Gantz: O lanterna diurna e o herói. A Jornada de Kei Kurono. – Parte 1.  

Eu amo Gantz.

De verdade, acho um mangá fenomenal. Um dos meus mangás favoritos. Dentre meus amigos leitores de mangás, Gantz não chega a ser um mangá odiado, mas é certamente um mangá que não é muito bem-visto. Isso se deve a vários motivos:

O mangá tem uma história que se leva muito pouco a sério, e um descaso em justificar seus absurdos para os leitores. Tem um fanservice enorme e apelativo, pouca complexidade, muita violência apelativa. E é um mangá feito para ser lido na vibe de rule of cool, peitos e sangue.

E nada disso é mentira, o mangá tem essa imagem de si muito forte. Porém ainda sim o mangá tem uma coisa que me cativa muito. Seu protagonista. A sua complexidade, seu desenvolvimento, sua evolução e sua jornada em si. Kei Kurono é um dos meus protagonistas de mangá favoritos e eu adoro a maneira como ele é retratado em Gantz.

Alias, sempre lembrando, essa análise vai cobrir a jornada que ele faz no mangá inteiro para ver sua gradual mudança de atitude e transformação em herói. E naturalmente isso incluirá SPOILERS, assim como todos os outros textos do blog. Sintam-se avisados.

Enfim, esse cara que eu admiro tanto. É esse cara aqui, esse adolescente com cara de retardado olhando pôster de gostosas numa revista enquanto espera o metrô.

Vem uma velhinha e pergunta para ele se aquele é o metrô que vai para onde ela quer chegar. Kurono sabe que não é, mas ele tá sem saco de explicar o trajeto inteiro para a pobre senhora, então ele fala que é, só para ela não encher o saco dele.

Ou seja, ele é uma péssima pessoa.

Essa é visivelmente a primeira impressão que o autor queria que tivéssemos desse cara, um moleque que maltrata idosas perdidas ao invés de passar uma informação básica. E a primeira impressão de um personagem é fundamental, os autores fazem isso muito para simpatizarmos ou antipatizarmos logo de cara com um protagonista ou vilão, por exemplo.

Kurono é um jovem de 16 anos, sem conexão com absolutamente nada no mundo. Ele não tem amigos, acredita que todos as pessoas ao seu redor são dementes, e nunca foi incluído de verdade em sua família, até resolver morar sozinho para não ter que lidar com eles. Kurono deixou de se importar com tudo a sua volta, e nada o motiva a fazer nada que não seja meramente empurrar a vida com a barriga.

Mas no passado ele era o fodão. Quando Kurono tinha seus 8 anos, ele era o cara mais legal da turma, o mais destemido, que nas brincadeiras era sempre o que ia mais longe para ganhar os jogos. Era o tipo de moleque que pulava de uma ponte para cair em um caminhão para ganhar o pega pega. Ele era foda.

Mas agora ele é esse bostão que dá informação errada para idosas no metrô só para evitar falar com elas.

Nesse mesmo metrô ele reencontra Katou. Um cara que era da mesma turma que ele aos 8 anos. E finge que não reconhece porque ele é um escroto. Porém para a surpresa dos dois, um sem-teto acaba caindo nos trilhos do metrô, e Katou resolve salvar a vida do sem-teto. Ao ver que era incapaz de tirar o sem-teto do trilho do trem, ele reconhece Kurono e o chama para ajudar.

Agora com todo mundo vendo o Kurono ele tem vergonha de dar de cuzão e não fazer nada pelo sem-teto. Então ele vai ajudar o Katou a contra-gosto e tira o sem-teto da linha de metrô.

Olha só, ele acabou de salvar uma vida! Não é legal?

Ai ele morre!

Sério, o metrô aparece e atropela ele e Katou e os dois morrem e a cabeça deles voa, e é nojento.

Então logo enquanto perdia a consciência, Kurono se viu transportado em um quarto em Tokyo, com vários estranhos que também juravam ter acabado de morrer e com uma esfera negra no centro do quarto.

E essa esfera negra chama Gantz. Ela pega pessoas morrendo e teletransporta elas para esse quarto, dando a elas uma segunda chance, ele as arma e as obriga a ir matar alienígenas espalhados por Tokyo em troca de pontos como se fosse algum jogo.

E nessa primeira missão somos introduzidos a vários personagens dos quais 65% são buchas de canhão que não importam. Os outros são Katou, obviamente, Kishimoto, uma estranha garota que apareceu nua na sala após se suicidar na banheira como uma desculpa muito fajuta pro autor colocar mulher pelada na série logo de cara, e Nishi, o molecão niilista otário que se diverte com as caçadas alienígenas e não tem empatia pela morte de pessoas ao seu redor.

Na primeira caçada, Kurono se surpreende consigo mesmo com sua habilidade de superar os limites físicos e do bom-senso para sobreviver ao primeiro alien, saltar uma escada inteira numa queda que o mataria se o uniforme da caçada não o protegesse. Nesse momento Katou confirmou que embora Kurono tenha virado um bostão de personalidade, o espirito imbatível de Kurono ainda existia.

Após a primeira caçada só os quatro sobrevivem. E qual a importância deles? Bem nesse post vou analisar muito os personagens individualmente pela sua importância para o Kurono.

Kurono se apaixona por Kishimoto.Talvez se apaixonar não seja a expressão certa. Vou reformular a frase: Kurono fica com muito tesão por Kishimoto e sendo um virgem, ele fica na esperança de perder a virgindade para ela. Kishimoto era uma garota infeliz em casa que após a caçada descobre que não tem para onde voltar e acaba indo morar com Kurono por falta de opção melhor.

Porém ela está apaixonada por Katou, e essa frase eu não preciso reformular, ela genuinamente está apaixonada por Katou. E não dá bola pro Kurono. Isso vai deixando o rapaz frustrado. Até ele eventualmente ver que não tem chance de transar com Kishimoto e a expulsar do apartamento.

Depois ele se toca de como ele foi escroto em sua atitude com uma menina que não tinha pra onde ir, mas ele não consegue se redimir com ela. Ela meio que vai ficar puta com ele até morrer.

O que seria bem logo. Na terceira caçada.

A terceira caçada é a caçada mais marcante da série. Um número imenso de personagens novos é introduzido para morrer, e os velhos morrem juntos. É uma missão marcante por ter matado todos os caçadores exceto o Kurono.

O que inclui o Katou e uma sósia da Lara Croft que tirou a virgindade de Kurono.

Quando ele expulsou a Kishimoto de casa, ele se sentiu tão culpado que quando foi chamado de novo ao quarto, e viu que ela estava dormindo na rua, começou a chorar de culpa, e vê-lo tão fragilizado, despertou a simpatia dessa completa estranha. Que também estava achando que tinha morrido e em uma vibe de “nem ligo.” Kurono de maneira bem idiota pede para transar com ela e ela aceita. E é assim que ele perde a virgindade.

Mas durante o ato ele só pensa na Kishimoto e em como ele foi escroto com ela.

Enfim, a Lara Croft morreu na missão também, depois de descobrir que o Kurono não tinha sentimentos por ela e tentar impressioná-lo. E como eu disse o Katou também morreu nessa missão, vamos falar sobre o Katou.

Katou é um cara legal! Ele é alto e forte, e acredita na paz e na não violência. Durante as três caçadas ele se focou sempre em não matar os aliens e simplesmente captura-los. E fazia um esforço para todos saírem vivos, mesmo os que não contribuíam para as caçadas. Ele se importava com todos ao seu redor, e queria ser foda para proteger as pessoas.

O extremo oposto do Kurono que cagava para tudo.

Só que Katou se espelhou em Kurono e na garra que o moleque tinha quando criança a vida inteira. Ele sempre sonhou em ter a fibra do amigo, mesmo sabendo que Kurono tinha virado um bostão na adolescência. Ele tinha esse irmão que ele queria proteger, ele protegia quem sofria bullying no colégio e era um líder nato.

Não é a toa que a Kishimoto se apaixonou por ele. Ele era foda.

Quando Katou morreu, Kurono ficou mal. Ele viu que Katou era um fodão que sempre se esforçou para proteger todo mundo e viu a si mesmo como um merda.

Enquanto isso no colégio, onde Kurono também não tinha amigos nem nada que ele gostasse, ele faz uma aposta com os caras com quem andava (que ele não respeitava nem considerava amigos), e perde, e a punição era chamar a Tae Kojima para sair por uma semana. Quem é Tae Kojima? Uma menininha baixinha sem curvas com cara de criança, isolada, estranha meio otaku, que fica desenhando sozinha e que não tem amigos. Kurono não está muito afim de sair com essa menina, mas aposta é aposta e ele sai.

Pouco após a aposta. Um alien que Kurono não conseguiu matar em sua quarta caçada (que ele realizou sozinho, pois o Gantz não trouxe novos recrutas), aparece no colégio de Kurono e mata todos seus colegas, exceto Tae que é protegida por Kurono. E esse incidente tira de Kurono a responsabilidade de manter a aposta. Mas ele não consegue achar coragem para dispensar a garotinha e estende a relação dos dois até chegar o ponto em que ele se tornou namorado dela e realmente gosta dela.

E acabar namorando uma menina não-atraente por inaptidão social e terminar genuinamente apaixonado por ela é o grande turning point da vida de Kurono, pois pela primeira vez na vida ele deseja parar de voltar ao quarto. Ele não ter mais arriscar a vida, e quer poder ficar com Tae única coisa no mundo ao qual ele é apegado.

Afinal ele, ao contrário de Katou e Kishimoto, gostava do quarto com a esfera negra. Era onde ele se escapava da indiferença completa que era a vida dele, envolvido em algo no qual ele tinha um genuíno talento.

Fico genuinamente na duvida se o quote mais apropriado para descrever a relação de Kurono com as caçadas é a descrição feita de Marv no filme Sin City, em que afirmam que ele nasceu na época errada, e uma pessoa como ele devia ter vivido em tempos mais gladiadores. Ou se o discurso do Walter White em Breaking Bad admitindo que gostava de lidar com drogas, pois era bom nisso e se sentia vivo é melhor. Mas a relação de Kurono com as caçadas era um misto desses dois efeitos.

Alias, um detalhe que eu acho fenomenal. É que os caçadores usam uma roupa preta especial que dá a todos habilidades físicas incríveis. O que esse detalhe tem de fenomenal? Simples, o Kurono só é apto físicamente quando está vestindo a roupa, e quando está no colégio praticando esportes ele é tão bosta quanto sempre foi. Isso evidencia o contraste de que o único lugar onde ele é relevante é a caçada do Gantz. Outro ponto é que as habilidades físicas estando na roupa, todos os membros da caçada são excelentes físicamente. Mas Kurono ainda é o que se saiu melhor em todas as missões, isso mostra como o talento dele não é um talento físico que ele conseguiu na roupa, mas é como o instinto de sobrevivência e ousadia dele tira o melhor das habilidades da roupa.

Isso dava a ele uma habilidade imensa nas caçadas que ele jamais replicaria em qualquer outro contexto.

Agora vamos falar desse personagem chamado Izumi.

Izumi é um personagem que é introduzido como um ex-membro do Gantz, ou seja, um cara que participou de muitas caçadas e se libertou. Ele é extremamente desapegado de tudo, mas diferente de Kurono, ele tem tudo que Kurono sempre quis. Ele é popular e respeitado. É talentoso em tudo. É atraente e tem amigos e família, e pode namorar quem quiser. Porém mesmo tendo tudo que Kurono sempre quis. Ele não valoriza nada disso, ele sente falta do quarto.

Izumi, assim como Katou e Nishi, existe para ser uma comparação com o Kurono. Expor a personalidade de Kurono através de um contraste claro. A relação de Kurono com o Gantz é muito parecida e muito diferente da de Izumi com Gantz. Izumi genuinamente ama as caçadas, enquanto para Kurono elas são uma mera válvula de escape.

Izumi resolve voltar ao Gantz, e nas condições para retornar ao quarto da esfera negra, ele assassina um número absurdo de pessoas. E começa a quinta caçada.

Antes de falar da quinta caçada eu quero falar um pouco de Nishi. O moleque niilista que eu mencionei lá atrás. Eu só não falei tanto dele, pois ele morre logo na segunda caçada.

Nishi sofria bullying no colégio assim como Kurono. Ele era rejeitado por todos, e isso fez dele um cuzão sem empatia por ninguém. Para ele as caçadas faziam ele se sentir poderoso, e ele que sabia que as caçadas eram uma preparação pro apocalipse, estava genuinamente empolgado para ver o apocalipse chegar e destruir a humanidade com a qual ele não podia se importar menos. Ele era sádico e cruel. O típico moleque que antes de ir pro quarto Gantz descontava sua exclusão social matando gatos na rua.

Ele não era tão diferente assim de Kurono. Ele estava só estava muito mais afundado na sua cuzisse do que o Kurono estava.

O Nishi era um bom exemplo do que o Kurono possivelmente podia virar se ficasse muito tempo no Gantz sem mudar de estilo de pensamento.

Quando chegavam novos recrutas no Gantz, Nishi ficava na dele, não explicava nada para ninguém, e deixava todos morrerem para conseguir caçar os aliens com melhor eficiência, e estava acostumado a ser o único membro restante.

Kurono meio que estava adotando essa postura na terceira caçada. Alias era Katou quem contrariava Nishi tentando explicar para todos a situação para garantir a sobrevivência de todos se possível.

Na terceira caçada também, Kurono começa a sadisticamente torturar um alien, e Katou vê a nítida semelhança entre ele e Nishi.

O que impediu Kurono de virar um Nishi ao longo do mangá foi o bom exemplo de Katou, embora Kurono tenha esperado o amigo morrer para admitir isso. E ter se apaixonado por Tae.

Enfim, quando Kurono chega na quinta caçada. Ele também adota a postura do Nishi, fica na dele, e deixa todo mundo se foder. Com exceção de duas pessoas. Reika, a modelo/cantora/atriz/celebridade mais popular e mais gostosa de todo o Japão, que foi parar naquela situação também. E um senhor de idade que é apelidado de Velho por todos os personagens e sequer lembro o nome dele. Kurono ajuda os dois a sobreviverem,  e durante a caçada, ele, assim como em todas as outras, é disparado o caçador que mais mata alienígenas e mais se destaca. Durante toda essa caçada ele é auxiliado pelo Velho de quem fica realmente próximo.

Kurono nunca foi amado ou protegido pelo seu pai, vai formar uma amizade tão profunda e sincera com o Velho, que é fácil ver que o Velho se torna uma espécie de figura paterna pra ele. Alguém que vê o Kurono real e tem orgulho de ser amigo do rapaz.

Ao final da caçada, quando tudo acabou, ele decide contar tudo pros sobreviventes, e deixar seu egoísmo de lado. E quando isso ocorre, todos os sobreviventes dão a Kurono algo que ele jamais teve. Admiração. Todos eles o elogiam e falam o quão fodão ele foi. Todos concordam em fazer dele seu líder. E em seguí-lo no que diz respeito ao Gantz. Eles passam a respeitar Kurono e este se vê numa situação onde ele importa.

Kurono se inspira em Katou, e decide fazer um literal time de caçadores. No sentido de encontra-los fora das caçadas com alguma frequência para treinar estratégias, e os limites de seus equipamentos para poder garantir que todos sobrevivam as caçadas. E vira um líder para todas aquelas pessoas. Kurono começa a revelar o melhor de si quando as pessoas ao seu redor começam a respeitar o Kurono.

Enquanto isso na escola, um professor resolve humilhar Kurono inventando para ele o apelido Lanterna Diurna. Pois uma lanterna na luz do dia é uma coisa inútil que não faz diferença para ninguém, que nem o Kurono. O apelido pega e todos na escola exceto Tae passam a chama-lo assim. O quarto era literalmente o único lugar no mundo onde ele tinha algum talento e era respeitado por ele.

Agora, o Gantz tem uma regra clara. Ninguém de fora das caçadas pode saber sobre elas. E isso não é algo remediável. Eles tem uma bomba no cérebro para garantir que eles vão manter as caçadas em segredo. Por isso Kurono não pode contar para Tae jamais sobre o que ele faz no quarto com a esfera negra e todos os outros.

Ou seja, ele não pode contar que ele é amigo da Reika, a modelo mais gostosa do Japão. Que está por sua vez apaixonada por Kurono. Após uma investida forte nele, Kurono deixa claro que está apaixonado demais por Tae para ficar com Reika. Um paparazzi flagra os dois. Eles saem numa revista. E Tae insegura e impopular como é, tem certeza de que Kurono traiu ela com a modelo, afinal é a mais gostosa do Japão contra uma sem-curvas isolada.

Tae faz Kurono confessar que encontrava a Reika em segredo, e quando ele confessa, ela termina com ele e o rapaz fica devastado. Até acontecer o incidente. Durante a sexta caçada, Tae acidentalmente vê o time liderado por Kurono enfrentando Aliens. E como ela viu tudo, o Gantz faz dela o alvo para a sétima caçada.

Kurono e seu time tentam proteger Tae o máximo possível. Mas Izumi, motivado pela sua imensa inveja de Kurono por ser inferior a ele nas caçadas, lidera os novos recrutas que não tinham amizade com Kurono para matar a ex-namorada dele. E Kurono, faz o máximo possível para proteger Tae. Ela vê o quanto Kurono se preocupa em salvá-la e o quanto ele se arriscava para salvá-la. E ele conta a verdade para ela. E manda ela fugir. Porém ela consegue fugir e deixar Kurono para trás e é morta por Izumi.

Kurono fica devastado pela morte de sua namorada. Atinge o fundo do poço. E começa a questionar o sentido de matar aliens. Até que ele descobre que se ele completar um número especifico de pontos numa missão (100 pontos), ele consegue reviver uma pessoa que já tenha sido morta no Gantz. E então Kurono ganha uma nova motivação para continuar a ter sucesso nas caçadas. Reviver aqueles que ele perdeu. Tae. Katou. Kishimoto. Lara Croft. Todos.

Bom, e com isso encerro a parte 1 do post. Que vou dividir em dois para não ficar excessivamente gigante.

Mas é isso. Um cara extremamente excluído e sem importância no mundo, descobrindo um talento nato para a sobrevivência, que se manifesta em bizarras caçadas alienígenas, e o extremo contraste em que conforme ele vai ganhando mais respeito e reconhecimento nas caçadas segue sendo igualmente ridicularizado em sua vida pessoal.

Na segunda metade, testemunharemos o quanto as caçadas fizeram dele uma pessoa melhor, o quanto ele ainda tem muito a avançar para se tornar um herói, e qual o real potencial dele enquanto herói.

TO BE CONTINUED!