The Little Mermaid – Ariel mudou quem ela era, ou simplesmente se libertou?

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Esse Blog vai fazer dois anos em breve, e depois de dois anos com o público fiel que eu presumo que acompanha desde o primeiro texto, pois sou uma pessoa muito, mas muito otimista, eu quero revelar um segredo meu sobre como alguns dos textos saem. Eu estou de boa na internet feliz vendo meus memes e vejo alguém fazer uma interpretação de um filme e discordo dela, passam algumas semanas ou meses ou anos e eu vejo fazerem de novo, e de novo, chega um momento em que em vez de ir responder o post, ou cuidar da minha vida eu tomo a terceira opção e resolvo fazer um texto longo e detalhado no blog desmentindo essa interpretação em prol da interpretação que eu tenho do filme.

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Esse é o segredo por trás de inúmeros textos daqui.

O que não significa que a outra interpretação não seja válida, do outro lado do mundo pode ter gente que me viu interpretando um filme de outra maneira e colocou o texto com a interpretação contrária no blog dele. A magia da ficção é que existem tantas histórias quanto existem expectadores, depois que o filme/série/livro/game está pronto, ele é a conexão que ele fez com o expectador e o diálogo que ele fez com todo o repertório do expectador, e toda interpretação é válida, independente do que o autor pense de verdade.

Enfim, o filme da vez é The Little Mermaid, e a interpretação da qual eu quero discordar é a noção muito comum de que é um filme sobre uma menina que mudou quem ela era por conta de um cara. E essa interpretação é bem comum. A Ariel era uma sereia que virou humana por conta de um cara com quem ela nunca falou, e colocando nesses termos parece algo bem zoado mesmo. Eu sempre vi esse filme julgando menos a Ariel, em termos que tornam a transformação em humana bem menos zoada, mas sempre que eu explico pra alguém parece que deixou ainda pior, e o motivo disso, é por que envolve sexo. E nós preferimos associar nossa heroína da infância a uma traidora de sua espécie a associá-la a um ser transante, faz parte do tabu do sexo na sociedade.

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Texto na integra aqui.

E o fato de que tem aquela região macabra da internet onde todo mundo gosta de pensar qualquer heroína da infância como ser transante e fazem questão de desenhar isso de maneiras excessivamente detalhadas ajuda a termos essa visão de que é errado (porra internet!). Mas pessoalmente acho digno esse pensamento (não essa área da internet, ali é a fonte do mal).

Mas vamos ao contexto do filme.

The Little Mermaid é o 28º filme do cânone da Disney e um dos mais importantes, pois foi o que salvou o estúdio de uma de suas maiores crises financeiras, e praticamente reinventou o gênero das Princesas Disney que depois nunca mais foi abandonado e perdura até hoje pro bem e pro mau. Ele foi lançado em 1989 e é uma adaptação do contro Den lille havfrue de Hans Christian Andersen.

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Existe uma lenda que todos adoram repetir de que todo filme Disney tem uma história original que é mais sangrenta e pesada e horrível e não-infantil e The Little Mermaid é o exemplo máximo disso. O motivo disso é porque The Little Mermaid é um dos poucos exemplos em que isso é verdade.

Os contos de fada, a maioria deles, não tem uma versão original. Temos a referência maior que é a versão dos Irmãos Grimm que é a versão sangrenta, sexual e pesada onde todo mundo era estuprada e matava gente o tempo todo, mas isso não é a versão original. Esses contos existem na história oral desde muito tempo antes dos Grimm catalogarem todos, e é impossível rastrear quem criou a Cinderella ou a Rapunzel da mesma maneira que é impossível rastrear quem criou Zeus ou o Saci-Pererê. E bem, os contos não eram necessariamente pesados na história oral, alguns mais que outros, dependendo de como as mães contavam pras crianças, mas eles podiam ser bem infantis e adocidados também. Os Irmãos Grimm fizeram releituras pesadas com sexo e violência propositalmente pra forçar metáforas e simbolismos e passar a mensagem deles nesses contos que no contexto da época poderiam ser bons pra reflexão. Mas The Little Mermaid não, é diferente dos outros contos de fadas e não surgiu na história oral, surgiu em um livro com o autor e o livro é pesadão sim.

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Acreditem, crianças ouviram histórias mais leves da Cinderella antes de dormir por décadas até os Irmãos Grimm inventarem que as filhas da madrasta cortaram seus dedos e calcanhares fora pra caberem no sapatinho de cristal.

O que isso significa? Bom enquanto a Disney não tem obrigação nenhuma de dialogar com a interpretação dos Grimm de Cinderella na hora de fazer um filme, afinal o material de origem de Cinderella é muito mais vasto e tem muita mas muita releitura diferente de onde ele pode tirar o próprio caminho, The Little Mermaid tem um livro específico com o qual o filme obrigatoriamente vai ser comparado com todos que o leram, o que não significa que o estúdio não vai tomar liberdades, vai sim e muitas, nossa a Disney toma liberdade com tudo, eles não conhecem o termo “adaptação fiel” e esse é o jeitinho deles.

Enfim, por mais que a versão da Disney seja diferente, ela ainda é uma adaptação direta de uma história bem definida, por isso diferente dos outros contos de fadas, as mudanças dialogam diretamente com a fonte original, pois existe uma. É o mesmo caso de Frozen por exemplo, que adapta Snedronningen do mesmo autor (já vi teorias de que o Hans supostamente deveria ser a representação do espelho na história original.

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Um ponto importante pra história original, também de H. C. Andersen é esse espelho criado pelo diabo em pessoa que só refletia a feiura de todas as pessoas, e congelava assim, o coração de todos.

Enfim, resumindo a história original da maneira mais simplificada possível, a Sereiazinha se apaixonou por um humano enquanto fazia seu rito de passagem da maioridade, onde cada sereia assim que fizesse quinze anos podia ir uma vez pra superfície ver o que tinha lá. Apaixonada ela fez um pacto com a Bruxa do Mar pra ficar com ele, ela trocou sua língua e sua voz por pernas, pra ir a superfície conquistar o humano, mas tinha o fator de que humanos eram seres com almas e sereias não tinham almas e desaparecem completamente após morrerem, e mesmo com pernas ela ainda não ganhou uma alma, ela só conseguiria uma alma se o príncipe se apaixonasse por ela, mas ele se apaixona por outra. Por conta disso seu coração quebrou e quando isso acontecesse, segundo o pacto ela voltaria para o mar e morreria. Porém existia uma salvação, ela poderia matar o príncipe pra só voltar a ser sereia e fingir que nada aconteceu, mas ela se recusou a matar o homem que amava, e preferiu morrer. No fim ela morre, mas devido a pureza de seu coração seu espírito não desaparece, ao invés disso fica no purgatório onde ela vai ter a chance de ir para o paraíso no futuro e ganhar uma alma.

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E a morte é notável por não ser sangrenta, ao contrário do que os Irmãos Grimm teriam feito. Ela tem seu corpo transformado em espuma no mar até desaparecer.

Muito foco se dá pro fato da Sereiazinha morrer, mas é mais do que isso, o final é supostamente “feliz” ou ao menos um final agridoce, pois ela essencialmente viveria uma vida mediana como Sereia, sem amor e sem alma, e ela fez um pacto pra poder ter as duas coisas em sua vida, no fim por mais que suas expectativas e sacrifícios resultassem em nada sua bondade foi valorizada e ela conseguiu uma pseudo-alma com a esperança de virar uma e ir pro paraíso onde os humanos vão e as sereias não. Dando para ela a ascensão desejada.

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Isso tendo sido dito, temos que falar sobre outra coisa antes de começar a pensar mesmo no filme da Disney. Temos que falar sobre o maior paradoxo das sereias.

Sereias são criaturas mitológicas que existem desde os primórdios da narrativa. Elas são criaturas metade mulher e metade peixe que seduzem marinheiros que encantados pela beleza dela vão até o fundo do mar atrás delas, onde eles são mortos e devorados. Criaturas de aparência feminina que são extremamente sexualizadas e cuja maior arma é encantar os homens e seduzi-los. Aí esses marinheiros vão pro mar achando que vão dar uns pegas na sereia e morrem. Enfatizando novamente, todo o conceito da espécie envolve pensarmos que os homens ficam seduzidos por elas e vão ao mar atrás de sexo.

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Aí olhamos com detalhe a anatomia delas, e vemos que tem uma parte anatômica fundamental para uma mulher que quer dar a promessa de sexo para um homem hétero faltando. Afinal se elas são um peixe da cintura pra baixo, o que o marinheiro acha que vai acontecer? Vai dar uns beijinho e nadar de volta pra cima? Pois é, Sereias são criaturas cuja descrição básica delas é extremamente sexual, elas são mulheres atraente pois o modus operandi delas é seduzir homens, é isso que elas fazem. Ao mesmo tempo não parece que para qualquer um dos homens seduzidos que transar é uma opção, o que faz sentido considerando que a sereia em si não tem a menor intenção de fazer nada do que o marinheiro espera.

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Mas a contradição do que o marinheiro deseja e qual o máximo que ele pode chegar é tão visível que foi explicitamente comentada por diversas pessoas que resolveram falar sobre sereias, em especial na comédia.

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“Eu estou meio confuso, o que eu faço? Com o rabo e tudo mais…” “Eu não sou sua primeira, sou? Então, eu deixo meus ovos e aí vou embora e então você solta o fertilizante.”

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E Hans Christian Andersen foi um deles. Ele colocou uma história onde a inversão de papéis em relação ao conceito clássico era visível, não era uma sereia seduzindo um marinheiro pro mar pra morrer, é uma sereia seduzida por um marinheiro (um príncipe-marinheiro) que vai pra superfície pra viver. E quando ela decide que ela quer casar com um humano qual a solução pra isso? Ela decide ser humana da cintura pra baixo, e desculpa, isso é obviamente sobre sexo. O rabo só é mencionado como problema no segundo em que o relacionamento com o humano surge. Tá que dançar com o namorado é da hora, e correr junto na praia é romântico, mas a noção de que só dá pra namorar caso seja humana da cintura pra baixo implica em muito mais do que ter pernas.

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Em One Piece, um mangá onde sereias e humanos já tiveram relacionamentos mais de uma vez, e filhos híbridos de sereia e humanos aparecem. Além disso é dito que na biologia das sereias daquele mundo, as fêmeas passam a poder descolar suas caudas a partir dos 30 anos, mas só as fêmeas. Em sereias o conceito de pernas e o conceito de despertar sexual andam lado a lado.

Sereias são castas, pra elas homens são comida, não amigos, quando a sereia não é casta, aí ela precisa deixar de ser uma sereia e ganhar pernas, e o que fica implícito que estará no meio delas. E no caso da Sereiazinha, não é meramente castidade, é desejar uma alma, uma vida mais curta, porém completa que possa dar a ela alguma satisfação após sua morte, e incluir sexo nesse desejo de uma vida mais satisfatória, faz parte do pacote obviamente.

Disso tudo o que a Disney tirou? Tirou o lance da alma, tirou a morte dela no final, tirou o fato de que ter pernas era uma dor constante e agoniante, tirou a oferta dela de matar o príncipe, tirou o sacrifício da língua (ela deu só a voz), tirou um monte de coisa, nos fazendo a pergunta: mas o que ela manteve? Manteve o fato de que o que Ariel desejava era uma vida mais completa do que a vida que ela levava no fundo do mar e manteve a inversão de papéis da sereia seduzida que decidiu se tornar humana da cintura pra baixo. Manteve a quebra de expectativas dela e manteve sua recompensa mesmo diante do fracasso.

Agora vamos enfim ao filme, agora que toda a relação do conto original com sexo está bem contextualizada.

O filme nos abre justamente com marinheiros cantando uma canção sobre as sereias que esperam por eles no oceano. Nos confirmando que o imaginário das sereias que o filme se baseia é o imaginário clássico mesmo.

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“Cuidado rapaz que tem uma sereia te esperando nas misteriosas profundezas abaixo.”

Pois bem dada essa ligeira introdução logo vamos ser introduzidos à Sereiazinha, que no filme ganha um nome: Ariel. Qual nossa primeira impressão dela? Ah sim, a família dela é a família real que governa todos os peixes, ela tem um pai estrito, que é o rei e seis irmãs, e todas as irmãs dela atendem perfeitamente as expectativas do pai de serem filhas exemplares, mas ela é a ovelha negra, que falta às apresentações reais pra ficar invadindo navios afundados em busca de objetos humanos. E vai até a superfície perguntar pra gaivota Scuttle sobre eles, que lhe dá informações inventadas e sem sentido,mas ela acredita nelas e fica fantasiando quanto a que tipo de vida os humanos vivem com esses objetos maravilhoso.

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Pois bem, seu pai descobre que ela segue indo pra superfície e dá sua bronca de pai. Ele morre de medo que ela seja vista por um daqueles marinheiros bárbaros que vão querer comê-la (no sentido gastronômico, por favor, a Disney não é tão direta assim). Eles brigam, afinal ela já tem 16 anos e como toda garota de 16 anos acha que manja das coisas e quer logo tomar suas decisões e pensa que entende o suficiente do mundo pra não ser mais tratada feito criança. Mas Triton solta um “enquanto morar sob meu oceano você segue minhas regras.”

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“Você acha que eu quero minha filha mais jovem presa no anzol de um comedor de peixes?”

Bom, vamos pensar nisso. O conflito entre Triton e Ariel é um típico conflito de um pai super-protetor e uma filha adolescente que quer independência. Porém uma vez que todo o oceano é a casa do pai, é obvio que ela mesmo envelhecendo nunca vai crescer pra ganhar essa independência, afinal quando ela sairia da casa do pai pra fazer as próprias regras? Só quando ela saísse do oceano.

Ainda na discussão deles, interessante essa inversão adicionada de que agora são os humanos que devoram as sereias e não o oposto. Mantém o tema da inversão do mito original, já que nessa história é a sereia que faz a parte do marinheiro.

Pois bem, ela volta pra sua caverna, e canta essa bela canção, sobre sua obsessão por humanos. A música fala sobre como ela tem somente expectativas mediocres mediocres no fundo do mar, e que ela inveja a vida que os humanos vivem, com ruas e sol e liberdade. Não só isso, ela descreve a sociedade humana como uma sociedade onde pais entendem e respeitam o crescimento das filhas, e as trata como mulheres dignas capazes de explorar o mundo e suas maravilhas por si mesmas.

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“Aposto que é uma terra, onde eles entendem e onde eles não reprimem as filhas. Jovens mulheres brilhantes que cansaram de nadar e estão prontas pra se erguer.”

Mas apesar de falar que quer viver nesse mundo, por ser essa bela sociedade, onde mulheres podem realizar seus sonhos e aventuras sem um pai falando que ela não pode ser livre, pois o mundo está cheio de homens que são predadores para ela, apesar disso, ela ainda não mencionou querer pernas nenhuma vez. Mencionou querer tocar no fogo e entender por que ele queima, mencionou querer ver uma dança de perto e mencionou querer deitar na areia quente. Ela quer a sociedade dos humanos, não as pernas, pois na cabeça dela aquela sociedade não tem as frustrações do oceano, sendo essas frustrações o protecionismo de seu pai.

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“Estou pronta pra saber o que as pessoas sabem. Fazer minhas perguntas e receber respostas. O que é o fogo? E por que ele queima? Quando vai chegar minha vez? Eu não adoraria? Explorar o mundo acima…. fora do mar, eu queria pertencer àquele mundo.” nem uma única menção à homens.

Isso é, até ela subir na superfície e ver esse príncipe marinheiro dançando em seu navio. Ela acha ele gato. Ele tava tocando flauta bem. Tratando bem o cachorro. Ele está falando que ele não tem interesse por qualquer garota, que ele quer achar aquela especial, e por isso se mantem solteiro. Ele está com uma camisa branca molhada sendo muito fodão ao dominar o navio durante uma tempestade e ela é uma adolescente de 16 anos em seu primeiro contato com o sexo oposto, eu não preciso explicar nada, Ariel se derrete toda pelo Príncipe Eric. E quando o navio deles afunda, ela salva Eric e trazê-lo em segurança pra praia. Pronto, só agora temos um homem na equação.

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“Ah, o que eu daria, pra viver onde você vive. O que eu pagaria pra poder ficar aqui com você. E o que eu faria pra te ver sorrir pra mim. E nós andaríamos, e nós correríamos, e nós passaríamos o dia no sol. Só nós dois. E eu pertenceria ao seu mundo.”

Ela canta pra Eric enquanto ele recobra os sentidos, vê a silhueta de Ariel e pronto, ele percebe que foi salvo por uma garota com a mais bela voz do mundo e pronto, ele está fascinado. Olha Ariel, pra sua primeira interação na vida com o sexo oposto, nota dez. A maioria das pessoas não teria esse sucesso de cara.

Pois bem, agora Ariel está de bom humor. E todas as irmãs logo entendem que tipo de bom humor ela está. A principio Triton presume que Ariel está afim de um sereio e fica feliz com a situação.

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Triton feliz que Ariel achou um parceiro apropriado, onde ela possa deixar seus ovos em um ninho, ir embora e só então ele vai ao ninho fertilizá-los e nenhum contato físico sai desse ato, mas ele ganha seus netinhos.

Mas aí ele descobre que ela se interessou por um humano e é aí que o bicho pega. Triton fica putão, ele entra no quarto de Ariel e destrói todos os tesouros de Ariel e tudo no quarto dela que a lembre de um humano. Deixando Ariel chorando em um quarto destruído.

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Pronto, o cenário está montado pra ela ser abordada pela bruxa do mar, Ursula. Uma mulher velha que foi expulsa do palácio por Triton e hoje vive de dar golpes na vida marinha, explorando suas inseguranças. Ela vê na Ariel e sua ingenuidade uma chance de se vingar de Triton através da filha.

Bom, embora o filme deixe claro que existem outros, Ursula é a única outra sereia com quem Ariel interage no filme que não é sua parente. É uma mulher mais velha que se apresenta como uma pessoa sábia e que poderia ser uma mentora pra Ariel.

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“E você está aqui pois está afim daquele humano. Olha, eu não te culpo, ele é tudo isso sim.”

E ela solta a bomba, se ela quiser mesmo ficar com o príncipe ela vai ter que se tornar humana. Ariel não pensa nisso sozinha, Ursula dá esse conselho pra ela e oferece um pacto. Ela prepararia uma poção pra transformar Ariel em humana por 3 dias. Para o efeito ser vitalício ela teria que antes do terceiro por do sol ser beijada pelo príncipe. Afinal nos padrões Disney o beijo é o máximo de intimidade que um casal consegue atingir. Caso ela falhe em ser beijada nesses três dias, ela retornaria ao mar e seria uma escrava de Ursula. 

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“Pra conseguir o que quer, você teria que ser uma humana.” “Você consegue fazer isso?” “Ah, minha criança, isso é o que eu faço, é pelo que eu vivo. Ajudar sereias infelizes como você, pobres almas com ninguém mais com quem contar.”

Por último Ursula completa com o pagamento, o preço de Ariel por isso seria a sua voz que ela daria para Ursula. Quando Ariel questiona como ela vai seduzir um homem sem poder falar, Ursula manda ela não subestimar a importância da linguagem corporal. Sério, alguém acha que essa mudança é sobre pernas que possam correr e pular? Ela quer um corpo que possa seduzir um homem, e a metade de baixo seria essencial na crença de Ariel, mal sabe ela que Eric já foi seduzido por ela sem olhar direito pra aparência dela.

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E quando fala da linguagem corporal ela ainda faz os movimentos do quadril pra frente e pra trás, pra ter certeza de que Ariel entendeu do que ela estava falando.

Pois bem, ela aceita o pacto, pois é adolescente, impulsiva, e quer muito provar um ponto, ela ganha seu corpo de humano e quase se afoga até ser trazida à superfície.

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Pronto a merda tá feita. A primeira reação é o clássico “meu pai vai me matar quando descobrir.” seguido por um “então vamos fazer isso dar certo.” Ela veste uma roupa, uma vez que a poção da bruxa não deu nada pra ela vestir, e ela vai pra praia e qual é a primeia coisa que ela encontra? O príncipe Eric! Que mulher de sorte.

Mas pro azar dela, Eric está pensando na garota da voz mais bonita do mundo que salvou ele e ao constatar que Ariel era muda ele percebe que não é ela. Pois é Ariel, só agora ela percebeu que a voz pesava mais do que o corpo nesse contexto. Mas agora já era, ela tem três dias pra fazer o príncipe esquecer dela e começar a gostar dela.

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Se as coisas andarem nesse ritmo mesmo não parece algo difícil.

E está funcionando, pois ele se distraiu pensando em Ariel o jantar todo e marcou um encontro com ela no dia seguinte. Olha Eric, pra alguém que nunca havia achado uma garota que chamasse a atenção dele, você se seduziu pela Ariel duas vezes em dois dias seguidos achando que eram duas garotas diferentes. Ou ela é muito boa nisso, ou faltam ruivas em seja lá qual reino ele vive e ele tem um fetiche evidente. Das duas uma.

Pois bem, o encontro é um relativo sucesso. Eles se divertem, dançam e curtem durante o dia, e durante a noite, tem um romântico passeio de barco cheio de climão maneiro, só que bem na hora que esse climão ia virar um beijo, o barco vira e eles caem na água e o clima esfria. Claro que o barco foi virado pelos capangas de Ursula que quer que Ariel fracasse e vire sua escrava. Pois bem, ela vê que tem mais clima entre Eric e Ariel do que deveria ter, e que ela vai ter que intervir de maneira mais direta.

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Na trave!

O que aqui significa, usar magia pra virar uma humana notavelmente parecida com Ariel, só que morena (ok, não era fetiche por ruivas então) e usar a voz de Ariel pra fazer Eric achar que finalmente achou a garota que salvou sua vida. E pronto, Eric decide se casar com Ursula imediatamente.

Caralho Eric, 4 dias atrás você nunca tinha achado uma garota que te chamasse a atenção, não passa uma semana e você tem um triângulo amoroso e um casamento. É sério isso? Bom aparentemente Ursula também hipnotizou ele, então quanto ao casamento eu não vou pesar tanto.

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Não importa, Ariel descobre que a mulher que roubou Eric dela era Ursula disfarçada. Ela percebe que tem que parar o casamento, então invade o navio pra fazer alguma coisa.

Ariel faz seus amigos animais marinhos atacarem o casamento e quebrar a concha onde ela guardava a voz de Ariel, e ela recupera a voz, provando pra Eric que era ela a garota com quem ele havia fantasiado por tanto tempo. Eles quase se beijam, mas o sol se põe antes, e ela volta a ser uma sereia. E conforme o pacto ditava, ela deve se tornar escrava de Ursula.

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“Ariel… era você?” “Eric, eu queria ter te contado.” e aí na trave de novo.
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Ué…

É aí que entra Triton, ele quer proteger sua filha de Ursula, mas não pode fazer nada perante a legalidade do contrato. Ursula já previa isso, o alvo dela nunca foi Ariel. Triton aceita trocar de lugar com Ariel e se tornar escravo pra poupar a filha, ele ama ela e faria qualquer sacrifício pra vê-la segura, por mais brigados que eles possam estar. E com Triton escravo, é Ursula quem controla os oceanos agora.

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Poder que ela usa pra virar um monstro gigante, por algum motivo. Porém não importa, Eric está determinado a recuperar Ariel novamente, e empala Ursula com seu navio, pois mais do que príncipe ele é um homem do mar que sabe navegar.

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Curioso é que ao morrer a Ursula aparentemente virou espuma e se dissolveu no mar, da mesma maneira que a Sereiazinha no livro original.

Com Ursula morta, todos seus escravos se libertam, incluindo Triton e tudo volta ao normal como estava no começo do filme. Triton reinando, Eric solteiro e Ariel fantasiando por uma vida fora do oceano. Só que agora Triton percebe o quanto é importante pra Ariel viver no mundo dos humanos, e ele mesmo dá pra Ariel as pernas das quais ela precisa pra casar com Eric.

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“É como eu sempre digo, majestade, os jovens precisam ser livres pra viverem as próprias vidas.”

O filme acaba com Triton subindo até o navio pra dar um abraço de despedida em sua filha noiva, e abençoar o casamento enquanto o navio navega em direção a sei lá aonde.

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fim

Vamos lá. O filme de forma alguma é sobre o relacionamento de Ariel com um cara, ela não precisou lidar com um relacionamento, Eric é conquistado fácil demais e é só um artifício de roteiro com pouca personalidade. Não houve um trabalho entre a personalidade deles nem saiu um conflito disso. Todo o filme girou em torno de outro assunto, o conflito de Ariel com seu pai. Não é só o mundo dos humanos, Ariel se sente presa com a disciplina, com o fato de seu pai mandar seus empregados ficarem de olho nela, seu pai exigir que ela faça apresentações de canto pra corte, toda uma vida girando em torno das demandas de seu pai e ela quer a própria vida.

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“Alguém devia pregas as barbatanas dessa garota no chão.”

O mundo dos humanos foi onde ela projetou esse mundo ideal onde não é Triton quem vai dizer o que ela vai fazer, é somente com um beijo ela poderia ter essa liberdade e viver no mundo dos humanos. E pra ganhar esse beijo, ela precisava ser uma humana da cintura pra baixo. Da mesma forma que a Sereiazinha do conto queria uma alma a Ariel queria poder fazer as próprias decisões. E bem, nos dois casos o príncipe foi o meio pra ela chegar até o que ela queria. Ela precisava ser beijada pelo príncipe pra ganhar sua alma ou pra poder ficar eternamente em terra firme. Porém não é fazendo um contrato com a bruxa do mar, nem fazendo sacrifícios físicos que ela consegue o que quer. Logo todo seu plano fracassa, e ela consegue o que queria de outro modo. A do conto recebe sua pseudo-alma, pois se recusou a matar o príncipe que havia acabado de ter sua lua de mel com outra, já a Ariel conseguiu o que queria, pois ganhou a benção de seu pai, que finalmente entendeu que ele prefere ver a filha feliz mesmo que longe dele.

No youtube é possível achar o esboço do que seria o final original do filme. Onde seria praticamente a mesma coisa, mas Ursula não ficaria gigante; Eric mataria ela com o tridente de Triton que lhe seria dado pelos aliados marinhos de Ariel; Ariel pediria desculpas a Triton por ter feito um pacto com uma golpista que escravizou-o e no final Triton admitiria que deve a vida ao humano. Eu pessoalmente prefiro esse final que não foi, principalmente por conta do pedido de desculpas. Acho importante a Ariel admitir que mesmo indo atrás de seu sonho ela foi orgulhosa, imatura e fez cagada pro seu pai então entender a importância de dar a ela o que ela quer.

Mas o mais importante é que eu me pergunto. Qual o peso da transformação em humana. Sereias e Humanos não parecem espécies tão diferentes, além de 50% do corpo ser anatomicamente indistinguível, as sereias por si só respiram em terra firme, eles falam a mesma língua, e apesar de todo o papo do Triton, a Ursula era sereia e comia peixe. Então aparentemente a única diferença é se você tem rabo ou perna, e quais as limitações que vem de cada escolha. Escolher ser humana não parece tanto uma alteração estética quanto uma alteração prática pra permitir que seja fisicamente possível fazer as ações que você quer fazer. A cagada dela não envolveu querer ter pernas nem conseguido elas, envolveu fazer acordos com golpistas mal intencionadas motivada principalmente pela sua rebeldia e por birra com o pai. Mas eu não acho que ela fez uma alteração física tão danosa. A internet pega pesado com ela quanto a isso.

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Mas por que caralhos ela ia querer voltar pra casa do pai? Pra ser uma vitrine da beleza do reino que nem as irmãs? Gente, que imagem pesada e forçada.

Ela precisava perder o grande cinto de castidade que era seu rabo de sereia, era parte da liberdade que ela queria, mas só isso não resolveria o conflito, ele tinha que ser retirado pelo Triton que aceitaria ela caindo nos braços de um humano. E esse é o ponto principal, perder o rabo de sereia não representa Ariel deixar de ser quem ela é. Até porque o o rabo de peixe não era a Ariel em nada, nada nele dava identidade pra Ariel, o rabo de peixe é um cinto de castidade natural e a corrente com a bola de ferro que ela tinha amarrada que não deixava ela sair da casa do pai. Trocá-lo por pernas representa a liberdade. Liberdade pra ser ela mesma, de viver no ambiente que ela escolheu viver e principalmente a liberdade sexual pra ficar com quem ela quer e não com quem o pai aprova. Com o rabo de peixe ela está condenada a castidade eterna, com pernas ela ganha a possibilidade de ter uma vida sexual, e ela claramente quer uma.

Sereias são seres repletos de subtextos sexuais desde que foram criados. E não só isso, esse é talvez o filme com o maior número de polêmicas sexuais da Disney. Não coisinhas do tipo “se você conectar as estrelas em The Lion King aparece a mensagem sex.”, umas coisas mais diretas como “Na capa do VHS dá pra ver um pênis no castelo do Triton.” ou ainda o famoso padre com a ereção.

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Além disso Ariel é detentora do maior recorde de nudez feminina que consta em uma animação Disney, com 3 minutos em cena vestindo nada além de um sutiã de conchas enquanto a câmera dá um jeito de evitar enquadrar seus quadris. Pode passar uns 20 anos que eu acho que esse recorde não será quebrado.

Ela não mudou quem ela era. Ela ganhou um corpo novo da cintura pra baixo, mas isso é uma mudança mais pra fins práticos do que estéticos ou qualquer outra coisa. Mas ela em si não mudou. Sabe quem foi que mudou por causa de um homem? A Sandy do Grease mudou por causa de um homem (mas em defesa dela, o homem mudou também). A Ariel tá de boa, ela já queria viver longe do pai antes de conhecer o Eric, e se apaixonar por ele só deu a ela um pretexto pra parar de fantasiar e começar a fazer o sonho dela acontecer. Ela apostou em uma vida onde ela pudesse saber o que os outros conhecem e fazer perguntas que sejam respondidas, tocar no fogo e descobrir como ele queima, não foi por um homem em si, mas visto que homens eram justamente a parte que mais incomodava Triton então ter o direito de incluí-los no pacote vinha junto dos sonhos dela.

E de quebra ainda casou com um marinheiro. Não sei o quanto a vida de princesa entediaria ela, e provavelmente vai vir muita bosta desse casamento mas com um marido que tem o próprio navio e um descaso por protocolos reais as chances dela explorar o grande desconhecido são significantemente maiores do que a de outras princesas rebeldes que tinham esse desejo antes de casar, como a Belle por exemplo.

Sobre o autor

Izzombie

Sou um cara chato que não consegue ver um filme sossegado sem querer interpretar tudo e ficar encontrando simbolismos e mensagens. Gosto de questionar a suposta linha que separa arte de filmes comerciais, e no meu tempo livre pesquiso sobre a história da animação.

Sobre o autor

Izzombie

Sou um cara chato que não consegue ver um filme sossegado sem querer interpretar tudo e ficar encontrando simbolismos e mensagens. Gosto de questionar a suposta linha que separa arte de filmes comerciais, e no meu tempo livre pesquiso sobre a história da animação.

Alertas

  • – Todos os posts desse blog contém SPOILERS de seus respectivos assuntos, sem exceção. Leia com medo de perder toda a experiência.
  • – Todos os textos desse blog contém palavras de baixo calão, independente da obra analisada ser ou não ao público infantil. Mesmo ao analisar uma obra pra crianças a analise ainda é destinada para adultos e pode tocar e temas como sexo e violência.

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