Guardians of the Galaxy Vol.2 é disparado o filme que mais me pedem para analisar aqui no blog. Como eu levo recomendações de análise muito a sério fui ver o filme, mesmo sem gostar muito do Universo Cinematográfico da Marvel, até porque eu já acho Guardians of the Galaxy um dos poucos filmes que eu realmente gosto da franquia. Pois bem, e me deparei com opiniões mistas dentro de mim. O filme fala essencialmente sobre paternidade, um tema que é simultaneamente um tema muito pessoal pra mim e um tema que é muito pouco trabalhado de verdade em filmes de super-herói, muito embora o assunto do pai dos heróis sempre seja um grande assunto, então superficialmente o assunto aparece na maioria, mas jamais é trabalhado.
Motivo pelo qual Lego Batman é uma das melhores adaptações do Batman já feitas, por simultaneamente reconhecer Dick Grayson como filho do Batman como o Alfred como pai adotivo do Batman, ao invés de deixar isso eternamente subentendido e não dito enquanto o Alfred limpa o banheiro do Bruce toda manhã e é obrigado a usar uniforme enquanto estiver na mansão… é, meio problemático isso, Bruce pra alguém que passa a vida remoendo a dor de perder os pais, o Bruce nunca passou a sensação de que seria um bom filho pra eles.
Enfim, super-heróis, quase todos perderam os pais. Temos exceções, elas são raras, elas são pontuais, elas trabalham com loopholes, e mesmo quando o herói nos quadrinhos tem seu pai vivo e está em bons termos com ele, o Zack Snyder adapta o filme e mata o cara!
E aí Guardians of the Galaxy que não é tradicionalmente um filme de super-herói, pois o time que dá título aos dois filmes não são tradicionalmente super-heróis, fez uma abordagem não tradicional ao tema. Por coincidência, paternidade e minha relação com meus pais é uma parte fundamental da minha vida e de como eu estabeleço a minha identidade e minhas noções de família no mundo, e portanto filmes que abordam relações de pai-e-filho inevitavelmente passam pelo meu filtro pessoal de como o trabalho ao tema dialoga com minhas percepções do que é uma boa relação de pai e filho. Motivo pelo qual eu me comovo pra caralho com propagandas do boticário e tenho vontade de enfiar a mão na cara do Jon Snow sempre que ele remói seu ódio por ser um bastardo, mesmo tendo sido criado lado a lado com os irmãos no castelo e sendo um dos poucos bastardos que realmente foram acolhidos pelo pai naquele mundo.
Todo filme que passa valores e mensagens acompanhadas de suas cenas de ação para não se resumirem a porrada irracional acaba sendo julgado pelo diálogo que suas mensagens e temas fazem com o que sua audiência pensa do assunto. E no meu caso, eu fiquei incomodado com Guardians of the Galaxy vol.2, por causa da maneira como o filme enfatiza o que deve e o que não deve ser valorizado em uma família. E quero falar sobre isso. Principalmente porque eu andei lendo muitas análises sobre esse filme na internet, e notei que a opinião de muita gente é afetada por como essas pessoas lidavam com a própria experiência de relação com o pai. Pelo menos era assim que funcionava nas melhores análises que vi sobre o filme.
Então pra falar sobre isso, falarei um pouco de minha experiência pessoal sobre família, então se você quiser ir direto pra parte que eu falo do filme, porque ninguém abre esse blog esperando me ver falando de coisas pessoais, pode ir descendo o texto para a imagem do Groot Bebê dançando lá eu começo a falar do filme em si.
Meu pai largou minha mãe ainda grávida, e ela teve que me criar sozinha sem eu ter notícia alguma da existência do meu pai. Até aí normal, quem nunca, não é mesmo? Acontece o tempo todo. Pois bem, o lance é que quando eu tinha cinco anos, a minha mãe se casou de novo. E esse novo marido da minha mãe se tornou meu pai. E isso é importante, e eu quero frisar o quanto isso é importante. Ele não se tornou meu padrasto, ele se tornou meu pai. Pois foi mais do que um lance de que agora ele era casado com minha mãe, morava comigo e esperava-se que ele cuidasse de mim. Ele teve uma conversa com minha mãe sobre querer ser meu pai em níveis que iam além de sua obrigação como cara-que-mora-comigo, e apesar de eu não ter o sobrenome dele, ele essencialmente me adotou. E eu me senti adotado, ele tomou a decisão de se tornar meu pai e de ser parte ativa na minha criação.
Isso se tornou mais evidente que nunca, pois ele e minha mãe se divorciaram quando eu tinha dez anos, eu não tinha nem terminado minha infância e ele já não morava mais comigo. E mesmo assim ele continuou meu pai, mesmo sem morar comigo, mesmo com a conexão que ele tinha com a minha mãe tendo sido severamente abalada, a gente não morava nem na mesma cidade, mas eramos pai-e-filho, e somos até hoje comigo sendo um adulto, e com 17 anos sem convívio diário. E até hoje sempre que em qualquer contexto da vida lhe perguntam quantos filhos ele tem eu estou lá incluso do lado dos filhos biológicos que ele tem. E sempre que eu falo “meu pai” sem acrescentar o adendo “biológico” é dele que eu estou falando.
Pois bem, mas quando eu tinha treze anos, o meu pai-biológico fez sua primeira aparição presencial em minha vida, e eu enfim conheci o cara que me gerou. E tipo… não. Quer dizer, ele não é uma pessoa ruim, e conhecê-lo certamente ajudou a dissipar uma raiva dele que eu criei na infância. Não era um cuzão, era inclusive uma boa pessoa. Mas o que rolou naquele encontro e em todos os posteriores, não foi uma relação entre pai-e-filho. Foi uma relação entre homem-muito-culpado-querendo-descobrir-como-compensar-uma-coisa-que-não-pode-realmente-ser-compensada e um jovem-entrando-na-adolescência-e-na-puberdade-e-com-mais-o-que-pensar-além-de-como-fazer-as-pazes-com-alguém-que-você-nem-conhece. Inclusive se não houvesse um constante ar de “necessidade de compensação” e “desculpas por não ser seu pai.” acho que seria mais fácil da gente ser amigo do que é. Mas o ponto é, ele é uma pessoa ótima, e ouço histórias ótimas de como ele foi com diversos conhecidos que vi na vida, ele só não é meu pai, e se ele curar o câncer amanhã ele não será tampouco. O que não o impede dele ser meu amigo, embora tenhamos ainda que trabalhar pra chegar lá.
Mas graças a esse encontro eu finalmente fui capaz de conhecer os meus irmãos, de quem eu gosto muito. E que acabaram se tornando uma conexão minha com esse pai-biológico muito maior do que 50% de DNA que eu divida com o cara. E isso já me fez filosofar muito sobre, sobre por que eu considero meus irmãos como meus irmãos, e vejo eles como meus irmãos, se nós não só não crescemos junto, como o suposto pai em comum que nos torna irmãos eu não consigo ver como pai? E eu já me perguntei muito isso, pois é uma questão de perspectiva, eu sei que eles são meus irmãos, mas eles não são filhos do meu pai. São filhos do outro cara, o que me gerou. Pois é. Eu tenho três primas, com quem morei junto por seis meses em determinado momento de minha vida. Eramos criança, dividimos quarto, festas, doce, brigas, ciúmes, atenção da minha tia, atenção da minha mãe. Pra mim essas três são essencialmente minhas irmãs, também, mas no caso a criação obviamente tem um peso nessa minha percepção. Pois bem, depois de refletir muito eu descobri que eu consigo ver meus irmãos como meus irmãos pelo carinho que dividimos entre nós e não pelo sangue que dividimos entre nós, por mais que dividamos ele também. E que se esse carinho não existisse, todo o DNA do mundo não nos faria família.
Enfim, o meu ponto aqui é: no meu caso, no caso de toda a minha vida, família é uma escolha. A minha família não é formada por quem divide o sangue comigo, e nem por quem estava por perto. Estar ali quando eu era criança não é o que fez do meu pai, meu pai, assim como ter aparecido posteriormente não fez do meu pai-biológico meu pai. O que faz do meu pai, meu pai é o fato de que houve uma troca de carinho, afeto que transcendeu quanto tempo moramos juntos, e que eu escolhi chamá-lo de pai e ele escolheu me chamar de filho. Assim como eu escolhi chamar meus irmãos de meus irmão, mesmo que geneticamente eles já fossem, pois eles ainda não eram. Nós temos o poder de escolher quem é nossa família, e sangue ou convivência nenhuma deveriam nos prender a pessoas que não queremos por perto ou que façam mal pra gente.
Uma obra que ilustra isso muito bem, é o mangá One Piece como já mostrei aqui. Mas também muitas outras obras. Como Lilo & Stitch e Community. São pessoas que se tornam a família das pessoas que eles escolheram, e isso é diferente de sangue ou de pessoas com quem você é obrigado a conviver. E aí entrou Guardians of the Galaxy Vol.2 que resolveu falar da mesma coisa, mas aí as coisas ficaram complicadas. A primeira vista parece simples e parece que é exatamente sobre o que eu estou falando, mas elas ficam complicadas quando olhamos de perto.
Mas tipo, no primeiro filme as coisas ainda não eram zoadas, então vamos falar do primeiro filme, onde o tema foi abordado de uma maneira bem decente:
No filme, após tentarem se roubar, matar e capturar entre si, quatro pessoas são presas numa prisão espacial. Peter Quill, Gamora, Rocket e Groot. Na cadeia eles conhecem Drax, e os cinco fogem da cadeia, e são perseguidos por Ronan, um vilão que queria o poder que eles carregavam e planejavam vender. Quando Ronan recupera esse poder, os cinco se unem ao governo que os prendeu e a um grupo de saqueadores cuzões e todos unidos derrotam Ronan e salvam a galáxia de ser destruída.
Mas o grande lance, é que esses cinco eram pessoas abandonadas pela sociedade, que se seguravam fortemente na memória de uma família perdida, da própria solidão e de que não tinham espaço no mundo, o que explica o porque eles eram todos fora-da-lei em primeiro lugar. Então o tipo de companheirismo que eles nunca tiveram na vida eles acharam um no outro.
Quill perdeu a mãe, e foi incapaz de se despedir dela, por ser jovem demais pra aceitar o que estava acontecendo. Logo após isso foi sequestrado por um grupo de saqueadores liderados por Yondu. Apesar de ter planos iniciais de entregar Quill para seu pai biológico, Yondu ao invés disso manteve o garoto trabalhando pra ele sob constantes ameaças e abuso psicológico até o ponto em que Quill não só era o menos leal de todos os subordinados de Yondu, como o objetivo de Quill no primeiro filme fosse conseguir dinheiro com a venda de um artefato misterioso que o permitisse abandonar Yondu pra sempre. Passando a se autodenominar Star-Lord, e vivendo de roubos e venda de artefatos.
Gamora teve o pai assassinado por Thanos que a adotou, e com quem foi colocada em constante conflito de Nebula outra orfã que Thanos adotou. O pai de Gamora aparentemente era um grande guerreiro, ou fica implícito que era, que ainda guia seu estilo de luta e de resolução de problemas, quando ela diz que não é fã de diplomacia que nem seu pai não era. Ela e Nebula aparentemente tiveram que matar outros inúmeros irmãos como parte do treinamento de Thanos às suas filhas adotivas.
Drax perdeu sua esposa e filha para Ronan, e deseja nada além de vingança pela morte delas.
E quanto à Rocket e Groot: Rocket foi usado pra experimentos cibernéticos trocentas vezes, aberto, desmontado e remontado, deixando-o traumatizado e caótico. Pois bem, Rocket e Groot não tem menção alguma de parentesco ou de contato ou de pessoas que fizeram parte da vida de nenhum dos dois antes do evento do filme. Fica implícito que alguém mexeu no corpo de Rocket, mas nem sabemos se foi uma pessoa ou um grupo de pessoas.
Apesar disso, Rocker e Groot tinham um ao outro, e isso torna esses dois os únicos dos Guardians of the Galaxy a terem alguém. Quill, Gamora e Drax não tinham ninguém.
E Rocket incentiva Drax a parar de se segurar nas memórias de alguém pra justificar atitudes escrotas e imbecis, abertamente zombando da noção de que você tem carta branca pra fazer a merda que quiser pois seu ente-querido morreu. Tal como Gamora justifica sua falta de diplomacia como herança de seu pai. Rocket não se segura no passado, ele vive o presente e foi o único capaz de fazer um amigo antes do filme começar.
O que nos leva ao Peter Quill de novo. Peter Quill precisa fazer durante o filme uma decisão importante, depois de vinte e seis anos fugindo, ele conseguiu se despedir de sua mãe e de seu passado. Realizando no fim do filme os gestos que ele tinha medo de fazer, pois fazê-los confirmaria a morte de sua mãe em seu psicológico. Segurar a mão de Gamora, como ele não segurou a da mãe, e enfim abrir o último presente que ela deixou pra ele, aceitando a “herança” que ela lhe deixou.
Pois bem, Rocket obrigou Drax a parar de ser retardado só porque é viúvo, e Quill foi capaz de aceitar a morte de sua mãe… A Gamora pensa pouco nos próprios defeitos e isso vai ser falado quando eu chegar no Volume 2. Agora o que resta pra eles, formarem uma família um com o outro.
Agora sabem quem não faz isso? Quem não aprende a se despedir do passado pra focar no futuro? O próprio Ronan, cuja maior motivação para destruir o planeta Xandar, era vingar seu pai e avô mortos em uma guerra secular contra sua raça. Então o ato de mover pra frente que Quill e Drax fazem e Rocket em algum momento do passado teve que fazer, Ronan jamais fez. Ronan jamais achou uma nova família em seus aliados, somente servos e rivais. E é por isso que em um filme onde todos são fora-da-lei, e ninguém gosta de fazer o bem, Ronan ainda é um vilão.
Enfim, a aliança e família que é formada pelos Guardians of the Galaxy é cementada pela não aliança que é feita com a família antiga. Quill trai seu sequestrador Yondu com quem ele cresceu, por saber que ele era uma pessoa ruim, e após traí-lo lamenta ter mantido uma inimizade com alguém que era a única família que ele tinha, mas Gamora responde que ele não era a única. A mesma Gamora que tinha acabado de lutar com sua irmã adotiva e viu essa irmã preferir arrancar o braço (que era mecânico, então de boa) a dar a mão a ela. E com isso o quinteto se torna a própria família.
Por escolha, ninguém foi chantageado ou obrigado a se acostumar com a companhia deles, mas eles viram um no outro parceiros pra vida, e se tornaram um time.
E aí veio o segundo filme, que estendeu essa conversa sobre família para o próximo passo, paternidade.
O que é visto logo de cara no fato de que agora o Groot é um bebê e os quatro são todos pais do Groot, cuidando dele em diversos momentos no filme, em especial logo nos créditos iniciais, mas essencialmente o filme inteiro, com Quill lembrando Groot do cinto de segurança e brigando com Rocket por pegar pesado com Groot. Notem isso, Quill é sensível quando vê alguém pegar pesado com uma criança. É importante.
Enfim, o filme começa com o quinteto capturando (ou melhor, recebendo capturada), Nebula. A irmã adotiva de Gamora, que Gamora pretende vender pra o planeta Xandar, pra ficar com a recompensa e ver Nebula ser executada. Ou seja, logo de cara, vemos que elas apesar de serem irmãs continuam se odiando tanto quanto no filme anterior.
Enfim, eles são atacados pela raça que lhes deu Nebula, os sovereigns, um bando de cuzão de pele dourada que acha que eles são melhores que todo mundo por sua genética manipulada. Reparem aqui, gente obcecada com genética como os primeiros vilões introduzidos no filme. Enfim, eles atacam os nossos heróis, pois Rocket quis ser cuzão e roubar umas baterias, mas eles são salvos por um cara chamado Ego. Ego então revela que é o pai de Peter Quill e o convida para ir ao seu planeta (que na verdade é ele próprio), onde ele é essencialmente deus. E Quill vai, acompanhado de Gamora e Drax, deixando Rocket e Groot pra trás para vigiarem Nebula.
Porém Yondu estava atrás dessas baterias também, contratado pelos sovereigns pra roubá-las de volta, e ataca Rocket e Groot. Até que o bando de Yondu descobre que matar Peter Quill por vingança não era um de seus objetivos, apesar das inúmeras vezes que Quill traiu Yondu. Então o bando de Yondu se volta contra ele. E no fim do conflito, Nebula se solta, derrota Rocket e Yondu na porrada, e os Ravagers puderam prender todo mundo.
E Ego levou Peter pra seu planeta. Onde ensinou Peter a usar seus poderes de Deus para fazer uma bola, para Peter e Ego jogarem bola como pai e filho supostamente deveriam jogar. Lá conhecemos melhor essa garota que mora com Ego, chamada Mantis. Ela foi adotada por Ego quando era um bebê órfão e vive isolada com ele em seu planeta, ajudando Ego a dormir. E esse isolamento que foi sua vida repercutiu em diversos problemas de sociabilidade.
Assim como o convívio com Yondu e Thanos gerou diversos obstáculo na personalidade de Quill e Gamora que eles tem que superar pra poderem ser uma família.
O ponto é: Gamora está desconfiada de Ego, acha que ele deve estar armando alguma. E quando Quill acusa Gamora de ao fazer isso querer separá-lo de sua família, ela toma como insulto ele não considerar a equipe a sua família.
Pois bem, e por falar em família. Yondu está com Rocket em uma cela esperando ser entregue aos Krees por uma recompensa onde será executado. E Yondu está repensando sua vida, sobre como Stakar, o homem que tirou Yondu da escavidão, e ensinou ele a ser um pirata espacial, hoje o odeia pois Yondu quebrou o código de honra deles e traiu a única família que ele tinha, e pelo que ele fez isso? Pra poder tráficar criancinhas e torturar Peter Quill. E agora ele visivelmente se arrepende de sua escolha e da família que ele sacrificou e aceita a própria morte. Só que Yondu pode morrer com os arrependimentos que ele quiser, Rocket quer viver, e por isso, ele motiva Yondu a querer viver, e os dois juntos de Groot escapam da nave.
Sabe quem também está indo pro planeta do Ego? Nebula. E com sangue nos olhos, querendo se vingar de Gamora por toda a dor que ela lhe causou. Porém no meio da luta Gamora salva a vida de Nebula, e essa não consegue matar mais a irmã adotiva. Mas consegue jogar na cara dela a cumplicidade que Gamora teve em todo o abuso que ela sofreu de Thanos e o quanto ela foi uma irmã de lixo. Mas ainda sim não consegue matá-la.
O que por si só é uma grande subversão. A noção de que Gamora, a heroína, em vez de enfrentar uma irmã que abusou dela na infância, tem que entender que foi ela que abusou de Nebula, e que ela é uma cuzona que nunca parou pra pensar a respeito de como Nebula se sentia. Sim, sim, a Gamora é a irmã má nessa história toda, não importa a perspectiva. Dentro da Chaminé é 100% #TeamNebula. Mas tudo bem, elas tão meio que em trégua agora (não quero usar o termo de boa ainda).
Pois é. Aí tava lá o Quill com o Ego. E o Ego tava explicando pra ele todo seu plano, de transformar toda a vida no universo em extensões dele mesmo. Em resumo, um genocídio de toda a galáxia. E o Quill tava hipnotizado com esse plano fabuloso. “Wow pai, todo mundo morto.” e o Ego ainda explica de como ele assassinou todos os irmãos do Quill que não conseguiram ir adiante com o plano e o Quill “da hora, é tão mágico.” e aí o Ego admite ter matado a mãe do Quill, e então é uma coisa meio “Não, não, agora você cruzou uma linha moral fodida.” e o Quill perde a hipnose, e se opõe ao Ego. Simultaneamente, Gamora, Nebula e Drax estavam ouvindo a verdade sobre Ego por Mantis que se sentiu culpada por tudo e confessou o plano. E Rocket e Yondu estão chegando no planeta pra bater no Ego.
Então ao mesmo tempo, todo mundo se tornou enfim inimigo do Ego.
Enfim, é aqui que as coisas ficam meio problemáticas, pois é quando Quill e Yondu se reencontram, e o Yondu começa a trabalhar pelo perdão de Quill, o que aqui significa falar “lembra todas as vezes que eu fui abusivo com você, física e psicologicamente? Enfim, era tudo uma grande zoeira, então eu vou te ensinar uma lição de como usar seus poderes agora, pois o Ego te ensinou mal, e aí por contraste, vamos ver que eu te educo melhor que ele.”
Pois bem, a lição pega, Quill distraí Ego na porrada o suficiente pra todo mundo poder fugir sem ele. Mas Yondu não vai deixar Peter pra trás, pois ele está atrás de redenção pessoal, e planeja se suicidar para salvar Peter. Rocket e Groot sabem que Yondu vai morrer, e o parabenizam por ter entrado para o time.
E então Quill após derrotar Ego está lá, no meio do espaço, morrendo. E Yondu aparece pra resgatá-lo, no processo admitindo paternidade sobre o Peter. Eles só tem um suporte de vida, e Yondu dá o suporte de vida dele pro Quill, para que esse seja o sobrevivente. E com isso Yondu se desculpa por não ter acertado uma e morre.
Yondu ganha um funeral bonito. Com Quill falando sobre como ele foi um bom pai, e com todos os Ravagers, que o desprezavam por quebrar o código dos piratas do espaço, soltando os fogos de artifício que eles prometeram nunca soltar, marcando o perdão que Yondu recebeu e sua redenção completa.
O discurso de Quill fecha com “As vezes, o que a gente procurou a vida toda, estava lá do nosso lado, e a gente não notava.” O que motiva Gamora a ir enfim pedir desculpas a Nebula por nunca ter dedicado 5min de sua vida, pensando no quanto Thanos tratava Nebula muito pior que ela, e em como ela nunca se importou em se conectar com Nebula nesse tempo. E convida Nebula a ajudar todas as garotas na mesma situação, lado a lado para compensar o que ela fez. E então, pela primeira vez na franquia toda, Gamora chama Nebula de irmã.
E o filme se fecha no funeral do Yondu! Danem-se as cenas pós-crédito.
Enfim, se o primeiro filme nos fala sobre a família que a gente escolhe, e em não deixar as pessoas do passado guiarem suas ações, mas sim as do presente, por melhores que sejam as pessoas do passado. Pois bem, o volume 2 nos passa uma abordagem diferente. A do perdão, e de entender que pessoas abusivas, tóxicas e que pioram sua vida são sua família quer você queira quer não, e é por isso que o perdão é importante, pra você não lembrar de pessoas abusivas pelo que foram, abusivas.
O filme vende a ideia de que Yondu sempre amou Peter, e só nunca deixou isso transparecer, pois ele é na verdade muito machão pra ter sentimentos expressos. Pois bem, eu acredito nisso, ele gostava do garoto, mas vamos lá, seja lá qual era o motivo real pra ele tratar Peter como ele tratou, o fato é que por 26 anos ele tratou Peter muito mal, na base de traumas psicológicos pesados que moldaram um adulto altamente desfuncional, que se agarra a referências à cultura pop não só pra agradar você expectador, mas porque todas as lembranças positivas dele, ele deixou na Terra, ele não tem nada no espaço ao que seja apegado, pois você não se apega a nada nem a ninguém vivendo com o Yondu. O filme contrasta Peter valorizando Yondu pelo que ele fez, mas Peter não estava errado em não valorizar Yondu. Essa é uma péssima lição pra ensinar ao protagonista.
E com isso, o filme que tenta caminhar o já bem conhecido trope de “pai de verdade é quem cuida.” fazendo o pai adotivo triunfar sob o pai original, o que é feito literalmente com Ego e Yondu tentando ensinar ao Peter a mesma técnica e Yondu prevalecendo, permitindo que Peter use a técnica pra derrotar Ego. E ainda fecha com a famosa frase “Ele podia ser seu pai. Mas não foi seu papai.”. Pois bem, isso tudo me deixa com o gosto de merda na boca de que o único pré-requisito pra ser pai era estar lá. Pois Yondu foi uma pessoa horrível com Peter, em um relacionamento desprovido de amor e afeto (sob a perspectiva de que ambos são muito machões e relacionamento de macho não envolve afeto, mesmo quando é família.), e isso tudo com um pedido de desculpas em que Yondu meramente fala “Eu tava de zoeira.” Yondu não foi “papai”, e não cabe a ele torturar uma criança por 26 anos e depois retomar o título só porque o pai biológico é bem pior. Mas aí o Peter vem e põe tudo isso no passado. Ele teve um pai legal. Que grande merda isso.
E isso é notoriamente errado. Tipo, implicações horríveis, de que o fator mais importante na paternidade é a presença, e olha, ausência paternal é uma merda, eu sei bem disso, mas porra. Não. Meu pai foi meu pai convivendo comigo diariamente por 5 anos e depois continuou sendo meu pai morando em outra cidade por duas décadas, e esse afastamento não o tornou menos importante. O fator importante, e que marca um pai adotivo como realmente um pai, é o afeto. Simples e direto. “Pai de verdade é quem estava lá.” é a maior asneira que um filme pode falar sobre o assunto. O cara que tava lá podia dar uma surra na criança, como muitos dão. Sabem a cena em que os órfãos Baudelaire querem denunciar o Conde Olaf por ter batido no Klaus, mas o Sr. Poe fala que ele só estava exercendo paternidade. Pois bem, essa última meia hora do filme foi escrita por alguém com o mesmo bom-senso e tato para o assunto que o Sr. Poe. “Pai de verdade é quem amou e fez a criança se sentir amada.” Se meu pai me batesse ele não seria meu pai, seria um escroto que mora com a minha mãe. E Yondu não teve uma relação de afeto, nem de carinho, nem de respeito, nem de decência básica com Peter. Agora você vai me dizer “mas ele amava mesmo o Peter.” é, amava sim, mas se ele passou 26 anos sem demonstrar, então foda-se! E então você diz “mas ele salvou a vida do Peter.” e aí chegamos num ponto bom, porque vejam só.
O filme pega muito nesse lance de salvar a vida. No filme Gamora também salva a vida de Nebula, também ganhando um perdão por ter sido uma irmã abusiva, e dando a Nebula a chance de enfim ter uma família desde que ela perdoe Gamora. Ela tenta salvar a vida de Nebula no primeiro filme também, mas Nebula se recusa, dando a entender, o que é ruim, que não aceitar a mão de Gamora era um obstaculo que Nebula tinha que superar para crescer. Ou seja, os relacionamentos que o filme marcou seguem uma lógica de abuso → salvamento → perdão. O que remete ao primeiro filme onde Peter, que é notavelmente atraído por Gamora, que claramente (ainda) não retorna esses sentimentos, salva a vida de Gamora se matando no processo. Literalmente a mesma coisa que Yondu fez. Gamora consegue salvar Peter antes dele completar seu sacrifício, e ter a vida salva por aquele homem mudou muito em como ela via ele… mas não tornou ela apaixonada por ele, eles continuaram só amigos com um laço forte. O que é bom e está certíssimo, pois Gamora não é um troféu pro Quill possuir quando ele se provar um herói. E a maneira como ele nos dois filmes ficou meio que esperando por isso, só mostra o quanto ele é imaturo e tem noções distorcidas de como conseguir respeito dos outros.
Esse tipo de salvamento cria laços fortes, mas não cria rótulos, e no primeiro filme o filme claramente sabia disso. Ninguém vira pai de ninguém por salvar uma vida. Talvez vire brother, talvez vire muito brother, mas não pai, e muito menos “papai.” Perdão é uma coisa que leva tempo, e leva ação real. E paternidade é uma coisa que demanda aceitar o cumprimento de um papel específico na vida de uma pessoa, papel que Yondu não cumpriu.
Mas Yondu não tinha tempo de fazer nada disso, pois ele morreu.
Então Peter teve que apagar 26 anos de abuso em troca de um pedido de desculpas mal feito e o salvamento, pois era a única opção que ele tinha. E desculpem, família não pode ser a única opção que você tem. Quando é, você está preso em uma situação de merda, e isso pra mim machuca a grande temática do filme de que o heróis formaram uma família entre si pra não precisarem ficar presos em sua situação de merda. Pois bem, o Yondu era a situação de merda do Quill. E agora?
E o que me deixa puto. É que o filme entende a diferença, concorda com tudo o que estou dizendo em inúmeros pontos, e escolhe não aplicar ao Yondu especificamente. Como se esse personagem somente estivesse acima de tudo. Quando a Mantis descreve sua relação com Ego pra Drax. Ela descreve como se Ego fosse um pai pra ela, mas Drax vendo o quanto a relação era desfuncional, explica que pra ele soava mais como se ela fosse o bichinho de estimação do Ego. E é isso, Quill era mais o bichinho de estimação do Yondu.
E o filme ainda coloca isso como hierarquicamente superior a verdadeira família do Yondu. Que não vou falar que eram o bando dele, pois eram um bando de cuzão que tentou matar ele. Mas um membro específico do bando dele: Kraglin, que eu nem citei no resumo, pois é relativamente fácil passar batido por esse personagem no filme.
Kraglin, braço-direito de Yondu e membro mais leal ao Yondu de todo seu bando, foi quem sem querer iniciou o motim, ao ter um acesso de, literalmente ciúmes, por sentir que o Yondu fazia o bando e ele pagarem pelo favoritismo que Yondu tinha com Peter Quill, acusando Yondu de gostar mais do Quill que deles. Sério, ciúmes. Simples e direto. Mas ele não queria que essa acusação começasse um motim, então ele arriscou a vida pra tirar Yondu da cadeia. Quando Yondu morre, Quill diz pra Kraglin que ele deveria ficar com a flecha de Yondu como herança, e Kraglin aceita a herança de seu capitão.
E não sei, essa cena do Quill decidindo pro Kraglin o que ele pode ou não levar do Yondu de herança me soa toda errada, isso e não ser o Kraglin, que foi a família do Yondu por 26 anos, diferente do Quill que havia aceito Yondu como família faziam 26 minutos, não ter feito o discurso por “não ser o filho.” No fim do dia Kraglin estava certo em seu ciumes. Quill odiava o Yondu, e o Yondu tratava ele melhor que o bando. Vai se foder Yondu. Dentro da Chaminé é 100% #TeamKraglin, vai ser o próprio capitão e tratar o bando muito melhor do que o Yondu tratou o próprio. E vai tratar o próprio filho muito melhor também.
Mas enfim, Quill não tinha a opção de não deixar Yondu ser sua família, pois era ele quem estava lá e família não se escolhe. Assim como Nebula não tem opção a não ser irmã de Gamora, pois é ela que ela tem e a vida é isso. Se seus parentes adotivos são abusivos e companhias tóxicas, você tem que aprender a perdoar pois você não tem opção a não ser amá-los, é isso que adoção significa.
Isso me ofende, ver isso me ofende de verdade. Yondu morreu fácil demais, ele deveria ter feito que nem Gamora, e dedicado uma vida a compensar pelo mal que fez a Quill com ações diretas. Prometer lutar contra o tráfico infantil e não deixar que nenhuma outra criança sofra a infância de merda que ele causou ao Quill. Isso seria redentor de verdade, valeria por um trilhão de “ah, mas quando eu ameacei sua vida eu tava zoando.” Salvar a vida é bom, mas não faz ninguém virar namorada de ninguém, nem ninguém virar pai de ninguém, nem ninguém virar irmã de ninguém. Ninguém devia formar laço familiar por um sentimento de “dívida”, é tóxico. Os Guardians of the Galaxy não estão juntos por sentimento de divida um pelo outro (muito embora eles tenham salvado a vida um do outro várias vezes). O filme entendeu isso perfeitamente no primeiro filme, mas cagou no segundo.
Agora, vou ser sincero. Isso me ofende de verdade. Me deixa puto. Mas não torna o filme necessariamente ruim. Pelo contrário, acho o Yondu o melhor e mais interessante personagem do Marvel Cinematic Universe, de verdade. Mas ele é interessante por ser um arrombado, e aí no terço final do filme, todos seus defeitos são romantizados e isso caga pesado um anti-herói. Sério, não é porque a audiência entende que as vítimas tem que entender. Cai na falácia entre o Snape ter fãs leitores que o amam pelo quanto sofreu e o Snape ser lembrado como um grande homem in-universe. Só um dos dois é aceitável. Enfim, não foi a primeira vez que a Disney me deu uma porrada dessas.Meu filme favorito da Disney é Tarzan, provavelmente vai ser pra sempre, e o filme do Tarzan, faz EXATAMENTE a mesma cagada, com Kerchark e Tarzan se tornando pai e filho na reta final em contraste com o fato de que eles obviamente não eram pai de filho em ótica alguma concebível. Inclusive o filme deixa notavelmente confuso se Kerchark e Kala continuaram romanticamente envolvidos, ou não. Mas sempre me passou a impressão forte de que Kala adotando o Tarzan deu uma esfriada pesada no amor entre os dois. Então nem padrasto o Kerchark era de onde eu vejo.
É uma idiotice que Hollywood faz, que eu sinto que desmerece o gesto foda e lindo que é a adoção. Romantiza o abuso como forma de amor. E faz parecer que presença é a única coisa que uma criança com abandono paternal realmente perdeu, que a má companhia é superior a não-companhia, e isso não é verdade. Eu certamente preferiria meu pai-biológico do jeito que estamos agora a um pai abusivo, e meu pai não ter sido um pai abusivo, mas ao contrário disso, um pai amoroso é um dos principais fatores que permite que ele seja meu pai.
Mas enfim, vamos ao que importa. Peter Quill no primeiro filme tinha um pai sumido e uma família de escolha e uma jornada familiar diferente da dos outros heróis da Marvel. Mas agora tudo mudou, agora ele acabou de perder dois pais, um biológico e um adotivo. Se tornando oficialmente um órfão. E o que isso significa? Que agora ele tem uma história de origem de um super-herói de verdade. Então ele pode finalmente brincar na mesma caixinha de areia que os Avengers.
Hooray!! Crossovers. E a minha sorte é que o Thanos está contratualmente proibido de ter alguma redenção, então a chance dele falar pra Gamora que tava de zoeira, salvar a vida dela e ganhar um discurso bonito dela no seu funeral sobre como ela teve um pai foda são nulas… se bem que… a Leia foi no funeral do Darth Vader, né? Hollywood é toda errada, puta que o pariu.