Em 2011 estreou no japão um anime que pegou todo mundo de surpresa por desconstruir e subverter os tropos e convenções do subgênero de mahou shoujos, também conhecidas como “meninas mágicas”. Vocês sabem: o gênero ao qual Sailor Moon e Sakura Card Captors se enquadram, e também é o gênero no qual as Powerpuff Girls foram encaixadas após serem convertidas para um anime. O nome desse anime era Puella Magi Madoka Magica.
Ao contrário do que costuma se esperar de um anime do gênero, Madoka Magica era cínico, cruel e realista, mostrando consequências pesadas de criaturas mágicas manipulando meninas pra assinarem contratos e combaterem o mal. Danos físicos, com personagens morrendo e se ferindo; danos psicológicos, com traumas e sofrimento; e danos morais, com noções de certo e errado se tornando cada vez menos claras naquele contexto.
E foi um sucesso, derrubou todo mundo da cadeira. Fez pras meninas mágicas o que Evangelion fez pros robôs gigantes ou o que Digimon Tamers fez pros monstrinhos companheiros. E foi sucesso de público e crítica, mas aonde eu quero chegar?
Bom, esse anime já foi dissecado inúmeras vezes por várias pessoas, e apesar de ser um dos meus animes favoritos que existem, eu não queria exatamente fazer um texto sobre até ter algo minimamente novo pra jogar na roda. Só falar que desconstrói o gênero ou que é uma releitura de Faust do Goethe é legal, mas já se tornou essencialmente o cartão de visitas do anime pra novos fãs atualmente. Poucos vão atrás desse anime em 2018 pra serem pegos de surpresa pela desconstrução. Então embora seja um dos grandes atrativos do anime, não é sobre isso que quero falar.
Quero falar sobre como o anime trabalha a relação entre amadurecimento, e arco de personagem, com a aventura e as batalhas que ocorrem nesse tipo de história. E sobre o estranhamento que foi ver o anime se chamar Puella Magi Madoka Magica, mas vermos Madoka Kaname passar 90% da série sem se tornar uma garota mágica. Quero falar também sobre como a personagem Sayaka Miki contrasta a personagem Madoka no que diz respeito a transformação que uma vida de aventuras faz em um personagem, e também contrasta todo o arquétipo do herói que ela normalmente representaria.
E bem, creio que a maneira mais rápida de chegar nesse ponto é puxando a Jornada do Herói, cunhada por Joseph Campbell. Que é uma análise de passos e etapas que Joseph Campbell analisou em diversas mitologias para mostrar como elas eram estruturalmente semelhantes. Essa análise e essa estrutura então serviram também para analisar diversas obras de ficção e ver como a jornada de protagonistas de livros e filmes, seguem a mesma jornada dos heróis das mitologias, e essa análise de Campbell serviu de inspiração para inúmeros filmes que vieram depois e marcaram pra cacete o imaginário da cultura pop mesmo seguindo uma fórmula tão clara. O exemplo mais escancarado é Star Wars, já que George Lucas já admitiu que ele leu Joseph Campbell e se inspirou diretamente. Mas porra, Matrix, Wizard of Oz, Harry Potter, são literalmente passo-a-passo pra entender como a Jornada do Herói funciona.
Mas esse texto não é pra explicar essa estrutura, embora ela valha um google do leitor mais interessado, tem muita gente na internet que vai saber explicar isso bem melhor do que eu, e eu só toquei no assunto pois me interesso pro caso dessa análise, na primeiram na segunda e na última etapa respectivamente.
Na primeira etapa, o herói está em seu mundo comum, vivendo sua vida rotineira prestes a ser recebido por um convite de uma pessoa ou do destino ou da coincidência pra se aventurar no mundo desconhecido de aventuras. Esse convite é a segunda etapa, chamada de chamado da aventura, e é o que engatilha o herói a abandonar seu mundo ordinário e se aventurar no desconhecido. Na última etapa, após viver todas essas aventuras, o herói retorna ao seu mundo comum, e esse mundo é o mesmo, mas o herói está mudado, e o retorno pra casa é o que evidencia o quanto ele é uma pessoa diferente agora que voltou ao mundo que deixou.
Toda aventura que 90% dos heróis viveram na ficção foram gatilhos pra esse herói poder amadurecer, superar seus medos, superar defeitos, encontrar seu valor, descobrir seu lugar no mundo, descobrir o amor, aprender o valor da amizade, ou qualquer outra mudança positiva de personalidade. E no fim de uma aventura e de uma batalha contra o mal, essa mudança ficou, e ela reforça como além do fato do herói provavelmente ter salvado vidas e vencido o mal, essa mudança valeu a pena. E essa aventura foi boa para o personagem enquanto indivíduo, pois o encorajou a amadurecer.
E esse é um dos inúmeros motivos, pelo qual é tão fácil e popular colocar adolescentes pra viver aventuras. Pois são justamente eles que estão em fase de amadurecimento, e permitem transformar a aventura em um grande resumo da jornada de transição que o personagem fará para a vida adulta.
Enfim, a jornada do herói não é o único lugar onde a história acaba aonde ela começa. É um dos tropes mais comuns que tem, fazer um filme ou série terminar em uma cena que é uma rima direta da primeira cena, e isso é pra reforçar essa ideia, ao voltar ao começo, vemos o quanto esse personagem mudou e evoluiu. Mesmo se a história não tiver seguido a jornada do herói.
Afinal, e agora é uma opinião muito pessoal minha, evoluir e mudar seus personagens deveria ser o grande objetivo da maioria das histórias. Porque pensem comigo: se aquela história, se aqueles acontecimentos narrados, não foram capazes de alterar a perspectiva do personagem, não deixaram um tipo de impacto nele ou nela que ele ou ela vai levar pra vida. Então porque ela deixaria um impacto na gente? E se não deixa, porque mereceria ser contada?
É uma pergunta retórica, existem histórias em que os personagens não evoluem e merecem ser contadas igualmente, mas é porque o roteirista superou esse desafio, e não significa que seja fácil. O ponto é que a coisa mais comum do mundo é que uma aventura, jornada, batalha épica do bem contra o mal, evolua os personagens, e faça eles se desenvolverem em pessoas melhores.
E é aqui que eu quero chegar. Nesse conceito que criamos de que a aventura, com seus vilões, desafios, provações e traumas, moldam o herói, e transformam ele na pessoa que ele tem que ser pra genuinamente fazer a diferença, e poder vencer os desafios. Se ele tivesse ficado no mundo ordinário ele continuaria sendo a pessoa ordinária e não-evoluída que ele era, e nada bom aconteceria. Aventuras trazem tragédia, trazem mortes, trazem traumas e trazem perdas, e todas as tragédias precisaram acontecer com nosso herói pra transformá-lo e amadurecê-lo.
Em outras palavras: sofrimento cria caráter. O Pai do Calvin tava certo.
E é aqui que entra o que eu quero abordar em Puella Magi Madoka Magica. Esse conceito inteiro é questionado fortemente como parte da desconstrução que Madoka Magica faz em seu gênero. Porém essa noção de desafios e provas e traumas e o herói amadurecendo ao longo da jornada não é exclusivo do gênero de garotas mágicas, ele é amplo para todas as aventuras, a grande maioria delas possuem e mesmo assim, Madoka Magica estraçalha esse conceito.
Então enfim vamos começar a falar da história de Madoka.
Madoka Kaname é uma garota comum que frequenta o colégio com suas amigas. Um dia, ela estava numa loja de discos quando um animal estranho parecido com um gatinho pede por sua ajuda. Ela vê que ele estava sendo atacado por Homura Akemi, uma garota que se transferiu pra classe de Madoka naquele mesmo dia. Com a ajuda de Sayaka Miki, sua melhor amiga, Madoka resgata o gatinho e encontra Mami Tomoe, uma garota mágica uns anos mais velha que Madoka que salva Madoka e Sayaka de serem atacadas por bruxas medonhas. Pois bem, Mami explica que o tal gatinho se chama Kyuubei e é o responsável por transformar meninas em garotas mágicas através de um contrato que por sua vez é feito através de um desejo que Kyuubei realiza para as meninas antes delas virarem garotas mágicas.
Ironicamente, a perspectiva de viver como heroínas, combatendo bruxas, entrando em batalhas e se aventurando é o que instantaneamente atraí tanto Madoka quanto Sayaka. Porém elas hesitam na parte de realizar o próprio desejo. E ficam em duvida quanto ao que pedir, sendo garotas privilegiadas como elas são. Porém que elas querem virar garotas mágicas elas já tem certeza, e por isso começam a acompanhar Mami em suas batalhas, para já se familiarizar com o ofício que terão quando pensarem em um bom desejo. Isso vai bem no começo, até que Mami é morta por uma bruxa na frente das duas, mostrando na prática as duras consequências de viver como uma garota mágica.
As duas se abalam e questionam se querem mesmo se tornar garotas mágicas, depois de ver como elas podem ser mortas a qualquer momento pelas bruxas caso escolham aquela vida. Porém Sayaka era apaixonada por esse garoto, um violinista talentoso que após um acidente perdeu o uso das mãos, e nunca poderá tocar o violino novamente. Sayaka decidiu desejar para Kyuubei que ele se curasse e se tornou uma garota mágica.
Sayaka apesar de ter medo de morrer como Mami e de se preocupar com sua segurança, visivelmente gosta e tem orgulho de ser uma garota mágica, pelos motivos de poder fazer justiça, salvar pessoas e expressar valores de heroísmo. Porém não é assim com todas, surge Kyoko Sakura, uma garota mágica egoísta e individualista, que antagoniza Sayaka, desejando ser a única garota mágica da região.
A luta entre as duas garotas mágicas de posições opostas, trás a tona uma verdade tensa. A de que o corpo delas não pertence mais a elas, e suas almas foram presas na joia que elas usam pra praticar magia. Fazendo-as perceber que sacrificaram a própria alma pelo desejo. Kyoko e Sayaka meio que se conectam por essa realidade, e Sayaka começa a ter a sinceridade do desejo que ela fez questionada. De que o objetivo de Sayaka não seria o bem-estar do violinista e sim a gratidão dele pra que ele e Sayaka ficassem juntos. Kyoko diz a ela que se ela quisesse ter o amor do violinista, deveria ter mantido o braço dele quebrado pra sempre, pra ele depender dela. Uma amiga comum de Madoka e Sayaka assume estar apaixonada pelo violinista, e Sayaka perde o desejo de competir com a amiga pelo amor do garoto, se sentindo indigna dele, com a realidade de que seu corpo não é seu e sua alma está presa em uma pedra.
Essa amiga em comum e o violinista namoram, esfregando na cara de Sayaka que ela sacrificou sua alma por um garoto, mentindo pra si mesma que estava sendo altruísta, quando na verdade queria a gratidão dele. Quando ela não recebeu essa gratidão e ele namorou outra, ela viu que ela sacrificou a própria alma por nada. Sayaka começa a lutar de maneira cada vez mais irresponsável, começa a beirar a loucura, assassinou dois machistas que ela encontrou no metrô, e enfim cai no desespero por ter se condenado a uma vida miserável, e se transforma em uma bruxa.
O que é o maior plot-twist de toda a série. As bruxas são, na verdade, garotas mágicas que perderam a esperança e caíram em desespero. Forçando novas garotas mágicas a assinarem o contrato e sacrificarem suas almas pra deter essas bruxas, e no futuro elas virarão novas bruxas que exigirão novas garotas mágicas, mantendo um ciclo de garotinhas traumatizadas que mal concluíram a puberdade e entram em uma vida onde só tem dois destinos, a morte ou a loucura e corrupção.
Kyoko sacrifica a própria vida pra deter a bruxa que um dia foi Sayaka. Deixando Homura como a única garota mágica na cidade, o que é ruim. Pois Walpurgisnatch, a maior bruxa que existe está vindo pra cidade, e somente Homura não é o suficiente pra detê-la. A solução seria então permitir que Madoka faça um contrato, vire uma garota mágica e ajude Homura a salvar o mundo.
Mas Homura se recusa. Acontece que na verdade Homura é uma viajante no tempo, que está revivendo aquele mês específico, desde sua chegada no colégio até a chegada de Walpurgisnatch, faz anos. Ela já viveu aquele mês dezenas e dezenas de vezes, como se fosse o dia da marmota. E seu objetivo maior, para sempre voltar no tempo e tentar de novo, é não deixar Madoka morrer, nem virar uma garota mágica. Afinal, Madoka foi sua melhor amiga na primeira linha do tempo que Homura viveu (com fortes indícios de que Homura era apaixonada por Madoka).
Portanto, para impedir que Madoka vire uma garota mágica, Homura precisa aguentar a Walpurgisnatch sozinha. O que é impossível, e ela já falhou tantas vezes, tantas vezes ela já viu Madoka morrer, tantas vezes ela já não conseguiu manter Sayaka, Kyoko e Mami vivas para a batalha final, tantas vezes ela viu Madoka derrotar Walpurgisnatch só pra virar uma bruxa ainda pior. Tantas vezes ela fracassou, que Homura já está quase perdendo a esperança. E a única coisa que mantém a esperança de Homura viva, é o conhecimento de que no dia em que ela desistir de derrotar Walpurgisnatch sem deixar nada acontecer com Madoka, será o dia em que ela virará uma bruxa.
Madoka enfim interveem, e decide que ela vai virar uma garota mágica, e faz seu pedido enfim. O pedido que ela faz é o de poder impedir todas as garotas mágicas de se tornarem bruxas, e portanto impedir todas as bruxas de nascer. Com isso, Madoka se torna uma força onipresente que em todas as cidades de todos os países, está lá, dando esperança pras garotas mágicas em seus desesperos para não deixar que virem bruxas (a consequência disso, é antes elas precisavam derrotar bruxas pra manter suas joias-de-alma limpas. Agora sem mais bruxas no mundo, depois de determinadas lutas, elas morrem em paz). Madoka vira uma existência essencialmente invisível e onipresente, eternamente ajudando a todo mundo sem nunca voltar a ser ela mesma. Ou seja, virou um Deus eternamente protegendo as garotas mágicas do ciclo de tragédia que as rodeia.
Com esse desejo, Walpurgisnatch deixa de existir. A família e amigos de Madoka esquecem que ela existe, e Homura se mantém como única a se lembrar de Madoka, e única garota mágica da região. Agora lutando com wraiths que na ausência de bruxas se firmaram como os inimigos que as garotas mágicas enfrentam.
O que chama muito a atenção nessa história?
Que enquanto Sayaka, Homura, Kyoko e Mami sofriam uns traumas fodidos, e batalhavam até o limite, e tinham seus valores, ideais e esperanças testados até o limite. A porra da personagem-título, cujo título explica claramente que ela é “mágica”, ficava só olhando sem fazer nada por onze episódios. Aí na reta final ela resolve desejar a solução de todos os conflitos do mundo eternamente e plum, tudo se resolve por mágica.
E isso não é pejorativo não. Sei que falando assim parece que “nossa, que final de merda”, mas não, o final é bom. É bom pra cacete.
E um dos motivos dele ser bom, é que ele subverte a subversão inicial de Puella Magi Madoka Mágica. Começamos o anime achando que ele será um anime de garotas mágicas, elas vão lutar com o mal, e queremos ver Madoka e Sayaka virarem garotas mágicas logo. Então Mami morre, e vemos que o anime trás consequências trágicas para garotas mágicas, mas não são o suficiente para nos fazer deixar de querer que Madoka e Sayaka virem garotas mágicas. Afinal, elas não vão morrer feito a Mami, elas vão aprender com os erros de Mami, se tornar pessoas melhores e combater o mal e superar tudo.
Tudo muda quando Sayaka vira uma garota mágica. Porque então ela começa o que seriam as provações da aventura. Os obstáculos a serem superados. E os obstáculos lentamente quebram Sayaka. Ela não vira uma pessoa melhor a cada obstaculo superado e aprende uma lição. Pelo contrário, quanto mais ela aprende sobre a natureza do que é ser uma garota mágica, mais ela quebra psicologicamente. Ela começa a lutar de maneira mais violenta e autodestrutiva. Ela começa a se ver como desumana e como uma morta-viva. Ela se sente indigna dos próprios sonhos, e ela começa a se agarrar com uma mentira que ela contou pra si mesma de que seu altruísmo era mais forte do que tudo, e que por isso ela estava disposta a todos os sacrifícios que ela fazia sem voltar pra trás. Até que ela quebra o suficiente ao ponto de matar dois civis que ela julgou indignos de sua proteção, e enfim admitiu que se arrepende, e nesse momento ela se torna uma bruxa.
Apesar de Sayaka ter derrotado literalmente todas as bruxas que vieram em seu caminho, cada luta que ela vencia, ela se tornava mais instável, mais deprimida, e isso é o que realisticamente se espera de uma criança de doze anos sendo forçada a arriscar a vida em batalhas até a morte diariamente. Não é um gatilho pra uma evolução e pra um reforço dos ideais de Sayaka. Pelo contrário, os ideais de Sayaka foram postos tanto a prova, que a Sayaka se convenceu de que eles não eram reais.
E é nesse momento que enfim desejamos que Madoka não se torne uma garota mágica, pois enfim vemos o quanto não existe nada de bom que sai dessa experiência, e vemos isso no fracasso de Sayaka que só se tornou uma pessoa cada vez mais quebrada psicologicamente a cada luta até virar bruxa. E esse desejo é reforçado porque logo após a morte de Sayaka vemos a verdade sobre Homura, e como os anos e anos revivendo a exata mesma aventura não a deixam mais próxima do sucesso. E que embora ela tenha se tornado mais sábia revivendo aquele dia várias vezes, ela não se tornou uma pessoa necessariamente melhor, ela ficou mais fria, mais antipática, distante e indiferente com a morte alheia. E apesar de sua aparente frieza e força, é revelado que ela estava no limite de quebrar psicologicamente da maneira que ocorreu com Sayaka, com toda sua imensa experiência só servindo pra deixá-la ainda mais desesperada e tão longe de seu objetivo quanto sempre.
Sabemos então que virar uma garota mágica destruiu a vida de Homura e Sayaka e que nada bom saiu disso. Sabemos que toda garota mágica está aí pra se foder. E vemos três das cinco protagonistas morrerem mortes trágicas. Como podemos seguir torcendo pra Madoka virar uma garota mágica sabendo disso? Agora estamos desesperados, queremos que ela não vire.
Mas é só agora que ela resolve virar. A maldita. Será que ela não entendeu nada? Pelo contrário, ela entendeu tudo. E ela só foi capaz de entender tudo, porque ela assistiu literalmente todas as batalhas que foram travadas nesse anime, mas ela assistiu do lado de fora. Em resumo: o anime pega um público que quer ver garotas mágicas como a solução, ele cuidadosamente e talentosamente convence esse público de que garotas mágicas não são a solução e aí quando você se convence, você descobre que virar garota mágica era a solução.
Ao nunca aceitar o chamado para a aventura que Kyuubei lhe fez, ela pode assistir tudo do mundo ordinário, mas em primeira mão. Uma oportunidade que lhe permitiu ver e analisar os traumas sofridos por Mami, Sayaka, Kyoko e Homura. E enquanto observava ela refletia, e conversava. Ela conversava com Homura sobre como ela via a situação, mesmo quando nenhuma das outras personagens queria papo com a Homura. Ela perguntava as motivações de Kyuubei mesmo quando já tinha entendido que o Kyuubei era um escroto. Ela comentava com a mãe o que via (sem dar detalhes, obvio), e ouvia os conselhos da mãe. Ela observou tentando entender o contexto, a motivação das pessoas, as suas diferenças e escolhas e seu papel nisso tudo e refletiu muito.
E ela aprendeu muito só observando atenciosamente. Ela se transformou de uma menina que não se valorizava e queria ser uma garota mágica só pra ver valor em si mesma, em uma garota que entendia seu próprio valor e a importância positiva que causou na vida de suas amigas. Ela se transformou de uma garota que tem medo de se envolver e correr riscos, em uma garota disposta a fazer o maior dos sacrifícios pelo bem comum. E ela não se transformou por causa de uma aventura que ela viveu, e sim por causa de uma aventura que ela observou.
E por isso, quando Madoka enfim aceita o chamado para a aventura, no final de tudo, ela já fez a evolução necessária. E é por isso que ela consegue solucionar todos os problemas com um único desejo. As aventuras que uma garota mágica vive, não servem pra dar obstáculos que ao serem superados farão as garotas mágicas amadurecer. Elas precisam amadurecer antes, para então acabar com esses obstáculos, que não trazem nada de bom, e foi isso que Madoka fez.
E se matar a Mami no episódio 3 subverteu as convenções que esperávamos de um anime de garota mágica. Fazer a Madoka amadurecer e evoluir antes, sem bater de frente com a tragédia, através da reflexão pra então estar sábia o suficiente pra aceitar uma aventura e solucionar os conflitos rapidamente, subverteu as convenções da ficção em geral. Essa foi a grande e maior subversão de Madoka Magica, apesar de ser a mais escondida delas.
O que reforça uma mensagem que é muito rara a de se ver por aí. A de que a tragédia não forma pessoas fortes. As pessoas precisam ser fortes antes da tragédia, porque assim ela não acontece. E elas precisam ser fortes sem a tragédia, porque assim ela não acontece.
No fim das contas tragédia não cria caráter. E as provações não fazem o bem. E a heroína mais sábia é aquela que não saiu do mundo normal até chegar a hora de deixar de existir definitivamente.
Isso é… até chegar Rebellion e tacar tudo isso pela janela, e é por isso que eu não falei de Rebellion nesse texto! Porque literalmente joga tudo isso que eu disse pela janela. Mas o filme é uma obra a parte, com uma reflexão a parte e com uma mensagem e parte e é genuinamente bom. Recomendo. Mas que nega tudo isso que eu falei nega sim, não podemos negar.