendo conversar entre outros assuntos sobre textos futuros. Quem não quiser fazer uma doação não vai perder nenhum texto nem nada, mas os que quiserem doar em qualquer valor vão ser uma ajuda imensa para o trabalho que faço aqui dentro dessa chaminé.

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E é isso. Se alguém quiser colaborar com o blog vai ter a minha gratidão eterna, quem não quiser vai continuar tendo todo o meu carinho só por ser um leitor, que já é mais que o suficiente. Então deixa eu parar de perder o tempo dos meus leitores e voltar ao assunto do texto.

O Herói Wrightiano:

Edgar Wright, é um diretor com uma identidade bem estabelecida. Os filmes dele soam como filmes dele e seus heróis soam como o mesmo arquétipo de herói, com cada um tendo suas particularidades em relação ao seu contexto e ao gênero do filme, mas se mantendo firmes as mesmas qualidades e defeitos que ajudam a passar o espírito triunfante do filme.

Os heróis wrightianos são pessoas deslocadas, eles não estão em sintonia com as pessoas ao seu redor. E eles são pressionados pelos seus pares para se encaixar melhor em seus ambientes, e serem pessoas mais apropriadas. E a pressão de se encaixar melhor é indistinguível da pressão de crescer. O herói wrightiano é o personagem mais infantil de seu universo, e o mundo o lembra de que ele precisa começar a crescer e amadurecer no mundo onde ele vive.

E se você leitor, já estiver pensando que o que eu acabei de descrever não se aplica a Nicholas Angel, protagonista de Hot Fuzz, então você está pensando ligeiro e eu gosto de você, eu explico a exceção de Hot Fuzz em um instante.

O lance é que essa pressão pro protagonista deixar de ser um desajustado infantil e passar a ser um adulto funcional é interrompida por seja lá o que for a história do filme. Mas algo vai acontecer que vai obrigar o protagonista a tomar as rédeas da situação se quiser sobreviver, e aí o que acontece é justamente, que a teimosia do protagonista em não mudar e não se adequar triunfa sobre os seus pares, que apesar de seus papos, não são capazes de sobreviver às situações que o protagonista é.

E o filme termina com o protagonista continuando sendo quem ele é, sem ter soltado o osso e cedido às pressões da sociedade, mas agora ele não é deslocado, pois ele provou seu valor perante os demais, e porque o mundo mudou para um em que as pessoas que o subestimaram não possuem mais poder.

No final o crescimento que esses protagonistas fazem é principalmente o de adquirir respeito próprio, confiança, e entenderem que eles não precisam ceder a ninguém, pois eles não estão errados. E eles triunfam, em sua teimosia em não amadurecer.

Nicholas Angel de Hot Fuzz é a grande exceção em que o herói wrightiano do filme não é o seu protagonista, mas o melhor amigo do protagonista Danny Butterman. Nicholas Angel é um personagem que é um desajustado social, mas isso é justamente porque ele leva tudo a sério demais, segue as regras perfeitamente, é um profissional de eficiência invejável e um amante de protocolos, se é que dá para chamar um homem que nunca sorri de amante de qualquer coisa. Porém ele não é valorizado por sua competência. Nicholas é um policial invejado pelos demais policiais, que sentem que ele faz os demais policiais parecerem incompetentes, então ele é transferido para a cidadezinha de Sandford, onde nada acontece, para ele nunca mais ter um grande trabalho. E lá ele se torna parceiro do policial Danny Butterman.

Danny sim é infantil, imaturo, beberrão e fanático por filmes de ação policial. Ele sonha em ter uma aventura policial igual a de filmes domo Bad BoysPoint Break ou Die Hard. O que além de pouco realistas são exemplos de má conduta, e Nicholas o critica por isso, pois Nicholas é um homem de protocolos.

Porém ao final do filme, quando ele percebe que a cidade está em uma conspiração envolvendo a maioria dos seus habitantes, e que Danny não é parte da conspiração por seu coração puro e honesto. Nicholas decide fazer as coisas da maneira de Danny, e fazer uma grande cena de ação na cidade para prender a maioria de seus habitantes com grande estilo. No final ele virou o herói que Danny queria que ele virasse.

E quando vemos ele retomar a vida, ele se adequou a imaturidade da cidade, participando das piadas sexistas que antes ele criticava como inapropriadas. Ele destravou com o contato com Danny, que nunca precisou de fato ficar mais parecido com Nicholas, e sim o contrário, Nicholas que se aproximou de Danny e encerrou o filme mostrando que ele dirigia carros igual um herói de ação.

Mas Angel foi o protagonista que se transformou. Vamos ver os outros quatro.

Em Shaun of the Dead, Shaun leva um pé na bunda de sua namorada entre outros motivos, por ele nunca oferecer a ela nada além de ir toda vez ao mesmo pub beber com seu melhor amigo Ed. Ed era preguiçoso, desempregado, inútil, cheio de ideias ruins, e ele puxava Shaun para baixo, ou seja, baixava Shaun para seu nível e tirava o lado mais irresponsável de Shaun à tona.

E não só a namorada de Shaun achava isso, mas também seu colega de quarto. Mas Shaun defendia Ed, como um amigo e era leal a Ed toda vez, pagando o custo de sua própria capacidade de se ajustar ao mundo.

Quando o apocalipse zumbi estoura, a estupidez de Ed faz eles correrem risco muitas vezes, mas Shaun reconquista sua ex-namorada, mostrando que ele aguentava a barra de um apocalipse zumbi. No fim Shaun e sua namorada sobrevivem, refazem o namoro e ficam juntos e Ed é mordido. Mas Shaun, que não abandona sua lealdade ao seu amigo nunca, mantém o zumbi de Ed vivo no depósito, onde eles jogam videogames ocasionalmente.

Shaun não precisou crescer e não precisou superar a influência de Ed, tudo estava bem, e ele conseguiu a namorada de volta mesmo assim.

Em World’s End, o protagonista é Gary King, e ele vive completamente no passado. Sua recusa em crescer é explícita no fato de que ele acha que os tempos de glória dele foram o colegial, e quer continuar preso a esses tempos, onde ele não tinha responsabilidades, não tinha que se portar como adulto e onde ele era um rei.

E após um literal apocalipse, vemos que enquanto seus colegas de classe que cresceram estão tendo dificuldades se adaptando ao fim da civilização, Gary está completamente adaptado vivendo nos próprios termos.

Em Scott Pilgrim vs the World, Scott começa a namorar Ramona Flowers que é mil vezes mais areia do que o caminhãozinho dele aguenta, e tem que lutar com seus sete ex-namorados. Ele vence o namorado final conseguindo mais confiança, e sendo perdoado por sua ex, Knives, pra quem ele tinha sido um péssimo namorado. Ele então é confrontado por um adversário final, o Nega Scott, a manifestação física de seus defeitos, mas ele entende que ele não tinha nada contra seus defeitos e fica amigo de Nega Scott. No fim ele ganha a benção de Knives pra ficar com Ramona.

E em Baby Driver, Baby é o protagonista. Ele é motorista de fuga para um bando de bandido que não o levam a sério por dirigir ouvindo música, e pela sua falta de afinidade com a violência do mundo do crime. Baby, como seu nome indica é significantemente mais jovem que seus colegas de serviço, que são hostis a ele, pois se sentem menosprezados por moleque ouvindo música com cara blasé perto deles, em um conflito geracional claro. Ele somente dirige e não se envolve com a violência e quer sair dessa vida. Mas quando um dos roubos dá errado, porque os colegas de Baby descobriram um hobby bobo dele e suspeitaram que fosse uma armadilha, Baby se volta contra seus ex-colegas destrói a operação e quando enfrenta julgamento é reconhecido por todas as testemunhas como a pessoa boa e pura que ele sempre foi. Ele não precisou endurecer para sobreviver naquele mundo, e no final aquele mundo se destruiu e só restou ele, que se manteve de pé, e após sair da cadeia pode viver sua vida ideal.

Os heróis wrightianos são pessoas que entendem que mais importante do que ser um adulto é ser uma boa pessoa. Ter o coração no lugar certo, ser apaixonado pela amada, ser leal aos amigos, ter paixões e não ser um babaca. E se crescer significa se tornar mais frio e mais babaca, então que você está ótimo sendo quem você é, e o mundo vai ceder a você. Eventualmente as coisas vão se moldar a você.

E no fim tudo sai da maneira desses heróis.

Os filmes sempre fecham com foco em símbolos claros de vida daora como videogames, carros, lutas de espada e mulheres sendo sinais visuais claros de que tudo deu certo.

Apesar de todo mundo cobrar que eles melhores e sigam as regras de quem cresceu, o mundo resolveu tudo antes dos personagens cederem a pressão, e eles são recompensados vivendo a sua vida ideal sem ser questionada. Pois eles entendem a real prioridade.

Os heróis wrightianos são notáveis pelo quão identificáveis eles são. É fácil pro público se ver neles, pois é fácil seus filmes serem assistidos por pessoas saindo da adolescência ou na primeira fase da vida adulta, onde pressões para se tomar jeito na vida martelam a cabeça dos jovens o tempo todo.

E esse é o motivo pelo qual é catártico ver esses personagens triunfarem sem amadurecer. Pois esse personagem mandou se foder quem enche o nosso saco, e nós podemos escapar em sua teimosia. São personagens com os quais podemos escapar das pressões, e embarcar em fantasias de poder.

E isso não é coisa só do Edgar Wright. Hollywood tem uma longa e popular história com protagonistas imaturos sendo recompensados por nunca terem deixado a criança dentro deles morrer, e nunca se adequado ao que esperam dele.

Um perdedor, uma gostosa e um carrão. Essa combinação visual fez um dinheiro indescritível por conta desse combo.

Isso foi bem forte nos anos 1980, onde esse tipo de herói era fundamental justamente porque o surgimento dos blockbusters aumentou a pressão por filmes que a família assistisse toda junta. E como ninguém realmente se importava em agradar o público feminino, agradar toda a família significava um filme em que um pai e um filho pudessem se identificar com o herói.

Como o crítico de cinema Victor Canby, descreveu ao analisar o filme Hook: “Para ser lucrativo, [o filme] precisa ser tudo para o máximo de pessoas possível, incluindo crianças que possam se identificar com um homem de 40 anos tendo crise de meia idade e um homem de 40 anos em crise de meia idade que queria enfrentar piratas com espadas de papelão”.

E essa ideia aí fez Ghostbusters, Hook, Big, Beetlejuice, Mrs Doubtfire, Coming to America, Jumanji filmes protagonizados por personagens adultos cercados por um ambiente adulto, se portando como uma criança se portaria.

E essa ideia prolifera até hoje. E ela foi evoluindo com o passar do tempo. Agora com a mudança nos tempos, com a imaturidade e infantilidade do personagem diretamente ligada também a sua visão de sexo, violência, aventura e mulheres.

Claro que esses personagens ainda são amados por crianças, que assistem filmes com essas conotações e censura 13 anos o tempo todo. Mas a caracterização deles já se concentra pensando primariamente no público adulto sendo o que se identifica com ele, apelando em ser identificável para o expectador masculino, que ainda em esses desejos dentro de si.

E o principal sentimento de identificação que esses personagens soltam é o de nostalgia. Homens imaturos, que expressam suas visões sobre sexo de maneira imatura, possuem um certo hedonismo de querer prazer em álcool ou drogas, são auto-centrados costumam vir quase sempre hoje em dia acompanhado com uma dose cavalar de referências a cultura pop.

Pois isso tudo está relacionado.

Ter saudades da infância, querer que volte a ser socialmente aceito falar do próprio pau como a sétima maravilha do mundo, querer bebe todo dia e louvar o Pac-Man, todos são parte do sentimento da nostalgia. Que é o sentimento definitivo que alimenta Hollywood atualmente.

E o Edgar Wright sempre foi parte desse sentimento. Os heróis wrightianos são sempre conectados ao consumo de mídia que não é da década em que o filme, ao hedonismo, a resistência a se enquadrar. E não preciso nem dizer: são todos homens.

As mulheres nos filmes do Edgar Wright não só sempre derivam a presença delas na trama como sendo o interesse romântico do personagem, como raramente tem qualquer desenvolvimento fora do relacionamento dela com seu interesse romântico. A exceção, é claro: a mãe do herói wrightiano, quase sempre falecida.

Em Shaun of the Dead ela começa o filme viva e então morre ao longo do filme.

O único assunto real rolando com Liz era seu término com Shaun. Com Sam era seu triangulo amoroso. E isso porque os filmes da Trilogia Cornetto ainda são os que não usaram amor à primeira vista para rapidamente fazer uma mulher sem profundidade ser a razão por trás de todas as ações do herói.

São fantasias masculinas, ser o herói, não amadurecer, dar cavalo de pau em um carro, liderar a humanidade depois do apocalipse, ser um herói de ação, e ser amado por uma mulher linda sem muito a oferecer além disso. E o centro dessa fantasia é a nostalgia, escapar para fantasias conectadas a uma era mais simples de sua vida.

E eis que então surge Last Night in Soho.

Last Night in Soho:

A heroína de Last Night in Soho, Ellie Turner, tem coisas em comum e coisas de diferente do herói wrightiano. O que ela tem de diferente essencialmente se resume a ser mulher. Mas mesmo sendo mulher, ela tem uma mãe falecida, vive fantasiando com os anos 1960, onde ela gostaria de ter vivido, e para onde ela escapa através da música. Ela é deslocada, sendo subestimada pelas suas colegas de faculdade pela maneira como se veste ou se porta, e ela, por estar saindo da casa da avó para ir fazer faculdade morando sozinha, está em uma fase da vida em que se espera que ela faça a transição de jovem para adulta ali, adquirindo experiência de vida.

Porém a diferença central não é o que tem dentro dela, mas como o mundo em que ela vive lida com quem ela é.

E com mundo não quero dizer necessariamente só as pessoas próximas com quem ela interage diariamente, como amigos, família e colegas.

Embora seja claro que a idealização pelo sexo oposto não ocorre em Last Night in Soho, muito pelo contrário, o extremo oposto disso ocorre. Mas já não ocorria da parte de Ellie, que mesmo sendo ingênua e despreparada para a vida na cidade, ela era muito ciente de riscos que ela corria se baixasse a guarda no que diz respeito aos homens com quem encontrava, o que fica claro logo na cena do taxi. Nesse quesito ela não tá comendo mosca, ela sabe com o que ela está lidando.

E mesmo o cara cuja caracterização é ser o cara mais legal, simpático, atencioso, respeitoso e bem-intencionado da história, precisou de muitas tentativas até Ellie dar alguma atenção para ele. E ele não tava nem tentando pegar, estava tentando fazer amizade com a colega de sala.

Mas o lance é que: as coisas não se acertam de maneira a validar os sentimentos de nostalgia, escapismo e fantasia de Ellie, muito pelo contrário. No filme ela não só começa a ter visões que revelam toda a sujeira, misoginia e exploração que existiam nos bastidores dos glamurosos anos 1960 que ela idolatrava, como ela é obrigada a ver.

As visões de Ellie tornam a forma de um pesadelo, e o filme inteiro soa como um pesadelo bem específico, que é ser forçado a encarar o lado ruim de seu escapismo.

Os pesadelos também obrigam Ellie a ver o mundo pelos olhos de outra pessoa, algo que os heróis wrightianos raramente fazem, uma vez que a jornada deles é de autoafirmação. Eles são autocentrados e se veem no centro de seus universos. A autoafirmação de Ellie começa como ela sendo capaz de se projetar em Sandie, a garota que ela vê em seus sonhos, e imitá-la em seu cotidiano, mas conforme a vida de Sandie se torna uma desgraça, que ela não aguenta mais acompanhar, isso diretamente afeta a maneira como Ellie consegue se afirmar. Representado no vestido que ela perde a motivação para fazer. Quando ela tenta desistir de seu vestido a professora diz que ela está tendo só uma crise de confiança, mas que ela não devia desistir da visão dela.

Ellie tem um sexto sentido e seu poder não valida ela, seu poder a força a lidar com algo horrível, que são os perigos da visão de mundo dela. E isso é uma quebra direta com a maneira como Wright conduz seus protagonistas, pois isso obriga Ellie a amadurecer. A ser realista, colocar os pés no chão e se tornar uma pessoa capaz de viver em Londres.

Nem Shaun nem Gary King aparentam ter nada sequer parecido com PTSD, traumas, culpa de sobrevivente por terem sobrevivido o apocalipse e agora estarem vivendo a vida ideal. Os personagens embora cruzem com o horror, não carregam o fardo do horror. Baby não precisa arcar com a responsabilidade de ter matado Bats, Scott não assume responsabilidade por ser um namorado de merda, nenhum deles vão carregar as memórias da parte feia de seus filmes.

Mas Ellie nunca vai esquecer o que ela viu, e ok, diferente dos outros exemplos de heróis wrightianos, não foi com ela que as coisas aconteceram, mas o epilogo deixa muito claro, que ela não vai esquecer Sandie.

Mas o filme deixa claro que viver em Londres não é pra todo mundo o que me chama a atenção em dois outros pontos de diferença dos filmes de Edgar Wright. Como esse é o primeiro a demonstrar um êxodo em que a protagonista sai do interior e vai pra Londres. Enquanto Hot Fuzz World’s End retratam a viagem de Londres pro interior marcando a transição do protagonista do ambiente que valoriza maturidade pro ambiente que valida a imaturidade do herói. Mas em Last Night Soho é o oposto, ela vai do interior até Londres ter seu amadurecimento testado.

E o outro ponto é que a maior pressão exercida em Ellie para aguentar a barra de Londres e ser adulta vem de si mesma. Sua professora pede pra ela não desapegar dos sonhos, sua avó fala que ela pode voltar pra casa e desistir quando quiser, e a dona da pensão pergunta se ela tem certeza do que está fazendo indo pra pensão. Mas a pressão de Ellie para crescer vem mais dela que de seus pares. E sua paixão era pra supostamente dar forças pra ela nessa jornada de crescimento.

Nas histórias de ficção, os personagens costumam ter suas visões de mundo validadas pela narrativa em um sistema de recompensa e punição.

Se o personagem é recompensado por seus hábitos pela própria história, e aqui isso significa: se as coisas que ele faz acabam se provando mais úteis que aparentavam e são o responsável por tudo ter dado certo, então a narrativa está validando o personagem, tudo bem ele ser como ele é, porque as coisas dão certo no final.

Em Signs, o hábito da filha do herói é recompensado pela narrativa quando descobrimos que ele ajudava a família a estar protegida dos aliens, e que o filme é um filme sobre o herói aprendendo a ter fé e ver os sinais do plano de Deus.

Mas se o personagem é punido por seus hábitos, então o filme se torna um alerta. Um sinal de acorda de que tem um tipo de atitude no mundo que não te leva a lugar algum. Ou ao menos de que a narrativa não quer validar esse tipo de atitude do personagem.

Em Brave, Mérida é punida pela narrativa por querer tirar sua mãe de seu caminho.

E a principal diferença de Last Night in Soho, não é que a essência de Ellie era diferente da dos demais heróis wrightianos, é de que em vez de recompensada ela foi punida pelas suas fantasias, e foi jogada a força na realidade para ter que lidar. Um detalhe fundamental nos pesadelos que Ellie tinha com Sandie é o fato de Jack, o cafetão que destruiu e explorou a vida de Sandie, de fato era parte da carreira de Cilla Black. O mundo que Ellie admirava era parte do que rolou com Sandie. E a jornada de Sandie deu errado, mas não porque ela bateu na porta das pessoas erradas. 

O filme também retrata os sonhos com os anos 1960 como de fato uma perda de contato com a realidade. Em vez de só permitir que Ellie não precise das conexões que ela teve dificuldade em fazer na faculdade, pois ela tem a força do passado. Da mesma maneira como Baby podia ouvir e memorizar completamente o que Doc falava enquanto usava fones de ouvidos e por isso não precisava dar satisfação aos seus colegas. Ou como no fim do dia, o espírito dos videogames tornava Scott Pilgrim o melhor lutador do mundo e isso dava a ele algo que seus colegas não tinham. Em Last Night on Soho, as visões fizeram Ellie ser incapaz de der um momento com o namorado, quase esfaquear uma colega e passar mal no meio de uma aula.

Ellie não tinha os luxos de ter o destino jogando o time dela. E ela precisou se repensar. Não abandonar completamente sua nostalgia pelo que ela nunca viveu. Mas contextualizar ela.

Os anos 1960 não foram um mar de rosas, e os mesmos homens que fizeram a Cilla Black fizeram inúmeras Sandies para cada cantora que decolava. Ao mesmo tempo, Sandie não era um objeto de adoração para Ellie projetar o amor ou o horror da época, e não era uma boneca de porcelana para se despedaçar por viver em um mundo cruel demais para sua pureza. Ela era acima de tudo uma pessoa real. Com virtudes e com crimes. A aspirante a estrela sendo explorada dos sonhos, a serial killer escondida nos jornais que Sandie lia e a senhora compreensiva que acolheu e protegeu Ellie quando ela não tinha para onde ir, eram todas a mesma pessoa. Uma pessoa que estava debaixo do nariz de Ellie. Ela não era o símbolo de uma época nem dando certo nem dando errado, mas uma pessoa com uma vida.

O twist da revelação de que a dona da pousada era Sandie só funcionou inclusive, pois Ellie negligenciou entende-la como um ser completo nas duas situações em que a via. Ela nunca soube o sobrenome de Sandie, pois ela nunca se apresentou pelo sobrenome. Ela queria ser uma estrela e tem gente que acha que artistas e sobrenomes não combinam.

E ela nunca soube o primeiro nome da Sra Collins, pois nunca perguntou. Mas nenhum dos dois nomes era um nome falso, mesmo quando ela inventou mil nomes diferentes como prostituta, ela nunca deixou de dizer variações de Alexandra. Todos os nomes que ela usou na vida eram todos uma maneira de se usar seu nome completo Alexandra Collins, pois todas as fases de sua vida foram só um fragmento da pessoa completa que são todas suas facetas unidas. Ela nunca deixou de ser Alexandra Collins nem viveu sob uma identidade que não fosse a pessoa completa.

Inclusive a maneira como Sandie via a própria vida é um contraponto imenso a Ellie. Ela não olha pro passado como uma época maravilhosa nem terrível, ela olha com um tom de que foi o que foi. Ela não tem vergonha dos crimes que cometeu, ela tem uma dor muito profunda da violência que sofreu, mas ao mesmo tempo ela ainda aprecia e se perde em memórias positivas da cena musical em que ela aspirou entrar. Para ela os anos 1960 não são um mundo isolado do presente, são um fragmento da vida dela. Com memórias horríveis e maravilhosas que coexistiram.

Sandie nunca deixou de ouvir Cilla Black, ou a associou a más memórias, independente do quanto sua admiração por ela tenha sido o primeiro passo para ela entrar em uma jornada horrível.

Um fragmento que se mistura com quem ela é no presente, só ver que ela estava pronta para matar o namorado de Ellie ao suspeitar que ele era um estuprador. Ela não se metamorfoseou de aspirante a cantora a prostituta a serial killer a velhinha em uma pousada. Se o policial que investigou o caso dela afirmou que ela morreu e virou outra pessoa durante seus anos de abuso, com a frase “Alex matou Sandie” que sugere que uma nova identidade eliminou a anterior, a própria Sandie fala que ela até consegue ver a situação desse jeito, mas que nunca ocorreu a ela vê-la dessa maneira até ouvir Ellie falar.

Heróis wrightianos, Ellie incluída, transitam entre dois mundos, o mundo onde eles querem viver e o mundo que eles querem negar. Um é fantasioso e empoderador e o outro é restritivo e realista. Mas Sandie por outro lado viveu quatro etapas de sua vida na mesma pousada, algumas etapas traumatizantes, algumas etapas cheias de sonhos e algumas etapas calmas e monótonas. Mas todas na mesma pousada que simboliza todas essas etapas. Sandie não vivia nesse tipo de divisão. Ela afirma que tem memórias demais naquela pousada pra se desfazer dela. Mesmo que ela ainda tenha o fedor dos cadáveres de seus abusadores.

No final do filme Sandie encara Ellie ainda segurando a mesma faca com a qual ela tentou matar a menina minutos antes. Enquanto um fogo vai destruindo tanto a pousada que representou a vida inteira de Sandie quanto a parafernália sessentista que Ellie usava para escapar.

Ela que instantes atrás estava se portando como a assassina que ela foi por muito tempo somente lamenta: “Eu não queria nada disso.” E Ellie responde “Eu sei, eu vi.”, e ela instantaneamente rejuvenesce e se torna a aspirante a cantora, que nunca deixou de ser quem ela era.

No fim o que Sandie foi pra Ellie não foi nem uma lição de moral, nem uma inspiração, nem um alerta aos perigos de Londres, nem uma vítima…. Sandie foi uma amiga. Uma amiga que Ellie não traiu nem quando ela estava tentando matá-la. Ela não cede aos pedidos dos fantasmas dos abusadores de matá-la. Uma amiga cujas últimas palavras nesse mundo, além de pedir para morrer em seus próprios termos, foi pedir para Ellie salvar o garoto que ela e escapar do incêndio.

E a cena final do filme foi Ellie fazendo seu primeiro desfile. Ela já não se veste mais que nem a recém-chegada do interior que não sabe se vestir em Londres, e ela também não se veste mais que nem Sandie, ela encontrou seu próprio estilo. E o desfile dela é uma imensa homenagem à Sandie, evidenciado não só pelo vestido da Sandie, mas pela música do desfile ser a música que Sandie queria cantar em público. E agora tem dois fantasmas olhando para ela com orgulho. O de sua mãe e o de Sandie, ela interage com o fantasma da amiga e os créditos sobem.

Por consequência da natureza agressiva dos pesadelos de Ellie e da impossibilidade do seu escapismo, Ellie precisou se tornar uma pessoa menos autocentrada. O fim ainda é o sonho de Ellie realizado igual ao de todo outro herói wrightiano, e é sobre seu triunfo. Mas o final não é sobre sua satisfação. O filme não termina com um sorriso confiante e confortável de Ellie de quem está no topo. E o tom da cena de Ellie realizando seu sonho não é o tom que indica que ela enfim venceu e mostrou pra eles. O ponto do filme não é ver Ellie enfim receber a satisfação que ela merece, e sim enfatizar que Sandie continuará com ela pra sempre. E isso torna ela a primeira protagonista de Edga Wright que incorpora a perspectiva de outra pessoa em si.

E embora esse tenha sido o filme que eu vi. E eu tenha adorado esse filme. Existe um elefante na sala aqui, que eu não só pude notar escrevendo, como também eu não exatamente ignorei as várias críticas acusando o filme de ter vários elementos sexistas. E isso me deixa com algumas pulgas atrás da orelha.

Com certeza existe nessa quebra com o herói wrightiano a pergunta de: Por que a mulher não pode ter seu escapismo recompensado? E por que Ellie tem que sofrer terror psicológico por ter a mesma atitude que fez os protagonistas homens passarem por comédia. E porque Ellie não pode simplesmente viver em um mundo que se curva para ela que nem os heróis wrightianos homens? Existe uma tradição sobre mulheres serem priorizadas para serem protagonistas de terror, que dialoga com isso. Com querer ver mulheres terem suas escolhas, visões de mundo e traumas jogados violentamente em sua cara.

Eu não tenho o repertório comigo para escrever um texto sobre esse ponto, mas com certeza existe algo aqui. No instante que eu vi que eu ia entrar no mérito de protagonistas sendo recompensados e punidos eu notei, que mudar a protagonista para uma mulher e mudar a protagonista para alguém sendo proibida de fantasiar vieram juntos. O meu texto não foi sobre isso, mas eu estou me fazendo essas perguntas também.

Boas dinâmicas de gênero nunca foram o forte do Edgar Wright e eu enfatizei isso mais acima falando das mulheres idealizadas dos outros filmes. E eu tenho certeza de que a Krysty Wilson-Cairns foi colocada para assinar o roteiro junto do Edgar Wright um pouco para dar a nuance de uma perspectiva feminina que ele com certeza não estava qualificado a dar.

Fica o questionamento: quando ele voltar a dirigir filmes sobre homens, eles vão voltar a ser filmes em que a recusa em evoluir é recompensada? Ou do Last Night in Soho em diante ele vai repensar a maneira como ele conduz seus protagonistas?

Pois no fundo eu não tenho nada contra o herói wrightiano em um vácuo. Mas ele precisa de contexto.

A pessoa imatura que se resiste ser enquadrado pela sociedade é um bom personagens em filmes de apocalipse, pois eles ajudam a trazer a tona o quanto a sociedade cobra da gente e cospe na nossa cara. E podem fazer um deboche do quão insignificante ser um adulto funcional pode ser.

Mas em um filme sobre relacionamentos inspirado em um quadrinho justamente sobre a importância de se amadurecer para não virar somente mais um ex maligno, o herói wrightiano para mim antagoniza o que deveria ser o ponto principal do filme.

O número-símbolo de Scott ser um 0 e não um 8, é um bom símbolo do quanto o filme se perdeu no quadrinho, onde Scott é descrito como “o futuro oitavo ex do mal.”

O herói wrightiano precisa de contexto pra funcionar. E isso não é uma bronca pro Edgar Wright somente. Muito do entretenimento moderno existe pra recompensar personagens masculinos por terem desinteresse em amadurecer. Metade dos animes de Isekai que existem são sobre isso.

De qualquer maneira. Eu espero, que Last Night in Soho seja o começo de uma transição do Edgar Wright da comédia pro terror. As pessoas estranham, mas eu acho normal diretores migrarem de um pro outro. Comédia e Terror são dois gêneros que exigem muitas das mesmas habilidades. Como ter um controle muito forte do que o expectador acha que vai acontecer, e saber quando entregar o que ele acha e saber quando encontrar o oposto. E eu acho que o Edgar Wright funcionou ainda melhor pra estabelecer um tom de suspense do que o tom de comédia.

E o que eu de fato apreciei nele fazendo cenas tensas foi justamente isso. Ele seguia fazendo seus protagonistas transitarem entre dois mundos. Mas agora o mundo de fantasia era o mundo hostil que tirava a paz dela, e o mundo real, com suas pressões, falta de conexões empregos e desencanto era onde eles podem escapar de seus pesadelos.

E eu não consigo imaginar um cenário mais horripilante pros protagonistas de Edgar Wright.

Sobre o autor

Izzombie

Sou um cara chato que não consegue ver um filme sossegado sem querer interpretar tudo e ficar encontrando simbolismos e mensagens. Gosto de questionar a suposta linha que separa arte de filmes comerciais, e no meu tempo livre pesquiso sobre a história da animação.

Sobre o autor

Izzombie

Sou um cara chato que não consegue ver um filme sossegado sem querer interpretar tudo e ficar encontrando simbolismos e mensagens. Gosto de questionar a suposta linha que separa arte de filmes comerciais, e no meu tempo livre pesquiso sobre a história da animação.

Alertas

  • – Todos os posts desse blog contém SPOILERS de seus respectivos assuntos, sem exceção. Leia com medo de perder toda a experiência.
  • – Todos os textos desse blog contém palavras de baixo calão, independente da obra analisada ser ou não ao público infantil. Mesmo ao analisar uma obra pra crianças a analise ainda é destinada para adultos e pode tocar e temas como sexo e violência.

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