Olá. Bem-vindos a mais um texto do Dentro da Chaminé, o blog que falou mais de Disney do que já falou de qualquer outro assunto, então creio que o leitor já saiba que eu sou um grande fã dos filmes da Disney. Apesar disso, um filme do estúdio do qual eu realmente desgosto é Beauty and the Beast, um filme cujos meus problemas com ele, eu nunca fiz segredo, muito pelo contrário, estão em um texto meu nesse blog falando exatamente tudo que me incomodou no filme. Recomendo a leitura, até porque vou dialogar com ele nesse texto inteiro.
Pois bem, em uma onda de adaptações em live-action de seus contos principais, foi feita essa adaptação de Beauty and the Beast, que é até hoje um dos filmes mais icônicos e respeitados da história do estúdio, então é natural que eventualmente eles queiram ordenhar ainda mais essa vaca de dinheiro. A Disney fez um investimento pesado nessa adaptação, e colocou muito esforço pra sair, e uma decisão que contrastou, por exemplo, a adaptação em live-action de Cinderella, por ser adaptado em um formato musical com as mesmas músicas do filme original da Disney, não tentando fugir ou ser independente do filme clássico e sua nostalgia. A mesma estratégia foi feita para a adaptação Live-Action de The Jungle Book. E com o sucesso estrondoso que foi esse filme, não duvido que o mesmo ocorra com os futuros The Lion King, Aladdin e Mulan.
Enfim. Como pessoa que se importa com o assunto, eu fiquei pensativo quanto ao que sairia desse remake. E quando saiu o trailer, eu fiquei extremamente receoso, até comentei no instagram do blog. O trailer soou muito fiel e literal ao filme original, e pra mim isso só poderia significar que herdaria todos os defeitos do filme.
Agora vamos falar um pouco sobre remakes, tudo bem? Remakes são um assunto delicado, e o motivo é simplesmente um só. Porque remakes não são pensados na arte e sim sempre no dinheiro. Ok, mas o que na indústria do entretenimento não é, não é mesmo? Mas, pensem comigo. Qual a necessidade de se fazer uma nova versão de algo excelente? Nenhuma, mas mesmo assim Hollywood só pega filmes que o público tomou como excelentes para refazer, pois querem reproduzir seu sucesso financeiro.
Isso não quer dizer que remakes sejam ruins como conceito, só que são feitos pelas motivações erradas. Remakes tem que querer dizer algo. Você pode querer melhorar um filme, ou atualizá-lo para nossos valores atuais, ou mesmo fazer uma releitura de sua história apresentando outro viés. Mas se a gente pega um filme ótimo, pra que mexer no que tá ótimo? Remakes deviam ser feitos de filmes que não são ótimos, pra torná-los ótimos. Mas a indústria não quer melhorar um filme, ela quer fazer chover dinheiro. É que nem uma professora da escola que só manda os alunos que tiram 10 refazerem a redação. Não faz sentido são as redações ruins que deveriam ser reescritas.
Pois bem, aí temos esse caso com Beauty and the Beast, um filme que eu acho que está longe de ser ótimo, mas um consenso concorda que é um dos grandes auges que a Disney teve em mais de 70 anos. E um filme que eu tinha medo de manter todos os defeitos do filme original, por muita gente não querer ver defeitos no filme original, e sim manter a nostalgia somente.
E meu deus, como eu estava errado… digo, o filme é essencialmente a mesma exata história da animação, mantém os figurinos, mantém as músicas, aparentemente é bem fiel e bem nostálgico… mas ao mesmo tempo, é extremamente diferente.
O diabo está nos detalhes, o filme soa igual, mas as pequenas mudanças aqui e ali se aglomeram de uma maneira que na minha opinião tornam o filme muito diferente quando se somam os fatores, ele corrigiu quase tudo que eu tinha pra reclamar do filme original de 1991 e escrevi sobre no meu texto aqui no blog.
Pois bem, por isso eu achei a comparação dos filmes um excelente exemplo e estudo de caso para se mostrar como são os detalhes que mostram qual é o viés de uma narrativa e mostram como um remake pode genuinamente melhorar ou piorar um filme, mas essencialmente transformá-lo em outro filme. Para isso que quero fazer aqui uma lista de quais foram exatamente as diferenças entre o filme original e o remake, e mais importante, porque eles mudaram. Pois toda mudança foi proposital, nada em um filme é um acidente.
Para isso, primeiro temos que entender que toda mudança cai em uma de três justificativas. Pode ser uma mudança feita pra corrigir um erro de continuidade. Afinal, a animação de 1991 foi feita de chacota diversas vezes na internet por uma grande lista de pequenos furos de roteiro, eu mesmo acho que citei alguns deles quando fiz minha crítica ao filme, e bem, obviamente todo mundo envolvido no filme já teve esses erros de continuidade apontados a um nível em que eles realmente se esforçaram em corrigir todos. A segunda justificativa é a de expansão da história. Filmes animados raramente ultrapassam uma hora e meia de filme, por questões de orçamento. Enquanto um filme live-action tem mais liberdade de chegar a duas horas de filme, no caso o filme de 2017 teve 40min a mais de filme, o que é muito mais tempo de contar a história, o que permite focar em pontos que tomariam tempo demais e por isso é melhor deixar de fora de um filme curto.
A terceira justificativa, e a mais fundamental, é a de tornar o filme um filme feminista. Afinal, as princesas Disney já foram alvo de estudo e provadas como uma influência negativíssima na formação de meninas, e dentre diversos exemplos de princesas passivas e que tomam todas suas decisões motivadas por homens, a Belle meio que era lembrada como um ponto fora da curva, por ser uma leitora e por dispensar um machista canalha. Mesmo que ela troque ele por outro machista canalha que ela “consertou”/se-apaixonou-por-causa-da-síndrome-de-estocolmo. O que mostra como a gente mede por baixo quando fala de princesas Disney. Enfim, Belle gerou identificação com diversas menininhas leitoras e que queriam mais e foi considerada “a princesa feminista” por um tempo, até vir a Mulan que tomou o título de “feminista da Disney” da Belle. Aí veio a leva atual, em que a Disney está genuinamente se importando muito em ser bem vista no campo da representação feminina (por motivos de demanda e mercado, não ideológicos, lembremos sempre), fazendo Meridas, Elsas e Moanas, e focando em princesas que não casem, e na relação com irmãs, e em dar o heroísmo do filme a elas e tal.
O remake da Bela e a Fera tem obviamente o desejo de pegar a primeira princesa lida como uma “representação não tão ruim assim”, e encaixar em parâmetros que possam passar pela aprovação do pessoal que mede feminismo na Disney, a começar pelo elenco. Não é coincidência a Belle ser interpretada pela Emma Watson que além de atriz tem um cargo de embaixadora na ONU de questões de igualdade de gênero.
Enfim, com isso sendo dito, vamos ver o que mudou.
No prólogo:
1 – Muitas músicas foram adicionadas. 5 canções no total. O filme animado consta com 6 canções ao longo de sua narrativa, e pode ser considerado um musical, mas aparentemente o filme quis abraçar ainda mais o conceito do musical e incluiu um número muito maior fechando com 10 canções, incluindo antes da maldição ser lançada, com uma dança no palácio.
2 – A primeira mudança que pode ser notada, é pra corrigir um erro de continuidade. Muito foi dito sobre como é estranho ninguém na vila de Belle notar que o príncipe do castelo que fica logo do lado da vila ter desaparecido. Ou mesmo saber que tem um castelo lá perto. Para isso, no prólogo eles ressaltaram como parte da maldição que a bruxa lançou fez o príncipe ser esquecido por todos do reino.
3 – No mesmo viés, os fãs, pois eles não perdoam, chamaram a atenção várias vezes pro fato de ser estranho um príncipe mimado com centenas de criados abrir a própria porta. Pois bem, agora a feiticeira invadiu o castelo ao invés de ser atendida na porta. E os empregados todos observaram enquanto a maldição era lançada.
4 – O filme original tem uma timeline muito confusa e mal feita. O filme evita isso retirando menções ao tempo que se passa, por isso, o prazo de aniversário de 21 anos do príncipe para retirar a maldição foi removido.
Nada pra se mexer no prólogo, somente mudanças para evitar erros de continuidade pro pessoal da internet parar de encher o saco.
Belle e apresentação da vila:
5 – No meu texto eu chamei a atenção pra apesar da fama de Belle como “uma mulher leitora”, ela se focar essencialmente em contos de fadas pra suas leituras. Pois bem, na nova versão eles atualizaram o repertório da Belle, pra sair de uma garota que ama João e o Pé de Feijão para uma garota que ama Shakespeare e histórias de romance em geral, o remake também ressalta como apesar de ter um gosto muito forte por livros, ela tem um gosto resultante de um acervo pequeno, já que não são muitos livros que ela encontra em uma vila tão anti-leitura. Uma vez em contato com a Fera, que teve acesso a uma cara educação, ele apresenta Belle a um acervo muito maior de livros, na esperança de fazê-la expandir seus horizontes para além de histórias de amor.
6 – Inventaram esse personagem novo. Mounsieur Jean. O único morador da vila nomeado. Sua importância é expansiva a trama e virá só bem mais tarde.
7 – Como já dito. Enchiam muito o saco por como uma cidade em que ninguém lê, tem uma livraria com tantos livros? O dono morre de fome? Pois bem, agora Belle pega seus livros na igreja, que tem no máximo dez pra oferecer, e muito obviamente aquilo não é um negócio na vilazinha. O dono da livraria também é substituído pelo padre Pére Robert, que continua aparecendo ao longo do filme, como um personagem maior do que o dono da livraria que nunca mais reaparece depois da canção Belle no filme original.
8 – O personagem de Gaston sofre altas modificações. O que é bom, pois eu desci o pau em como ele foi caracterizado. Na animação, Gaston era grosso e invasivo com Belle e obviamente a vila toda dividia seus valores com Gaston e não via problema nisso. Aqui, a maldade de Gaston perde a cumplicidade da vila, e ele tem duas facetas, a faceta pública dele e a privada, seu real rosto. Por exemplo, no filme de 1991, na abordagem inicial dele, ele xinga o pai de Belle, insulta o livro que ela está lendo, joga o livro na lama e exige que ela se case com ele. Soaria até estranho se Belle aceitasse esse convite, mesmo pra uma garota daqueles costumes. No filme novo, Gaston dá flores pra Belle, elogia seu livro e a convida para um jantar, e Belle friamente recusa, não pelo convite ter sido grosso, pois não foi, mas por saber exatamente qual é o caráter real de Gaston. Não foi uma reação direta a como Gaston foi naquela tarde, e sim a como ele tem sido durante toda a estadia dela na vila.
9 – Gaston também foi atualizado para um veterano de guerra além de um caçador. Sendo seu histórico como herói de guerra um motivo por trás da admiração de todos por Gaston, não seus valores como um bully cuzão machão.
10 – Outro personagem que mudou muito no remake foi LeFou, o amigo de Gaston. A começar que ele se tornou um personagem de verdade com um arco próprio e uma subtrama desenvolvida ao longo do filme. No original ele contrasta as qualidades positivas de Gaston: LeFou é baixinho, feio, burro e cagão, pra ressaltar que Gaston, é alto, forte, lindo, esperto e valente. No remake, LeFou ressalta as qualidades negativas de Gaston. Ele é ético e moral pra ressaltar como Gaston é um escroto, e é inteligente e atencioso ao seu redor, pra ressaltar como Gaston é burro e auto-centrado. Muito foi dito sobre LeFou ser gay nessa versão, mas eu acho que ele ser um personagem maior do que um pedaço de cenário o ponto mais interessante.
11 – Porém deve ser ressaltado, que agora a relação dele com Gaston teve uma expansão. Ele é gay e apaixonado por Gaston, mas além disso a amizade deles tem história. LeFou lutou na guerra ao lado de Gaston. Certamente o laço que une duas pessoas que lutaram uma guerra lado a lado é muito grande pra ser quebrado por qualquer coisa, e isso somado a atração de LeFou pro Gaston se tornaram obstáculos pro conflito de LeFou que era justamente a dúvida se ele devia quebrar sua amizade com Gaston diante da clara corrupção moral que escalava a cada cena.
12 – Outro personagem que foi modificado foi Maurice. No original ele é um inventor abobado, sem muito sucesso, que é feito de chacota por toda a vila por ser um loser. Apesar disso ele gosta do pessoal da vila, e inclusive acha que Gaston é um bom amigo de Belle, quando ela obviamente não achava. No remake ele é um artista e faz caixinhas de música e vende, sendo menos ambicioso no que faz, mas ao mesmo tempo, talentoso. Ele reconhece que a vila é atrasada em mentalidade, mas acha o lugar bom por razões de segurança. Ele tem a percepção de que o Gaston é lixo, assim como a Belle tem, mas ainda assim é respeitado pelo povo da vila, que ressalto, não é mais cúmplice da escrotidão de Gaston.
13 – Também temos menções a mãe de Belle, falecida, afinal princesas Disney são duramente criticadas por nunca terem mãe, e a maioria sequer tem a mãe mencionada. Pois bem, agora a memória da mãe de Belle é uma motivação forte, tanto pra Maurice procurar segurança em uma vila com uma mentalidade que não aceitaria sua filha, como pra Belle gostar de rosas, uma flor que ela associa a mãe.
14 – Belle, por outro lado, tem sua relação com sua vila modificada também. No original, a vila toda acha ela estranha e deslocada e fala isso pelas costas de Belle e morre aí, em grande contraste ao bullying pesado que eles fazem em Maurice. No remake é o inverso, enquanto eles respeitam muito Maurice, o conflito deles com Belle é muito maior, chegando a humilhação pública feita a ela por ter ensinado uma menina a ler. Saiu de um julgamento silencioso dos moradores da vila pra um conflito real entre as partes.
15 – Por último, Belle agora não acredita que pessoas mudem por amor ou convivência da maneira que é o pilar do filme original. Isso é importante, pois Gaston promete mudar por Belle e ela recusa. Esse ponto foi um dos pontos centrais da minha crítica ao original de 1991. Mas nessa versão, não é sobre um monstro que muda por uma mulher, e eu vou falar sobre isso daqui a pouco. Mas essa fala ligeira entre Belle e Gaston literalmente altera toda a moral do filme.
16 – A vila ganha um nome agora, Villeneuve. Demarcando melhor o cenário, ao invés de uma vila qualquer na frança, para uma vila específica. O nome vem de Gabrielle-Suzanne Barbot de Villeneuve, a escritora do livro original em primeiro lugar.
Wow tudo isso só nas primeiras cenas que tem como objetivo estabelecer personagem e já alteraram a maioria dos personagens, e pode parecer leve, afinal ficou quase igual o original, mas, na prática, isso muda toda a dinâmica entre os personagens. E isso é importante, pois é na dinâmica dos personagens que se trabalham os temas e a moral do filme. É um filme sobre ver a verdadeira essência das pessoas, não dá pra ser o mesmo filme se a essência das pessoas muda. Parece superficial, mas é essencial essa mudança.
Captura de Maurice e Belle pela F era.
17 – Pois bem, continuemos aonde eu parei no ponto 15. No meu texto anterior eu usei como exemplo da não-redenção da Fera, o fato dele ter sido punido por negar hospitalidade a uma idosa, e então anos depois ele encontra Maurice e nega hospitalidade a ele, mostrando que ele segue cometendo o mesmo tipo de atitude que o puniu, e portanto, ele não se tornou uma boa pessoa antes de conhecer Belle. Agora no remake isso não ocorre, a Fera oferece hospitalidade ao Maurice, oferece teto e comida pra ele, como os bons modos exigem. Ou seja, ele já é uma pessoa melhor, reforçando o que eu disse lá trás, sobre ele não precisar de Belle pra mudar, ele vai precisar dela pra ver a mudança. Ele prende Maurice, pois este desrespeitou a hospitalidade dele roubando uma rosa, o que ele roubou pra agradar Belle, que lembra de sua mãe por flores.
17.5 – Roubar uma rosa foi o que fez Maurice ser preso no conto de fadas, aproximando a história de sua fonte original.
18 – Outra mudança na atitude da Fera. No original de 1991, a Fera imediatamente percebe que manter Belle no castelo é interessante pra quebrar a maldição e explicita pra Lumiére que pensa nela como a possível garota que se apaixone por ele. No remake ele não mantém Belle como prisioneira com a intenção de seduzi-la, mas pra punir Belle pelo roubo de seu pai. Ele menciona pra Lumiére que acha que Belle está abaixo dele, por ser filha de um criminoso. Essa mudança é essencial, pois mostra que a Fera não se envolveu com Belle pra acabar com a maldição e sim porque genuinamente se apaixonou por alguém que ele julgou superficialmente. Olhem só, a moral do filme de “julgue a pessoa por quem ela é por dentro” se aplica a Belle também, que mesmo sendo a mulher mais linda da vila(fonte: moradores da vila), foi vista superficialmente pela Fera que julgou que ela não estaria ao seu nível. Isso é bom, fortalece a moral.
19 – Consequência direta do ponto anterior. No original, a Fera dá a Belle liberdade pra andar pelo palácio e um quarto, pois quer que ela fique confortável. No novo filme não, ela é uma prisioneira e está sendo tratada como tal, até a Fera começar a julgar Belle por algo mais. Afinal ele não quer agradar Belle, quer puní-la. Ela ganha todas essas liberdades porém, por causa da gentileza de seus empregados que fazem esses arranjos pelas costas da Fera.
20 – No território de consertar erros de continuidade, agora o cavalo, Phillip, entra nos portões da Fera, o que permite que ele possa guiar Belle até o castelo futuramente.
Esses momentos são fundamentais pra pensarmos na relação entre Belle e a Fera. Se antes ela devia se apaixonar por ele apesar de tudo, agora ambos devem se apaixonar um pelo outro apesar de tudo, o amor do casal é mostrado como uma via de mão dupla. A personalidade da Fera é trabalhada de maneira mais complexa. Ele tratou Maurice com respeito, lhe dando comida e teto, e só lhe negando companhia, por conta de sua aparência. Então Maurice perdeu esse respeito com o roubo, gerando raiva da Fera, que então desconta essa raiva em Belle. De certo modo, ele é uma pessoa melhor, mas ele trata Belle ainda pior, tornando mais difícil ver o homem que ele é por dentro, mas dessa vez ele genuinamente é essa pessoa por dentro, e não se torna ao longo do filme.
Gaston, Be Our Guest e o primeiro dia de prisão.
21 – O espanador tem seu nome alterado de Fifi pra Plumette por algum motivo, e o relacionamento dos dois muda sutilmente. No original, Lumiére era mulherengo, galinha, falava sobre como após voltar a ser humano ele teria uma mulher em cada braço e seria o “terror dos maridos”. Pois bem, nisso, ele tinha um relacionamento flertante com Fifi de amassos as escondidas aos sons de “Oh, Lumiére, não.” e “Oh, oui.”. Ao virarem humanos novamente, parece que enfim podrão consumar o que não consumaram quando eram objetos. Enfim, o Lumiére do live-action não é mulherengo, nem flertante, nem sedutor, mas ele é um apaixonado muito devoto à Plumette que é igualmente apaixonada e devota em uma relação que é muito mais namoro e admiração pelo parceiro e muito menos “beijos escondidos atrás da cortina.”
22 – Mrs Potts no original tinha uns 30 filhos, mas só andava com um que é o Chip, negligenciando os outros 29, agora ela tem só o Chip mesmo. Desnecessárias aquelas outras 29 xícaras sem rosto, o filme funciona melhor sem elas.
23 – No viés expansivo, o guarda-roupa ganha a história de ser uma cantora de ópera que visitava o castelo no dia da maldição.
24 – Belle nega ser uma princesa. Como Moana fez alguns meses antes. Pois é isso que as princesas atuais da Disney fazem. Fogem desse título como o diabo foge da cruz, afinal a palavra ganhou carga negativa imensa dentre as feministas, que o filme tem o objetivo de agradar.
25 – A maioria das canções reutilizadas tiveram mudanças sutis na letra. Até estranhei, pois aparentemente todo mundo no meu facebook cantou as músicas junto, me pergunto se não vinham uns sustos. Na música Gaston, o Gaston inclui uma descrição de como ele caça, o que vai servir de foreshadowing pro climax do filme.
26 – Quando Maurice no bar conta a todos sobre a prisão de Belle, a vila não acredita, mas não humilha Maurice nem o expulsa do bar. E Gaston se oferece pra ajudar, mesmo não acreditando na história, pois queria agradar o pai de Belle e se mostrar presente. No filme de 1991 o Gaston tem a fama de herói da vila por ser um bully, no remake, ele claramente se esforça pra manter uma imagem genuína de herói e faz ações para ser visto como tal.
27 – No original, se calcula que a história se passou no mínimo ao longo do inverno inteiro. Pois bem, tomando como a referência que o inverno ainda não tinha começado quando Belle se tornou prisioneira, mas já havia acabado ao fim do filme. Pois bem, agora eles tiraram essa unidade de tempo, estabelecendo que como parte da maldição, é sempre inverno no castelo.
28 – Como tornar Belle uma mulher mais independente e valente. No filme original, ela chorou pra cacete assim que foi deixada sozinha. No remake imediatamente começa a planejar uma fuga.
28,5 – Não tem nada a ver com o propósito dessa lista, mas quando Belle disse que não vai jantar, a Fera responde com “Be my guest.” e eu ri. Aliás, sabiam só de curiosidade que a música no roteiro original era pra ser cantada pro Maurice e não pra Belle? Mudaram, pois concluíram que a cena do Maurice no castelo era uma cena menor para um número musical tão grandioso.
29 – A natureza da maldição mudou. Agora os empregados vão gradualmente se tornando mais inanimados e mais objetos a cada pétala que cai. Quando a última caísse eles iam perder a habilidade de falar e seria como se estivessem mortos. Muito mais trágico e pesado. Isso também é importado da peça da Broadway que fez isso pra justificar o visual muito mais antropomórfico que eles teriam no teatro.
30 – Novamente tentando arrumar a timeline que não faz sentido. Be Our Guest troca a fala “ten years(dez anos)” por “too long.(tempo demais)”
31 – Novo personagem, o Maestro Cadenza, o piano do castelo e o maestro do castelo, e também o marido da guarda-roupa. Só para adicionar mais um ao elenco de objetos encantadores do castelo.
32 – A gente sempre zoa sobre como a Belle não comeu nada durante o Be Our Guest, é ótimo de se zoar, enfim, eles levaram a piada a um novo nível, onde os empregados impediam Belle de comer na empolgação de cantar. Porém no original após a conclusão da música Belle imediatamente se levanta da mesa, enquanto aqui há uma elipse de tempo, que permite que depois da bela apresentação ela tenha de fato comido.
33 – O anacronismo de se mostrar a torre-eiffel quando Lumiére ressalta que eles moram na França foi arrumado, agora ao invés da torre, a simbologia é a da guilhotina, muito mais condizente com a época em que o filme se passa.
34 – Gaston quando enfim perde a paciência, acreditando que Maurice vai colocá-los em perigo, admite que quer casar com Belle e percebe que não vai ter a aprovação de Maurice que vai fazer o que estiver em seu poder pra Gaston não colocar as mãos em sua filha. A resposta de Gaston é abandonar Maurice para a morte em um bosque cheio de lobos, acreditando que se ficar orfã, Belle, sem perspectiva de trabalhar em uma vila como a deles, precisará de um marido para cuidar dela. Nesse momento que Gaston, a sós com LeFou revela quem ele é de verdade. O que é uma surpresa pro próprio LeFou que nunca havia visto essa faceta de seu melhor amigo antes.
35 – Eles explicam que os empregados são punidos pela bruxa pelo crime da passividade, ou seja, por embora tenham sido parte da criação do príncipe, terem feito nada ao ver ele se transformar em um cuzão por seu cruel pai. Pessoalmente não acho a melhor explicação. Nos comentários do meu post criticando o filme, falaram de uma justificativa de que o reino reflete sua realeza. Então um príncipe amaldiçoado teria súditos amaldiçoados, pois os erros dele afetam a todos. Achei uma explicação bem melhor. Nessa versão também, Belle descobre sobre a maldição, e tem empatia pelos funcionários, e por isso desiste de fugir, querendo ajudá-los, mesmo sem eles relevarem à garota como que a maldição seria quebrada.
Something There e o resto da estadia de Belle no castelo.
36 – A bruxa foi outro ponto que eu falei bem mal do filme original em meu texto. E aqui, vou ser sincero, ela é o único ponto que está pior. Mas falo dela mais tarde, só reforço que ela segue aparecendo e ganhou o nome de Agatha. Ela salva a vida de Maurice quando Gaston o abandona para a morte, e o leva de volta a cidade.
37 – Ah, isso é muito bom. Aqui, Belle e a Fera começam a formar uma amizade tendo como base a paixão dos dois por leitura. No original de 1991, a Fera é analfabeta, o que pode soar estranho, pois ao menos eu, acreditei que era de se esperar que um príncipe tivesse sido muito bem educado. O que depois me explicaram que tinha gente na alta nobreza que não sabia ler sim. Mas enfim, essa mudança eu acho fantástica, pois gera um motivo genuíno para aquelas duas pessoas começarem a passar tempo uma com a outra. Elas tinham acabado de sair de um incidente em que um salvou a vida do outro mesmo sem ser obrigado a fazê-lo (e percebam como o ato da Fera salvar Belle ganha outro peso agora que sabemos que a Fera não tinha a intenção de usá-la pra quebrar o feitiço, ou seja, não ganhava nada mantendo-a por perto, torna o salvamento mais heroico), e agora eles meio que estão começando a pensar um no outro sob outra luz, e acham um ponto em comum, ambos leem. A Belle não tinha com quem conversar sobre livros em sua vila e a Fera não tinha com quem conversar sobre livros no castelo, e agora eles tem essa deixa pra começar a interagir… E é uma interação com as mesmas alfinetadas que eles deram quando Belle cuidava de seus ferimentos, a Fera acha que o gosto de Belle por romances é fruto de um acervo baixo de referências, porque ela não conhece as grandes obras (imagina se fosse no original, onde não era Shakespeare e sim João e o Pé de Feijão), eles discordam em seus gostos, o que torna essa aproximação ainda mais orgânica. No original qual foi a primeira atividade que eles fizeram juntos depois do salvamento dos lobos? Ah sim, foi dar comida pros passarinhos, nossa, que tosco.
38 – A conclusão disso é todo um peso novo pra cena da biblioteca. A Fera apresenta a biblioteca pra Belle com o propósito de dar acesso a ela de autores que ele julgava serem melhores do que Shakespeare. Belle que estava acostumada com uma igreja com uma estante com dez livros, fica fascinada e não pode acreditar naquilo. Pra Fera aquilo ali é uma coisa com a qual ele conviveu a vida inteira, e por isso ele não dá a importância que a Belle dá, ele reconhece isso e por ver que ela tinha mais valor nas mãos de Belle que ainda não leu aqueles livros, dá a biblioteca pra ela. É um gesto improvisado de gentileza, que partiu da empatia que ele sentiu pela empolgação dela em ver a biblioteca. No original foi um ato planejado com o objetivo de seduzí-la, ele sabia que ela curtia bibliotecas e deu uma pra ela, não diferente de um velho rico dando carros pra amantes jovens. O filme novo se preocupa em trabalhar o romance dele e como isso crescia.
39 – A cena dos passarinhos também é substituída por uma cena da Belle ensinando a Fera a fazer amizade com Phillip, o cavalo de Belle, algo bem mais pessoal da relação que eles terão do que um desejo secreto de ser amigo dos passarinhos aleatórios.
40 – Temos essa adição meramente expansória, em que além do espelho mágico, a bruxa deu pra Fera um livro que permitia que ela viajasse para qualquer lugar do mundo, o que é um item irônico, já que a Fera seria rejeitada em qualquer lugar do mundo, mas ele poderia dividir esse livro com outros, e ele dividiu com Belle, o que permitiu a ela visitar sua casa de infância em Paris, e entender que a mãe morreu da peste negra, obrigando Belle a fugir da doença em uma vila conservadora que ia tratá-la mal, mas onde era mais seguro. Pois bem, a Fera podendo testemunhar a relação da mãe de Belle com rosas e a tragédia que foi a peste, se desculpa pelo tratamento que deu ao pai de Belle. Isso mostra novamente o tema de “não julgue o livro pela capa” se aplicando a mais personagens além de Fera e Gaston. A Fera julgou os atos de Maurice sem saber o contexto, e agora vendo o contexto ele nota que ele foi um escroto, e diferente de como ele era antes de repensar seus atos por conta da maldição, ele tem a decência de admitir ser um escroto e se desculpar.
41 – Reforçando a maneira como Gaston precisa manter uma face heroica em público e espera estar em privado pra ser o escroto que é, nessa versão ele provoca Maurice esperando que ele o ataque, para então como auto-defesa mandá-lo ao hospício. No original ele usa a menção a fera como único pretexto pra prendê-lo, aqui ele usa também a acusação de que Gaston teria tentado matá-lo, o que ninguém na vila acreditou por só ter acesso a faceta heroica de Gaston.
42 – Se estabelece que Gaston deixou Maurice pra morrer 5 dias atrás, indicando que a história não ocorreu durante todo o inverno e sim em aproximadamente uma semana.
43 – A canção Human Again foi novamente removida da história, o que faz sentido, já que ela era uma cena excluída em primeiro lugar, que só foi inserida em edições especiais. Mas eu acho tão bacana a cena, mas tudo bem.
Beauty and the Beast, Mob Song, Belle é libertada e retorno a vila.
44 – Agora vamos lá, que na última meia hora de filme, eles finalmente tocaram no elefante na sala que circula essa história desde que ela existe. É a história de amor entre uma mulher e o homem que a manteve prisioneira, e se a gente pensa nisso um pouquinho logo caímos no seguinte conceito. O de “síndrome de Estocolmo.”, nome dado ao efeito de vítimas de sequestro ou reféns de desenvolverem sentimentos de afeição àqueles que os mantém cativos como forma de sobrevivência. E bem, o amor entre a Bellle e a Fera não poderia ser a prova de problematizações, o que é o objetivo do estúdio, enquanto alguém pudesse identificar ela como vítima da síndrome de Estocolmo, por isso foram adicionados dois diálogos, não um mais dois pra reforçar, sobre como seria impossível Belle sentir um amor genuíno pela Fera enquanto ela fosse uma prisioneira no castelo, independente do quanto ela fosse bem tratada. No primeiro Belle fala isso diretamente pra Fera e no segundo a Sra Potts explica o mesmo conceito pro Cogsworth.
45 – Seguindo os princípios de representatividade da Disney, Pére Robert, o único negro da vila, é o único criticar Gaston por mandar Maurice pra um hospício, assim como o único a não se juntar a vila. Pois bem, vamos falar sobre mandar Maurice pro hospício. No filme original nesse momento Gaston propõe um pacto com Belle, o de trocar a liberdade de Maurice pela mão de Belle, e como eu mencionei em meu texto, é exatamente o mesmo pacto que Belle e a Fera fizeram antes, o que aproximava Gaston da Belle. Pois bem, no remake ele nunca propõe esse acordo com Belle, só com Maurice, e obviamente sem esperança de que o velho aceitasse. Retirando esse detalhe, o remake impede que Gaston se iguale a Fera.
46 – No original, Gaston suborna o dono do hospício para esse prender Maurice, aqui, o cara que prende Maurice genuinamente acredita no conceito ao qual está sendo apresentado e só faz seu trabalho. Não se junta à turba enraivecida, e no geral parece ficar genuinamente confuso quando tudo toma um rumo de “peguem tochas e matem a Fera.”
47 – Além de Belle dizer que Gaston é o verdadeiro monstro, durante a canção The Mob Song, LeFou, reforça que Gaston é a verdadeira Fera a solta. Reptindo duas vezes o conceito, pessoalmente acho desnecessário.
48 – Importante mencionar. A Fera se desculpa com seus empregados, por não ter sido capaz de salvá-los da maldição. Um sinal de arrependimento genuíno que ele demonstra como consequência pelo seus atos que cementa sua redenção. No original a primeira cena em que ele trata seus empregados bem é quando ele volta a ser humano, e antes disso é só patada. Aqui a Fera genuinamente deseja ter uma relação melhor com os empregados.
49 – Agora o pessoal da vila vai montado a cavalo. O que é curioso que não tivesse no original, já que a letra da música mencionava os cavalos, mas só o Gaston tinha um. Da mesma forma a letra no remake mantém o trecho sobre “deixar crianças e esposas na vila”, mas é visível que as mulheres da vila se juntaram aos homens no ataque ao castelo. Aparentemente é só ler que não é aceitável, portar tochas e ancinhos em um ataque de turba é atividade feminina aceitável na vila.
50 – A ordem de Gaston “pilhem o quanto quiser, mas deixem a Fera pra mim.” foi removida da canção The Mob Song. Ou seja, o pessoal da vila não tem mais a intenção de pilhar o castelo durante o ataque.
51 – Não é mais chip, uma xícara sem braços nem pernas operando uma máquina complexa que salva Belle e Maurice, e sim a perícia mecânica de Maurice com a ajuda de Belle.
O ataque ao castelo e o fim do filme:
52 – É curioso que mantiveram a maioria dos modos de ataque dos objetos aos vilões que tinham no original. O cabideiro-boxeador foi mantido. O guarda-roupa esmagando pessoas foi mantido. O ataque de chá escaldante foi mantido. Mas adicionaram vários outros novos, grande expansão na luta.
53 – Concluindo o arco dramático de LeFou exclusivo do filme, ele é enfim traído por Gaston no ataque ao castelo, sendo usado como escudo humano e se torna o único humano a lutar lado a lado com os objetos, passando para o time dos bons.
54 – É estabelecido que o pessoal da vila são os entes queridos dos empregados do castelo, o que faz muito sentido, dado a proximidade das duas localizações. Inclusive o Monsieur Jean que eu mencionei lá no começo, é o pai do Chip e marido da Sra Potts.
55 – Essa é boa também. No original, Gaston não usa armas de fogo contra a Fera, o que talvez tenha sido uma decisão de cima de pensar no bem das crianças, mas é não condizente com o fato de Gaston ser um caçador e estar tratando a Fera como um animal, então é narrativamente interessante ele lutar como ele lutaria com uma caça e não como ele lutaria com um homem. Lembram que eu apontei como ele descreve seu método de caça na nova versão da música Gaston? Pois é, agora ele aplica aqui, dois tiros, um no fígado outro nas costas (isso é justo? Ele não liga.).
56 – Agora finalmente posso falar de como apesar de todos os itens acima, onde eu noto muitas melhorias, no filme, eu devo dizer, que eles conseguiram pegar a Bruxa, que já era toda errada e errar ainda mais. Ô personagem difícil de enfiar na história sem dar em bosta. Enfim, no remake resolveram chamar a Bruxa de Agatha e fazer ela se disfarçar de velha-louca-mendiga na vila. O que é interessante já que ela se disfarçou de velha pobre pra testar a índole do príncipe. O problema? Bom, primeiro, que ela não está disfarçada pra testar ninguém, já que Gaston tratou ela feito lixo por anos, e nunca foi punido do jeito que o príncipe foi. E segundo que… sério, Agatha? Você ficou anos e anos só observando se o príncipe ia se redimir? Queria ver com os próprios olhos? Haja dedicação, ele te ofendeu tanto assim? Eu tinha interpretado que ir testar a índole do povo do nada era teu hobby ou coisa assim, mas olha, fiquei abismado. Mas essa parte é de boa, zoado é ela nunca ter amaldiçoado o Gaston que fez bem pior, ele humilhava ela em público por ser mendiga, usou-a como exemplo de tudo que Belle não quer ser, quando ela viu ele tentando matar Maurice e contou a vila, Gaston disse que gente como ela não tem credibilidade. Como que o Gaston se safou de uma maldição? Quais os padrões dela?
56,5 – Com as mãos no pescoço de Gaston, este implora por sua vida “Por favor, Fera.” e ele responde “Eu não sou Fera.”, eu achei que era a deixa pra ele falar seu nome verdadeiro, mas não… eu jurava que nessa altura do filme, que a Disney ia fazer um filme em que a Fera tem nome, afinal já foi dito tantas vezes em outras fontes da Disney que é Adam, mas não, a Fera segue sem nome nesse filme, não é uma mudança, mas é uma observação.
57 – A cena dos empregados “morrendo” é tocante e triste, mesmo com todo mundo sabendo que seria revertida em alguns segundos. Fica ambíguo se eles perdem 100% da vida mesmo ou se só deixam de falar e se tornam inanimados, pois em uma cena anterior, eles ameaçam a Fera com “chá frio pelo resto da vida, no escuro e em uma casa com pó”, caso a Fera não fizesse revertesse a maldição… eles estavam contando que a Fera fosse ser preguiçoso demais pra usar os objetos?
58 – O castelo é destruído durante a luta com Gaston e reconstruído após a maldição ser quebrada. No original ele não chega a ser destruído.
58,5 – Ressalto que novamente, o estilo gótico do castelo era parte da maldição, e ele ganha um estilo clássico após a maldição ser quebrada, pois Agatha certamente vê juízo de valor em estilos de arquitetura.
59 – Maurice se torna o pintor oficial do Castelo. Considerando que tudo começou quando ele e a Fera tiveram um desentendimento no castelo, acho gratificante vê-lo no final como um membro daquela comunidade.
60 – No final Belle pede pro príncipe crescer a barba, e este responde com uma rosnada que em qualquer outro contexto eu interpretaria como um homem tentando pagar de “tigrão”… aliás, nesse contexto também. Enfim, essa é uma ideia do filme original que foi cortada e agora trazida de volta.
60 mudanças listáveis. Isso é muito, mas esteticamente é o mesmo visual, a mesma história, a mesma magia, as mesmas músicas, o figurino está igual. Então é o mesmo filme, só que em live-action? De maneira alguma.
Tem um universo imenso nessas 60 mudanças. Elas podem não mudar a história, mas elas mudam sobre o que é essa história, e quais temas elas levam a tona.
Se vocês tivessem que responder a pergunta “sobre o que é o filme original?”, bom, eu diria que é um filme sobre redenção, sobre dois homens que queriam a mesma mulher, mas um deles se tornou uma pessoa melhor pra isso e o outro não. O que é cementado pelo trecho da música-tema-do-filme, Beauty and the Beast, que é essencialmente uma música sobre como reconhecer seus erros e mudar para atingir o amor é uma história milenar. Com a moral secundária de não julgar um livro pela capa.
Pois bem, eu acho que o filme executa mal essas morais, acho mesmo, mas não tenho dúvida que é sobre isso que o filme quer falar. Mas não sobre só isso, tem os subtemas. É sobre uma sociedade que recompensa a crueldade e exclui socialmente a as pessoas boas. É sobre hospitalidade. É sobre várias coisas.
Eeeenfim. Sobre o que é o filme novo? Pois bem, aí vamos. No remake a garota não muda o monstro, e isso muda tudo. No filme a Fera muda sozinha, e quando ele encontra Belle, ele já é uma pessoa mudada em relação a quem ele era quando foi condenado pela bruxa, e isso altera drasticamente o tema do filme.
Deixa de ser uma história sobre uma garota tão pura que transformou um monstro em um homem. Se o filme original é sobre dois homens que queriam a mesma mulher, mas um deles mudou seu jeito escroto de ser, pois no remake a ordem é inversa, é sobre um homem que mudou seu jeito escroto de ser, e então ele encontra a mulher. É sobre um homem que pagou pelos crimes do passado, mas ainda carrega a marca deles em sua aparência, e agora precisa ser visto pelo seu novo ser. Isso joga o tema de “mudar por amor” no lixo, e põe o “Não julgue o livro pela capa” em primeiro plano.
E em primeiro plano mesmo. No original temos só dois livros pra julgar pela capa, Gaston, que tinha uma capa linda, e a Fera que tinha uma capa horrível. Pois bem, aqui todos são julgados pela capa. A Fera julgou Maurice e Belle pela capa, e isso porque Belle era supostamente a mulher mais deslumbrante que ele veria na vida, mas pra Fera a capa dele não era só beleza física, essa ele passou anos repensando sua visão de mundo e a perdeu. Mas pra Fera origem era uma capa pela qual se julgava uma pessoa. Um ladrão e a filha de um ladrão. Dois camponeses. Pessoas abaixo dele. E ele teve que vê-los pelo que eles realmente eram.
A Fera viu o que Belle realmente era. E Belle viu o que a Fera realmente era. Belle via o que Gaston realmente era, sem ele precisar jogar os livros dela na lama ou pôr o pé na mesa dela. LeFou precisou aprender a ver Gaston pelo que ele realmente é para poder ser a pessoa que ele devia ser. Gaston nunca viu LeFou acima de sua superfície, sendo um amigo de longa data de LeFou e nunca percebendo que os dois eram pessoas diferentes.
Aliás Gaston é disparado o personagem que mais mudou. Não só pelo personagem em si, mas por tudo o que cerca ele. No original, Gaston é muito obviamente um fruto de Villeneuve, o cara da vila que mais vingou, vingou só em aspectos negativos, pois é isso que a vila produz. No filme novo, Gaston é uma pessoa horrível que se disfarça na faceta de uma pessoa ótima. Pois a vila não possui mais cumplicidade com pessoas horríveis.
O que separa a vilania de Gaston, como um cuzão, violento que acha que Belle deve ser sua propriedade por ser uma mulher linda, mas que caga pra toda a pessoa que ela verdadeiramente é. Da vilania do machismo explícito da vila, como duas vilanias diferentes que se cruzam, mas que não são cúmplices entre si. Gaston critica o machismo da vila, e se porta diferente pra Belle, tentando seduzí-la, e a vila obviamente não ficaria do lado de Gaston se soubesse de sua verdadeira face. Isso pode ser problemático, se pensarmos que na vida real, pessoas como Gaston saem de lugares como Villeneuve sim, e que esse ponto específico não era um problema no filme anterior. Porém a proposta deles com Gaston é diferente, mostrar o monstro que se esconde na máscara do bom moço, do herói de guerra, do amigo e brother de bar, que por conta dessas características positivas, você nem imagina que possa ser um psicopata e defende.
Mas o mais importante é: o filme muda a moral, mas a estética dele é a mesma, e é na moral e no tema que está uma base sólida do filme. Em Beauty and the Beast, não existia a intenção de ser fiel ao original, pois o original já existia. Pra que fazer um filme que não só já existe, como 25 anos depois ainda é o cartão-de-visitas do seu estúdio? A proposta aqui era atualizar o conto, e reformar o filme, melhorando-o para uma nova geração, com novos valores.
Pois bem, dito isso, ele não é fiel ao original, ele muda muito na essência, e eu não acho essa não-fidelidade ruim, até porque não gosto do original, mas o ponto que quero chegar é que foda-se se a cena da dança é igual, se ao olhar na lupa os filmes não falam sobre a mesma coisa.
Pois nós somos muito enganados por isso. Constantemente eu vejo no cinema adaptações de quadrinhos, que mudam drasticamente, os temas, as morais e os valores das obras, mas que fazem cenas idênticas aos quadrinhos pra parecer que estava sendo bem fiel.
Watchmen, Kick-Ass e Scott Pillgrim são três exemplos muito claros de filmes, que você pode gostar a vontade, leitor, o ponto não é esse, mas que essencialmente apresentam o oposto do que o quadrinho queria apresentar no sentido de tom narrativo, clima e de valores por trás da obra. E os três colocam muito foco da adaptação em fidelidade visual ou de cenas específicas ou mesmo diálogos inalterados, induzindo o expectador a acreditar que a fidelidade está aí, mas não está. Está nos detalhes.
E Ghost in the Shell estreou faz poucos dias na mesma vibe. O que não choveu no meu facebook que compararam o quão igual são inúmeras cenas, mas eu fui ver o filme animado no cinema, e antes da sessão mostraram os dez primeiros minutos do filme novo, e eu senti que estava vendo temas de discussão completamente diferentes. Espero estar errado quanto a isso, não vi o filme inteiro ainda, mas espero ver em breve, e torço pra ser bom, porque a primeira impressão não foi.
Mas é isso. Fico feliz por ter visto os pontos que eu não gostava no filme original terem sido corrigidos nesse remake, mas ainda assim, na minha opinião a Disney está investindo demais em remakes de seus clássicos. Honestamente não entendo a necessidade de se refazer todo o canône da Disney em live-action, exceto a necessidade financeira de refazer seus lucros pra todos seus sucessos todo ano.