Olá, bem-vindos ao Dentro da Chaminé, eu sou o criador desse blog, Izzombie, e nesse texto nós vamos falar sobre Deus.
E isso não é só uma distração com a qual eu quero enrolar antes de chegar no real tema do texto, esse é o real tema do texto. Esse é de verdade um texto sobre Deus. Vamos falar sobre algumas maneiras como obras fictícias costumam lidar com a noção de Deus.
Aí você que clicou no link escrito “Os 5 níveis de quebra de quarta parede na ficção.” deve estar se perguntando: onde está a trollagem? Qual é a pegadinha? A pegadinha é justamente essa. Quebrar a quarta parede é uma maneira de personagens fictícios lidarem com Deus, uma vez que na perspectiva de qualquer personagem fictício, Deus é o seu autor.
Por isso, toda a quebra de quarta parede é na verdade uma interação direta do personagem com o divino. É a única maneira dele realmente fazer isso.
Geralmente obras de ficção têm sua própria espiritualidade inserida ali dentro. E ela pode ser aceita ou rejeitada pelos personagens. Em Fullmetal Alchemist, Edward Elric, mesmo depois de encontrar-se com a Verdade, que é o mais próximo que aquele universo tem de um Deus, continuou se considerando ateu, pois ele não deificou a Verdade o suficiente para considerá-la um Deus. Mas, mesmo se a Verdade não for um Deus na perspectiva de um alquimista, ainda existe um Deus em Fullmetal Alchemist. Sua autora, Hiromu Arakawa.
E quando os aliens de Gantz explicam que Deus não existe, eles estavam errados. Pois todos eles foram criados por uma entidade interdimensional que os criou com um propósito. E essa entidade era o autor Hiroya Oku.
E quando um personagem, geralmente apresentado como incrivelmente racional e lógico, como o Dr. Gregory House, o Spock ou o Sheldon Cooper, se recusa a acreditar em Deus, eles não foram racionais o suficiente para perceber que suas vidas seguem padrões muito improváveis de repetição de temas, que uma pessoa normal não lida com a quantidade de coincidências que eles lidam, e que a única explicação lógica é que eles são na verdade criações de uma entidade inteligente superior que está usando suas vidas como maneira de passar lições morais…
Ou, colocando nos termos que o personagem Mac de It’s Always Sunny in Philadelphia colocaria, Edward Elric, os aliens de Gantz e o Spock são todos umas putinhas, que negaram Deus, quando eles próprios são criações.
Ao mesmo tempo, vários personagens se encontram fisicamente com as divindades de seu mundo. Homer já viu Deus, o Capitão América é colega de trabalho de um deus nórdico, e Goku já treinou com todo um vasto e confuso panteão em Dragon Ball. Mas esses personagens não têm realmente um contato com Deus, pois essa galera são os ídolos falsos, igualmente criados pelos autores.
O único real Deus naquele universo é seu autor. E qualquer Deus físico que ele escreva ali para testar os personagens é igualmente somente mais uma criação e mais um súdito do verdadeiro Deus.
Afinal, o Kaioshin foi criado pelo Toriyama tanto quanto o Goku.
Enfim, e para poder falar sobre isso, quero falar sobre os cinco níveis de quebra de quarta parede que eu identifiquei, para pensar um pouco nas cinco maneiras diferentes de um personagem lidar com a percepção de que ele é fictício. E em cinco maneiras dele, se vendo como fictício, entender o seu lugar no universo e sua relação com o autor.
Nível 1: O fiel.
O primeiro nível é o da mais fraca percepção de todas. É o da dúvida.
Sabe quando estamos vendo uma série de comédia, e um dos personagens fala: “Na televisão as coisas acontecem desse jeito.” E um dos personagens imediatamente responde: “Mas isso aqui não é a televisão, isso aqui é a vida real.”
É sempre engraçado, pois aquilo ali não é a vida real, é a televisão. Eu sempre acho graça, a menos que os personagens estejam falando sério, em um drama, aí é tosco. Pois a verdade é que eles estão na televisão, e se a série quer fazer graça com a ironia do que eles não são capazes de perceber, aí é divertido. Mas se a história quer realmente usar a frase pra enfatizar o realismo da situação, aí é tosqueira.
Enfim, o nível 1 não é sobre o personagem que negou estar dentro da televisão.
O nível 1 é sobre o personagem que tem expectativas de que a vida dele se pareça com a vida da televisão. É sobre isso, essa expectativa. O personagem não só espera, como deseja que a vida dele seja igual a vida da televisão.
Esses personagens costumam ser retratados justamente como pessoas estranhamente preparadas para o mundo. Como pessoas que por verem televisão demais são inadequadas pelo excesso de nerdice e falta de tato social, mas que por uma sorte do caralho elas vivem em um mundo que segue as regras com as quais elas estão tão familiarizadas, e agora podem guiar os demais com seus conhecimentos.
Esse personagem é essencialmente o único crente em uma terra de ateus. Que constantemente usa as escrituras sagradas como referência para o que eles devem fazer. No caso, as escrituras sagradas são as regras que o personagem entende de como narrativa ficcional funciona.
Às vezes esses personagens estão certos, e Deus (o autor) dá a eles exatamente o que eles acham que receberão.
Às vezes esses personagens estão errados, e Deus dá a eles outra coisa que não é exatamente o que eles procuram.
E às vezes o mesmo personagem passa tanto pela experiência de estar certo quanto de estar errado ao longo da história. O que torna esse personagem, acima de tudo, alguém guiado pela fé. Ele não tem provas, e as interpretações dele já deram errado, mas ele segue com fé em como ele acredita que o mundo funciona.
Quando Randy, após perder sua virgindade, sentiu que perdeu sua literal plot-armor e começou os preparativos para guiar Sidney para caso falecesse, ele agiu movido por fé.
Quando os capangas 21 e 24 fazem as missões nas coxas, confiantes que vão sobreviver, por serem personagens principais, desde que não se envolvam demais com o plot, eles agiam com fé também.
Eu chamo esse de nível 1 de quebra da quarta parede, mas esses personagens nunca (ou quase nunca) realmente reconhecem a existência do autor, ou do público. Eles se limitam a reconhecer a aplicabilidade de convenções narrativas em suas vidas cotidianas, e a entender o mundo como se eles fossem personagens, e eles sendo mesmo, funciona.
Em vez de quebrar a quarta parede, seria mais uma trincada de leve na quarta parede.
Mas eles, às vezes tendo a fé testada, e às vezes tendo a fé recompensada, de fato são o nível mais raso em que um personagem fictício pode começar a compreender forças maiores regendo seu universo.
O problema é que eles se baseiam nas escrituras sagradas para isso, e o autor das obras que eles assistem não é o mesmo autor da obra em que eles se encontram, fazendo com que às vezes confusões sejam feitas.
No nível 2 a quarta parede já de fato quebra.
Nível 2: O observador.
No nível 2 já não entra mais em questão se o personagem está só vendo televisão demais, ou se o personagem tem dificuldades de entender a realidade. Aqui o personagem de fato está 100% consciente do fato de que ele é um personagem fictício, e está ciente da existência do seu autor e dos seus espectadores.
Então o personagem sabe da existência de Deus. Agora a gente pode começar a pensar em como ele lida com isso. E no Nível 2 ele não exatamente lida.
Um personagem no nível 2 costuma conversar com você, o espectador, sobre o que você está assistindo de maneira que passa a impressão de que ele está assistindo também. Mas a perspectiva dele é a de quem justamente, após a descoberta, começou a pensar como um espectador.
Acho que nada exemplifica isso melhor que o filme Deadpool. Em que o personagem aponta o dedo para diversas situações em que um trope está sendo usado. Mas não exatamente interage com o trope além de chamar a atenção para ele.
Geralmente com o objetivo de ser uma válvula para as reações da plateia, verbalizando uma opinião dos fãs e tornando o personagem identificável para eles. Inclusive, os personagens no nível 2 são os que de fato mais soam gente como a gente por quebrar a quarta parede. Pois eles não falam com Deus, eles falam conosco. Que não somos Deus. Ao menos não o Deus desse personagem. No máximo de uma versão alternativa dele na sua fanfic. O ponto é que eles não interagem de verdade com seu cenário ou seu autor, por isso no nível 2.
Mesmo Deadpool em seu encontro com Stan Lee se resumiu a revelar que sabe o nome dele, esse é o máximo do limite do Deadpool. Ao menos nos filmes, não estou familiarizado se ele atinge os demais níveis nas histórias em quadrinho.
Por só falar com a gente dando comentários sobre a obra, os personagens do nível 2 quase sempre são narradores, e a narração às vezes pode até parecer que são dois personagens diferentes, como em The Emperor’s New Groove, em que o Kuzco Narrador não existe diegeticamente no filme, e ele comenta o filme da mesma posição que a gente, de fora.
Usado mais pra comédia que qualquer coisa, mas Frank Underwood provavelmente tem o uso mais memorável do Nível 2 de quebra de quarta parede para fins dramáticos. Frank está ciente do espectador, e de que aquilo não passa de um show, o segredo é que pra ele a política real não passa de um show, e isso significa que ele não respeita seus agentes como mais que marionetes controladas cujos fios ele consegue enxergar.
Mas como o Nível 2 se contenta em ser um observador e comentador, sem fazer realmente nada com a informação que tem, vamos pular para o nível 3, onde fica mais interessante.
Nível 3: O confortável.
Ok, no nível 1 o personagem tem fé. Ele viu desenhos o suficiente para achar que uma mulher desmaiada pode ser acordada com o beijo do amor verdadeiro. E essa confiança de que isso funciona pode dar certo ou errado, pois ele tem a referência, mas ele não tem noção plena do gênero em que ele se encontra. Aí no nível 2, o personagem ao ver a mulher desmaiada ser acordada com o beijo do amor verdadeiro, imediatamente reconhece e comenta que ele enfim viu de verdade uma cena tão clássica e comenta com você, o espectador, o quão reconhecível é o clichê. Mas é só no nível 3, em que o personagem já fala com a tranquilidade de um especialista, que quando você encontra uma mulher desmaiada, você deve procurar o amor verdadeiro dela para acordá-la.
No nível 3, o personagem já internalizou completamente a maneira como o mundo funciona. Ele não necessariamente reconhece a existência de seu público (mas muitas vezes reconhece sim), mas o ponto é: ele vive em um mundo fictício desde que nasceu, e ele nem sequer se distrai com o que é o mundo real. Para ele, clichês, tropes e convenções narrativas são as leis da física com as quais ele interage desde sempre.
E o principal: ele está de boa com isso. Ele vive plenamente adaptado aos próprios tropes e clichês. E ninguém no mundo personifica esse conceito mais do que Phineas Flynn e seu irmão Ferb Fletcher.
Em Phineas & Ferb, os dois irmãos vivem em um mundo com uma fórmula bela em que todo episódio acontece a mesma coisa. E o charme do episódio vinha do quanto os personagens reconheciam a fórmula e se acomodavam com ela, com exceção de sua irmã Candace, que tinha raiva da fórmula, pois ela se dava mal no final. E o ponto é que muito da série vinha do fato dos personagens tanto quanto o espectador serem capazes de identificar o formato claro de suas vidas cotidianas.
Em um episódio, os personagens decidem ser um musical e partem do pressuposto que, se eles começarem a cantar, acompanhamento musical não diegético vai surgir para acompanhá-los. E claro que vai. Eles sabem como aquele mundo funciona, e sabem invocar as regras do mundo para se divertirem.
É aqui que muitos filmes feitos explicitamente para tirar sarro de gêneros estabelecidos se encontram em suas piadas meta.
E é aqui que uma obra que oblitera completamente a quarta parede se encontra: Turma da Mônica. Que usa “páginas” como indicador de tempo e espaço sem vergonha alguma, usando falas como “faz duas páginas que não vejo a Mônica”. É parte da vida deles. Eles podem falar com o espectador, como no nível 2, mas a Mônica fala pessoalmente com o Maurício de Sousa. Ela sabe que é feita de tinta e papel. Não tem segredo nenhum quanto a natureza de sua existência.
Em Kimi no Koto Ga Dai Dai Dai Dai Daisukina 100-nin no Kanojo (As 100 Namoradas que Gostam Muito Muito Muito Muito Muito de você), a quarta parede é igualmente inexistente, e os personagens mantém padrão do tempo que passa entre os capítulos de acordo com a contagem de volumes. Além de buscar páginas do mangá para ganhar discussões. Eles também vivem completamente cientes do que são, e fazem uso disso em sua vida cotidiana.
No que diz respeito a Deus, eles estão sempre em paz com Deus. Eles sabem que ele existe, e sabem que Deus dá a eles tudo o que precisam. Se eles são protagonistas, então eles sabem que vivem a vida boa por serem protagonistas. Eles sabem quem é que desenha a comida na mesa deles e eles estão de boa, pois vivem em paz. Deus é bom, pois eles estão sempre confortáveis, sabendo o que o mundo lhes aguarda.
Mas nem todo mundo fica feliz de ser ficcionalizado.
Nível 4: O rebelde.
Agora começa a ficar interessante. No primeiro nível o personagem procura Deus. No segundo nível o personagem admira a Deus. No terceiro nível o personagem diretamente usufrui da presença de Deus. E no quarto nível? Agora o personagem briga com Deus! Pois nem todo personagem quer ser fictício. Se para alguns descobrir que é o protagonista de uma história pautada em convenções narrativas é descobrir que a vida é fácil, para outros é descobrir que sua vida não é sua. E é o desejo de buscar alguma autenticidade e livre-arbítrio diante da revelação que se é fictício.
Eu vou ser sincero. Tem muita obra aqui que eu adoro. Coisa boa demais se encaixa nesse nível. Mas, ao mesmo tempo, eu acho que é um nível que nunca se completa de verdade. Ele sempre fica com uma peça faltando. Eu já toquei nesse assunto no meu texto sobre Danganronpa, mas vou entrar no assunto aqui de novo.
Nas histórias em que o personagem se rebela contra Deus… Ou seja, na consciência de que é um ser fictício, se revolta contra o autor e decide ter livre arbítrio, a série cria dois personagens, o personagem fictício e o personagem do autor. E o personagem do autor raramente é a pessoa que está realmente fazendo a obra.
Acho que deixei confuso, deixa eu dar um exemplo. Em Stranger than Fiction, o personagem Harold Crick começa a ouvir a voz de um narrador em sua cabeça descrevendo tudo o que ele faz. Ele então percebe que está sendo escrito, e descobre que sua escritora é uma mulher chamada Karen Eiffel que está contando a sua história. Karen é uma autora famosa por matar seus protagonistas, e Harold precisa convencê-la a mudar o final de sua história para sobreviver.
O problema? Pro filme, nenhum. É um filme divertido, eu gosto. Mas eu acho uma metalinguagem incompleta, pois o filme não é escrito por Karen Eiffel, uma mulher em Chicago. Ele foi escrito por Zach Helm, um roteirista da Califórnia que é 15 anos mais jovem do que Karen Eiffel no filme. Então Harold Crick não se revolta contra Deus de verdade. Se revolta contra um subdeus, um deus fictício que o Deus de verdade criou para sofrer a revolta em seu lugar.
Assim como quando Truman Burbank se revolta e tenta fugir de seu mundo fictício pro mundo real, ele não se revolta com o roteirista Andrew Niccol, ou com o diretor Peter Weir. Ele se revolta com o personagem também fictício Christof.
Em In the Mouth of Madness, o protagonista não enfrenta John Carpenter, ele enfrenta Sutter Cane, o escritor fictício que existe naquele filme.
Mesmo em Duck Amuck, em que o Daffy Duck diretamente briga com seu desenhista, termina com a punchline que o desenhista era Bugs Bunny.
Eu sinto que ninguém quer criar um personagem que grite com seu verdadeiro criador, porque ninguém quer ser gritado. Então pro Mauricio de Souza é fácil desenhar alguém que quer apertar a mão de seu criador. Mas se ele fosse fazer alguém xingar o criador, aí eles preferem criar um intermediário, com um criador fictício que possa, inclusive, merecer ser xingado.
A única obra que eu lembro do personagem se rebelando contra Deus e tentando fugir do controle de seu autor, em que o autor se assume como aquele que inferniza sua protagonista, foi no mangá Jibun no Koto ga Katte ni Manga ni Sareteru Onnanoko. Em que o mangá foi publicado no twitter e a heroína podia ter acesso às páginas que já foram escritas entrando no exato twitter em que era publicada e podia reagir aos comentários que recebia. Fora isso, eu não consigo pensar em outro.
Mas assim, eu estou aqui apontando o dedo pra eles por serem incompletos. Isso é puramente na perspectiva de quem queria realmente ver a quebra de quarta parede em seu auge. Mas isso não é uma crítica à qualidade das obras. A maioria excelentes. De todos os que eu citei, o único que eu não acho uma boa leitura é justamente o Jibun no Koto ga Katte ni Manga ni Sareteru Onnanoko.
O ponto é que no nível 4 o protagonista reage mal e com rejeição ao seu status de fictício. Ele deseja agência e o controle da própria vida acima de tudo. E com isso ele diretamente desafia Deus. Se recusando a seguir clichês e tentando retomar o controle da própria vida.
E se alguns desses personagens conseguem, outros não. A tragédia de não ser capaz de se livrar do autor é uma tragédia de temas divinos por definição. Muita história mitológica é sobre a incapacidade de se fugir do destino traçado pra você, a mais famosa sendo Oedipus Rex.
Mas os que fracassam só tem que aguentar a desgraça que é sua existência. E os que triunfam costumam escapar para o mundo real. Mas existe uma terceira forma de se rebelar.
Nível 5: O em controle.
Você pode naturalizar as convenções narrativas como parte de sua vida. Você pode lutar contra elas, ou você pode reescrevê-las. Personagens fictícios são criados à imagem e semelhança de Deus, que é seu autor. E, em algumas obras, a consciência deles de onde eles estão pode alterar a realidade. Eles podem escrever a própria realidade.
E se eles não puderem, então no mínimo eles podem dar ordens a quem escreve a própria realidade. Que nem os personagens de Teen Titans Go, que em determinados momentos podem se colocar hierarquicamente acima da equipe que faz o desenho.
Esse personagem tem o controle do mundo em que vive. Comparável ao cientista que brincou de Deus, ele entende tanto sobre o mundo em que ele está inserido e sobre a maneira como sua narrativa funciona, que ele agora está brincando de Deus. Exercendo sua influência sobre o expectador.
Esse nível assim como os demais, não é usado somente para a comédia. Ele é usado para comédia, mas ele também pode ser usado para o terror. Afinal de contas, o vilão ao reconhecer que é só uma ficção quebra um senso de hierarquia que você espectador tem com ele. Ele sabe que é fictício, mas não vai se deixar diminuir. Ele sabe onde está a quarta parede e sabe que você a usa de escudo. Se no nível 5 o personagem não está mais brigando com Deus, pois essa ele já venceu, agora ele está livre brigando com você.
E é nesse ponto que Doki Doki Literature Club pegou todo mundo.
Outro motivo pelo qual isso funciona com terror é: um personagem no nível 5 é quase sempre um vilão.
Nas vezes em que ele não é um vilão, ele é um protagonista que temporariamente está bêbado com poder e deixa o pior de sua personalidade florescer.
Isso porque… esses personagens então substituindo Deus. Eles venceram Deus e se tornaram Deus. O objetivo final. E bem… histórias gostam de reforçar humildade.
Então se os personagens no nível 3 são recompensados por sua humildade, os no nível 5 raramente são recompensados pela sua prepotência. Ao final eles são vencidos. A menos que a história termine em tragédia, com um tom claro de que o mal venceu.
A lição de todo mundo que topa com o divino é sempre que não se pode vencer o divino. Deus é mais forte que suas criações.
E esses são os cinco tipos.
Se você notar, vai perceber que eu ilustrei os cinco exemplos com cenas de Rick and Morty. Não foi coincidência, eu pensei bem onde eu queria encaixar o personagem Rick Sanchez, que quebra a quarta parede constantemente, mas embora eu ache que ele oscile entre o nível 3 e o 4, ele no fundo explora todos os níveis e alguns intermediários entre os níveis também. O que é curioso e digno de atenção por um motivo. Rick Sanchez é igualmente inconstante em sua relação com Deus.
Normalmente ele nega a existência de Deus, e insiste arrogantemente que ele próprio é Deus. Mas de vez em quando ele se depara com divindades que ele sente uma necessidade de humilhar para se provar, como Zeus e o Diabo. Ao mesmo tempo ele já rezou uma vez para provar que não estava acima de usar o poder de Deus para triunfar sobre seus inimigos, quando essa opção existiu.
Rick certamente se vê como um substituto tão competente quanto Deus, mas se ele está competindo diretamente com Deus, derrubando um delírio coletivo, ou só ignorando o Deus verdadeiro não dá para saber. Mas essa situação se manifesta nas duas definições. Rick deseja tanto não sofrer influência de entidades divinas que Dan Harmon e Justin Roiland tenham criado em seu universo, como ele quer ter agência e livre arbítrio desses dois também. E ele quer escrever a própria história.
O que é mais simbolizado do que nunca no fato de que ele deu para si mesmo uma catchphrase. Mas também está presente nele afirmando que ele é quem editou os Morty Mindblowers, Quando ele corrige a tentativa de Jerry de interpretar a moral do episódio em Big Trouble in Little Sanchez, quando ele menciona o pitching dele de uma série sobre cachorros que ele acha que seria um sucesso, em todos esses momentos. Mas principalmente no fato dele ser dublado por um dos criadores da série em um tom semi-improvisado. Como se a voz dele tivesse o poder de alterar a realidade do episódio num impulso, pois Justin Roiland de fato tem esse poder.
E esse é o ponto principal do texto. Pensar sobre como quebrar a quarta parede é uma piada. Mas olhando da perspectiva de personagens é uma questão de poder. Às vezes é um poder sobre-humano e às vezes é meramente informação, porém informação é poder. Um poder que alguns têm e outros não têm. Pois entender que é fictício é um conhecimento e com o conhecimento esses personagens ganham o poder de desafiar as convenções da ficção ou não.
E eu gostaria que esse poder fosse mais usado.
Sinto que hoje a maioria dos filmes tenta usar quebra de quarta parede como uma maneira de fazer uma piada que permita que o filme se safe de uma decisão estúpida, da qual não se safaria se não fizesse a piada.
Eu acho esse uso aquém do potencial da quebra parede, que pode ser muito maior que isso. Pode ser a chance real de fazer seus personagens viverem a relação de uma pessoa diante do poder de Deus, de uma maneira que American Gods ou Prince of Egypt nunca conseguirão.