Estamos prestes a ver estrear nos cinemas Hateful 8, o oitavo filme de Quentin Tarantino (a menos que você considere Kill Bill dois filmes separados, aí seria o nono), um western que se passa logo após a guerra-civil. E acho que o timing de antecipação do próximo filme de um diretor badalado como o Tarantino, é bom para falar de seu último filme, seu sétimo longa-metragem: Django Unchained.
Sendo um filme lançado entre Inglorious Basterds e Hateful 8, Django Unchained é um filme curioso, pois é um western assim como Hateful 8 (muito embora a ambientação sulista tenha feito o próprio Tarantino classificá-lo com o neologismo southern), e assim como Inglorious Basterds, o filme é sobre um representante de um grupo que está sofrendo um genocídio truculentando seus agressores com violência e estilo, da maneira que é a assinatura do diretor.
O que me chama muito a atenção desse filme é seu título. O filme é inspirado nos filmes de westerns estrelados por Franco Nero, um ator branco italiano. Porém o filme do Tarantino também retrata a escravidão, e fez de seu protagonista um ex-escravo interpretado por Jamie Foxx. Então o filme foi batizado como Django Unchained, que pode ser traduzido como Django Desacorrentado (em uma tradução literal) ou Django Livre (como ficou traduzido oficialmente), para marcar seu status de ex-escravo ao longo de boa parte do filme. Mas por que é esse o elemento que o filme quer enfatizar é o status dele de liberto? Os filmes que inspiraram Tarantino costumavam ter títulos enfatizando o quão fodão é o protagonista, como Django Kill… if you Live, Shoot! ou Django, the Bastard ou ainda Django, the Last Killer. Ser desacorrentado era uma característica mais importante do Django de Tarantino do que ser um fodão? Ou talvez ser desacorrentado é o que o tornava um fodão?
Isso para eu trazer a pergunta, mas o Django, mesmo desacorrentado, ele era livre? Para pensar a fundo esta pergunta, faço esse post.
O filme começa com o Django acorrentado. Junto de vários outros escravos caminhando descalço, em condições insustentáveis comseus dois mestres brancos. Eis que esse grupo é abordado por um dentista chamado de Dr. King.
Não. Não tem absolutamente nada a ver com ele (embora se você for jogar Dr. King no google imagens, tudo que você encontrará são imagens do Luther King). Pessoalmente acho um nome bem inapropriado para se dar em um anti-herói mercenário branco, mesmo que no contexto do filme ele seja um personagem “bom”. Certamente não foi coincidência.
Dr. King Schultz se apresenta para os dois escravistas. Ele está procurando por um escravo específico para comprar e acredita que os dois irmãos estão em posse desse escravo. Schultz cumprimenta os escravos e pergunta se algum deles veio da plantação específica que ele queria, e um deles responde que sim. Era Django.
Schultz se aproxima de Django. Ele pergunta o nome do escravo, e então pergunta se ele conhecia três homens que trabalhavam na fazenda de onde Django foi comprado, os Irmãos Brittle. Django responde que conhecia. Schultz pergunta se Django seria capaz de reconhece-los, e Django afirma que sim. Antes que Schultz pudesse perguntar mais, um dos mestres de Django critica Schultz por falar com seu escravo daquela maneira. O que seria daquela maneira? Schultz olhou Django nos olhos, e falou com Django como se Django fosse um ser humano. Acho que é disso que o escravista cuzão tava falando. Mas Schultz também não entendeu a crítica, e tentou amenizar a situação dizendo que queria comprar Django.
Mas o cara não queria vender nada pra Schultz, e como o bom sulista que é, aponta uma arma para o dentista. Este revida e mata o cuzão.
E atira no cavalo do irmão dele, para garantir que o irmão não teria uma reação imbecil. Quando questionado de ter matado Ace (o cuzão tinha um nome), Schultz se defende que foi legitima defesa, e apontou os escravos como testemunhas que podem provar isso. Dado isso ele ignora os gritos de dor do escravista esmagado embaixo de seu cavalo morto e volta a conversar com Django.
Ele confirma que Django era o escravo que ele queria, e declara que vai comprá-lo. E assim, com nove minutos de filme, Schultz desacorrenta Django.
Isso foi rápido.
Ele assina um recibo de compras provando que Django foi legalmente comprado, paga o escravista cuzão que ainda está debaixo de seu cavalo esmagado, e fala que Django pode ficar com as roupas e o cavalo de seu antigo mestre, que obviamente não vai mais usá-los.
Enquanto ele assina o recibo, é notavel que Schultz pede que um dos escravos segure uma de suas armas para ele poder escrever. Nenhum dos cinco escravos sabe lidar com o jeito de Schultz, que os trata como se fossem pessoas normais, cumprimenta, pergunta o nome, pede favores, confia para segurar sua arma, agradece. Todos desviando o olhar dele conforme foram ensinados a fazer e ele conversa olhando nos olhos. Ninguém ali está acostumado ou sabe lidar.
Já Schultz não está nem um pouco desconfortável, mas ele visivelmente fica chocado quando vê as cicatrizes nas costas de Django. É visível que ele não esperava por aquilo.
Ao se despedir dos escravos, ele explica que os quatro têm duas opções do que fazer com suas vidas agora. Eles podem ajudar seu mestre a sair debaixo de seu cavalo morto, andar pra cacete (ainda acorrentados) para levá-lo a um hospital, para que ele seja tratado e volte a escravizá-los. Ou eles podem pegar a arma do falecido Ace, matar seu mestre, se desacorrentar e ir para um lado menos bárbaro do país. E para ajudá-los em sua decisão, Schultz aponta onde é o norte. “A escolha é de vocês” é a ultima coisa que Schultz diz para eles. Algo muito curioso de se dizer a alguém que foi privado completamente do poder de escolher algo.
E com isso Schultz parte, mas Django fica pra ver o seu antigo mestre morrer.
Agora Schultz e Django entram em uma cidade juntos, chamada Daughtrey no Texas. Django está desacorrentado, mas não está livre. Ele é escravo de Schultz agora. Ao entrarem na cidade, todos os habitantes param, olham e comentam, nunca tendo visto um negro montando cavalo antes. Ele entra em um bar e pede “duas cervejas para dois viajantes”, mas o atendente, ao ver que o dentista está acompanhado de um negro fala que ele não pode entrar em seu bar e corre pra chamar o xerife.
Schultz nem liga, ele mantém seu sorriso educado e sua calma que ele só quebrou ao ver as costas cicatrizadas de Django. Ele serve uma cerveja pra si e outra pra Django, e se senta com ele pra beber e explicar qual é a situação de Django.
Ele é um caçador de recompensas. Django não sabe o que é um caçador de recompensas, então ele faz uma analogia com um comerciante de escravos. Enquanto o escravista ganha dinheiro comercializando gente viva, o caçador de recompensas ganha dinheiro comercializando gente morta. Ele explica pra Django que precisa da ajuda dele, e que embora odeie a escravidão, ele depende da ajuda de Django para seu próximo trabalho, e que é conveniente que Django não tenha a opção de recusar ajuda, então que vai tirar vantagem da posição de escravo de Django. A ajuda que ele quer é que Django identifique os Irmãos Brittle para Schultz poder matá-los. Por essa ajuda, Schultz está disposto a recompensar Django com a sua alforria e também com parte da recompensa que ele ganharia pelos cadáveres dos Brittle.
Schultz não é um homem altruísta. Ele ajudou a aqueles quatro escravos a se libertarem, mas não se responsabilizou por eles. E não libertou Django, pois para ele era conveniente de outro modo. Seu desprezo pela escravidão é genuíno, mas ele ainda tem um bom distanciamento da causa, e é um personagem que ainda age em beneficio próprio, o choque dele ao ver as costas de Django afirma que ele não está acostumado a ver esse tipo de cena. Tendo isso em consideração, reforço o quão inapropriado é batizá-lo de King.
A negociação de Schultz e Django é interrompida com a chegada do xerife da cidade, que veio prender Schultz por trazer um negro pra cidade montado a cavalo e com isso “assustar as pessoas de bem.” Schultz atira no xerife sem piedade e o deixa morrendo no meio da rua. Agora o dono do bar vai chamar o delegado.
Pela cara de Django é notável que ele está se perguntando “em que porra eu estou metido?” conforme o delegado mandava os dois saírem do bar com as mãos atrás da cabeça. Mas Schultz pede para que Django confie nele e não faça nada precipitado. Os dois saem, e Schultz explica que o xerife era um fora-da-lei que se infiltrou como xerife na cidade, mas que a cabeça dele estava a prêmio, e que ele tinha permissão legal de matá-lo, chocando a todos.
No caminho até os Irmãos Brittle, Schultz puxa assunto com Django, pergunta o que ele fará com sua liberdade, e Django fala que tem planos de achar e libertar a esposa. Schultz fica surpreso de saber que Django era um homem casado.
Django e sua esposa, Broomhilda foram punidos por uma tentativa de fugir de seu antigo mestre, sendo vendidos separadamente, cada um para um branco diferente. Isso e uma queimadura de “fugitivo” no rosto foi o que eles ganharam.
Agora eles estão prestes a entrar na fazenda onde estão os Irmãos Brittle. Schultz explica que ele vai fingir para as pessoas na fazenda que ele não é seu escravo e sim seu vallet (uma palavra chique para empregado), e que Django pode escolher suas roupas para ir até essa fazenda, que pertence a um branco que gosta de ser chamado por suas escravas de Big Daddy.
Schultz chega e se apresenta. Ele apresenta a si, a Django, ao seu cavalo e ao cavalo de Django. Sempre que Schultz diz o próprio nome ele diz o nome de seu cavalo Fritz logo em seguida e repetiu esse hábito com Django. O filme dá uma grande enfase aos cavalos que os dois personagens montam, e existe um motivo para isso. Primeiramente ele leva uma bronca de Big Daddy, por permitir que um negro ande a cavalo, mas Schultz responde que seu vallet não anda a pé. Ele afirma para Big Daddy que Django é um homem livre.
Django não é livre ainda. Ele só está desacorrentado e com o direito de escolher suas roupas, mas ele ainda é um escravo de Schultz. Mas começando agora ao longo do filme seremos relembrados diversas vezes de que Django é livre.
Big Daddy tenta expulsar Schultz de sua fazenda, mas o dentista faz uma proposta generosa em dinheiro para poder comprar uma de suas garotas negras, e Big Daddy aceita negociar com Schultz. Isso é tudo um disfarce para manter Big Daddy ocupado enquanto Django procura pelos Irmãos Brittle na fazenda. Antes de se separarem, Schultz enfatiza que Django é livre e que ele quer que Django seja tratado como tal pelas demais pessoas na fazenda.
Big Daddy tenta ensinar para uma de suas escravas que Django não é escravo, e sim um homem livre e não deve ser tratado como escravo. A escrava pergunta se Django deve ser tratado como branco, e a resposta de Big Daddy é “não”(embora a de Schultz, não-verbalmente, tenha sido sim.), e Big Daddy explica que elas devem tratá-lo como tratam Jerry (um garoto conhecido de ambos cuja condição para ele ser tratado desigualmente não é especificada, mas é definitivamente pejorativa).
Uma vez a sós, Django e a escrava que está guiando Django pela fazenda, Bertina, começam a conversar, e Bertina pergunta o que Django faz para seu mestre. E Django enfatiza que ele é livre, o que faz Bertina questionar a escolha de roupas de Django, que é ridícula.
Aposto que para alguém que só vestiu trapo a vida inteira, ele achava que estava muito foda e com muito status naquela roupa chamativa. Deixa o Django brincar, Bertina, deixa ele se sentir foda, até outro dia ele andava descamisado e descalço no sol e acorrentado.
Django interroga Bertina sobre os Irmãos Brittle, e consegue localizá-los (eles trocaram de nome, mas Bertina dá informações que Django reconhece). Ele vê um deles a cavalo e identifica na hora como o homem que chicoteou ele e Broomhilda por tentarem fugir. Django pede que Bertina avise Schultz e vai até os irmãos. Ele vê um deles tentando chicotear uma das escravas de Big Daddy por quebrar ovos, e o mata com um tiro certeiro no coração. O outro, o que o chicoteou no passado, Django não mata na hora, mas o chicoteia antes descarregando todo seu ódio.
Quando eu vi essa cena no cinema eu achei que ia se tornar uma das cenas mais icônicas do filme. E acompanhando a repercussão dessa cena três anos depois, fico surpreso do quão pouco comentada ela é. Um escravo chicoteando um fazendeiro branco para torturá-lo. Isso é visualmente potente e altamente simbólico. Somado a isso, durante a cena a música que toca no plano de fundo se chama Freedom, e dado que liberdade é um dos temas do filme, não sei como ela passou tão batido entre os expectadores. Django termina o serviço com um tiro no escroto, e Schultz chega para matar o terceiro irmão. E assim como fez com o delegado, ele explica para Big Daddy que o nome dele é Dr. King Schultz, que o nome de seu parceiro é Django Freeman, pega os valiosos cadáveres e segue seu rumo com Django.
Mas não é simples assim. Big Daddy reune um bando de racistas montados a cavalo e vestindo capuzes brancos para matar Schultz (e Django) por ser um simpatizante de negros (e um negro), em uma clara alusão à Ku Klux Klan, muito embora o grupo oficialmente tenha sido criado somente depois da Guerra Civil. No caso esse grupo seria uma espécie de protótipo da KKK, pois não dá para fazer um filme matando racistas americanos e não incluir uns membros da KKK nas vítimas. Com uma armadilha em sua carroça, Schultz é capaz de matar quase todos os racistas encapuzados, mas ele deixa para Django dar o tiro que mataria Big Daddy.
E Django dá.
Agora Django é oficialmente um homem livre, no ponto de vista da lei, ao menos. Aos 46 minutos de filme.
A dupla de homens libertos novamente para num canto e troca uma ideia, e Schultz conta para Django a lenda alemã de Broomhilda, em cuja homenagem batizaram a esposa de Django. Broomhilda foi presa em uma montanha perigosa, guardada por um dragão perigoso, e um círculo de fogo. E lá ela espera, indefesa, a chegada de um herói. E vem esse herói chamado Siegfried. Ele passa todos os desafios sem medo, pois Broomhilda vale a pena. Ele e Django se conectam e a consciência de Schultz pesa. Ele sabe o que acontecerá com Django se ele sair por aí no Sul dos Estados Unidos tentando libertar uma escrava. Por isso ele propõe uma parceria com Django.
Schultz propõe que por alguns meses ele e Django cacem recompensas juntos. Schultz pagaria a Django um terço de cada recompensa, e Django treinaria tiro e ganharia experiência nessa carreira. E então em troca, quando acabasse o inverno, Schultz acompanharia Django para libertar Broomhilda. E Django topa o plano.
Schultz é disparado o homem branco mais decente do filme. O com mais cárater. O menos racista e o mais respeitoso aos outros seres humanos. Ele também é o único branco do filme que não foi criado nos Estados Unidos, o que provavelmente tem algum peso nisso tudo. Mas mesmo assim, ele ainda não dividiu os lucros com Django pela metade nesses meses que eles foram parceiros. Mesmo o branco mais decente dessa região não pagaria igualmente um homem negro livre.
Só estou jogando essa informação no ar.
Schultz acompanha Django no primeiro alvo que ele mata (desde que assumiu a carreira, pois ele matou dois dos Irmãos Brittle e pegou sua parte da recompensa), ele também ajuda Django a aprender a ler (ele já sabia um pouco, mas era bem ruim nisso), e ensina Django que o cartaz de “Procurado” do primeiro homem que você mata, você guarda, pois dá sorte.
O inverno acaba, os dois lucram muito, e chegou a hora de Schultz cumprir sua palavra e ajudar Django a recuperar sua esposa. Ele rastreia o local onde ela foi vendida, e descobre que ela foi comprada por Calvin J. Candie, dono da fazenda Candyland, a fazenda de escravos mais temida da região. Django afirma que não tem nenhum escravo que não ouviu falar de Candyland.
O plano de Django é simples. Entrar, roubar Broomhilda, matar quem ficar no caminho e cair fora. Mas Schultz acha mais seguro comprar Broomhilda e alforriá-la. O que evitaria que Django fosse enforcado por roubo e que Calvin tivesse o poder de recuperar Broomhilda, e propõe o seguinte e elaborado plano.
Ele iria até Calvin afirmando que quer comprar um dos escravos de Calvin. Por uma quantia exorbitante. Uma quantia que requereria que após tudo negociado Schultz voltasse para o banco para pegar esse dinheiro e só então voltasse para pegar o escravo que ele queria. E nesse processo ele compraria Broomhilda a um preço baixo, já que Calvin estaria no hype da mega venda que só faltaria ser oficializada. E assim Django e Broomhilda estariam alforriados e pronos para passar o resto de suas vidas juntos. O papel de Django nesse plano era se passar de parceiro de Schultz, ou seja, de um comerciante de escravos. Django acha humilhante ter que fingir que é um comerciante de escravos. Pois é o ponto mais baixo que um negro pode chegar naquela sociedade (o segundo mais baixo é o escravo da casa grande), mas pela Broomhilda, Django aceita engolir esse sapo e encarnar o personagem do tipo de ser humano mais desprezível que ele pode imaginar.
Schultz e Django chegam até uma mansão pertencente a Calvin Candie. Onde Calvin está entretido com uma luta de mandingos. Lutas mandingo são retratadas no filme como sendo uma brutal rinha de escravos negros que combatem entre si violentamente, para o entretenimento dos brancos. Repugnante, mas é o que o tipo de atividade que um homem cruel que mantém a fazenda mais temida pelos escravos poderia realizar.
Muitos historiadores discordam da ideia de que esse tipo de rinha de escravos existiu de verdade. Em especial depois que o tráfico negreiro acabou, e deixar escravos morrerem por esporte passou a se tornar uma atividade muito pouco lucrativa. Porém mesmo assim, Tarantino acredita que esse tipo de atividade existiu sim.
Schultz se apresenta justamente como um homem interessado em entrar nos negócios de lutas mandingo, para atrair a atenção de Candie, enquanto Django é deixado de fora da conversa. O advogado de Candie apresenta Django a um escravo servindo as bebidas e diz “o Django, que é livre pode beber o que ele quiser.”
Schultz e Candie assistem uma luta mandingo e é um rolê pesado. Quando o escravo de Candie ganha a rinha contra o escravo de outro branco na sala, Candie dá um martelo para o vencedor e exige que ele termine a luta com o martelo, para garantir que a luta fosse até a morte. E o escravo faz. Uma maneira forte de estabelecer que Candie é um sádico nojento, um dos personagens mais desprezíveis em um filme cheio de gente escrota.
Após a luta, Schultz e Django fazem a proposta para Candie. US$12.000,00 pelo terceiro melhor lutador de mandingo de Candie, e com isso conseguiram a atenção do filho da puta, e Candie os leva para Candyland para negociar melhor essa venda. Exatamente o que a dupla queria.
No caminho para Candyland, Django obviamente é antagonizado pelos demais brancos associados a Candie. Mas ele não aceita o desaforo e se impõe rapidamente entre os brancos através de intimidação, derrubando o branco que o ofendeu de seu cavalo, e apontando a arma para o outro. Candie viu a situação e tomou o lado de Django dizendo que ele não deve ser destratado. Candie simpatiza com Django, mesmo sendo um escravista racista nojento, alias justamente por isso é que ele simpatiza. Candie acredita na frenologia, uma abominação que um dia foi chamada de ciência, que acredita que os negros são pré-dispostos a servirem e brancos são pré-dispostos a dominarem, e que isso é natural e inevitável. Uma barbaridade que muitos racistas pensavam na época. E Candie crê que Django é um espécime raro que se assemelha ao branco, ou como ele mesmo chama “um preto entre dez mil.”, Django quer resgatar sua esposa, e entra nesse personagem para manter a paz com Candie.
Vimos como Django se relaciona com os brancos que trabalham pra Candie. Mal, ele não é aceito entre eles, mesmo sendo supostamente um “comerciante de escravos”, para esses brancos, Django é só um negro desacorrentado. Agora e com os negros? Embora mais de uma escrava de Candie tenham comido Django com os olhos, os escravos olham pra ele com desprezo, tal como Django havia dito que aconteceria, e Django rebate o desprezo com insultos afirmando pros escravos que estão certos em odiá-lo e que ele é pior que qualquer branco na região. Django encarna bem seu papel de negro comerciante de escravos, tanto que Schultz até dá um toque em Django para baixar a bola, mas Django fala que ele vai ser frio e sujar as mãos se for para o plano funcionar.
Esse papo todo é posto a prova quando Candie pune um lutador mandingo que fugiu, fazendo-o ser devorado por cães. Django é obrigado a olhar a cena e se manter frio e era obvio que Candie o estava testando, mas ele passa no teste. Schultz não consegue fingir bem como Django consegue, e fica extremamente desconfortável. Candie nota e menciona que se Schultz tiver problemas em ver negros sendo brutalmente assassinados vai se dar mal investindo em mandingos. E Django defende o disfarce de seu parceiro afirmando que ele meramente está desacostumado a ver um homem ser devorado por cães. “E você está?” pergunta Candie. “Eu estou mais acostumado aos Estados Unidos do que ele.”
Eles chegam a Candyland, após esse episódio, e em Candyland somos introduzidos ao personagem de Stephen. Lembram quando Django disse que ser um negro da casa grande era um ponto bem baixo na vida de um negro? Stephen é o negro na casa grande, que é introduzido escrevendo cheques e assinando “Calvin J. Candie.” Stephen não só é um negro da casa grande, como é quem faz as transações de escravos em nome de seu mestre. Ele é um negro da casa grande e um comerciante de escravos. E no segundo que ele vê Django, desacorrentado, montando um cavalo ao lado de homens brancos, ele não gosta nada do que vê.
Se tem algo que eu admiro nesse filme é sua habilidade de nos revelar muito sobre os personagens logo na primeira cena. Django em sua primeira cena era o único dos cinco escravos que não desviou o olhar de Schultz, pois não foi intimidado por ele. E fez questão de pisar no seu ex-mestre ferido no segundo em que foi comprado. Schultz extremamente educado e calmo ao redor dos dois escravistas na primeira cena, mas ao mesmo tempo não hesitou um segundo antes de atirar neles. Candie em sua primeira aparição obriga um escravo a matar outro a marteladas para seu entretenimento. E agora Stephen, o escravo que secretamente é quem gerencia as contas da mais temida fazenda dos Estados Unidos.
E Stephen já chega antagonizando Django, e ameaçando ele, até Candie deter Stephen e lhe explicar que Django é um homem livre. Candie introduz Django a Stephen e afirma que os dois são bem parecidos e vão se odiar. Candie afirma para Stephen que Django vai ser tratado com a mordomia de um convidado e Stephen protesta, mas obedece seu mestre.
Ao chegar na casa grande, Schultz pergunta por uma escrava que fale alemão, para ele se sentir mais próximo de sua língua nativa, e mordendo a isca, Candie pede que Stephen leve Broomhilda ao quarto de Schultz, uma vez que a antiga mestra de Broomhilda e Django ensinou alemão pra Broomhilda. O que não seria possível, pois Broomhilda estava sendo punida, por ter tentado fugir. Candie ordena que a punição seja interrompida, pois tratar Schultz com mordomia é o mais importante, e Stephen sob protestos obedece seu mestre.
Hilde é levada ao quarto de Schultz, onde eles conversam. Claro que a história toda de falar em alemão era um mero disfarce do amigo de Django para poder falar para Hilde do plano de libertá-la sem nenhum branco na casa escutar. Como de costume, no processo Schultz pega a garota de surpresa ao oferecer a ela um copo de água e falar com ela normalmente, como falaria com qualquer outra pessoa.
No dia seguinte. Schultz, Django, Candie e outros brancos de Candyland estão à mesa conversando e fechando as negociações de compra do escravo para rinha. No caso Schultz pretendia comprar um chamado de Esquimó Joe, E do lado de Candie está Stephen, puxando o saco de seu mestre, repetindo tudo o que ele fala para enfatizar o que ele diz, e rindo forçadamente de suas piadas. Uma bajulação que é até desconcertante. Enquanto isso, Broomhilda servia a bebida de Schultz e eles trocavam cochichos enquanto isso. Os brancos notaram isso, e chutaram que talvez os dois estivessem flertando e talvez Schultz estivesse querendo algo com a escrava (o que era a intenção de Schultz, pois justificaria a compra de Hilde), mas a irmã de Calvin fala que na opinião dela, a Hilde gosta mesmo é do Django. E é nesse comentário, que Stephen percebe que isso é verdade.
O escravo da casa grande não perde tempo e coloca Broomhilda na parede para saber porque ela se interessaria por Django. Ele pergunta se ela conhecia Django e ela nega. Mas Stephen não é burro e não acredita na mentira.
Após o interrogatório, é fechada a negociação da venda do Esquimó Joe (ou Hercules Negro, como Schultz iria chamá-lo em sua hipotética luta de mandingos), e após o brinde, Stephen resolve que ele quer humilhar Broomhilda na frente de Schultz e de Django. Por nenhum motivo, ele só está a fim de machucá-la emocionalmente pois percebeu que ela conhece Django. Só quer ser um grande de um pau no cu. Ele convence Candie a forçar Hilde a mostrar suas costas e suas cicatrizes para Schultz, sob a premissa de que um alemão certamente gostaria de ver as costas cicatrizadas de uma escrava.
O que pela reação de Schultz na primeira vez que ele viu as costas de Django, sabemos que não é verdade. Mas nessa humilhação, Stephen pode confirmar o que ele pensava, pois ele pode checar a reação de Django (se manteve calmo, mas colocou a mão na sua pistola, pronto para sacá-la a qualquer minuto). Ele manda Broomhilda pra cozinha onde a intimida por mentir pra ele, e após isso imediatamente volta para o lado de Candie.
Stephen dá uma desculpa de que precisa falar com Candie sobre a sobremesa em um assunto importante, e Candie desmerece seu escravo dizendo que não vai se levantar da cadeira para lidar com isso. Porém quando Stephen cochicha “me encontra na biblioteca”, tudo muda de figura. E Candie decide se levantar e ouvir o que Stephen tem a dizer.
Candie vai até a biblioteca onde Stephen o espera. Stephen espera pelo seu mestre sentado na poltrona, muito confortável, e tomando uma taça de um dos vinhos do Candie.
E nesse momento em que os dois estão a sós, vemos a real relação entre esses dois. Se na frente dos outros, Stephen é um bajulador lambendo as bolas de Candie em cada oportunidade, em privado, Stephen não tenta bajular seu mestre em nada. Ele fala palavrões, ele responde a Candie e explica que Schultz e Django estão fazendo Candie de idiota, e que eles não tem a menor intenção de comprar Esquimó Joe. E que eles vieram comprar a Broomhilda, e que se ele não tivesse tirado Candie de sua cadeira, ele teria sido trouxa e teria caído na armadilha do alemão.
Stephen explica com detalhes para Candie como ele foi manipulado e feito de trouxa, tudo em uma voz muito mais grossa do que a voz esganiçada que ele finge para os demais. Ele mostra quem é que realmente manda em Candyland. Candie não é bom com negociações, Stephen é o cérebro da fazenda, por isso que é Stephen quem assina os cheques.
Candie volta a mesa puto de ter sido manipulado. E resolve dar uma aula de frenologia para Schultz e Django, com o único objetivo de deixá-los incomodados.
Sério. Frenologia é uma coisa horrível. Essa é uma das cenas com pouca violência física em um filme com muita violência física, sangue e cenas fortes do quão desumana era a condição do escravo. Ainda sim ver Candie explicando frenologia é uma cena pesadíssima. Um associado de Candie entra durante a explicação apontando uma arma para Schultz e outra para Django, e ali Candie desmascara o plano dos dois e fala que ele não vai vender Esquimó Joe, mas que ele vai vender Broomhilda por US$12.000,00 e se eles não aceitarem a proposta ele vai matá-la na frente dos dois. Schultz aceita apavorado e Candie martela a mesa para fechar o acordo, enfatizando a mesma coisa que ele enfatizou em seu discurso sobre frenologia, que ao contrário do que ele disse antes de perceber que estavam sendo enganados, que ele não acha Django diferente dos outros negros, que ele acha Django somente mais um negro.
Agora Broomhilda é uma escrava de Schultz a alguns passos de ser alforriada, e poder ser livre com seu marido Django. Mas enquanto o advogado de Candie assina o documento de venda, Schultz só consegue pensar no escravo que foi devorado por cachorros. Aquilo foi demais pra ele, e agora que a máscara caiu, ele acha que aquele escravo foi morto em vão.
No primeiro encontro entre Schultz e Candie, Schultz descobre que Candie é um francófilo, e que insiste em fazer suas escravas cumprimentar suas visitas com Bon Jour e em ser chamado de Mounsieur Candie. Por isso, para manter a negociação amigável, Schultz cogitou fazê-la em francês, mas foi alertado para não falar francês perto de Candie, pois este não sabe falar francês e ficaria constrangido de isso fosse exposto.
Mas agora que essa tentativa de agradar não existe mais, Schultz resolve expor a hipocrisia de Candie e ferir seu orgulho francófilo ao trazer a tona o nome do escravo que ele deu aos cães. O nome do escravo era D’artagnan, mesmo nome do protagonista de Les Trois Mousquetaires, livro francês escrito por Alexandre Dumas, e ele pergunta se Dumas não reprovaria a morte desse escravo, uma vez que o próprio Dumas era negro. Candie fica sem resposta.
Schultz com os documentos de Broomhilda Von Shaft em mãos, afirma para sua escrava “pode se considerar uma mulher livre.”, mas Candie tem uma última coisa a dizer: que enquanto Schultz não apertar a mão dele, a negociação não está concluída. Ele ameaça Schultz de desfazer a negociação se não tiver a mão apertada. Candie sabia que ele ia pegar no orgulho de Schultz, que foi derrotado e obrigado a sacrificar US$12.000,00 que ele não pretendia gastar pela liberdade de Hilde. E tendo seu orgulho atacado, o alemão constantemente calmo e sorridente e educado, perde a compostura e dá um tiro em Calvin J. Candie, matando o filho da puta. Logo após matar Candie, ele olha ara Django e a última coisa que ele fala antes de ser morto pelos associados de Django foi “me desculpa, não pude resistir.”
Agora, Django está sozinho com Hilde em uma casa cheia de brancos onde um fogo cruzado acabou de começar. E Django sai matando a maior parte daqueles brancos sem piedade, mesmo que sua desvantagem numérica seja absurda. Tiros e mais tiros são dados em todos aqueles escravistas, até Stephen, virar o jogo pegando Hilde como refém. O grande ponto fraco de Django, a sua esposa.
Django se rende para Stephen.
Django Freeman, desacorrentado no começo do filme, agora está novamente amarrado. Entrou em Candyland um homem supostamente livre, mas agora está com uma máscara de escravos, nu e de ponta-cabeça, prestes a ser torturado. Um dos brancos de Candyland se prepara para torturar Django (sendo a tortura em si, a castração), mas Stephen interrompe e garante que ele não castre Django. Quando o branco se retira, Stephen tem uma conversa com Django.
Stephen agora volta a assumir a postura arrogante que ele só exibia quando estava a sós com Candie, o verdadeiro Stephen, por assim dizer. Stephen insulta todos seus mestres, dizendo que são um bando de branco que nunca tiveram uma boa ideia na vida, e agora estão tendo várias sobre como matar Django (a maioria envolvendo as genitais dele). Mas Stephen tem uma melhor: vender Django para um campo de trabalhos forçados, e consegue colocar essa ideia na cabeça dos brancos. Ele descreve para Django o quão torturado ele será, o quanto de sua dignidade ele vai perder, e o vende.
E no caminho do campo de trabalhos forçados. Django está sendo conduzido algemado amarrado ao invés de acorrentado, porém novamente escravizado, tal como ele começou o filme, andando enquanto acompanha um branco a cavalo. Mas agora Schultz não está lá para comprar Django e libertá-lo. Django terá que libertar a si mesmo. Ele manipula o branco que o guia até o campo, dizendo que ele é um caçador de recompensas, e que existe uma cabeça a prêmio de US$15.000,00 em Candyland pronto para ser morto. Não tem, é um blefe de Django que ele sustenta com o cartaz de seu primeiro alvo (que ele guardou, pois dá sorte). O branco está tentado, mas ele não tem certeza, então ele vai confirmar a história com os outros escravos que ele está levando para o mesmo campo de trabalhos forçados. Mesmo acorrentado e privado de sua liberdade, ele argumenta com seu captor que “Eu não sou um escravo. Eu por acaso falo como um escravo? Eu entrei em Candyland como um homem livre.”
Mas o branco ainda tem dúvidas, então ele vai até os outros escravos para confirmar a história. A resposta dos escravos é simples. “Ele não é escravo.”
O branco não nomeado e seus demais associados brancos libertam Django e dão uma pistola para ele. Ele não hesita e mata todos em um piscar de olhos. Os demais escravos encaram Django sem palavras. Django ordena que eles lhe deem a dinamite que os brancos tinham, e eles dão a dinamite para Django. Django monta em um cavalo, armado e com a dinamite e parte para voltar para Candyland, largando os escravos com sua jaula aberta no meio do nada. Os escravos olham para Django voltando para Candyland e sorriem.
Django chega em Candyland e sai matando todo branco que encontra. Ele encontra o corpo de Schultz jogado no chão. Ele fuça os bolsos do cadaver em busca dos documentos que alforriam Broomhilda. Ao conseguí-los, ele beija a própria mão e passa na cabeça do falecido amigo, e lhe diz Auf Wiedersehen que como o próprio alemão explicou em uma cena anterior do filme, se traduz para “espero vê-lo de novo”, irônico, pois com ele morto, Django sabe que jamais verá seu ex-parceiro novamente.
Django liberta Hilde do quarto onde ela estava presa. E agora ele parte para a casa grande de Candyland. Onde ele começa o tiroteiro. Após atirar em dois brancos (os que estavam armados), ele fala para os escravos: “Agora todos os negros eu recomendo que fiquem longe dos brancos. Exceto você, Stephen. Você está exatamente em seu lugar.” As escravas que pertenceram a Calvin J. Candie fogem da casa grande e todos os brancos da casa grande estão mortos. Sobrou só Stephen.
Como de costume, quando está a sós com Django, Stephen assumiu sua postura real pela terceira vez no filme, jogou fora sua bengala, usou sua voz natural e revelou que contou quantos tiros Django já gastou para matar todos aqueles brancos. Django revela uma pistola a mais e atira na perna de Stephen, agora ele realmente é manco, não é somente atuação.
Com Stephen no chão tendo sido baleado nas pernas, Django reafirma para Stephen que Candie disse uma única coisa na vida que não era pura merda, o fato de que ele era de fato um negro excepcional, um em dez mil. Ele abandona Stephen na casa grande e usa a dinamite para explodi-la com Stephen dentro enquanto Hilde observa a explosão junto dele, montada a cavalo. Django fumando o cigarro que um dia pertenceu a Calvin Candie e que refletia seu status.
Django monta seu cavalo, ele se lembra do inverno que passou junto de Schultz, onde seu parceiro lhe diz “Sabe do que as pessoas vão te chamar? De gatilho mais rápido do sul.”, e assim, junto de sua esposa ele parte daquela fazenda, enquanto a câmera continua mostrando a casa grande queimando.
E é o fim do filme.
Voltando a pergunta original. Django era livre? Bom, foi dito no filme nove vezes que ele era livre, mas ainda sim, tenho perguntas quanto a isso. Se ele era livre, por que ele foi facilmente vendido como escravo por Stephen? Que valor tinha a alforria que Schultz lhe deu, se qualquer um podia sumir com aquele documento e escravizá-lo? Não só isso, como Schultz insistiu em um plano elaborado ao invés de roubar Broomhilda, justamente para isso não acontecer. Mas Schultz foi ingênuo e é claro que isso pode acontecer.
A verdade é que ninguém mudou a maneira como tratar Django com sua liberdade. O único branco que tratava Django com respeito era Schultz, que o tratava com respeito desde quando Django estava algemado. Quem odiava Django, não o odiava por ser escravo, mas por ser negro. E por conta disso, ninguém passou a tratar Django como se ele não fosse um escravo. Os personagens do filme tiveram que reforçar nove vezes que Django não era um escravo, pois isso ainda era um conceito difícil para os personagens absorverem.
Uma pergunta melhor feita seria. Quando Django se tornou livre? Foi quando Schultz o alforriou? Ou foi quando Schultz tirou suas algemas? Ou foi quando ele mesmo, sozinho, liquidou os brancos que o levariam para o campo de trabalhos forçados? Ou foi quando ele explodiu a casa grande e partiu com Hilde montados a cavalo para o destino de escolha deles? O que era ser livre?
Na minha opinião, Django se tornou livre, quando ele montou o cavalo de seu falecido mestre. Ao longo do filme, quatro vezes foi chamada a atenção para o “absurdo” que era permitir que Django cavalgasse. A primeira foi pelo homem de quem Schultz comprou Django. A segunda, foi na cidade onde Schultz matou o xerife. A terceira, foi pelo Big Daddy. E a quarta vez foi por Stephen. Cada uma dessas vezes em um ambiente-chave do filme. Cada uma dessas vezes quem chamou a atenção para o “nigger on a horse” foi o antagonista central do ambiente (exceto no segundo caso, onde foi o povo massificado que chamou a atenção, e não um personagem específico). O ato de montar um cavalo tem um poder simbólico poderoso, simboliza o ato de decidir a direção do seu caminho, e metaforicamente, de sua vida. Foi Schultz que desacorrentou Django, foi Schultz que alforriou Django, mas também foi Schultz que deu a Django um cavalo.
Quando um dos associados de Candie é racista com Django, a primeira coisa que Django faz para demonstrar seu poder, é tirá-lo de seu cavalo. E Hilde, espera Django do lado de fora da casa grande montada a cavalo. Acho seguro presumir que Hilde provavelmente nunca andou a cavalo na vida, mas não foi um problema pra ela sair da casa grande, o que importa era o simbolismo. A imagem do cowboy a cavalo olhando o pôr do sol do horizonte simplesmente grita todo o contexto emocional de “land of the free”. Quando Django é escravizado pela segunda vez, ele anda amarrado seguindo um cavalo. Quando ele volta para Candyland, ele monta o cavalo que ele estava acompanhando.
E isso incomodava cada branco que ele encontrou, e incomodava também o Stephen, que era um negro, mas estava no segundo ponto mais baixo que um negro podia chegar. Os brancos se incomodavam de ver um negro livre, e o odiavam por isso. Então Django não se livraria de nenhuma hostilidade com sua liberdade. Quem tinha respeito por ele, tinha desde que ele não era livre.
Ao final, Django passou boa parte do filme livre sim, tão livre quanto todos reforçaram. Mas ainda sim, no momento em que seu cavalo deixou de seguir o cavalo de Schultz, e suas pendências com os brancos foram resolvidas (expressão que aqui significa: Hilde foi resgatada e se tornou livre também), Django se tornou ainda mais livre. Como se ele tivesse se tornado parcialmente livre na primeira cena, e verdadeiramente livre na última.