De que maneira Beastars aborda o racismo fantástico.

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Eu recebo muita sugestão de temas para escrever sobre aqui no blog. Que eu faço o possível para incluir entre meus assuntos. O tempo todos vocês sugerem filmes, séries e mangás para eu falar sobre e eu gosto muito de receber sugestões. Infelizmente, tem muita sugestão que nunca virou um texto, por ser de uma obra que eu ainda não assisti, ou de uma que eu assisti, mas simplesmente não achei sobre o que falar, e eu não gosto de forçar um assunto, ou ainda pode estar na lista de assuntos dos quais eu eventualmente quero falar, mas que ainda não viraram texto, pois em 2019, meu ritmo com o Dentro da Chaminé está abalado.

Dito isso, vou ensinar pra vocês como furar a fila e garantir que uma sugestão sua vá, sem dúvida, virar texto, que é apelando pros assuntos que não importa que já tenham sido levantados, eu sempre vou querer voltar nesses assuntos. Assuntos como: História da Animação. One Piece e Racismo Fantástico. Nossa, eu tenho uma filazinha de assuntos anotados pra definir qual é o próximo texto e esses assuntos sempre furam a fila.

O texto de hoje vai ser então novamente sobre o mangá Beastars e sobre como esse mangá trabalha o conceito de racismo fantástico. Fazendo ligeiras pontadas de contraste com seu primo mais velho: Zootopia…. o que significa que: sim, Spoilers são só de Beastars, mas também de Zootopia.

Mas pra que comparar com Zootopia? Essa é uma ótima pergunta. Eu não quero que isso seja visto como uma comparação direta entre a qualidade de duas obras. Zootopia e Beastars são de mídias diferentes, estilos artísticos diferentes, gêneros narrativos diferentes, público-alvo diferente, países não só diferentes: em lados opostos do mundo, escritos por roteiristas de etnias diferentes e gêneros diferentes. Eu não acho justo comparar qual dos dois é melhor quanto ao que se propõe a ser, pois eles se propõe a ser coisas muito diferentes.

Mas os dois, coincidentemente, pois eu não acho que rolou nenhuma espécie de influência ou cópia, em anos muito próximos de seu lançamento, fizeram uso da exata mesma alegoria social. E essa alegoria social me interessa. Me interessa tanto que eu fiz meu texto sobre Zootopia analisando onde essa analogia é falha inclusive. E com Beastars fazendo a exata mesma alegoria, eu acho que a comparação é boa para entendermos um pouco sobre como essa alegoria funciona. E sobre como o racismo fantástico funciona.

Mas vamos por partes. O que é exatamente o racismo fantástico? É simples: É quando você quer fazer uma história sobre preconceito e opressão, mas não quer dar nomes aos bois. Então em vez de fazer, por exemplo, uma história sobre a discriminação muçulmana na Europa. Você faz uma história sobre a discriminação do Vampiro de Cabelo Vermelho dentre a comunidade de Vampiros. Ou sobre a discriminação do alien de antenas no planeta dos aliens sem antenas. Na teoria, a vantagem dessa abordagem é a que você resume a opressão para uma posição não-enviezada, em que a opressão é reduzida ao seu denominador comum que qualquer grupo social pode entender como a prática escrota que é. E mesmo um expectador que odeie os muçulmanos vai ver como o alien das antenas tá sendo injustiçado e essa opressão tem que acabar, e com sorte essa pessoa notaria a própria hipocrisia.

Exemplo muito claro de como não tocar no assunto embora seja claro que você quer.

Na teoria eu acho isso uma ótima ideia. Mas eu acho que contar uma história sobre racismo fantástico é que nem na ausência de uma corda, usar uma cascavel para puxar seu amigo da areia movediça…. existe uma de chande de dar certo, mas a chance de dar merda é gigantesca.

O que não é exatamente culpa da ideia não. É culpa do método. E isso um pouco está relacionado com, o fato de que filme de racismo fantástico é uma puta ideia de branco. Diretor negro quer fazer filme sobre racismo, eles raramente querem não dar nome aos bois, cortar pelos cantos nem fazer filmes que “agradem todo mundo”, um diretor negro quer fazer um filme sobre racismo eles vão lá e denunciam a merda que está acontecendo. Filmes sobre racismo fantástico são tradicionalmente não agressivos. E gente que tem muito a dizer sobre um problema que diz muito respeito a eles não tem o hábito de se manifestar não-agressivamente em sua arte.

Um filme em que os negros são uma metáfora para os negros, e os brancos de classe média progressistas são uma metáfora para os brancos de classe média progressistas.

Como os criadores dessas obras costumam tentar fazer a alegoria de uma experiência com a qual eles não lidam diretamente, muitas vezes na melhor das intenções, existe uma série notável de tropos que você encontra nesse tipo de filme que é nada além de um roteirista trocando o pé pelas mãos na hora de escrever.

Primeiro ela cria uma raça de criaturas que ficam contentes na servidão e cujos defensores de seus direitos soam ridículos. Vinte anos depois a gente descobre que a criadora deles era uma conservadora do caralho sem tato nenhum pra abordar raça e representatividade, e agimos como se isso fosse uma grande surpresa.

Coisas como fazer a história ser contada na perspectiva da polícia… duas vezes pior se for a polícia de Los Angeles. Puta merda. Em qualquer sociedade, o racismo é sistêmico e estrutural, e se manifesta nas instituições de poder daquela sociedade mais do que na mera existência de “indivíduos ruins pois suas ações pessoais são movidas a ódio.”. Uma sociedade racista certamente terá leis racistas que serão parte da atividade de uma polícia racista agindo sob uma pauta racista. E se esse indivíduo policial dentro da corporação odeia determinada etnia ou não é irrelevante. Enfim, colocar os policiais como heróis de uma fábula anti-racista é implorar pra dar um tiro no próprio pé.

Outro exemplo, é tentar muito mostrar as relações raciais como uma questão em que o ódio existe dos dois lados. O que culmina na revelação de que o vilão era um membro da raça oprimida o tempo todo, pois ele lucra com o conflito. Esse tipo de decisão vem geralmente com a intenção de mostrar que relações raciais são complexas, mas na prática acaba passando a impressão de que os dois lados estão em posições simétricas. É verdade que os dois lados tem o poder de gerar indivíduos motivados pelo ódio, porém um desses grupos tem acesso a capital político e posições de autoridade e o outro não, então só um dos lados tem o poder de exercer um sistema estrutural de opressão. Independente de quanta gente canalha possa existir em qualquer um dos lados. No fundo o que esses vilões fazem é individualizar o processo, fazendo parecer que existe um grupo de umas dez pessoas, cinco de cada raça que são”os racistas” e que sumindo com essas pessoas o problema acaba, pois é culpa delas. E é algo mais imerso na sociedade. Além é claro de esclarecer que pessoas que sofrem de opressão não têm permissão de fazer a revolução e mudar o status quo.

E principalmente. Como você não está falando sobre raças que existem na vida real, elas não precisam aparecer na sua história, culminando em filmes sobre racismo em que o elenco é majoritariamente branco. Com alguns brancos interpretando minorias étnicas e outros interpretando não-minorias. Então o cara faz um filme sobre a importância da diversidade e convivência e não diversifica o elenco.

Em Who Framed Roger Rabbit, os desenhos estão representando o tratamento que os negros recebiam em Los Angeles na década de 40. Porém são todos dublados por dubladores brancos, pois apesar de estarem representando os negros, eles não são negros, e por isso o estúdio não tem a necessidade de incluir dubladores negros no projeto.

Pois é. Aí você faz um filme com um elenco majoritariamente branco, em que esse policial descobre que a culpa dos problemas sociais era dessa pessoa-de-cor que inventou um conflito racial para tirar benefício próprio sobre ele, essa pessoa vai pra cadeia, o mundo fica otimista quanto a melhoras na sociedade. O policial ganha um prêmio e o filme sai com o selinho de “um filme relevante na Era Trump por sua mensagem anti-racista.”

Porque Zootopia foi isso. Isso foi exatamente o que Zootopia foi.

O que é uma pena, pois é um bom Buddy Cop movie, e não merecia ter esse subtexto de bosta nele. Inclusive eu pessoalmente sou a favor de um Zootopia 2, pois não fingindo defender uma mensagem que não defendem, eu sou super a favor de ver mais Buddy-Cop com uma coelha parceira de uma raposa.

Enfim…. Beastars:

Beastars é um mangá que assim como Zootopia nos mostra uma sociedade composta só por animais antropomórficos e sem seres humanos, onde eles tentam viver em harmônia independente das aptidões físicas de cada espécie e se adaptar para cada espécie de animal ter seu lugar. Porém existe um obstáculo claro: existem carnívoros e herbívoros e até anteontem os carnívoros comiam os herbívoros, e a memória e o medo persistem até hoje. O que faz a vida dos herbívoros um inferno.

Existem duas diferenças cruciais: a diferença principal com Zootopia apesar desse setting. É que em Zootopia herbívoros sendo devorados por carnívoros é algo que de fato ficou pra trás na era pré-civilização, e hoje o medo é tudo que existe, sem existir motivo real para uma presa se sentir intimidada por um predador. Em Beastars é algo que ainda acontece às margens da lei. Não deveria acontecer mais, mas segue acontecendo. Inclusive a primeira cena do mangá é justamente um estudante do colegial que é uma Alpaca sendo devorado por um colega de sala.

A segunda diferença, é que Zootopia, justamente na tentativa de achar o denominador comum de todo preconceito, faz uma mistura se a relação carnívoro/herbívoro está lá fazendo paralelos com relações de raciais aplicando situações que associamos ao racismo nos EUA as vezes nos predadores e as vezes nas presas. De uma maneira mais genérica. O Wisecrack tem um ótimo vídeo sobre como a falta de precisão na analogia, torna ela problemática em Zootopia, e fica difícil entender se os predadores são metáfora para negros ou brancos. Justamente porque o filme tenta ser genérico e universal, mas casos de opressão costumam lidar com simbologias específicas.

Beastars faz um paralelo muito direto onde apesar de alguns temas pontuais que fujam do paralelo, as relações entre carnívoros e herbívoros reflete como o sexismo opera. O que é até estranho, afinal eu estou chamando o fenômeno de “racismo fantástico” e sexo não é raça. Além é claro do fato de que não tem humanos em Zootopia para serem negros ou brancos, então é fácil presumir que essas características estão representadas através das espécies. Mas no mundo de Beastars existem homens e mulheres, os animais são macho ou fêmea, então porque a dinâmica das relações de gênero seriam transpostas nas relações entre carnívoros e herbívoros. Fica até estranho quando muitos carnívoros são fêmeas e muitos herbívoros são machos. Porém eu não consigo evitar ver as situações como algo que lembram muito mais dinâmicas de sexismo do que de racismo.

O que faz muito sentido quando pensamos que o japão é um país muito homogêneo com 98,5% da população aproximadamente pertencendo à mesma etnia,. E que o país está longe de ser um país que atingiu a igualdade de gêneros. O sentimento se fortalece quando vemos que a mangaka é uma mulher.

E isso tudo fica claro no instante em que a história deixa clara como a linha do desejo do carnívoro por carne e do desejo carnívoro por sexo é tênue e os dois assuntos se misturam na mente dos personagens. E predadores normalmente sentem desejo de comer as presas quando se sentem excitados por elas.

A história segue o protagonista Legosi. Um lobo-cinzento, que apesar de seu tamanho e força naturais de sua espécie tornarem ele uma figura assustadora. Ele é tímido e discreto e deseja uma vida longe dos holofotes.

O que é literal. Ele trabalha com a trupe de teatro da escola, na área de iluminação, pois ele prefere literalmente direcionar os holofotes aos outros e ficar nos bastidores

Beastars é um mangá que honestamente atira pra todos os lados e incorpora aspectos de vários gêneros narrativos, sendo um mangá de vida escolar, de crime, de mistério, tudo ao mesmo tempo. Mas lendo o mangá eu acho que Beastars é um mangá sobre uma história de amor mais que qualquer outra mudada de assunto que o mangá tem, em seu cerne o que guia os acontecimentos, é uma história de amor.

Legosi apesar de ser um lobo, se apaixona por Haru, uma coelha-anã, e essa paixão abre os olhos de Legosi pro óbvio fato dele ser um carnívoro e ela ser uma herbívora, e ela ter todos os motivos do mundo para ter medo dele e não confiar nele. Movido pelo desejo de poder ficar com Haru, Legosi muda sua postura de vida de evitar os holofotes, e decide ser uma força ativa em mudar o mundo e passa a lutar por mudanças que protejam não só Haru, mas todos os herbívoros.

A relação entre Legosi e Haru é uma relação em que os dois lados se esforçam muito para fazer funcionar. E agora você está pensando “puta merda Izzombie, nada que você falou tem sentido. Se isso é um paralelo pra sexismo, então nada encaixa, pois um homem e uma mulher não são um relacionamento fora do normal que obriga os dois lados a fazerem um esforço anormal pra fazer funcionar.” E isso é verdade, o paralelo não é feito em uma escala 1:1, e nem acho que conseguiria se tentasse e nesse ponto eu quero chegar no fim do meu texto.

Através de Legosi e Haru, a obra trabalha a relação herbívoro-carnívoro como uma relação cujos problemas são mais complicados do que a solução óbvia de “Mas o Legosi nunca vai fazer mal pra Haru, pois ele ama ela.”, porque essa parte está bem clara, e os problemas continuam lá.

Pra começar porque esse ponto é abordado logo de cara. Talvez um dia o Legosi faça mal pra Haru sim! Super pode acontecer. E o mangá não esquiva disso para mostrar Legosi como a grande exceção do mundo ou o casal como o motivo pelo qual serem boas pessoas é tudo o que se necessita para que funcione.

Legosi e Haru se conhecem literalmente no dia em que Legosi cedeu aos seus instintos naturais e tentou comer a coelhinha pelo mero fato de que ela estava passando na frente dele sendo uma coelha. Ele recobra a razão e detém a si mesmo antes de fazer algo que ele não podia mais desfazer, mas o fato de que quando ele conheceu Haru ele quis comer ela (eu não sei se o português é um ótima ou uma péssima língua para se descrever essa série, peço perdão por todos os moleques de 14 anos dentro de todos nós que vão fazer um “hehehe” sempre que eu usar o verbo comer),é algo que Legosi não esquece.

Em determinado momento Legosi conhece um panda chamado Gouhin que se torna um mentor e uma figura paterna. Gouhin trabalha em um mercado negro que vende carne no submundo da cidade. Onde ele trabalha como psicólogo especializado em carnívoros. Gouhin combate a relação tóxica dos carnívoros com carne. Ensinando-os sobre alternativas a carne, modos mais aceitáveis e não violentos de se obter carne, e fazendo terapia pesada (e muitas vezes violenta) em pacientes que do jeito que estão não estão aptos a conviver com herbívoros.

Pois bem, quando Gouhin conhece Legosi e ouve a história do seu amor por Haru. Ele imediatamente desconstrói o amor de Legosi na frente dele sem piedade nenhuma. Ele fala que Legosi não ama a menina, só está frustrado que não comeu ela, e esse amor é uma maneira de seu cérebro racionalizar o sentimento e justificar o desejo de se aproximar dela sem que Legosi se sinta culpado por algo que ele sabe que é errado. E o pior, é que Gouhin não está completamente errado.

Em um ato falho enquanto enfrentava um grupo de carnívoros pra proteger Haru, Legosi grita “Ela é minha presa.”, o que assusta o próprio Legosi inclusive, que deparado com seu próprio subconsciente viu que existe um lado dele que vê sim Haru como uma presa a ser comida.

Não que do lado da Haru todo o envolvimento consciente dela com Legosi não tenha um subtexto de auto-destruição. No dia que eles se conheceram, ela acreditando que morreria naquele dia, se entrega a ele, em resposta ao quão horrível era sua vida. Haru sofre bullying e exclusão, e é uma pessoa genuinamente infeliz, que só foi capaz de criar conexões com pessoas através do sexo, e sofre de slut-shaming por isso. E quando ela se viu prestes a ser devorada por Legosi, ela viu no fim de sua vida uma solução pros seus problemas e aceitou.

Depois, quando prestes a ser devorado por um leão da máfia, é a relação dela com Legosi que dá a ela a força para lutar com um Leão mesmo sendo uma coelha, para não se envergonhar de ter vivido como viveu e de ter feito as decisões que fez, e a de não desistir da própria vida. Ironicamente, poucas horas depois de sobreviver a um embate com um leão, ela subconscientemente coloca o braço na boca de Legosi tentando ser devorada por ele. Ao mesmo tempo que Legosi sabe que por trás do seu amor, existem vestígios de um desejo por comer Haru, Haru sabe que por trás do amor dela por Legosi existem vestígios de um desejo auto-destrutivo de quem busca a própria morte. E os dois estão cientes disso.

Ou seja, é um casal que tem tudo pra dar errado. O que não significa que os dois estejam mentindo ou dendo desonestos quando dizem que se amam. Pois eles de fato são a pessoa mais importante um da vida do outro, e a conexão dos dois é genuína.

Motivo pelo qual eu acho que uma das cenas mais fortes do mangá inteiro é quando Haru na faculdade encontra uma coelha que namora um leão. Eles fazem um discurso sobre como são universitários desconstruídos de cabeça aberta, e que o mundo é cheio de preconceitos, mas que tudo funciona se os dois se amam o bastante. Haru ofendida pelo quanto os dois estavam simplificando a questão inteira para algo que só entrava no mérito de “o quão grande é seu amor”, faz uma análise fria de tudo o que o casal tem de falso, e os acusa de serem um casal sem amor que se juntou por amarem serem vistos como um casal progressista, mas que não tem conexão real.

A relação de Legosi com Haru é uma relação de poder. Em todo momento em que eles estão juntos, Legosi tem a vida de Haru em suas mãos, e os dois estão cientes disso. Só resta à Haru confiar que Legosi não vai machucá-la, e a Legosi ser forte o suficiente para nunca sucumbir ao instinto e ter sua racionalidade sempre no controle da situação.

Essa confiança que os herbívoros são obrigados a ter é o que pauta a sociedade de Beastars. Os herbívoros não tem a opção de não confiar nos carnívoros para não matá-los. Pois os carnívoros estarão em todo lugar que eles estiverem. Seus colegas de escola, seus vizinhos, colegas de trabalho, seus chefes, não existe a possibilidade de se viver longe deles. Então só resta viver com o medo de jamais ser atacado por um. Os herbívoros são obrigados a confiar.

E diariamente muitos morrem.

Na primeira cena do mangá uma alpaca chamada Tem é devorada por um colega de classe carnívoro. Que depois foi revelado como sendo seu melhor amigo, um urso chamado Riz. Justamente porque eles eram amigos, que Riz se sentiu confortável para na companhia de Tem não tomar as pílulas de controle de força que a lei obrigava os ursos do tamanho dele a tomar, e a se soltar mais. Após machucar Tem acidentalmente, vendo o sangue da alpaca, os instintos carnívoros falaram mais alto e Riz devorou seu melhor amigo. Inventando inúmeras racionalizações para justificar para si mesmo o que fazia, e se recusar a ver a si mesmo pelo que ele foi. Alguém em quem Tem não pôde confiar.

Se em Zootopia as diferenças sociais entre um Predador e uma Presa estavam só na cabeça das pessoas e não refletia nenhum aspecto da vida prática. Sendo só pretexto pra mamíferos se julgarem. Em Beastars, a diferença social entre carnívoro e herbívoro é presente. E os herbívoros notam essa diferença todo dia de suas vidas. Os carnívoros nem tanto.

Histórias de racismo fantástico normalmente se orgulham por mostrar os dois lados. O que em teoria devia ser bom, mas “mostrar os dois lados”, costuma ser algo muito vago e difícil de ser feito direito. Mostrar os dois lados costuma focar muito no ponto de “Mas o Magneto também fez merda.” e como “Mas os aliens também discriminam os humanos.” para diferentes efeitos. Normalmente o ato de mostrar os dois lados têm o efeito de “igualar os dois lados” da questão, mostrando que ambos os lados têm o poder de julgar e odiar, e portanto os dois grupos estão em pé de igualdade, ocupando posições simétricas na sociedade.

Porque vamos lá, eles falam que se a Mystique matasse o Trask ela se igualaria a ele. Mas a real é que a Mystique nunca teria o poder político de ordenar a criação em massa de um exército de robôs com o objetivo de matar os humanos. Mesmo depois de matar o Trask, a assimetria de poder entre ela e o Governo dos EUA se manteria, e isso se provaria com os Sentinelas sendo construídos do mesmo jeito.

Sendo que o objetivo central dessa tática devia ser mostrar como os dois lados pensam, e humanizar os dois grupos, e mostrar que como ninguém é um monstro e são todos pessoas normais. Mostrar atitudes e pensamentos fazem pessoas normais tomarem cumplicidade em sistemas de opressão. Pois isso é importante, é quando entendemos como gente normal racionaliza e internaliza algo que não pode acontecer jamais, que paramos de duvidar que tal pessoa nunca poderia ter cometido uma atrocidade porque “eu conheço ele(a), é uma pessoa tão legal, nunca faria isso.”

Ao mesmo tempo que mostrar os sofrimentos do lado do agressor nos faz vê-los como um ser humano desmistificado, mas não o isenta de ser responsabilizado por suas ações.

Que é exatamente o ponto de mostrar o quão longe Riz vai pra racionalizar o fato de que ele matou seu melhor amigo, pois ele precisa continuar acreditando que ele é uma boa pessoa. É importante pra ele sentir que não fez nada de errado. Mostrar o lado do Riz não significa limpar a barra dele, mas sim explorar que tipos de mentalidade culminam em suas ações.

Beastars retrata como um dos principais problemas dos carnívoros não a malícia de suas ações, mas a ausência de uma empatia, indiferentes ao medo dos herbívoros. Eles acham que apesar dos assassinatos que acontecem, são casos pontuais cometidos por carnívoros que não tem nada a ver com eles, e que portanto a questão não deveria respingar neles, e temem ser generalizados. No primeiro capítulo, logo após a morte de Tem, uma mula aborda o labrador Jack, melhor amigo de Legosi, e lhe entrega um caderno que Legosi tinha emprestado e ela queria devolver. A resposta de Jack é perguntar porque ela não queria entregar diretamente a Legosi.

Jack não entende porque uma mula pode não estar confortável na companhia de um lobo cinzento enorme no dia em que Tem acabou de ser devorado por um colega de sala. E por não entender, Jack achou que o receio dela podia ser uma acusação, de que é porque Legosi era o culpado. Sendo que o buraco é muito mais embaixo, mesmo acreditando que Legosi não é o culpado, o incidente coloca em evidência o quão frágil e desigual é a relação entre um herbívoro e um carnívoro.

No mesmo capítulo, Legosi, que era um bom amigo de Tem, e tinha com ele a carta que Tem escreveu pra sua crush e nunca enviou, aborda a pobre carneirinha para entregar a carta a noite quando ela estava sozinha. Legosi quis abordá-la quando estava sozinha, pois o que Tem sentia por ela era segredo, e portanto não era da conta de ninguém além dela. Mas ele era incapaz de perceber quanto medo ela podia sentir de ser abordada por um carnívoro sozinha a noite.

Mais do que enquadrar o medo dos herbívoros como uma generalização, que portanto deve acabar com os herbívoros aprendendo que eles tem que fazer a parte deles que é nunca generalizar. O mangá foca que os carnívoros, precisam empatizar com os herbívoros e entender o quanto a situação está desequilibrada, para então lutar para enquanto grupo, transformar os espaços que eles frequentam em espaços em que herbívoros possam se sentir seguros.

Que é a principal lição que Haru ensinou pra Legosi. Legosi não é uma pessoa que vive constantemente ciente do fato de que ele pode ser assassinado, Haru vive. E Legosi precisa entender isso para poder ter empatia por ela. Para poder entender porque ela age como age e como se sente.

E a luta pra fazer o mundo ser melhor para os herbívoros precisa ser coletiva, mais que individual. Tem um limite do quão significativo é o Legosi ser o lobo mais gente boa do mundo em uma escola em que o Bill frequenta.

Bill o tigre, é a antítese de Legosi. Ele abraça seu instinto de carnívoro, e se sente frustrado com o quanto a sociedade exige que ele se contenha em prol do conforto dos herbívoros. Ele leva sangue de coelho pra escola pra tomar e se sentir poderoso. E quando visita a cidade pela primeira vez, ele vai no mercado negro de carne e come carne pela primeira vez. O que ele descreve pra si mesmo como um rito de passagem para a vida adulta. O único carnívoro da escola que desafia Bill é Legosi, e os demais carnívoros sentem seus próprios desejos legitimados pela personalidade forte de Bill. Enquanto Legosi abertamente criticou o ato de Bill ter comprado carne no mercado negro, Aoba, a águia, que não se sentiu confortável com a ideia de comer carne escondido, só não comeu em silêncio e não conseguiu verbalizar qualquer oposição a Bill, indo embora sem ser visto para encontrar Legosi. E desabafar o quanto foi ruim pra ele.

Bill não está acostumado a ser desafiado, e quando foi por Legosi, o atacou e o feriu nas costas. Legosi até hoje carrega as cicatrizes da vez que ele abertamente se posicionou contra a mentalidade predominante dos carnívoros e foi punido por isso.

Inclusive falemos do mercado negro. Pois ele é importante para estabelecer uma coisa fundamental no mundo de Beastars.

É uma rua onde diversos estabelecimentos vendem carne para ser comida por carnívoros. Apesar da predação ser um crime imperdoável, essa carne não é obtida através do assassinato de herbívoros. E sim de corpos doados por hospitais e funerárias,. Ainda é ilegal, mas é um discurso que faz a prática soar melhor, e o mercado se justifica como algo necessário, um espaço para os carnívoros poderem saciar seus desejos por carne, e tendo eles saciados, não acumular uma frustração que um dia possa estourar em um ataque violento. Com vários exemplos de carnívoros que se recusaram a ceder a qualquer tentação um dia estourando e matando herbívoros aleatórios na rua ou comendo o próprio braço.

A carne do mercado negro em teoria é obtida de maneira não problemática. Mas na prática é incrivelmente anti-ética. Criadouros de herbívoros ilegais criando crianças para o abate se camuflam no meio de outros métodos de obter carne, sendo difícil ter certeza se a carne comprada lá veio mesmo de onde disseram que veio. E a mafia domina a região e regulariza o comércio. E naturalmente os mafiosos são em sua maioria esmagadora carnívoros, que moldam a lógica local para atender as demandas deles, por mais carne.

Então os carnívoros vão até o mercado negro sob a racionalização de que eles vão lá comer carne supostamente não-problematizável, para se saciar e ter menos riscos de fazer algo do que possam se arrepender. Na prática, as visitas de carnívoros ao mercado negro naturaliza o consumo de carne para eles, acostumando-os à prática, e a ter seus desejos atendidos. Contribui financeiramente com grupos criminosos que mantém a opressão de herbívoros em outras instâncias que vão além da venda de carne. E muitas vezes não tem garantia de que a carne foi obtida de maneira tão ética quando prometida, o que ressalta a completa falta de empatia do carnívoro médio de não genuinamente se importar em conferir.

Quando Legosi começa a lutar para nunca ser tentado por carne, em uma tentativa de garantir que nunca vai ameaçar Haru, ele compra carne no mercado negro com o objetivo de não comê-la mesmo estando em sua frente e ele com fome. Pois bem, quando comprava, Legosi sempre perguntava de quem veio a carne, quem era aquele animal antes de morrer, onde ele morreu, etc… as vezes a resposta vinha fácil, e as vezes ele tinha que pesquisar muito pra saber quem ele estava comprando. Depois de com sucesso resistir a tentação, ele enterrava os pedaços de carne que comprou e fazia um túmulo com o nome da pessoa que eles foram.

Em vez de comer carne do  mercado negro, o ideal seria lutar contra a cultura da predação internalizada em si. Que é o que Legosi faz. Mas isso tem um problema. Legosi que se treinou para nunca ser tentado a comer um herbívoro. Por não comer carne, enfraqueceu completamente sua mandíbula e deus dentes, se tornando uma pessoa mais fraca. E ter uma mordida forte é algo que se espera de um carnívoro. Que por orgulho competem em ver quem tem a melhor mordida, por exemplo.

Existe um aspecto cultural e identitário dos predadores que não está ligado diretamente a comer carne, mas é reforçado pela cultura do consumo de carne, que precisa ser desconstruído. Esperam-se que carnívoros sejam fortes, poderosos, autoritários e agressivos, e essas características são vistas como positivas. Dos herbívoros espera-se que sejam belos e delicados.

Vamos falar um pouco de dois personagens herbívoros: Louis e Yafia, que quebram o estereótipo do herbívoro delicado.

No mundo de Beastars existem esses animais chamados de Beastars, olha só, é o título do mangá. Os Beastars são animais que inspiram as pessoas, servem como exemplo de atitude e liderança e ajudam a solucionar os problemas sociais se mantendo em contato com as autoridades. E tradicionalmente são em sua maioria herbívoros, pois herbívoros são boa publicidade. Carnívoros são associados a características que não são o propósito que um Beastar deve representar, como a agressividade. Yafia um cavalo, é o atual Beastar da sociedade, enquanto Louis, um veado-vermelho é introduzido como um grande candidato a ser um Beastar no futuro.

Apesar da imagem de herbívoros ser boa para seus status de figuras inspiradoras, Yafia e Louis são extremamente agressivos e usam força bruta e violência como parte normal da sua resolução de problemas. Mais que isso, eles são pessoas que renegam completamente a imagem da nobreza delicada e pacífica que um herbívoro pode passar, e abraçam completamente hábitos carnívoros para poderem possuir posições de poder. E isso se nota pelo fato de que os dois comem carne.

Yafia não come carne diretamente. Mas aduba as cenouras que ele come com cadáveres de carnívoros que ele matou pessoalmente.

Louis no período em que ele ocupou o posto de chefe da Mafia dos leões, comia carne com seus subordinados leões, para mostrar que era um deles, e depois vomitava em segredo uma comida que seu estômago de veado não podia digerir.

Posições de poder, legais e ilegais são tradicionalmente ocupados por carnívoros, que tem na sua força e agressividade comportamentos que as pessoas costumam associar com autoridade. Por isso quando um herbívoro assume um posto de autoridade, ele se coloca em posição a tentar agir mais como um carnívoro. Reforçando a imagem cultural de que as características carnívoras são aquelas que um líder deve ter.

Yafia é agressivo e violento como um carnívoro e isso faz ele ser respeitado enquanto um Beastar. Assim como Gouhin, que apesar de só comer bambu, é tecnicamente um carnívoro, e se faz respeitar por força e agressividade.

Herbívoros que simbolizam o lado fraco da equação, são muitas vezes usados como um símbolo de que uma situação é inofensiva, quando isso não quer dizer nada. Louis como chefe da máfia dos Leões, era visto como um herbívoro em primeiro lugar, e isso dava a Mafia um status progressista. Se a máfia é liderada por um herbívoro, suas ações devem ser em prol dos herbívoros. Na verdade Louis conduzia criações ilegais de herbívoros criados para o abate, e as próprias crianças que Louis iria matar achavam que por ser um herbívoro conduzindo a operação, o que está acontecendo não devia ser tão ruim.

Ironicamente, o próprio Louis foi um animal de abate na infância, que foi comprado da Mafia por seu pai adotivo e portanto liberto com o poder do dinheiro. E ele obviamente não apoia o mercado negro de criadouros de crianças. Mas mesmo sendo o chefe ele não pode simplesmente fechar aquela operação, tem muita gente envolvida. E justamente seu status de herbívoro enfatizava que ele só seria aceito naquele mundo enquanto jogasse pelas regras do jogo. Ou seja, um herbívoro tomando o controle do mercado negro, não fez o mercado negro mais benéfico pros herbívoros, mas fez o herbívoro começar a comer carne.

A opressão que o mercado negro causa é estrutural. Ela é sustentada pela cultura carnívora, pelo fato de que pessoas de alta influência na sociedade desfrutam de seus serviços antiéticos, e a ascensão de um herbívoro ali dentro não muda nada.

Agora, isso acho importante, mostrar o Louis matando crianças, é um jeito de mostrar o outro lado, mostrar um herbívoro sendo conscientemente parte do problema, mostrar que tem herbívoros e carnívoros se beneficiando da situação, sem cair na ladainha de “então o primeiro passo é acabar com o Louis”, pois definitivamente derrotar o Louis ou prender a Mafia dos Leões não seria em nada o primeiro passo. A estrutura continuaria ali. E nisso a série não resume um objetivo dos heróis em destruir o herbívoro que é cuzão, como Zootopia fez. Beastars mostra o outro lado sem nunca falar que “e portanto os herbívoros e carnivoros estão em simetria.” A gente entende o contexto de Louis e o contexto de Riz para as atrocidades que eles fizeram, e conforme mais contextos entendemos, mais vemos como o mundo de Beastars está quebrado para além do bom ou mau caráter de seus habitantes.

Em grande resumo. A relação entre um herbívoro e um carnívoro é:

-Uma relação de poder, em que os inúmeros casos de herbívoros mortos por carnívoros e a diferença de força física entre eles, colocam os herbívoros em um constante estado de medo e a serem obrigados a torcer constantemente para não estarem na companhia do carnívoro que vai matá-los.

– Esses incidentes derivam de uma cultura que incentiva predadores a terem orgulho de seus instintos naturais. Que valoriza que eles sejam agressivos, fortes, e selvagens. E incentivam o desenvolvimento dos exatos trejeitos que fazem os carnívoros atacarem os herbívoros. Tratando como positivos comportamentos danosos, e com os carnívoros tendo uma facilidade muito grande em encontrar o conforto de seus pares quando um deles faz algo errado, e uma notória falta de empatia para entender o medo dos herbívoros, temendo serem generalizados pelos herbívoros e tomando seus medos pro pessoal.

– Essas atitudes são exploradas e alimentadas em um mercado tão lucrativo quanto influente que fica no exato limite do que é legal ou ilegal, com atividades legalizadas e atividades muito semelhantes, mas ilegais e sofrendo vista grossa ocorrem. Os carnívoros conseguem comer a carne deles e desfrutar do prazer de serem carnívoros, sem olharem nos olhos de um sistema pesado de opressão, tráfico de pessoas, abuso de crianças, e ponto de operação de mafiosos.

-Herbívoros chegam a posições de poder, em tentativas de ganhar apelo com o público que querem ver valores positivos e igualitários representados nessas figuras. Mas para de fato serem inseridos nas esferas de poder, eles endurecem, e começam a emular hábitos de carnívoros para se firmar, e raramente tem poder real ou apoio para fazer mudanças que não sejam simbólicas.

Eu vejo isso e penso nas altas taxas de estupro e feminicídio na sociedade, na masculinidade tóxica que se no incentivo de um ideal cretino de masculinidade, na indústria do sexo, e a dificuldade que mulheres tem de serem levadas a sério em cargos de liderança, a menos que se portem de uma maneira socialmente lida como não-femininas.

É literalmente a primeira coisa que eu pensei. Em especial vendo o quanto o desejo do carnívoro de atacar um herbívoro se mistura com o desejo sexual.

Porém como eu disse lá em cima, não é uma analogia 1:1 de relações de gênero. Diferente da relação homem-mulher na sociedade, relacionamentos carnívoro-herbívoro são mal vistos na sociedade de Beastars. Na nossa, homem-mulher não só é bem-visto, é desnecessariamente imposto. Também tem o fato de que homens e mulheres ainda existem no mundo de Beastarrs, e nem sempre a relação carnívoro-herbívoro é representada com um personagem carnívoro sendo o homem e um herbívoro sendo a mulher.

Mulheres lidam com problemas relacionados a própria sexualidade no mundo de Beastars tanto quanto no nosso, Haru não sofreu slut-shaming de suas colegas por ser uma herbívora, mas por ser mulher.

Porém ao mesmo tempo, quando vemos a ovelha Sebun ser humilhada em seu trabalho corporativo por ser ovelha, ser constantemente assediada por colegas de escritório carnívoros por ser ovelha, é difícil pensar que não estamos vendo uma versão mais sombria e violenta de Aggretsuko. Especialmente com a decisão de Sebun de não andar no vagão dos herbívoros do metrô e sim no vagão misto, para sentir a adrenalina de sentir que pode ser atacada. Difícil pensar que esse não é o equivalente ao vagão feminino que existe no japão.

E recentemente com a discussão de híbridos entrando com força no mangá, e de por qual espécie o personagem é lido quando ele tem um pai de cada espécie, e com a questão das diferenças culturais e linguísticas das espécies marinhas, é visível que tem bastante intersecção com outros temas. Não é uma analogia em que tudo tem um equivalente direto. E é imperfeita.

Mas é precisa em diversos pontos que permitem refletir especialmente sobre o funcionamento do problema.

Zootopia termina dizendo que a vida é muito complicada pra igualdade poder existir com facilidade, mas que se todo mundo se esforçar ela aparece, mas o que o filme mostrou não era nada complicado. A insegurança das presas era baseada em uma ignorância que não acontecia nunca. O chefe de polícia abandona seus preconceitos com grande facilidade ao ver a competência de Judy. E o conflito todo era alimentado por uma política ambiciosa que foi presa. A mensagem de que existem complicações demais para ter soluções fáceis é válida, e é aqui que Beastars brilha.

E eu no meu texto critiquei bastante Zootopia por ignorar como a relação de opressão do filme tem uma relação direta com o tamanho do animal e isso nunca ser abordado, e bem, em Beastars, para além do recorte de carnívoro-herbívoro, o recorte do animal grande e do animal pequeno é abordado com força, mostrando como existe uma impotência em ser um animal pequeno acima de tudo. O que também se manifesta na relação entre Legosi e Haru, uma vez que Legosi é mais alto que a média de lobos, e Haru não é só uma coelha, mas uma coelha-anã.

Mostrando o micro e o macro ao mesmo tempo. O que uma pessoa sozinha pode fazer para melhorar a situação ao mesmo tempo que mostra o que precisa mudar na sociedade como um todo para a melhoria acontecer. Com a divisão entre bem e mal bem turva, e um foco enorme em como personagens diferentes são afetados pelas relações carnívoro-herbívoro de maneira diferente.

Mas é imperfeito. Eu particularmente fico cabreiro em como tanto em Zootopia quanto em Beastars, os Onívoros não são retratados em nenhum momento. Eles tecnicamente ficam no meio do caminho, uma vez que eles não precisam comer carne, mas igualmente tem o poder de comer.

Beastars não inventou a roda, definitivamente, no fundo ao usar animais antropomórficos para debater os problemas da sociedade humana, o tema da obra inevitavelmente cai no quanto a civilização moderna é incivilizada. E no quanto nos cercamos de prédios, roupas e dinheiro para podermos na prática nos portar feito animais selvagens, e nesse quesito, Beastars chegou tarde e acaba se colocando num espaço pra ser comparado com muita coisa excelente nessa perspectiva. Fantastic Mr. Fox, que já ganhou texto no blog é um ótimo exemplo de um excelente filme nesses moldes.

Mas no que diz respeito a usar um sistema de opressão fictício para forçar o expectador a fazer uma rima com um sistema de opressão real, bem, aí eu acho que o mangá é genuinamente fora da caixa em evitar as grandes armadilhas que vem acompanhadas dessa técnica.

E eu sei que no passado eu disse que Star vs the Forces of Evil tinha feito isso direito também… mas agora que eu sei que o final desse desenho é uma merda, eu não quero mais exaltar demais uma história que não soube terminar. Embora eles também tenham feito acertos pontuais ao trabalhar o tema.

Eu espero muito que Beastars tenha um final bom. De verdade.

Sobre o autor

Izzombie

Sou um cara chato que não consegue ver um filme sossegado sem querer interpretar tudo e ficar encontrando simbolismos e mensagens. Gosto de questionar a suposta linha que separa arte de filmes comerciais, e no meu tempo livre pesquiso sobre a história da animação.

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Sou um cara chato que não consegue ver um filme sossegado sem querer interpretar tudo e ficar encontrando simbolismos e mensagens. Gosto de questionar a suposta linha que separa arte de filmes comerciais, e no meu tempo livre pesquiso sobre a história da animação.

Alertas

  • – Todos os posts desse blog contém SPOILERS de seus respectivos assuntos, sem exceção. Leia com medo de perder toda a experiência.
  • – Todos os textos desse blog contém palavras de baixo calão, independente da obra analisada ser ou não ao público infantil. Mesmo ao analisar uma obra pra crianças a analise ainda é destinada para adultos e pode tocar e temas como sexo e violência.

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